segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

MITOLOGIAS DO CÉU - JÚPITER (2)


PAÍS   DE   CANAÃ

Os fenícios fazem parte do chamado mundo cananeu, constituído pela imigração de povos semitas, que se instalaram num extenso território entre o mar Mediterrâneo e os desertos da Síria. Desde a idade do bronze, no terceiro milênio aC, o país de Canaã já estava formado, compreendendo a Fenícia e a Palestina. O conhecimento desse povo, e mesmo assim incompleto, só se tornou possível pelas explorações arqueológicas realizadas em Byblos e Ras Shamra.

Ao tempo das primeiras dinastias faraônicas, Byblos não passava de um pequeno núcleo urbano situado na costa marítima, mas era grande exportador de madeira para a construção naval, em especial de embarcações maiores, de alto-mar. Esses contactos comerciais possibilitaram aos egípcios, grandes compradores de madeira, entrar em contacto com a religião dos cananeus. 

BAAL   LEBANON
No topo do panteão fenício estava El, grande divindade solar, honrado por todos os semitas ocidentais. Ele velava por todo o país de Canaã, cuidando dos rios, da fertilidade da terra e dos ciclos do tempo. Honrado de diversos modos, sua imagem principal era a de um touro, Touro-El, símbolo de poder e força. Depois de El, vinha Baal, divindade oriunda do norte, com o título de Senhor do Norte ou Baal Lebanon, venerado sobretudo nas montanhas.

A associação de uma grande divindade como El ao touro é certamente uma referência à era astrológica de Touro (3822-1662 aC). É do início deste período que nos vem a concepção do céu como um touro celeste, de poder fecundante inesgotável, concepção muito difundida entre as tribos indo-europeias, incorporada às divindades uranianas da era de Áries. 

Quando Menes, o primeiro faraó historicamente conhecido, unificou o Egito, ele o fez em nome do touro Hap ou Ápis, reunindo desde então os cultos taurino e real numa síntese que vai atravessar séculos. Não nos esqueçamos que grandes divindades gregas, especialmente Zeus, tomaram muitas vezes a forma taurina para raptar as mortais que escolhiam ou se manifestar tempestuosamente através de fenômenos atmosféricos. O rapto da princesa fenícia Europa, que está na origem da civilização cretense, é um exemplo. Poseidon, por exemplo, era outra divindade que costumava tomar esta forma taurina. As aspas taurinas faziam parte, com grande destaque, da decoração do palácio real de Cnossos do rei Minos, em Creta. 


PALÁCIO     DE    CNOSSOS


Participando da grande síntese religiosa do Mediterrâneo oriental e da Ásia Menor, o touro sempre apareceu ligado, nesse cenário, aos grandes deuses e a ideias primordiais de fertilidade, de morte e de renascimento. Ideias como estas podem ser encontradas no chamado taurobolium, o sacrifício sangrento do touro, como o encontramos no mitraísmo.


TAUROBOLIUM

Embora o culto das grandes divindades da era de Áries tenha um caráter monoteísta, a sua expressão concreta adquiriu a forma trinitária. Dois importantes fatores, dentre outros, devem aqui ser invocados para que tal acontecesse. De um lado porque o três é o número receptáculo da totalidade, a imagem sensível da divindade, o número conclusão da manifestação. Três são as dinâmicas universais, impulso, estabilidade e destruição. O três é produto da união do um, o céu, com o dois, a terra, sendo inúmeras as suas representações gráficas e icônicas em todas as tradições. 

Por outro lado, quando a humanidade ingressou no chamado período neolítico, isto é, quando passou a privilegiar as formas sedentárias de vida social, diminuindo bastante a sua atividade predadora e coletora, o número três adquiriu grande importância ao exprimir a totalidade da ordem social. Com efeito, as tribos indo-europeias logo perceberam que qualquer agrupamento social tinha que ter por base esse número, que expressava uma visão global do mundo e uma hierarquia de valores. As analogias foram se estabelecendo, encontrando o homem o ternário em todas as manifestações vitais como aparecimento, permanência e destruição.


HÓRUS,       OSÍRIS       E       ÍSIS

Desde cedo na sua história, o homem viu a divindade atuando nos planos terrestres através do número três. Nasceram as trindades, como, por exemplo, as egípcias menfita (Ptah, Sekhmet e Nefertum), osiriana (Ísis, Osíris e Horus), a tebana (Amon, Mut e Khonsu), a persa (Ormuz, a sabedoria; Vahu Pensamento; Asha Vaista, a Perfeita Justiça). Na China, encontramos a tríade taoista (Céu-Terra-Homem), os três amigos (o bambu, o pinheiro e a ameixeira, símbolos da longevidade), os três tabus, aquilo que não se deve consumir (o pato selvagem, símbolo do amor conjugal; o cão, símbolo da fidelidade ao seu dono; e a enguia negra, símbolo da fidelidade e do devotamento ao soberano). No Budismo, encontramos a tripla joia, Buda (iluminação), Dharma (doutrina) e Sangha (comunidade) e as três características da existência humana, a natureza transitória de todas as coisas, o sofrimento (dukkha) e a ausência de um ego próprio.

DYAUS
Na Índia, por exemplo, nos tempos védicos, ocorreu aos poucos uma mudança na representação da manifestação da divindade. O deus criador, único, absoluto, no mundo pré-védico, Dyaus, vai ceder o seu lugar à primeira trindade da religião védica: Surya, Indra e Agni, três formas de manifestação do elemento ígneo, base dos cultos indo-arianos.



INDRA

A julgar pela quantidade de hinos a ele dedicados nos Vedas, Indra era a divindade mais reverenciada no panteão védico. Os atributos de Dyaus foram aos poucos sendo absorvidos por ele, passando para as suas mãos o trovão, o relâmpago e o raio, assumindo Indra o controle das manifestações atmosféricas, no que lembra o Júpiter grego. Era por sua vontade que as refrescantes chuvas tornavam férteis as terra ou como tempestades podiam destruir tudo. Se lembrarmos que durante uma boa parte do ano o solo indiano fica submetido aos tórridos raios do Sol, tornando-se endurecido de tal modo que difícil ou mesmo impossível se torna a atividade agrícola, não ficaremos admirados ao encontrar nos textos védicos os mais laudatórios cantos a Indra. 

Para os poetas dos tempos védicos, as nuvens que os ventos traziam da região oceânica eram conquistadas por Indra e obrigadas a se derramar em forma de chuva sobre o ressequido e gretado solo. Atendidas as súplicas, caindo as chuvas, os desertos se transformavam em terras férteis, proporcionando bem-estar e fartura. O que sempre se esperou de Indra nessas ocasiões foi, sem dúvida, algo mais físico que espiritual. O que o ser humano espera do céu é que ele seja bom, generoso, que proporcione celeiros cheios, que afaste as pestes e as catástrofes. Eis porque toda religião tem por finalidade a de fazer com que as manifestações celestes sejam benéficas. Se o céu é ruim, quando Indra se torna destrutivo (não só Indra, qualquer divindade celeste!), mau, a causa está em nosso comportamento inadequado na Terra, nossa impiedade, nossa desatenção para com os preceitos divinos. É preciso então fazer algo, adotar uma atitude diferente, fazer sacrifícios, oferendas, oblações. As religiões existem para fazer essa intermediação, cada uma com as suas fórmulas, seus hinos, suas preces, suas oferendas, seus ritos sacrificiais, seu poder de convencimento e o seu enriquecimento, maior ou menor, pois as oferendas acabam sempre nas mãos delas.


PRITHIVI

Indra era considerado como um filho de Dyaus, o Céu, e de
AGNI
Prithivi, a Terra. Como tal, era irmão de Surya e de Agni, o primeiro representando o fogo celeste e o outro o fogo terrestre. Indra seria o fogo intermediário entre o céu e a terra. Nesse contexto, raramente mencionada a sua origem. Aos poucos, ele se transformou numa espécie de divindade autógena, autogerada, se autopromovendo como  rei dos deuses. Antropomorfizado, era uma figura humana enorme, com quatro braços, levando nas mãos lanças e raios. Às vezes, suas imagens tinham apenas dois braços, seu corpo repleto de olhos, sendo chamado de Sahasraksha (o de mil olhos) nessa forma. Montava quase sempre o maravilhoso elefante Airavata (produzido a partir da água), criado quando do batimento (movimento pulsatório) do oceano primordial.


No Rig Veda, registra-se que Indra, desde o seu nascimento, deu provas inconfundíveis de sua divindade. Suas primeiras palavras foram: Diz-me, mãe, onde estão os violentos guerreiros cujos altivos corações meus dardos devem atravessar. Os hinos prosseguem afirmando que Indra não tem uma forma única e que pode adotar gloriosamente a que quiser, mudando de aspecto, sempre resplandecente, surgindo, porém, na maioria das vezes como um grande guerreiro com relâmpagos vermelhos em suas mãos, o seu visual preferido. 


Nas festas em sua homenagem, o Soma sempre correu solto, bebida intoxicante pela qual o deus tinha especial predileção. Mais do qualquer outro deus, Indra consumia enormes quantidades da bebida sagrada, principalmente quando de suas tempestuosas batalhas contra Vrita ou contra Ahi, demônios da seca na aparência de serpentes. É na forma que toma nas suas batalhas contra os demônios da seca que Indra se aproxima bastante do Zeus Brontaios (trovejante) e do Zeus Astrapaios (relampejante) dos gregos. Com efeito, Indra é o poder do raio (stanayintu), a energia onipresente que está na base da vida cósmica, celeste e terrestre.  

ASCLEPIAS
Nos textos védicos, Soma é o nome que se dá ao deus  que dá vida e representa o suco de uma planta, classificada cientificamente como asclepias acida, um arbusto quase desprovido de folhas, que dá umas pequenas flores brancas, agrupadas no extremo dos galhos. Ela proporciona um suco leitoso muito puro, ácido e doce ao mesmo tempo. A bebida religiosa, de caráter inebriante e hilariante, era feita com a seiva fermentada dessa planta, muito encontrada como trepadeira himalaica. Usada nos templos védicos, em libações aos deuses, a bebida era muito consumida pelos sacerdotes. 


TEXTO    VÉDICO

O deus Soma tem alguma semelhança com o Dioniso grego, sendo realçado em alguns hinos como o pai dos deuses. Num hino do Rig Veda, encontramos: Este Soma é realmente um deus, cura as mais tórpidas enfermidades de que pode sofrer o homem, cura o enfermo, conforta o triste, tonifica o débil e dissipa o medo. Com marcial ardor estimula o desfalecido, com altaneiros pensamentos inspira os poetas. Eleva a alma da terra ao céu, sendo assim grandes e maravilhosos os seus dons. Com ele, o homem sente o deus em suas veias e exclama em voz alta frases de louvor: saciamo-nos com o suco do Soma e nos tornamos imortais; entramos na luz e com ele conhecemos todos os deuses. Que mortal agora poderá nos fazer algum mal ou que inimigo atormentar-nos? Graças a ti, deus imortal, acima de toda a perturbação.

INDRA
Dourado, com braços que alcançavam grandes distâncias, Indra, como se disse, podia tomar as formas que desejasse. Além do raio, usava dardos e flechas. Às vezes, vinha num carro puxado por vinte fogosos cavalos. Como divindade do firmamento, governava o tempo e dispensava as chuvas. É representado frequentemente como o grande destruidor dos Asuras (demônios desprovidos de luz). Fazem parte do séquito de Indra os Maruts, divindades das tormentas, que também usam os relâmpagos e raios como armas. 


ASURAS

MARUTS
Os Maruts são filhos de Aditi, também chamada Deva-Matri, mãe dos deuses, grande mãe primordial, uma expressão feminina do céu visível. Ela desejou ter um filho mais poderoso que Indra. Para isso, procurou para pai de seu futuro filho, dentre os grandes sábios védicos, um dos maiores profetas (Rishis), de nome Kasyapa. Tomando conhecimento da história, Indra atacou
DEVA - MATRI
Aditi com um raio, dividindo a criança que ela carregava no seu ventre, já pronta para vir à luz, em quarenta e nove partes. Vindas à luz, as quarenta e nove crianças começaram então a chorar convulsivamente. Indra procurou silenciá-las, dizendo-lhes não chorem, não chorem (
ma rodth, de onde sai o nome Marut). Os Maruts são divindades associadas aos ventos, sendo por isso chamados de Uivantes. Eles representam o sopro vital do cosmos (Vayu-prana), penetrando os centros vitais de todos os corpos vivos, nos quais se manifestam como energias vitais. 


KASYAPA

Indra é a divindade contemplada com o maior número de hinos nos Vedas, a ele se comparando apenas Agni. É venerado sobretudo na sua forma benéfica como aquele que propicia a fertilidade e a abundância. Figura central da mencionada trindade (Surya, Indra e Agni), rei de todos os demais deuses, Indra tem o seu domínio celeste numa região de grande beleza e esplendor, chamada Swarga, tendo a sua capital o nome de Amaravati.


ESTUPA    AMARAVATI

Vários homens-santos da Índia fizeram muitas vezes severos reparos ao comportamento de Indra, principalmente quanto à sua tendência de consumir enormes quantidades de Soma e à sua exagerada sensualidade, ilustrada por inúmeras aventuras amorosas. O seu comportamento libertino o levava muitas vezes a se divertir com os homens-santos, pois é comum que ele envie ninfas celestiais para tentá-los ou para desviá-los de penosas mortificações às quais costumam se submeter.   
KRISHNA
São conhecidas em toda a Índia as desavenças entre Indra e Krishna, avatar de Vishnu. Muito venerado na região Vraja (terra de pastores), onde passou a sua juventude, Krisha, oriundo também desse mundo pastoril (Mathura), persuadiu os seus adoradores a deixar de cultuar Indra. Enraivecido, Indra enviou um grande dilúvio para punir os seus antigos adoradores. Revidando, Krishna deslocou uma grande montanha para colocá-los a salvo das águas, demonstrando o seu grande poder, reconhecido por Indra. 


MONTE    MERU

A residência oficial de Indra se localiza no monte Meru, ao norte da cordilheira do Himalaia, fabulosa elevação que representa o centro para o qual a Terra se volta. O céu dos demais deuses se situa um pouco abaixo do de Indra, mas na sua proximidade. Do complexo habitacional de Indra fazem parte inúmeras construções, há enormes jardins floridos, muitas árvores, lagos etc. As mais formosas ninfas, as Apsaras, embelezam a vida do deus e de seus convivas, enquanto músicos e dançarinos, sem rival em todo o universo, interpretam e coreografam maravilhosas melodias. As colunas que sustentam os edifícios são de diamante, sendo os palácios, tronos e mobiliário de ouro puro. O reino de Indra é de uma magnificência e de um esplendor sem iguais. Em Amaravati (Cidade Imortal) está localizado o seu Vaijayanta (Palácio das Vitórias). O parque que o cerca chama-se Nandana (Lugar das Delícias). 

Na qualidade de rei dos deuses, dizem os textos upanishádicos, Indra contém as características de todas as demais divindades, sendo, por isso, o maior dentre todos. Embora velho, é sempre jovem; encarna, por isso, as virtudes da juventude, do heroísmo e da generosidade, possuindo a sabedoria da velhice. Sua atitude é a da ação, do serviço, mas pode usar também a força para obter a vitória, o poder e o butim. Ele é protetor natural dos guerreiros e ajudando-os com o seu raio e com o seu arco (arco-iris). 


SHIVA

Em expressões mitológicas tardias, sob o ponto de vista cultual, Indra torna-se-á um dos aspectos de Shiva, embora continuando a ser considerado com o rei dos deuses, mantida sempre a sua alta dignidade. É também o soberano dos sacrifícios, grande dançarino e mago, sendo sempre a divindade mais reverenciada nas cerimônias em que entre o Soma. 

São inimigos naturais de Indra os anti-deuses, principalmente Namuci, o demônio que produz a obstrução das correntes celestes que dão água à Terra. Depois de ter vencido os Asuras, Indra enfrentou esse pavoroso e fortíssimo monstro, chegando Namuci a subjugá-lo. Entrando num acordo com Indra, o monstro o libertou com a promessa de que ele nunca ousaria matá-lo quer durante o dia ou à noite, nem através do úmido (excesso de chuvas) nem por meio do seco (prolongadas estiagens). 

Uma vez liberto, Indra aproveitou-se de um crepúsculo (nem dia nem noite) para atacar Namuci, usando para vencê-lo enormes quantidades de espuma, algo que não participa nem do seco nem do
BRIHASPATI
 úmido, como o confirmam aliás todas as autoridades religiosas que se manifestaram sobre esse grande acontecimento. Mesmo assim, para expiar este crime, Indra teve que abandonar o seu trono celeste. Ele passou a viver por muito tempo escondido na haste de um lótus de onde saía somente a pedido de Agni, o deus do fogo terrestre, e de Brihaspati, o preceptor dos deuses. Durante o período de expiação de seu crime, Indra era visitado pelo remorso na forma de uma mulher de baixo nível social, de uma família de intocáveis.

APSARAS
Indra, como se deu a entender acima, ama o prazer e a bebida. Sua crônica amorosa é vasta, sendo célebre a sua lubricidade e cenas de adultério (no que lembra muito Zeus dos gregos). Consta que ele envia as Apsaras, as maravilhosas ninfas de sua entourage para perturbar a meditação dos homens-santos e acabar com as suas austeridades, receoso do poder espiritual que eles viessem a conquistar. São famosas as suas investidas contra as mulheres de sábios e de filósofos. Um deste sábios, Gautama, ficou tão enraivecido com Indra que lançou contra ele uma maldição tão poderosa que o corpo do deus ficou coberto de marcas muito semelhantes à forma do órgão sexual feminino, chamadas de sayon (vulvares), mais tarde transformadas em olhos, como sinal religioso, advindo daí um dos apelidos do deus, Sahasraksha, o de mil olhos. Não nos esqueçamos que Indra é a encarnação da virilidade, representado por isso por um touro, o macho perfeito.

Uns fazem seu nome provir da raiz id, que tem o sentido de poder. Outros, porém, mais numerosos, encontram no seu nome a raiz indu, gotejar, o que liga Indra naturalmente ao elemento líquido, às chuvas. Uma outra etimologia nos chega através de uma pequena história: assim que nasceu, Indra olhou para todas as coisas presentes no universo e pensou: Que será possível descrever como algo diferente do que se é? Ele compreendeu então que a imensidão, o Brahman, era a única entidade que se bastava a si mesma e disse então (os deuses amam o mistério): Eu o vi! (Idam adarsha). Seu nome saiu desta expressão, idam-dra (visto aquilo, ou aquele que viu o todo). O aspecto e a conduta de Indra estão descritos nos Vedas. No plano terrestre, Indra passa por filho de um sábio, Kasyapa (Visão); sua mãe é a Aditi (Extensão Primordial). 


KASYAPA
Kasyapa é um sábio védico, mítico, um rishi, a quem alguns hinos do Rig Veda são atribuídos. Segundo o Mahabharata, o Ramayana e os Puranas, ele descendia diretamente de Brahma e era pai de Vivaswate, o pai de Manu, o progenitor do gênero humano. Kasyapa casou-se com Aditi, a Ampla, a Ilimitada, o céu infinito quando comparado com a Terra. Aditi é a Deva-Matri, mãe dos doze Adityas, os doze deuses solares, correspondentes aos meses do ano. 





Indra é conhecido por diversos apelidos, destacando-se dentre eles: Sakra, o poderoso; Divapati, o Senhor dos Deuses; Bajri, o que dirige os raios; Vritraha, o destruidor de Vritra; Meghavahana, o que monta sobre as nuvens; Mahendra, o grande Indra; Swargapati, o Senhor do Céu; Marutwan, o Senhor dos Ventos; Jishnu, o Senhor das hostes celestiais; Puran-dara, o destruidor de cidades; Ugradhanwam, o do arco terrível. 

INDRANI
Da esposa de Indra pouco se fala. Seu nome é Indrani, Aindra, às vezes chamada de Sachi. Num dos hinos védicos se lê que dentre todas as mulheres, a mais feliz é Indrani, pois seu marido jamais morrerá de velhice. Assim como o trono de Indra é perpétuo, assim é Indrani com relação a ele, a sua perpétua esposa, aconteça o que acontecer. Indra escolheu Indrani por causa de sua grande sensualidade, preferindo-a a Shruta-vati (Conhecimento-das-Escrituras), apesar das grandes mortificações a que esta se submeteu para conquistá-lo.  Indra teve três filhos: Jayanta (Vitorioso), Rishabha (Táureo) e Midhusha (Liberalidade). São também filhos de Indra o todo-poderoso Valin, rei dos macacos, e um dos Pandavas, o príncipe Arjuna, chamado por isso de Aindri, personagem central do poema Bhagavd Gita.

O cavalo de Indra chama-se Uccaihsravas (O que relincha ruidosamente). Como o elefante branco Airavata, ele também nasceu do movimento pulsatório das águas oceânicas. O carro (vimana) é de ouro e é chamado de Jaitra (Vitorioso). Quando Indra atravessa os céus com ele, produzindo um barulho de tempestades, as nuvens se dispersam. As cores de predileção de Indra são o dourado e o azul escuro, usadas para as suas vestimentas e emblemas. 


RAIO   DE   INDRA
O raio de Indra foi forjado pelo grande artista divino Tvashtri; com ele, Indra corta montanhas e decepa a cabeça de seus inimigos (Vritra). Carrega ainda consigo um arpão em forma de gancho, boleadeiras, um arco (arco-iris, chamado Vijaya, vitorioso), uma espada chamada Parajaya (Conquista) e uma concha, Devadatta (Dom de Deus). A sua arma preferido é entretanto a magia, da qual é patrono.

BRIHASPATI
Indra é também muito conhecido pelos nomes de Brihaspati ou Brahmaspati, equivalentes. Estes nomes personificam Indra como a divindade que orienta o discípulo, o adepto, na sua busca de contacto com os planos superiores de consciência, representados pelos deuses. Neste sentido Brihaspati é o protetor do suplicante, do sacrificante, ajudando-o inclusive a vencer as pressões internas e externas que tentam desviá-lo dessa busca.

A história do nascimento de Brihaspati é curiosa. Dos textos religiosos (Devata Tattva) consta que a esposa do sábio Angiras (Flamejante), um dos rishis, por causa de uma falta cometida, teve um filho natimorto. Brahma a aconselhou a praticar uma forma de ascese chamada pumsavana (a doadora de filhos). Tendo aprendido todas as técnicas desta ascese com o sábio Samat-Kumara (Juventude Perpétua), a esposa de Angiras deu nascimento a um filho que recebeu o nome de Brihaspati, grande mestre que assumiu na Terra as funções de orientar a conquista da inteligência superior (buddhi) e de nos céus assumir as funções de preceptor dos deuses.

Angiras é um dos maharishis e é considerado como um dos pajapatis, progenitores da humanidade. É um inspirado legislador e um produtor de textos sobre astronomia-astrologia. Junto com Brihaspati, vem seu filho, confundido com o próprio planeta Júpiter. Tem Brihaspati os apelidos de o sacerdote dos deuses e o senhor dos sacrifícios. Seu nome vem da raiz agni, fogo. Suas mulheres chamam-se são Smiriti (Memória), Shraddha (Fé), Swadha (Oblação) e Sati (Verdade).

Brihaspati ensina sobre a ciência dos luminares (Jyotish Vijñana), isto é, a astronomia-astrologia, sendo, nesta função, uma espécie de regente dos luminares. Dourado, brilhante, sentado no seu carro, chamado Niti Gosha (Ruído das Boas Regras), ele controla o movimento dos planetas. O sábio Bharadvaja (Andorinha) é seu filho. Como rishi também, muitos hinos são a ele dedicados. É pai de Drona, o preceptor dos Pandavas. A andorinha, como se sabe, é pássaro ligado simbolicamente à fertilidade, a grandes viagens e ao eterno retorno, anunciando a ressurreição. 


PANDAVAS

Na função de preceptor dos deuses, Brihaspati aparece como modelo do sacerdote familiar (Purohita), sendo reconhecido por Jyotish (Astrologia Védica) como regente do signo de Sagitário (Dhanus). No Rig Veda, se registra que Brihaspati tem sete rostos e sete raios. Tem dois chifres, usa um arco, flechas e um machado de ouro. Seu carro é puxado por cavalos vermelhos. Vence seus inimigos destruindo as suas fortalezas, sendo sempre invocado ao início de qualquer batalha. Nenhum rito pode ser considerado completo sem a sua invocação.

Dentre os principais apelidos pelos quais Brihaspati é destacado, mencionamos: Brahma-napasti (Senhor dos Sacerdotes), Sadasaspati (Senhor das Assembleias), Jyeshtha-raja (Rei dos Arcanos) e Ganapati (Senhor das Cortes Celestes). Sua esposa é Dhena (Discurso), também chamada de Vani (Palavra).


VISHNU                                  SHIVA                               BRAHMA

Quando da ascensão das novas dinastias divinas, especialmente da grande trindade hinduísta, Brahma, Vishnu e Shiva, textos religiosos nos falam que Brihaspati venerou Shiva por milhares de

anos. Como recompensa, Shiva o teria transformado no planeta Júpiter. Nesta condição, sua esposa é Tara (Estrela). Segundo os Puranas, Soma,  deus lunar, raptou-a, o que ocasionou uma grande batalha entre divindades e asuras. Com a intervenção de Brahma, tudo se restabeleceu; Tara foi devolvida, mas juntamente com um filho que tivera de Soma, chamado Budha, o planeta Mercúrio. A palavra Tara nas doutrinas tântricas tomou o sentido de aquela que leva à outra vida ou aquela que nos faz atravessar.

Brihaspati é muito conhecido por ser o autor de livros sobre preceitos legais, de inúmeros textos políticos e de instruções sobre a melhor maneira de se tornar a compaixão ativa. A ação de Brihaspati estendeu-se inclusive ao mundo dos anti-deuses através de propostas que lhes fez no sentido de que se praticassem a caridade (dana) e a ascese (tapas) poderiam adquirir poderes semelhantes aos dos deuses. 


JYOTISH
Na Astrologia Védica, Jyotish, Indra aparece com o nome de Guru, mestre. A figura do Guru é muito importante para os hindus, como se sabe, na primeira das quatro fases (ashramas) da vida do ser humano, a fase do aprendiz. As demais são, lembremos, a do chefe de família (grihastha), a do ser no mundo como chefe de família; a do que se retira para a floresta e se exercita na meditação (vanaprastha); a do ser errante e mendicante (bikshu).

A palavra guru (etimologicamente, pessoa grave, em sânscrito) quer dizer mestre. A primeira função do guru na vida hinduísta tem ligação com o ensino, é o mestre por excelência. Ele deve orientar as buscas de seu discípulo, afastar as suas dúvidas, responder às suas questões, ajudá-lo a tomar mais claramente consciência de seus objetivos, fornecer-lhe temas de estudo e de meditação, os textos que ele deve aprofundar etc.

É essencialmente nos papéis acima que o vemos através de seus escritos, quer se trate de escritos pessoais enviados aos seus discípulos, conversações, palestras para grupos mais numerosos ou de textos para publicação. Estas atividades, todavia, não são as únicas. Mais do que a transmissão escrita (pouco incentivada), a oral é a privilegiada, ambas, porém, sempre consideradas como menores diante da importância dada à vida vivida concretamente. As transmissões orais dos verdadeiros gurus, no geral, principalmente para os ocidentais (que falam e escrevem demais), são de um laconismo exasperante.  


GANESHA   DEUS   DA   ASTROLOGIA   VÉDICA

O contacto inicial entre o guru e o discípulo é chamado de iniciação (upadesha, diksha), momento em que este último recebe, para conservá-la em segredo, uma fórmula  sagrada (mantra) que a partir de então simbolizará e sintetizará a sua procura (sadhana). É comum também que no mesmo momento o discípulo receba um outro nome, algumas vezes o seu próprio mantra. Tudo isto todavia é sempre considerado como a parte mais exotérica da iniciação, mais exterior. As palavras trocadas neste encontro inicial estabelecem uma ligação de caráter formal, solene, repetido há muito, num longo encadeamento, entre gurus e discípulos. 

GURU

Ao estabelecer relações com um discípulo, o guru assume deveres e obrigações imperiosos. Ele se torna o responsável pela vida espiritual de seu discípulo do mesmo modo como o pai do jovem é o responsável por sua vida material. Ambos se situam praticamente no mesmo nível de autoridade, cada um na sua área de competência. De sua parte, o discípulo deve ao seu guru obediência (shushurusha) e uma devoção única (guru-bhakti). Estas relações são tão fortes na Índia que ainda hoje a legislação do país as reconhece legalmente.

Para assumir a condição de guru e desempenhar o difícil papel que lhe cabe, há necessidade de que muitos requisitos sejam observados. Quanto às grandes qualidades, são necessárias: a) controle sobre a atração que o mundo material e o mundo espiritual exercem; b) saber discriminar entre o eterno e o efêmero; c) possuir as seis virtude morais necessárias: paz de espírito (sama); domínio dos órgãos (dama); renúncia aos desejos (uparati); persistência (titiksha); placidez (samadhana); fé (shaddhra), tudo isto canalizado para a quarta etapa da vida de um hinduísta, a busca de moksha, libertação final.

ASHRAM


Segundo a tradição clássica hindu, o discípulo deve viver perto do guru, de preferência num ashram, inclusive no caso de um guru itinerante. A prática dos ashrams ainda é muito valorizada na Índia. Neles é comum o acolhimento de sadhaks (buscadores) de passagem, discípulos de outros gurus, mesmo que o ensino seja muito diferente. Procura-se, com isso, ampliar o universo do discípulo, eliminando sentimentos negativos como os de concorrência ou oposição. Não há regras definidas para a vida num ashram. Cada guru as estabelece, dirigindo-o com toda a liberdade. Cada um deles tem uma fisionomia própria.