segunda-feira, 4 de junho de 2018

CAPRICÓRNIO (3)



NINFA   AMALTEIA

CORNUCÓPIA
Entre os antigos gregos, a constelação de Capricórnio era uma homenagem de Zeus à ninfa Amalteia (maltakos, em grego, é suave, doce, terna) que, na forma de uma cabra, o amamentou quando escondido pela mãe, Reia, em Creta, para protegê-lo do pai, Kronos, que devorava seus filhos assim que nascidos. Mais tarde, brincando com a sua ama-de-leite, quebrou um de seus  chifres. Redimindo-se, Zeus o
PALAS ATHENA
transformou na cornucópia, símbolo da abundância, depois atributo tanto de Tykhe, deusa do Acaso, entre os gregos, como de Flora, deusa do mundo vegetal, entre os romanos. Da pele do animal  (
aigós) fez um escudo, a égide (aigis), palavra que tanto traduz uma ideia de proteção, como arma de defesa, e como arma de ataque, com o sentido de furacão, tempestade. A égide, neste sentido, cedida por Zeus, passou a ser usada por Palas Athena, nela se fixando emblematicamente a cabeça da Medusa, a Górgona que Perseu matou.


AURIGA
Entre os gregos, a cabra montanhesa sempre apareceu associada ao relâmpago, a chuvas e a tempestades. Isto se deve evidentemente ao solstício de verão (a cabra é um dos animais do eixo Câncer-Capricórnio) e, astrologicamente, à influência da estrela da Cabra, Capella, que sensibiliza atualmente o grau 21º-22º de Gêmeos). Esta estrela faz parte da constelação do Auriga (10º de Gêmeos-3º de Câncer).

MOISÉS - ( G. DORÉ, 1832 - 1883 ) 
Quanto aos judeus, Javé, como se disse, manifestou-se a Moisés no alto do Sinai entre relâmpagos em meio a uma grande tempestade. Esta a razão pela qual a cobertura do tabernáculo foi feita de pele de cabra. O tabernáculo, tenda, em latim, entre os hebreus continha a arca da aliança. No templo de Jerusalém, construído por Salomão, o tabernáculo era o “Santo dos Santos”. No culto cristão, ele passou a guardar as
TABERNÁCULO
hóstias consagradas. Onde quer que se encontre, o tabernáculo lembra o templo na sua origem, a arca da aliança, onde a lei recebida era guardada, parte da própria energia divina, prefigurando a Jerusalém celeste. Numa sinagoga, o tabernáculo, a santa arca, guarda os rolos da Torá. A festa do tabernáculo, Sukot, é uma das grandes cerimônias do judaísmo, celebrada no mês de Tishrei, associado ao signo de Libra, o sétimo mês do calendário hebraico a contar de Nissan (Áries) e o primeiro mês a contar do ano novo (Rosh-há-shaná).



SUKOT ( MARC  CHAGALL , 1887 - 1985 )

Astrologicamente, como sabemos, a pele tem relação com Vênus (Libra), com Saturno (Capricórnio) e com Mercúrio (Gêmeos), ou seja, respectivamente, significando contacto, lugar de toques, carícias, quanto ao primeiro planeta; limite, defesa, isolamento quanto ao segundo; e respiração, troca com o exterior, comunicação, quanto ao último. Fixando-nos em Capricórnio, é importante ressaltar que a pele é o maior órgão do corpo humano, representando cerca de 15% do peso corpóreo. Por ser o único órgão que tem contacto com o meio externo, funciona como barreira e também serve para estabelecer contacto com esse meio e o interior do corpo, protegendo o ser humano de agressões externas, regulando a temperatura e mantendo o organismo em equilíbrio.  Detalhando-se um pouco mais, lembre-se ainda, sob o ponto de vista astrológico, que Vênus tem domínio sobre a epiderme (a camada mais externa da pele) e que Saturno com a derme (a camada mais profunda da pele).

Sabemos que, de um modo geral, os capricornianos têm a pele sensível, que esse revestimento exterior reflete muitas vezes seus tormentos interiores e que ele, a pele, por isso, costuma se constituir num lugar privilegiado de somatizações; cóleras recolhidas, emoções não exteriorizadas, falta de sensibilidade para com os próprios sentimentos e os dos outros; dificuldades com qualquer tipo de intimidade podem deixar marcas profundas (algo até como esfoladuras nos casos mais significativos) na pele dos tipos capricornianos ou mesmo na de outros tipos astrológicos em que Saturno ocupe uma posição relevante, especialmente se em relação desarmônica com Vênus. É neste sentido que Capricórnio (e os demais signos de terra, Touro e Virgem, também, a seu modo) é tido como bem mais estoico do que é na realidade, simplesmente porque só toma consciência de seus “ferimentos”, de seus problemas cutâneos, com muito atraso, depois de muito tempo, de muitas marcas, no geral pouco notadas. 

ZEUS
A cabra Amalteia nos conduz naturalmente a um outro personagem capricorniano, muito ignorado quanto a esta associação. Refiro-me a Pan, divindade dos povos gregos da Arcádia. Além de Zeus Lycaios (Lobo), naturalmente, as duas divindades mais veneradas na região eram a deusa lunar Ártemis e Pan. É interessante registrar que os habitantes da Arcádia eram chamados de pelasgos ou de aborígenes pelos outros gregos, pois descendiam de tribos pré-históricas e, como tal, considerados como oriundos do povo mais antigo da Grécia.  


PAN
Pan era filho de Hermes e da mortal Dríope (a que tem o aspecto de uma árvore, etimologicamente). Rejeitado pela mãe por causa de seu aspecto monstruoso, foi envolvido pelo pai numa pele de cabra e levado para o Olimpo. Os deuses se encantaram com a criança, de modo especial Dioniso, de cujo cortejo ele viria mais tarde a fazer parte. Recebeu o filho de Hermes, dos Imortais, pela alegria que lhes causou, o nome de Pan, pois viram que um filho do deus que unia o céu, a terra e o inferno e que, no plano terrestre, dominava as quatro direções (norte, sul, leste e oeste), só poderia encarnar a totalidade universal criada.


Sob a inspiração de Pan, os filósofos estoicos elaboraram na antiguidade grega uma doutrina segundo a qual Deus se confundia com o Todo,
SPINOSA
identificando-se ele assim com o mundo. Foram os estoicos que desenvolveram a ideia de que Deus é a força vital imanente ao mundo. Spinosa, bem mais tarde, retomou esta ideia, expressando-a por uma frase célebre: Deus sive natura. Outros filósofos depois a utilizaram, fazendo-a invadir sobretudo o romantismo alemão do final do séc. XVIII ao início do séc. XIX, com Novalis, Schlegel, Jacobi, Scheling e outros. Muitos historiadores da cultura vêem o panteísmo como uma concepção do divino que se expressa através de uma energia impessoal presente em toda a natureza e em todos os seres. A palavra panteísmo foi usada pela primeira vez na filosofia ocidental no início do séc. XVIII. Lembre-se que a teologia cristã moderna (vide inclusive a condenação de Spinosa pela sinagoga) identificou o panteísmo como um ateísmo por que ele recusava a ideia de um Deus pessoal. Ao evocar o panteísmo a ideia de uma força impessoal presente em todo o universo e no homem, não há como deixar de aproximá-lo daquilo que os povos védicos na Índia, numa elaboração superior, nos deram através do conceito de Brahman.

PAN
O corpo de Pan era peludo, possuindo ele chifres e cascos no lugar de pés, como os de bode, e orelhas pontiagudas.  Prodigiosamente ágil, perambulava pelos bosques e vales tocando a sirinx, flauta por ele inventada, sempre à procura de ninfas e de mênades para atacá-las e com elas copular. Quando não as encontrava, masturbava-se furiosamente. Foi reverenciado inicialmente como deus dos rebanhos e dos pastores, passando a encarnar depois o princípio da ordem universal, invocado inclusive nas litanias órficas como um princípio amoroso, criador, incorporado à matéria e formador do mundo. Neste sentido, era fonte e origem de todas as coisas, representando a matéria animada pelo espírito divino (princípio da imanência), a natureza como um todo, nela se concentrando os quatro elementos constitutivos do universo. Era dele que provinham as criaturas mistas, sátiros, silenos, egipãs, faunos etc.


CORTEJO   DE   DIONISO

Estas criaturas mistas, entre o animal e o humano, eram divindades menores do mundo natural nos mitos greco-romanos, criaturas de energia sexual inesgotável. Faziam parte do barulhento cortejo do deus Dioniso, vivendo em campos e bosques, a comer e a beber, perseguindo incansavelmente, como se disse, as mênades e as ninfas. É de uma das mais notáveis figuras do séquito de Dioniso que sai o nome satiríase para designar uma patologia sexual. Esta patologia se caracterizava, para os antigos gregos, por super-excitação mórbida que levava os homens a manter o seu membro viril em permanente ereção, com ejaculações constantes, que acabavam por lhes causar esgotamento e morte. A satiríase, nesse contexto, distinguia-se do priapismo (de Príapo, deus itifálico, protetor dos jardins, filho de Afrodite e de Dioniso), também patologia sexual que se caracterizava por uma ereção persistente e dolorosa, mas, diferentemente da satiríase, sem nenhum desejo.   

PAN
A aparição de Pan nos campos provocava o pânico, um terror inexplicável, paralisante, que se apossava das pessoas que o viam. Gostava Pan de repousar nos períodos de calor intenso, ninguém ousando perturbá-lo, ficando tudo silencioso e calmo na natureza. Aqueles que o perturbassem incorriam na ira do deus, que os atacava, inspirando-lhes o terror pânico. Consta que na batalha de Maratona, Pan atacou os persas, o que praticamente determinou a vitória dos gregos sobre os seus figadais inimigos. Em agradecimento ao deus, os gregos erigiram um templo em sua homenagem na Acrópole.

Na história de Pan, há registros que nos falam de seu amor por Selene e pela ninfa Eco, às quais teria oferecido, como presente, rebanhos de bois brancos. Um dos acontecimentos mais importantes na crônica desse deus tem relação com Tifon, o maior dos monstros descritos pela mitologia grega. Filho de Geia e do Tártaro, era um agente do caos, uma perigosa ameaça para a ordem cósmica. Podia andar pelos mares mais profundos sem que sua cabeça fosse coberta pela água; sua estatura ultrapassava em muito os picos das maiores montanhas, indo além das nuvens mais altas; ao abrir os braços, suas mãos alcançavam com facilidade o oriente e o ocidente. Seu corpo era coberto por víboras, possuía asas e seus olhos lançam dardos de fogo.


ZEUS   ATACA   TIFON

Para escapar do ataque de Tifon ao Olimpo, contam os mitos, os deuses gregos fugiram apavorados, inclusive Pan, que se lançou num rio com a intenção de se transformar em peixe. Tudo aconteceu tão rapidamente que ele ganhou apenas uma cauda pisciforme. Quando retornou de seu mergulho, soube que Zeus havia sido mutilado pelo monstro, que lhe cortara os tendões dos braços e das pernas. Em companhia do pai (Hermes), Pan conseguiu, contudo, afastar Tifon com o seu famoso grito que causava terror e fuga. Dirigindo-se depois a uma gruta, onde o Senhor do Olimpo jazia inerte, ambos, ele e o pai, conseguiram reconstituí-lo, ligando os seus tendões, dando-lhe assim uma nova forma, equivalente a um segundo nascimento, que o projetou num nível superior de existência divina.


MONTE   ETNA
Assim recomposto, Zeus, como sabemos, voltou a se defrontar com Tifon, que se refugiou na ilha da Sicília. Zeus o perseguiu, travando-se então uma batalha terrível. Ao final, Zeus conseguiu vencê-lo, lançando sobre ele o monte Etna. Aprisionado, mas não morto, Tifon, até hoje, através de labaredas e gases, continua a dar sinais de sua presença, lembrando-nos a sua contida presença que as forças do caos, ainda que dominadas momentaneamente, se constituem numa ameaça permanente. Segundo os gregos, para recompensar Pan dos inestimáveis serviços que lhe prestou, Zeus o colocou nos céus como a constelação de Capricórnio.

Esta identificação de Pan com o Todo, como a antiguidade no-la legou, encontra a meu ver a sua melhor explicação se considerarmos que  Capricórnio é o signo que abre o quarto quadrante  zodiacal, quadrante que nos coloca na décima casa, o meio-do-céu, o setor que marca a possibilidade da mais elevada realização individual, o mais elevado grau de influência que podemos ter sobre o mundo. Esta influência, para a maioria, só costuma tomar o caminho da vida material ( simbolizado pela cabra montanhesa). Para outros, uma significativa minoria (simbolizado pelo licorne), a subida poderá tomar um sentido espiritual. A partir de Capricórnio, entendido o signo através deste símbolo do licorne, é que o Todo, sob a tutela de  Pan, poderá se abrir para nós. É neste quadrante que temos, depois de Capricórnio, o signo de Aquário, que superiormente representa a humanidade, e, fechando o ciclo zodiacal, o signo de Peixes, o signo da doação, que independe de retribuição e de reconhecimento. 

CAPRICÓRNIO
(ALEISTER CROWLEY, 1875-1947)  
A antiguidade grega atribuía a Pan dons proféticos, os mesmos que encontramos em outros seres telúricos, mais instintivos, que, ao invés da razão, preferem ouvir aquele “saber” espontâneo que “sabe” mais que ela, aquele saber que percebe as verdades essenciais, as que têm importância realmente. A parte “úmida” de Capricórnio (a cauda pisciforme de Pan) tem, astrologicamente, muito a ver com o lado inconsciente do signo, lado que, ao invés de causar problemas maiores, contribui positivamente, principalmente quando pensamos nos tipos superiores do signo. É este lado úmido que faz com que, embora possa se encontrar numa posição de poder ou de influência, o capricorniano de terceiro tipo (licorne) sabe que há uma autoridade real ou simbólica diante da qual terá que se curvar, há o poder das origens (Câncer), que nunca poderá ser esquecido. 

O lado úmido de Capricórnio (Pan), segundo o mito, teria vindo do delfim, o peixe sempre associado a Apolo e ao oráculo de Delfos. Uma versão mitológica nos informa que os delfins são antigos piratas que, depois de terem atacado Dioniso, caíram na água e se arrependeram. Tornando-se símbolos da regeneração, estes peixes, ainda segundo o mito, ajudam os náufragos, muitos deles inclusive, para salvá-los, empurrando-os até as praias. Plutarco, o escritor e moralista, sacerdote de Apolo em Delfos, conta que o poeta e músico Arion (séc. VII aC) foi salvo dessa maneira. Os delfins eram muito conhecidos  pela sua sabedoria e prudência (virtudes capricornianas), sendo considerados, pela sua maneira de se deslocar, como mestres navegadores.


ARION ( W.A.BOUGUEREAU , 1825 - 1905 )

Além de ter há muito invadido a filosofia, Pan invadiu invadiu também na nossa modernidade a psicologia para dar nome a uma síndrome, a do pânico. Esta síndrome é definida como um transtorno de ansiedade que produz geralmente, sem evidência de uma causa aparente, medo, muita apreensão, temores, tidos como infundados, levando a pessoa por eles tomada a “sentir” que algo indefinido e ruim está para lhe acontecer. Recorrente e inesperado, o transtorno acaba gerando, antes das crises, estados de preocupação constantes com a desconfiança de que ele esteja para ocorrer novamente, fazendo a pessoa imaginar que, numa delas, não conseguirá se controlar.  No mais, o quadro de sempre: transpiração, aceleração de batimentos cardíacos, dor no peito, tontura, sensação de desmaio, calafrios, palidez são os seus variáveis sintomas. A medicina desconhece as causas desta síndrome, limitando-se ao tratamento dos seus sintomas e a um acompanhamento psicológico.

Para entender a origem esta síndrome, hoje de caráter “epidêmico”, o que temos de melhor é, sem dúvida, ir às relações entre Pan e Ártemis. Pan, em grego, como se disse, significa o todo, tudo, sendo considerado como o deus da fecundidade e da potência sexual. Brutal em seus desejos e terrível nas suas aparições, anunciadas por gritos apavorantes, ele provocava o terror naqueles que se aventuravam nos territórios em que vivia, o grande Todo, sem honrá-lo devidamente. Estes territórios, que eram dele, se situavam entre o conhecido, regiões protegidas, da deusa Ártemis, (grutas, lugares de nascimento) e o desconhecido (o grande Todo).


PAN   E   ÁRTEMIS
Quem ousasse ir em direção do grande Todo, teria que estar preparado, isto é, saber se separar dos lugares conhecidos, protegidos por Ártemis, simbolizados pela gruta, sempre uma vitória sobre os temores do desconhecido. Ártemis e Pan nos dizem que a vida é feita de passagens, sendo a primeira delas a da saída da gruta. Passagens a serem refeitas constantemente, a fim de que, em meio às provas e dificuldades, aprendamos a conquistar e a preservar a nossa necessária autonomia nos embates da vida. Ártemis, lembremos, é a deusa das passagens, aquela que protege tudo o que deve e precisa entrar na vida, cuidando das crias, dos brotos, das ervas novas, dos riachos, a fim de que caminhem em direção de uma vida “adulta”.

CAVERNA
Cavernas, grutas, todos os lugares sombrios e profundos, são arquétipos maternais, lembrando vida inconsciente.  Eles se associam nos mitos à Lua, a Ártemis, não só como lugares protegidos, relacionando-se inclusive a ritos de iniciação. Aqueles que não conseguem se separar da gruta são os lunares, os que ficam presos aos seus hábitos, aos seus automatismos corporais,  às suas pressões atávicas, aos seus condicionamentos e idiossincrasias. São os que  permanecem ou demoram-se demais na infância, preferindo o dentro ao fora, inclinando-se à esquizoidia.

Aqueles que se atrevem a enfrentar o desconhecido, o grande Todo, sem ter sabido se desligar da gruta, vão sempre cheios de culpa e de ruminações inconscientes dolorosas, sempre com o seu olhar
TARÔ
voltado para trás, como Orfeu; serão as vítimas preferidas, primeiro de Pothos, o deus da saudade, e depois de Pan, que os enche de ansiedade e de terror pânico. Quem melhor explica esta síndrome é, sem dúvida, a Astrologia, encontrando-se as suas maiores vítimas entre os cancerianos e/ou aqueles que têm a Lua em destaque (angular) nos seus mapas por posição e aspectos. A lâmina XVIII do Tarot é uma das melhores ilustrações desta síndrome.

Em todas as tradições míticas, as grutas sempre foram consideradas como um lugar de nascimento. Na mitologia grega eram de Ártemis Encontradas em lugares sombrios e profundos, sejam subterrâneas, encravadas em montanhas ou em encostas escarpadas, as grutas são arquétipos matriciais. Nesse sentido, tanto fazem parte de mitos de origem e dos ritos de iniciação como lugares de renascimento. Morada dos humanos desde tempo pré-históricos, são simbolicamente verdadeiros reservatórios de energia e de lembranças, de complexos, de sentimentos e de emoções que muitas vezes se agitam inexplicável e confusamente na interioridade do ser humano, perturbando a sua vida consciente.

Tanto antigos lugares de culto da humanidade, ornadas de pinturas e gravuras, como, nos mitos de gênese de antigos povos, desde recuados períodos, consideradas como um lugar materno, por excelência, as grutas sempre apareceram associadas  aos órgãos genitais femininos e, como tal, à fertilidade. Vários povos relacionavam num mesmo contexto simbólico a caverna, a mulher, a chuva e a Lua.

No simbolismo dos sonhos, por exemplo, um caminho a ser percorrido, no qual se tenha que passar por grutas pode ser visto como uma busca de um novo sentido para a vida. Sob o ponto de vista psicanalítico, tal percurso representa sempre uma descida às profundas camadas da vida subconsciente relacionadas com o inconsciente materno. Este percurso também poderá ser entendido, quem sabe,  como uma regressão a uma situação pré-natal, intra-uterina,  um desejo de retorno à indeterminação, volta a um mundo obscuro e morno, onde não há escolhas nem decisões, onde tudo é recebido de graça. Neste caso, as suas maiores vítimas serão certamente os piscianos e/ou aqueles que têm em seus mapas astrais um Netuno poderoso.    

As grutas exercem um grande fascínio (talvez muito mais sobre os espeleólogos; speleo, gruta, em grego))  sobre todos aqueles que pretendem conhecer um pouco mais, num plano simbólico, a respeito das profundezas de sua personalidade. Qualquer que seja o enfoque, grutas representam sempre abrigos absolutos. Entrar nelas é psicologicamente um retorno ao seio maternal, uma negação do nascimento, um mergulho no indefinido. É, neste sentido, ao mesmo tempo, uma renúncia à vida terrestre e um desejo de renascimento sob uma nova forma.


PLATÃO
O mito da caverna, como sabemos, tem um papel importante na filosofia de Platão. As pessoas que vivem em grutas, jamais indo além de sua entrada, não podem conhecer o mundo. Só percebem dele apenas sombras, conhecem tão só reflexos da realidade exterior, maior, mais vasta, projetados nas paredes. Para conhecer esta realidade que está fora, além, a verdade que a luz do Sol permite captar, é preciso sair da gruta. É por essa razão que se afirma que o conhecimento lunar, obtido só através de uma vida protegida desse modo,  é  indireto, herdado, atávico.

Se num primeiro momento a gruta é proteção, agasalho, nutrição,  segurança, noutro ela poderá se constituir em abafamento, sufocação, castração e mesmo em lugar mortal. Sair da gruta será sempre um problema, qualquer que seja o modo pelo qual abordemos este tema. Foi certamente pensando nisto e em muitos outros aspectos míticos relacionados com grutas que os antigos gregos deram forma ao mito do deus Pan.

De comum acordo com a deusa Ártemis, a tutela das regiões que ficavam além do oikos, dos territórios que ligavam o conhecido ao desconhecido, foram atribuídas a Pan. O conceito de oikos, já estava estabelecido na Idade do Bronze, antes do período arcaico da história grega, no fim do qual pequenos núcleos urbanos começaram a se formar. O oikos era a unidade básica da família, constituída pela propriedade (casa, terras, plantações, pastos, escravos e animais). O pai era a autoridade suprema, fazendo-se a transmissão da propriedade sempre pela via patrilinear. A palavra economia, como a usamos hoje, tem na sua origem nas palavras oikos (família)  e  nomos (lei), economia, a lei da família, a lei da casa. 

O sentimento de solidão e de desamparo que costumava atacar os viajantes quando longe do oikos, principalmente nos dias escuros, de mau tempo, em noites sem Lua, quando nenhuma voz era ouvida, os campos silenciosos, os animais recolhidos, esse sentimento de solidão e desamparo, continuando, começou a ser considerado, não se sabe bem por qual razão, como inspirado por Pan. Ansiosos, alarmados, aterrorizados, os viajantes, os peregrinos, sem um motivo justificável, ficavam paralisados por essa presença oculta de Pan, que se anunciava, como logo começou a se propalar, por um som ouvido, um som terrível, entre o grito humano e o uivo animal. Aos poucos, esse sentimento passou a ser chamado de terror pânico, um estado entre o pavor e o espanto, inexplicável, geralmente somatizado de diversos modos. 


SILVANO
Um dos nomes de Pan era Hylaeos (o da floresta) como divindade das florestas. Da Grécia, seu culto foi levado para a Itália, como protetor de rebanhos. Lá foi assimilado aos faunos (protetores de rebanhos e da fertilidade), aos egipãs (homenzinhos que lembram a forma caprina). Consta que no norte da África, na Líbia, havia uns egipãs com cauda de peixe, dos quais teria saído a representação do signo de Capricórnio, dos silvanos (protetores do verde da Natureza), estes conhecidos também pelo nome de paniscus

Todas estas divindades campestres se ligavam a Pan, presentes na fertilidade animal e vegetal. Delas, por exemplo, saem designações como sátiro que usamos para qualificar o homem obsceno, lúbrico, voyeur ou exibicionista. Segundo Homero, teria existido nas montanhas da Cítia um povo inteiro de sátiros, que, quando envelheciam eram chamados de silenos. Os sátiros (etimologicamente, nome ligado a um verbo que significa distender, entumescer, inchar) eram divindades menores da natureza que acabaram se integrando também ao cortejo de Dioniso, como se disse. 

CENTAUROS  ( PETER   PAUL  RUBENS , 1577 - 1640 )

Os centauros, filhos de Nephele, a Nuvem, e de Ixion (que viverá no Tártaro até o final dos tempos), entre o humano e o cavalo, lembre-se, costumavam também frequentar os territórios de Pan, chamados pelos gregos, de agros. Brutais, quase sempre embriagados, vivendo em bandos, alimentando-se de carne crua, os centauros simbolizam a concupiscência carnal, a ameaça da vida instintiva, sempre presente no homem que não sabia controlá-la. É neste sentido que os antigos gregos consideravam o centauro como uma antítese do cavaleiro que sabia dominar e controlar a sua montaria. 

Em parte zoomorfo, em parte humano, Pan era uma divindade turbulenta, que com os seus aparecimentos súbitos provocava o pânico entre os humanos, entre as ninfas e mesmo entre os deuses. Nos humanos, o terror neles infundido será diagnosticado, muito mais tarde, como uma síndrome, um conjunto de sinais e sintomas observáveis como vários processos patológicos. No seu aspecto mais visível, uma condição crítica passível de despertar inicialmente insegurança, medo, e terminar como prostração, imobilidade, às vezes com a sensação de morte súbita. 

A chamada síndrome do pânico impede que a energia vital, certamente por pressões inconscientes vindas da gruta, se readapte diante de situações existenciais que exigem prontas mudanças, rápidas respostas, novos procedimentos, novas maneiras de ser diante de situações novas. Astrologicamente, é de se lembrar que o deus Pan “vive” entre a quarta e a quinta casas astrológicas, ou, de outro modo, entre o signo de Câncer e o de Leão e, também, é claro, poderá se “manifestar” através de uma Lua angular, mal posicionada e aspectada num mapa astrológico. 


QUADRANTES   ASTROLÓGICOS

O signo de Câncer relaciona-se com a fecundação e a concepção, com a alimentação, presentes sempre os conceitos de segurança, proteção e amparo. Câncer tem a ver com o lar, a mãe, a tribo, as heranças, as impressões, as lembranças, a força psíquica das origens, os sentimentos e emoções, a memória. Inferiormente, o signo lembra estreiteza mental, impressionabilidade, acumulação, adesão incondicional, emotividade, humor caprichoso, indolência, infantilismo psíquico, atavismo, idiossincrasias, domínio do hábito.

Leão, para o bem ou para o mal, aponta para: conquista do ego, autonomia, ardor vital, auto-expressão criativa, império da vontade, força emotiva ativa, busca da própria razão de viver, iniciativa, ampliação, orgulho, passionalismo, tendência à ação sem compartilhamento,  narcisismo, infantilidade, cólera, necessidade de reverências, generosidade, exibicionismo.