quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

DOENÇAS, NOMES, SUPERSTIÇÕES

                   
As doenças têm nomes e apelidos. Chamar uma doença pelo seu nome verdadeiro pode causar prejuízos, atraí-la, diz uma tradição popular encontrada em muitas civilizações desde a antiguidade. Aqui, entre nós, não se deve dizer, por exemplo, morfeia ou lepra, mas, sim, doença-de-são-lázaro.  Às vezes, o apelido é usado para encobrir a vergonha de se ter o mal. Os moços, outro exemplo, podem se orgulhar de ter gonorreias, umas depois das outras. Já os casados ou os mais idosos se referem à gonorreia como “doença de mulher”, “doença apanhada” ou “loucura da mocidade”. 

No geral, a esse artifício que usamos para suavizar palavras ou expressões da nossa comunicação verbal ou escrita, alguns estudiosos dão o nome de eufemismo. Esta palavra vem do grego eu (agradável, correto, bom) e pheme (palavra, expressão); juntas elas formam o verbo euphémein (dizer palavras amáveis).

LUCAS
Chamar a lepra de doença-de-são-lázaro é, contudo, um erro que a tradição popular vem mantendo, pois o Lázaro a que ela se refere nunca foi canonizado pela Igreja católica. Era ele o pobre mendigo, todo coberto de chagas, que vivia junto da porta da casa de um homem muito rico, conforme está no Novo Testamento, em Lucas. O Lázaro canonizado, santo, é o irmão das três Marias  (Maria Madalena, Maria, esposa de
LÁZARO
Cleofas, e Maria, mãe de Tiago. Este  Lázaro, a quem Jesus ressuscitou, veio no séc. I não só com as três Marias mas, também, com Marta, irmã de João, e outras pessoas, da Palestina para Marselha, cidade da qual  ele se tornou o primeiro bispo, sendo nela martirizado,  celebrando-se sua festa no dia 25 de maio. Esta história, tida  como fantasiosa por meios católicos mais sérios, nada tem a ver com a do outro Lázaro, o leproso, narrada por Lucas. 



AS  TRÊS   MARIAS ( ANTÔNIO BRILLA , 1813 - 1891 ) 

Em muitos meios sociais, um dos nomes mais evitados, quando se fala de doenças, é, por exemplo, o da sífilis, mal infeccioso transmitido principalmente por contacto sexual. Suavizando um pouco o nome e o que ele representa (possibilidade de ulcerações, cancros, erupções cutâneas, manifestações neurológicas etc.) comum chamá-la de doença francesa, porque muitos eram (são) vitimados quando de suas visitas a bordéis, que sempre gozaram de muita fama por causa de suas “profissionais” francesas.

GIROLAMO  FRACASTORO
O nome sífilis surgiu, já associado ao sexo desprotegido, quando da publicação de um poema latino, Syphilis sive morbus galicus (Sífilis ou a doença francesa), de autoria de Girolamo Fracastoro (1483-1553), médico do Concílio de Trento, poeta e astrônomo de Verona. Syphilis era o nome do principal personagem do poema, nome que desde então passou a designar a famosa doença, a ele se juntando outros, também ligados às prostitutas, como mal turco, mal polaco, mal napolitano etc.

Há que se lembrar também quando entramos nesta questão dos nomes das doenças que eles se impuseram, no geral, como eufemismos, bem antes das descobertas da microbiologia. O nome de muitas doenças infecciosas e de epidemias, durante séculos e séculos, era atribuído ao que os antigos gregos chamavam de miasmas, exalações pútridas que emanavam de animais ou de vegetais em decomposição. A palavra miasma vinha do verbo mainein, manchar, sujar. A propósito, uma curiosidade: é desse mesmo verbo que sai a palavra amianto (a, do grego, prefixo privativo), que significa puro, incorruptível. 

Eis alguns exemplos de eufemismos (apelidos) ligados ao nome de doenças, de males ou  de fluxos e secreções corporais na nossa tradição popular: desmantelo, regras menstruais;  nascida, espinha, tumor, furúnculo; passageira ou caseira, dor de barriga com diarreia; veias quebradas, varizes; sete couro, infecção que aparece no calcanhar e que precisa ser cortada (a epiderme) sete vezes para se obter a cura; ar do sol, congestão; dor de veado,  dor no baço, também chamada dor na passarinha; barriga fofa, a tem a pessoa que está obrando “água” ou obrando vermelho, diarreia com sangue; pustema, coisa ruim, ferida inflamada; constipação, problema intestinal que causa a retenção de fezes, prisão de ventre; papeira, bócio, distensão do tecido adiposo  debaixo do queixo causada geralmente por problemas tereoidianos; traseiros sujos, diarreia; gastura, indisposição estomacal, azia; sezão, maleita; gota-serena, catarata; tosse comprida, coqueluche; mal do monte, erisipela; ventosidades, gases intestinais, também chamados de flatos; empachamento, obstrução intestinal; mal-de-sete-dias, tétano umbilical, mal de recém-nascidos; nó nas tripas, vólvulo; puxamento, asma, bronquite; consumpção, mal dos peitos, hética, magrinha, a que seca, tuberculose; mal-do-monte epilepsia; sangue novo, urticária; doença de mulher-dama, blenorragia causada por meretriz; ranho, muco que se acumula nas fossas nasais e que escorre; mal de amores, doença venérea; espinhela-caída, aparece quando o doente muda de posição, de postura, com fortes dores na região torácica, inclusive vômitos. Estar de paquete, estar a mulher no seu período menstrual. 
PAQUETE
Tal expressão foi adotada popularmente no Rio de Janeiro, espalhando-se depois por outros estados brasileiros. A origem desta denominação se deve a uma comparação que o povo passou a fazer entre o tempo que os navios ingleses (Royal Mail Ship) levavam para cumprir, em meados do séc. XIX, a viagem entre Liverpool e o Rio de Janeiro, 28 dias, e o período do catamênio, (etimologicamente, descida da Lua, menstruação) da mulher, também de 28 dias.  


Muitos estudiosos consideram, entretanto, que esse costume de usar muitos eufemismos, muitos apelidos de doenças, no caso, não passa de uma forma disfarçada de hipocondria, uma espécie de patologia que leva também a pessoa a acreditar que, mesmo sem nenhuma evidência
CULTO  AOS  MORTOS
médica aparente, uma doença qualquer poderá vitimá-la. Muitas são as hipóteses, dizem os psicólogos, que tentam explicar esse comportamento, desde um histórico de doenças graves numa família, cujos nomes devem se tornar impronunciáveis, por isso, à criação de falsos sintomas para chamar a atenção de pais omissos, pouco afetivos, à mania de fazer exames médicos, medo da morte, atração por cemitérios, culto exagerado aos mortos (necrodulia) etc. 

A propósito, lembre-se que a essa tendência de se proibir que certas palavras ou expressões sejam pronunciadas ou grafadas dá-se o nome de tabuísmo, de tabu, proibido. Oriunda da Polinésia, a palavra tabu lá designava tudo a que se atribuía um caráter sagrado (objetos, lugares, seres etc.), cuja violação, desprezo ou inobservância causava punições divinas. Entrando na língua inglesa, a palavra espalhou-se pelo mundo, fazendo hoje parte do vocabulário de muitos países. Entre nós, há muito, muito tempo, usávamos também a designação de tabuísmos para palavras, locuções ou acepções consideradas vulgares, pornográficas, chulas, grosseiras ou ofensivas demais, destacando-se, dentre elas, o que chamamos de palavrões. Os tabuísmos são parentes próximos da chamada coprolalia (copro, fezes, e lalia, tagarelice, do grego), mania de falar sobre coisas nojentas.  


ABDOME
Os antigos médicos gregos da tradição hipocrática chamavam de hypocondrias, no plural, cada uma das duas partes laterais e superiores do abdome, separadas pelo epigástrio.  O hipocondríaco (hipo, abaixo e khondros, cartilagens) era o indivíduo que sofria por causa de suas vísceras, as quais lhe davam um humor triste e caprichoso; era o hipocondríaco o que se atormentava ao pensar na sua saúde. Hoje, a hipocondria é considerada como uma psicopatologia que certos indivíduos desenvolvem quando se preocupam demais com a sua  saúde, preocupação esta que os leva a apresentar inclusive sintomas de doenças sem razão médica alguma. Em suma, ainda segundo os gregos, eram tais indivíduos vítimas da nosomania (nosos, doença, e mania, obsessão, loucura, excitação, em grego), os chamados nosômanos, que só pensavam em doenças, na morte, em túmulos, nos objetos a ela ligados, nos ritos que davam fim a um cadáver...

EMBALMERS
Pelo seu caráter compulsivo, obsessivo, a hipocondria, muito estudada inclusive no século passado por Freud e Lacan, hoje considerada, somente pelos psiquiatras, é uma patologia e, como tal, tratada só por psicoterapeutas. A hipocondria costuma se manifestar, muitas vezes, com fortes traços paranoicos e com várias fobias, sendo as mais comuns a tanatofobia (Thanatos, em grego deus da morte, irmão gêmeo de Hipnos, deus do sono, mais phobia, horror, medo) e a necrofobia (nekros, morto, cadáver), ambas gerando um medo mórbido com relação à morte e a tudo o que a ela se refira. Dentre os vários exemplos de hipocondríacos ligados a essas fobias, cite-se, por exemplo, Albert


Camus (1913-1960). Uma leitura sua, obrigatória, era a da revista americana Embalmers Monthly, destinada aos profissionais da arte de embalsamar cadáveres. Se quisermos mais, podemos ir à última peça de  Molière (1622-1673), Le Malade Imaginaire (O doente Imaginário), na qual o nosso genial autor parece ter se antecipado às teses hoje defendidas pela anti-psiquiatria (Thomas Szasz). 


PARANOIA
(JACK LARSON, 1928-2015)
Já a paranoia, para o homem comum, é delírio,
THOMAS  SZASZ
loucura. O discurso paranoico é cheio de inferências indevidas, de analogias absurdas. No grego, há a palavra
paranaos, demente. Etimologicamente, a palavra é formada por para, à margem, ao lado, e noein, pensar, do grego. Pensar, ficando à margem do normal. Causa a paranoia, como todos sabemos, muitas dificuldades nos relacionamentos, ciúmes, mania de perseguição, tendências esquizoides, mania de grandeza, exageros com relação a sentimentos amorosos. 

Se formos um pouco mais fundo nessa questão, não podemos esquecer que em muitas das antigas tradições religiosas como a hinduísta, a egípcia ou a judaico-cristã encontramos o registro de que as coisas do mundo e os seres que nele habitariam foram retirados do nada por certas palavras. Um dos exemplos mais conhecidos exemplo é a muito divulgada expressão bíblica Fiat lux. Para
PTAH
os defensores desta tese, as palavras e seus componentes, letras e sílabas, segundo as expressemos, têm vibrações, variadas frequências, podendo nos afetar de muitas maneiras e materializar coisas, doenças, inclusive, como se disse. Esse entendimento, por exemplo, já estava firmado na antiga religião egípcia, a alguns milhares de anos antes da era cristã. É neste sentido que  Ptah era considerado pelos egípcios como um  demiurgo. Foi ele quem com as suas palavras fez emergir do oceano primordial (caos), o Nun, na cosmogonia menfitana, as coisas e os seres que iriam constituir e povoar o universo. 

Alargando ainda um pouco mais o nosso enfoque, podemos recorrer a um tema muito próximo daquele acima exposto para lançar um pouco mais de luz (ou confusão) ao assunto ora abordado. Referimo-nos à superstição. Para muitas pessoas o medo da morte e de usar palavras que do seu universo façam parte não passa de uma superstição de gente ignorante. É de se lembrar ainda que essa palavra, superstição, é sempre empregada pejorativamente pela maioria das pessoas que dela se valem. Qual a razão disso? Serão as superstições rematadas besteiras? 

DE NATURA DEORUM
Em latim, temos superstitio. Cícero (De Natura Deorum) usou a palavra para designar a pessoa, o superstitiosus, que rezava sem cessar para que seus filhos vivessem mais que ele. Mais tarde, ainda na antiguidade, a palavra passou a designar aquele que ficava acima de qualquer coisa, além dos acontecimentos, por uma crença nos deuses, uma crença, porém, sempre impregnada de perplexidade e de inquietações. Dicionaristas (De Walde), bem mais tarde, afirmaram que superstitiosus  era aquele que se colocava acima dos homens e de seu tempo, como um vidente, um profeta, para perceber o futuro.  

Outra hipótese, mais moderna talvez, nos afirma que a superstição aparece muitas vezes quando os homens, depois de todos os seus esforços e recursos (experiência, ciência, análise, reflexão crítica e capacidade previsora), na tentativa de compreender alguma coisa, de elucidar algum problema, “sentem” ou têm a tentação de admitir a intervenção de forças ocultas, mágicas, que os impedem de ficar plenamente convencidos dos resultados a que chegaram.  É por essa razão que muitos supersticiosos, ao contrário do homem religioso, tentam se apropriar egoisticamente dessas inexplicáveis e intrometidas forças.  


FRANCIS   BACON
Foi um filósofo, Francis Bacon (sécs. XVI-XVII) que nos deixou este registro: evitar superstições é também uma superstição. Na Idade Média (até o século XIV), a palavra superstição designava o culto de falsos deuses. Na época no Iluminismo (Rousseau, Diderot) e mesmo antes, com Voltaire, a palavra era a antítese da razão, significando tudo o que fosse irracional, inclusive os dogmas da religião oficial, a católica. Hoje, os dicionários não mudaram o entendimento, mas evitam mencionar que dogmas religiosos sejam irracionais. Alinhando-se com a fé, o fanatismo e a intolerância, o dogma, já entre os antigos gregos,  era uma afirmação que, julgada boa, não admitia discussão. O dogma parte de uma certeza preexistente, opondo-se, por isso, a qualquer crítica.  Registram hoje os dicionários que são superstições as crenças que não têm por base a razão e o conhecimento científico, crenças que nos levam a crer em falsas obrigações, a temer certas coisas, a respeitá-las ou confiar em absurdos.

Entretanto, qualquer que seja a nossa posição com relação ao tópico central acima (pronunciar o nome de certas doenças pode “atraí-las”), entendemos que explorá-lo sempre nos trará algumas revelações sobre o nosso passado e/ou sobre a evolução dos nossos
FEUERBACH
costumes. Ao fazê-lo, temos que entrar obrigatoriamente no terreno das superstições,  da fé, do dogma e das crenças, seja num ideal, numa religião ou numa pessoa,  e também do que sejam conhecimento e saber. Será que a ciência e o seu produto, o conhecimento, podem resolver todos os problemas humanos? Foi o filósofo alemão Feuerbach quem, em 1841, nos deixou esta observação sobre o assunto: a fé não poderá se relacionar senão com o que não existe, pois o que existe é objeto de um saber real. A fé escapa do saber, do conhecimento.

Há muito, muito tempo que o ser humano se recusa a acreditar no acaso, palavra que vem do árabe, az-zahr, dado, jogo de dados. Acaso é acontecimento fortuito, de causa imprevisível, cujo desenvolvimento não se pode prever. Para o homem comum é contingência pura, embora a ciência não aceite a indeterminação pura. O que constatamos realmente quando enveredamos por esse terreno é que desde a pré-história a realidade percebida não basta ao ser humano, apesar dos avanços científicos. E que, além disso,  sempre afirmaram nossos ancestrais, há sempre em atuação no universo  forças maléficas ou benéficas, visíveis ou invisíveis. 

Pelo que as investigações histórico-arqueológicas, antropológicas e outras vêm nos fornecendo ao longo dos milênios parece estar suficientemente comprovado que o homem primitivo, ao levantar os olhos para o céu, foi tomado por um sentimento de religiosidade, isto é, de estar a ele ligado. Esse homem logo percebeu que sua vida dependia, em grande parte, do que o céu lhe enviava, e muito mais.  Faziam certamente parte desse sentimento tanto o terror como a veneração, um reverente respeito, e a necessidade de se prestar ao céu e às forças que lá atuavam algum culto, alguma adoração. Em suma, o que se tem de mais certo, é que o homem primitivo manteve sempre uma relação afetiva com o céu. Se as forças celestes atuavam favoravelmente, facilitando-lhe a existência, ele agradecia com cantos, festas e celebrações. Se, ao contrário, as forças celestes provocavam prejuízos e traziam sofrimentos, cabia-lhe fazer alguma coisa para reverter essas tendências, sacrifícios, oferendas, lamentos etc. Tudo isto se considerarmos que da vida desse homem primitivo, além da onipresença da morte, faziam parte inúmeros terrores representados pela fome, pelos ataques dos predadores, pelas secas, pelas tempestades, pelas inundações, pelas pestes, pelas doenças etc. 

Nas chamadas sociedades primitivas, o homem procurava explicar os acontecimentos do mundo natural nos quais se via envolvido através de um modo de pensar a que se deu o nome de animismo. O homem atribuía uma intenção a cada acontecimento, considerando-o animado por espíritos bons ou maus. Quanto aos espíritos bons, as forças positivas, era preciso aprender a se conciliar com eles; quanto às forças negativas, os espíritos maus, fazer tudo para afastá-los, mantê-los à distância. Este animismo deu origem primeiramente ao que se chamou de feitiçaria, magia, xamanismo etc. Aos poucos foi se integrando a estas práticas um processo de fetichismo, um culto prestado a objetos que representavam as entidades espirituais e que, conforme se acreditava, possuíam poderes mágicos. Com o tempo, ocorreu a chamada personificação, ou melhor, a antropomorfização. As forças sobrenaturais em ação no universo foram divinizadas a elas se atribuindo, além do seu poder sobrenatural, características comportamentais e modelos de pensamento dos seres humanos. Chegamos assim às diversas religiões, politeístas ou monoteístas. 

Nas sociedades primitivas nas quais o animismo ocupou uma posição importante, central, tiveram grande importância determinados atos rituais pelos quais certos “técnicos” (feiticeiros, mágicos, xamãs etc, acima mencionados) procuraram controlar as forças que nelas atuavam. Para os modernos estudiosos, antropólogos, arqueólogos, psicólogos e outros, dominava esse mundo o chamado pensamento mágico. Em algumas sociedades,
ÉDOUARD  BRASEY
certos rituais, festas, histórias, dogmas e tradições, ainda que considerados irracionais, foram se fixando, impondo-se, acabando por constituir as religiões (do verbo religare, em latim, religar), que vivem de dogmas e da fé, não da razão. Como procuram nos explicar alguns estudiosos destas questões, (Édouard Brasey, (França, 1954, escritor), quando, milhares, milhões de pessoas aceitam (?) e compartilham (?) as mesmas crenças, os mesmos dogmas, os mesmos preceitos e princípios, o que temos então são atos de fé e de comunhão e não mais superstições. A superstição passa então a se situar no plano do individual, é um investimento pessoal, que cada um faz, um ato que varia no tempo e no espaço, de acordo com  a cultura de cada sociedade. 


Nada demais, pois, que continuemos, como os nossos ancestrais, a aceitar as suas (nossas) boas superstições: nunca derrubar o saleiro, espalhando o sal pela toalha; jamais abrir um guarda-chuva dentro de casa; evitar reuniões marcadas para um dia 13, principalmente se caírem numa sexta-feira; não acompanhar nunca a passagem de cometas no céu, sempre um presságio de coisas negativas; para ter sorte, continuar com a nossa ferradura  de sete furos pendurada na parede; proteção? colocar réstias de alho atrás das portas; nunca ter falta de dinheiro? Andar sempre com um pequeno pedaço de metal no bolso, na bolsa (esta foi recomendada por Freud à sua noiva); um guizo de cascavel (não importa quantos) é amuleto que protege contra coisas ruins.

ALADIM NO JARDIM ,
1912 ( M. LIEBERT )
Lembrar que o amuleto protege, é defensivo, e que o talismã dá força, é ativo; ambos devem ser, contudo, devidamente preparados por “gente” que entenda do assunto, por “técnicos”. Um bom exemplo de talismã? Certas palavras que funcionavam como uma senha (semeion) para permitir o ingresso de iniciados (mystai, plural de mystes, iniciado) nos recintos das chamadas “religiões de mistério” da antiga Grécia, nas quais se discutiam conhecimentos esotéricos, só passados aos membros do grupo e por eles discutidos, dando-lhes mais “força”. O contrário de esotérico é exotérico, conhecimento (mínimo) que pode ser levado para o exterior, passado para pessoas que não sejam do grupo. Outro exemplo de talismã (aumento de força, convocação de entidades que auxiliem no desempenho mental e físico): a lâmpada de Aladim. Mais um: a palavra Shazam, usada nas histórias do Capitão Marvel.