quarta-feira, 7 de outubro de 2020

A VIDA COMO VIAGEM INTERIOR



Em todos os mitos, quando encontramos referências a viagens, temos sempre diante de nós ideias de buscas, de procura, de algo que está além, longe, a exigir, para a sua consecução, a realização de façanhas por personagens que na cultura ocidental, desde os antigos gregos, receberam o nome de heróis. Podem estas viagens, nas quais não faltam obstáculos de dificílima transposição, se caracterizar como travessias marítimas, de desertos, escalada de montanhas, peregrinações, odisseias sem fim, descidas ao fundo de mares, ao mundo subterrâneo,  infernal, como busca de paraísos perdidos, de tesouros, libertação de princesas, lutas contra monstros etc. 

A figura mítica que se lança nessas viagens procura, de um modo geral, ultrapassar as suas limitações históricas e geográficas para se relacionar com aspectos de vida que se caracterizem, segundo julgam alguns, como formas de existência novas, superiores. Tais modelos buscados, porém, se aprofundada a leitura dos relatos que temos deles, parecem não trazer, no geral, uma satisfação plena aos que realizaram tais viagens. Elas costumam, é certo, lhes dar renome, glória (kleos, entre os gregos), já que se constituem em matéria privilegiada para cantores e poetas em várias tradições, os arautos da Pheme ( A Fama).


PHEME
Com muitos olhos e ouvidos, Pheme, filha de Elpis (A Esperança) era uma deusa que vivia nos confins da Terra num palácio de bronze, com uma infinidade de orifícios, através dos quais eram captados e depois de averiguados pessoalmente por ela,  divulgados todos os sons e mesmo rumores que lhe chegavam do mundo todo. No seu trabalho, cuidadoso e moralmente  consciente, Pheme, auxiliada por Angelia (a personificação das mensagens, das notícias  e das proclamações), era muitas vezes perturbada pela ação de muitos daimons (demônios), como Dolos (A Trapaça), Apate (A Malícia ou O Ardil), Phtonos (A Inveja), Dzelos (A Rivalidade), Hybris (A Soberba), Pseydos (A Falsidade ou a Hipocrisia) e muitos outros que viviam em torno do seu palácio. 

JASÃO
Alguma coisa, porém, quando nos aproximamos do que nos deixaram os próprios heróis e/ou dos textos produzidos literariamente sobre eles, parece ficar faltando, eis que a vitória alcançada é transformada muitas vezes em fonte de insatisfação, de fracasso pessoal, quando não de destruição.  Os exemplos do que aqui se expõe são muitos, Hércules, Jasão, Ulisses, Perseu, Édipo e outros mais. 


HÉRCULES
Hércules, apesar das suas vitórias, suicidou-se, um suicídio que tomou o nome de apoteótico, palavra que em grego significa ir em direção de deus, Zeus, no caso. Jasão foi destruído por Medeia, que lhe matou inclusive os filhos. Ulisses, apesar de ter retornado ao seu pequeno reino, à sua amada Ítaca, depois de uma ausência de vários anos, e de ter matado os pretendentes de Penélope, sua mulher, nunca demonstrou contentamento com os resultados práticos de sua odisseia nem com o final da vitoriosa campanha bélica da qual participou. Fazia parte também, sabia-se, da viagem de retorno de Ulisses, a busca de mercados onde poderia ser encontrado o estanho, metal que escasseara na Grécia continental, imprescindível para, adicionado ao cobre, formar o bronze, a famosa liga metálica que dera origem, no Oriente Médio, por volta de 3.300 aC. à era que se seguira ao período neolítico.     

ÉDIPO E A ESFINGE
Édipo é outro exemplo: passou à história como o glorioso vencedor da Esfinge (Fix, em grego), monstro que matava os que não soubessem responder as suas perguntas.  Contentando-se apenas com suas vitórias e conquistas externas, Édipo jamais se questionara interiormente quanto às consequências de seus atos. Bastava-lhe o reconhecimento público. Quando tomou conhecimento do que fizera (ter assassinado o pai numa disputa de passagem e tido filhos com Jocasta, a própria mãe), horrorizado, mutilou-se, cegando-se. Perdeu a visão externa para “ganhar”, quem sabe, a visão interna. Conduzido pela filha Antígone, morreu em Atenas, acolhido por Teseu.




Além do mais, é oportuno observar que a viagem de retorno de Ulisses, personagem importante de A Ilíada e central de A Odisseia, ambos poemas épicos de Homero, sempre foi considerada, pela maioria dos estudiosos que sobre ela se debruçaram, como uma representação do homem superior que procurava se encontrar nos caminhos da vida. Astuto, inteligente, destemido fisicamente, sua grande viagem, a chamada Odisseia, sempre foi entendida como uma busca de autoconhecimento, a conquista de uma individualidade. Mas, na realidade, parece que nada disto aconteceu. Ulisses nunca encontrou a paz, a felicidade, mesmo com Penélope, na sua volta. Uma das versões mais acatadas sobre o fim de Ulisses nos informa que ele teria terminado os seus dias exilado, nos domínios etruscos, na Tirrênia, onde fundou várias cidades. Era lá conhecido, pelos naturais do lugar, pelo apelido de Nanos, o Errante.   

      

ODYSSEUS
Nos mitos, viagens e heróis sempre apareceram juntos. O herói se lança nos caminhos cheios de obstáculos, passa por sérias provações, enfrenta monstros e malfeitores, gigantes, dragões, acidentes naturais aparentemente intransponíveis. A geografia desses lugares que o herói vai buscar é fascinante, cheia de nomes sugestivos. A literatura do imaginário universal que leva o leitor a várias viagens tem como heróis Teseu, Hércules, Jasão, Siegfried, Eneias, Simbad, Ulisses. Todos foram, no mito, grandes viajantes. O último, Ulisses, inclusive, deu nome a um tipo de viagem, odisseia ( de Odysseus, seu nome grego), uma longa perambulação marcada por aventuras, eventos imprevistos, singulares, viagem que tomou também o sentido, para muitos, de uma travessia ou investigação de caráter intelectual ou espiritual. Os ciclos heroicos da mitologia que nos falam desses heróis descrevem também as suas buscas como uma forma de libertação de alguma culpa, outras vezes como uma missão a cumprir, esteja o herói comprometido consigo mesmo (projeto individual) ou ligado a algum ideal coletivo. 

Fora do mito, há abundante literatura que nos fala de viagens, de filósofos, escritores, poetas e exploradores, gente real, de carne e osso, como Platão, Santo Agostinho Richard Burton, Joseph Conrad, Robert L.Stevenson, Cervantes, Dante, Virgílio, Camões, Júlio Verne, Hegel e outros, gente que, mais

CHARLES BAUDELAIRE
ou menos recuadamente, nos deu muitos exemplos quanto ao tema. Aventureiros, cavaleiros, exploradores, curiosos,  uma galeria imensa. No começo do Romantismo, a poesia de Charles Baudelaire nos deixou um depoimento marcante que pode ser aplicado ao tema do herói-viajante: O verdadeiro viajante é aquele que parte por partir, sozinho; aquele cujos desejos têm a forma de nuvens. 

Qualquer que seja o motivo, causas nobres, dignas ou indignas, fuga, nomadismo, revolução, vagabundagem, exílio, corrupção etc., qualquer que seja o período histórico ou a geografia, esses heróis, sempre, de um modo geral, se lançaram todos no espaço físico, viajando, percorrendo caminhos. Não será preciso muito esforço para entender que esta tendência à extroversão é muito antiga,  que o homem moderno, inspirado talvez por ela, também a busque, um impulso alimentado hoje, cada vez mais, por uma ideologia que os nossos modelos econômicos vêm impondo e incentivando.   

A não ser os depoimentos religiosos, que aqui não nos interessam, raros, raríssimos, porém, são aqueles que nos falem das viagens que alguém tenha feito em direção da sua interioridade. Essa é uma viagem que exige certamente um outro tipo de heroísmo. Quando muito, tais viagens costumam ficar restritas à área médica, que também aqui não nos interessam. A viagem interior de que falamos não tem grandes nomes, nomes que a literatura não procurou conservar, nada de terras exóticas, de monstros ou mundos desconhecidos. Ou seja, ao invés de perdermo-nos no mundo exterior, movermo-nos em direção do nosso mundo interior, uma viagem a que alguns dão o nome de meditação, de centro-versão, de introspecção, o oposto do movimento centrífugo, um movimento centrípeto, como uma tentativa de aproximação de um eixo de rotação. 

Este tipo de viagem é muito difícil no ocidente, onde tudo está fora, além, lá, longe, acolá, gerando invariavelmente muito dinheiro em todos os sentidos. Não temos o hábito de ficar conosco nem de pensar refletidamente. A própria introspecção é vista, em alguns meios, como doença, esquizofrenia em muitos casos. Toda a ciência e seu subproduto, a tecnologia, nos põem sempre em direção do exterior e na busca da ocupação do maior espaço possível. O passo inicial para esta introversão de que falo, dizem-nos os mestres, deve começar por um aprendizado muito difícil, o da fixação da nossa atenção. Excitados e instigados sempre, tentar escapar do turbilhão mental em que o mundo exterior nos envolve.

Ou seja, controlar a nossa atenção, aprender a fixá-la em pontos determinados, tentar segurar o nosso descontrolado fluxo de pensamentos, que, como cavalos (símbolo do psiquismo inconsciente), nos levam para todo lado, impedindo-nos de entrar em contacto com o nosso mundo interior. Cortar ou restringir ao máximo o ataque das solicitações externas como maneira de interceptar o alucinado e dispersivo fluxo da atividade mental decorrente desse processo. 

Desse ponto em diante, poderemos chegar, quem sabe, através de um esforço continuado, a uma concentração prolongada e aprofundada sobre os pontos escolhidos, fase a que os hindus dão o nome de dhyan. Com ela, chegaremos a uma absorção meditativa na qual o objeto mantido na mente preencherá todo o espaço da consciência. 

O objeto que nos interessa nesta viagem é assim a nossa própria vida, a nossa vida interior. Com isto, estaremos dando o primeiro passo para abandonar o passado e caminhar em direção do nosso presente. Isto nos permitirá, por exemplo, perceber o quanto o passado nos constitui, o quanto somos um produto do que acumulamos. O quanto estamos presos a velhos conceitos, acreditando que poderemos fazer com eles coisas que temos de fazer, mas que não conseguimos. Ficaremos nos decepcionando, divididos, hesitantes, endurecidos, inventando álibis, presos a máscaras, ocupados com tudo e menos com o mais importante, tudo para encobrir a nossa impossibilidade de mudança, o objetivo final da nossa viagem. Gregório de Matos, no século XVII, antes de Balzac, autor de uma comédia humana, deu o nome de mazombismo a essa atitude diante da vida, afirmando que os presos a essa forma de viver tinham um “ideal de caracol”, sempre brutos, ignorantes, grosseiros e barulhentos. 




Aqueles poucos que já fizeram esta viagem no sentido de desapego do passado, como nos informam os mestres, tiveram inicialmente a sensação, conforme depoimentos deixados, de entrar num caminho desconhecido, como se tivessem trocado a segurança pela insegurança. Outros falam numa sensação idêntica à da entrada numa noite escura. Outros falam de algo parecido a uma expulsão da casa paterna. No geral, temores, apreensão, medo. Muitos, pior ainda, vivem esta viagem como uma involução desastrosa que os levou a uma maior dependência do mundo do qual pretendiam se libertar. 

É importante que o desligamento do passado não signifique ir em direção oposta, ao futuro. Não, a viagem de que falamos é aquela que nos traz para o presente, que nos faz permanecer no momento. Toda vez que a mente se move para trás ou para frente, devemos trazê-la de volta, para o presente. Manter a nossa mente a serviço do nosso eu superior (o buddhi, do Hinduísmo), a ser por nós construído, a fim de descobrir o que é mais importante para nós, tarefa dificílima, principalmente nestes tempos de dispersão e de alienação. Não é uma conquista que se faça rapidamente, não sendo nem mesmo projeto para uma só existência, como dizem os hindus. 


TRIMURTI ( BRAHMA, VISHNU, SHIVA )

Ficando no presente, nós nos sentiremos, em primeiro lugar, menos tensos ou mesmo sem nenhuma tensão. Se nos mantivermos no presente, a primeira coisa que perceberemos é que teremos mais tempo. Com isto, dominaremos a nossa dispersão pelo espaço, teremos mais tempo já que este é função daquele. Um dos grandes males dos tempos modernos nasce exatamente deste descompasso entre tempo e espaço, gerado por uma inadequação entre nossos ritmos físicos e mentais e os da natureza. 

Os passos em direção do nosso eu interior, em primeiro lugar, nos despojarão da dispersiva mobilidade, tônica do nosso tempo, e nos levarão a focalizar melhor a nossa atenção em nós mesmos, como um laço que se aperta em torno de um alvo. Enquanto não fizermos isto, continuaremos pressionados e modelados a partir de fora. Uma pequena alteração que consigamos introduzir nesse sentido em nossas vidas poderá trazer consequências práticas espantosas. Num primeiro momento, a constatação de que teremos mais tempo. 


Exemplos? Algumas práticas muito saudáveis podem ser adotadas de imediato. Desligarmo-nos, por exemplo, de grande parte daquilo que nos chega pelos meios de comunicação, TV, Internet, celulares, redes sociais etc. que insistem em criar falsos acontecimentos, polêmicas ridículas, escândalos sem a mínima importância, enfim, no jogo sujo da promoção dos falsos valores, no geral, para fins consumistas. Aprender a não dar atenção a fatos sem relevância alguma. O que é muito espantoso em tudo isto é que pessoas de alto poder econômico, supostamente mais letradas, e que procuram o melhor em roupas, móveis, comida e instalações para viver, tudo muito caro e dispendioso, consomem um lixo cultural repugnante veiculado pelos meios de comunicação. Não percebem que o que entra pela boca ou é captado pelo tato ou por outros buracos do corpo é tão importante quanto o que entra pelos olhos ou pelos ouvidos. 

Opondo-se ao passado, que precisa de memória para existir, temos o desejo, que precisa do futuro para ser. Com ambos, há sempre a perda do presente. Desejo é carência, falta. O feio quer ser belo, o baixo quer ser alto, o pobre quer ser rico. O rico quer ser mais rico ainda, esta casa por outra maior, este carro por outro mais potente e assim por diante. Sempre algo colocado fora do presente, nunca aqui e agora. Todos ambicionamos algo mais, algo diferente daquilo que somos ou temos. É neste sentido que falo aqui de ambição. Nunca estamos contentes com o que somos. Isso nos faz muito mal porque em grande parte de nossa vida não podemos ser ou ter outra coisa. Podemos até passar a vida inteira, desperdiçando-a, atrás de algo que nunca poderemos ser ou ter. 

Se ficarmos no presente, não podemos ser ambiciosos. Como disse o poeta-músico  Gilberto Gil, O melhor lugar do mundo é aqui e agora... Esse momento só é suficiente para sermos, mas não para desejarmos. Para desejar, precisamos de futuro, de tempo. O tempo existe em razão do desejo. O desejo cria o futuro. A memória cria o passado. Ambos, o passado e o futuro, são partes da mente. Se não desejarmos, o futuro desaparecerá. Se não há futuro não haverá tensão. Por outro lado, não havendo passado, memória, não haverá culpa ou ressentimento. Quando aprendemos a lidar com estas duas dimensões, diminuirão ou mesmo poderão desaparecer a tensão, a ira, a ansiedade, a culpa, a mágoa. 

As consequências práticas de tudo isto estão no fato de que quanto mais desejarmos as coisas materiais mais desconforto estaremos criando para nós. Este desconforto é proporcional ao nosso desejo. De outro modo: quanto mais desejarmos ser felizes, mas sofreremos. A felicidade não é nunca o resultado final de um desejo. Ela não está na satisfação dos desejos. A felicidade é um modo de ser, de viver. É uma atitude. O desejo é o contrário da felicidade. Desejando, estamos sempre buscando sensações. Quanto mais as buscamos, mais insensíveis nos tornamos. O excesso de sensações embota a nossa sensibilidade. É só olhar à nossa volta... 

A ideia de progresso que os pensadores implantaram no ocidente a partir do final do século XVIII e que as religiões oficiais sustentam há muitos e muitos séculos está baseada num modelo linear de desenvolvimento. Como consequência, tudo o que aconteceu antes de nós é considerado como menos evoluído. Tudo isto gera um enorme acúmulo de bens materiais e de sensações sempre renovadas, um desperdício brutal que alcança todas as áreas da vida moderna. Já desenvolver a sensibilidade é trabalhar com os sentidos, alargar a nossa capacidade de sentir, captar o subtil, as harmonias ocultas, o invisível por trás do visível. 


PLATÃO

Todas as filosofias do ocidente, desde Platão, colocaram o homem acima do mundo, contra o mundo, diante do mundo, de costas para ele, mas não dentro dele. A nossa colocação dentro do mundo (somos parte) só acontecerá se ficarmos no aqui e no agora. Temos que buscar a nossa experiência, por melhores que outras, inclusive a dos mestres, tenham sido. A nossa experiência também poderá acontecer de um modo absolutamente novo, o nosso. Imitar também pode ser parte da ambição. Se nós nos aceitarmos, as coisas também poderão acontecer para nós, talvez até de um modo semelhante ao que aconteceu a outros, mas de um modo absolutamente único, porque para nós. Nada acontecerá enquanto não abandonarmos impulsos tão negativos como os de poder (tendência a dominar), de fama (tendência a humilhar), de possuir (tendência de despojar os outros), de competência (tendência a sobrepujar). 

O ser humano está sempre em luta contra si mesmo e contra o mundo. Criou-se a máxima de que viver é competir e não colaborar. Estamos em luta contra a raiva que sentimos, contra a bebida, contra a comida, contra as forças eróticas que nos subjugam, contra o tempo, mas geralmente acabamos nos complicando, nos sentindo, na maioria das vezes, derrotados. Essas coisas, porém, precisamos lembrar, não acontecem só conosco. Desde que o homem está no mundo é assim. Uma pergunta então poderá se tornar cabível: por que esse tipo de luta nos põe sempre contra nós? Ora tomamos o partido de um lado, ora de outro. Esta luta é, no fundo, absurda. 

Alguns mestres orientais, profundamente conhecedores da mente humana, nos ensinam o seguinte: quando um desejo, que procura vencer, se manifestar, observe-o. Não se coloque contra ou favor dele. Não tente reprimi-lo porque isto será não conhecê-lo. Será também uma identificação com a tendência oposta. Deixe, sim, que ele aconteça, mas procure observá-lo, consciente daquilo que está fazendo, como se estivesse observando outra pessoa. É claro que esse desejo chegará a um pico. Procure ver tudo atentamente, cada passo. Depois do clímax, a atitude oposta aparecerá. Mantenha-se alerta. Não tome partido pela opinião contrária, arrependido. O desejo (comida, droga, cigarro, sexo, poder) é um dos lados (ascensão), o contrário é a queda. 

Não fique nem contra nem a favor. Não julgue: bom ou mau. Não interprete. Se puder manter essa posição, talvez você compreenda que desejo e satisfação são vertentes de uma mesma montanha... Não são opostos. Se escolhermos um, escolheremos o outro. São inseparáveis. Não há escolha, pois! Esta é a doutrina oriental do guerreiro que não luta. Ao fazer isto podemos chegar a uma situação onde não haja escolhas. Quando não escolhemos, não polarizamos. Podemos então escapar do poder do desejo. É como se ficássemos de fora, olhando os dois, os opostos lutando, se anulando. A mente quer sempre escolher. Sem escolhas não há luta, não há mente. Se escolhemos um lado, seremos capturados pelo oposto. Temos que permitir que eles se anulem através de um ponto médio no nosso interior. Assim agindo, não nos tornaremos mais “pecadores” (comilões, beberrões, consumistas, promíscuos sexualmente). Não porque a sociedade possa achar que isso é ruim, que não seja correto, mas simplesmente porque não podemos ser. Temos que buscar esse ponto no nosso interior. 


BUDA

O Budismo nos diz que quando nos movemos para os extremos com o pensamento de que eles são opostos é que nos perdemos. Buda nos pede que busquemos sempre o meio. O extremo é o excesso. Se nos mantivermos no meio, a mente desaparecerá porque ela vive em função dos extremos, vive no mundo de maya. É neste sentido que para o Budismo a verdadeira sabedoria integra os opostos. A lógica humana procura coerência, a vida é contraditória. A oposição é que torna a vida possível, como as duas margens de um rio são necessárias para que ele possa fluir. A mente atua pela divisão, pela separação, pela análise. Com ela nunca alcançamos a totalidade. A vida não está separada da morte. Para a mente, a fome e a saciedade são diferentes, quando, no fundo, são uma coisa só. Quando comemos, a fome desaparece. No momento em que ela desaparece, um novo ciclo se inicia. Ao saciá-la começamos a ter fome de novo. 

A partir deste ponto podemos entender que se escolhemos um lado escolhemos também o outro. Ao não optar nem por um nem por outro (doutrinas negativas), ficamos num estado de não-escolha. Quando não escolhemos, os polos desaparecem. Se escolhermos um dos polos, escolheremos também o outro, pois um não está separado do outro, eles são um só. Escolher um é o caminho da derrota. Esta atitude de “testemunha” é muito difícil porque a mente quer sempre escolher. Sem escolha, abandonamos a mente. Se a raiva nos toma, pensamos nas suas consequências. Quando pensamos no arrependimento, na culpa, não pensamos na raiva. Se conseguirmos colocá-los juntos, raiva e arrependimento, não haverá luta, pois observamos os dois, não nos envolvendo. Precisamos encontrar essa testemunha dentro de nós. 

A constatação final para uma aplicação prática disto que estamos abordando, dentre muitas outras possíveis, é que quanto menos nos conhecemos mais acentuamos diferenças com relação aos outros. Quanto melhor nos conhecemos, mergulhando na nossa interioridade, mais poderemos notar que, no fundo, somos todos iguais.