terça-feira, 4 de janeiro de 2011

NOTAS DE LEITURA - FLORBELA ESPANCA



Florbela Espanca (1894-1930), como está em Diário do Último Ano Seguido de um Poema Sem Título, deixou-nos este registro, feito no dia 23 de janeiro de 1930, seis dias antes de sua morte: "Endiabrada Bela! Estranha abelha que dos mais doces cálices só sabes extrair fel! Para que quer esta criatura inteligência, se não há meio de ser feliz?, dizia, dantes, meu pai indignado. Ó ingênuo pai de sessenta anos, quando é que tu viste servir a inteligência para tornar feliz alguém? Quando, ó ingénuo pai de sessenta anos?... Só se pode ser feliz simplificando, simplificando sempre, arrancando, diminuindo, esmagando, reduzindo; e a inteligência cria em volta de nós um mar imenso de ondas, de espumas, de destroços, no meio do qual somos depois o náufrago que se revolta, que se debate em vão, que não quer desaparecer sem estreitar de encontro ao peito qualquer coisa que anda longe: raio de sol ou reflexo de estrelas. E todos os astros moram lá no alto, ó ingénuo pai de sessenta anos!”