quarta-feira, 13 de junho de 2018

CAPRICÓRNIO (4)

          
ATLAS ( ARTUS QUELLINUS, SÉC.XVII )
Embora a história do titã Atlas seja muitas vezes, sob o ponto de vista astrológico, aproximada de temas taurinos em virtude de características de sua personalidade e destino (suportar a abóbada celeste nos ombros para que ela não desabe sobre a Terra), seu mito tem também, e talvez mais, estreita relação com o universo capricorniano. Da sua relação com Touro ficou, por exemplo, na anatomia humana, o nome da primeira vértebra cervical, atlas, que se articula com a região occipital do crânio e o sustenta. Em português, cervix (nuca, em latim) é toutiço, cachaço, nuca, pescoço. Cervicartrose é o nome de problemas (artrose) nessa região do corpo.   

A relação que encontro entre Atlas e Capricórnio está no seguinte fato: toda vez que aparece um mito que narra uma história de petrificação, de coagulação, sob o ponto de vista alquímico, é possível a meu ver evocar tal relação. É o caso de Atlas, filho de Jápeto e da oceânida Clímene, irmão de Prometeu, Epimeteu e Menécio, sobrinho de Cronos,  este figura máxima da segunda dinastia da mitologia grega. Lembro, a propósito, que atlante, na arquitetura grega, era uma figura ou a metade de uma figura humana, frequentemente masculina, que substitui ou decora um membro, isto é, cada uma das partes de uma obra ou de um todo arquitetônico.


HERÓDOTO
Quando de seu retorno do ocidente, aonde fora matar a Medusa, Perseu petrificou Atlas, mostrando-lhe a cabeça do monstro, a fim de puni-lo não só em virtude dos crimes por ele cometidos no seu passado (a luta contra os olímpicos, ou seja, a matéria que se atreveu a subjugar o espírito), como por sua atitude nada hospitaleira com relação a Hércules quando da execução por parte deste filho de Zeus de seu terceiro trabalho.   


GASTON   BACHELARD
Gaston Bachelard nos falou de um “complexo de Atlas” que, em termos astrológicos, é em última instância uma luta pela verticalidade. Bachelard associa a vértebra atlas ao término do movimento de todas as demais vértebras em direção da verticalidade, sendo o lugar dessa vértebra o ponto onde “o ser se revolta contra a sua sorte.” O complexo de Atlas é definido normalmente em termos psicológicos como uma tendência instintiva que alguém apresenta no sentido de acumular responsabilidades e tensões  nessa região do corpo, nos ombros, traduzida essa tendência, muitas vezes, pela expressão “carregar o mundo nas costas.” As tensões assim acumuladas costumam atingir o tônus do trapézio, o principal músculo que sustenta a cabeça. Daí, dores no pescoço, na nuca, na cabeça, bruxismo, tensão generalizada, enfim. Tudo isso provoca muitas vezes o esgotamento dos estoques de neurotransmissores cerebrais ocasionando estados, no geral, altamente depressivos.

Muitos capricornianos, como se sabe, costumam aderir a este complexo de Atlas sem perceber como isto acontece, vivenciando-o através de crises de responsabilidade, remorso, culpa, renúncia, fatalidade, destino etc. Não nos esqueçamos que Saturno, o planeta de Capricórnio, tanto é previsão, precaução, responsabilidade, seriedade, maturidade de espírito, vontade e reflexão como, além das características negativas acima mencionadas, é o astro que através do intelecto regula a utilização da memória, das funções inibidoras e que provoca o retardamento dos reflexos. Gaston Bachelard, lembro, pôs em evidência com muita propriedade a simbólica da petrificação, nela compreendida as imagens do rochedo, da montanha, do frio, do gelo, da neve e da própria terra.  

Todo capricorniano parece saber que a ameaça da petrificação sempre o ronda. É por isso que ele sabe que tem que se movimentar, se mexer, trabalhar, avançar. Parar, para muitos (a maioria ?) capricornianos, é mergulhar na depressão petrificadora. O tema alquímico da coagulatio é muito importante no universo capricorniano. Esta talvez a razão maior pela qual os do signo tenham a reputação de possuir “tão pouca imaginação”, ao contrário dos nativos de Câncer, o signo que a eles se opõe.

Neste sentido é que podemos dizer que o capricorniano superior se liga muito à imagem do rochedo e ao que dela podemos depreender simbolicamente. Com efeito, por causa de sua dureza, de sua fixidez, da sua permanência e da majestade de suas formas e, muitas vezes, das suas dimensões enormes, a pedra, o rochedo, a montanha, no caso, sempre impressionou os homens desde tempos pré-históricos. Por essa razão, em muitas culturas os rochedos e as montanhas foram transformados em objeto de culto, cujo vestígio pode ser encontrado nos dólmens, menires e pedras sagradas que se espalham por toda a terra. 


DÓLMENS - STONHENGE


FADAS
(M. TARRANT, 1888 - 1959)
Os dólmens são pedras enormes, dispostas verticalmente, agrupadas duas a duas (bilítico), três a três (trilítico) e assim por diante. Segundo alguns pesquisadores (embora haja muitas dúvidas), indicavam necrópoles. Muitos dólmens, ao evocar a forma de casas de pedra, eram conhecidos como residência de fadas e de korrigans (do bretão, korig, anão, pequeno ser), que dançavam nas noites de luar à sua volta. Sob o ponto de vista capricorniano, todavia, o que nos interessa são os menires, dos quais me ocupo a seguir. 


OS   KORRIGANS  -  CARTÃO   POSTAL
  
MENIRES DE CARNAC
A relação dos menires com Capricórnio se evidencia e reforça se soubermos que na origem o menir (men, pedra; hir, longa, na língua bretã) é um monumento megalítico, uma enorme pedra alongada, de altura variável (até cerca de 11 metros), fixada verticalmente no solo, juntamente com uma pedra deitada, sempre considerada como símbolo do renascimento do Sol ou do solstício de inverno. O menir representa também o mais antigo símbolo do andrógino (a junção
LINGAM  E  YONE
das duas pedras brutas), composto pelo princípio viril, a força ativa de um lado, e a matéria, princípio feminino, passivo, e gerador, de outro lado. Na Índia, são, respectivamente, Purusha (espírito) e Prakriti (matéria), ou o lingam e a yone, uma pedra colocada verticalmente dentro de um círculo na terra. Símbolos como este encontram-se em toda as primitivas civilizações.

Uma antiga tradição, atestada ainda no séc. XIX, na França e na Irlanda, ligava os menires a cultos de fecundidade e ao casamento de modo especial. Para obter um esposo, muitas jovens depositavam oferendas junto dessas pedras, ornando-as de guirlandas de flores. Para engravidar, muitas esposas, em razão da sua forma fálica, se esfregavam nessas pedras. Com o avanço do cristianismo no mundo celta, essas pedras começaram a ser chamadas de pedras do Diabo, lançando-se sobre elas toda espécie de descrédito no sentido de destruir o antigo culto que lhes era prestado. 

VIA   LÁCTEA
O esoterismo ismaelita usa o rochedo como um símbolo da condensação, na terra, da parte mais densa da matéria “decaída”, quando da rebelião dos anjos. Na antiguidade grega, os pitagóricos e platônicos antes e os neopitagóricos e neoplatônicos depois, estes últimos já no mundo greco-romano alexandrino, discutiram esta questão através das chamadas "portas do céu". Afirmavam eles, de um modo geral, que no zodíaco há duas portas, situadas nos dois pontos opostos em que a Via Láctea corta o círculo zodiacal e que limitam o curso do Sol. Um ponto está no trópico do verão, no signo de Câncer, sendo chamado de a “porta dos homens”, pela qual se dá a queda das almas na Terra. Outro ponto está no trópico hibernal, no signo de Capricórnio, ao qual dão o nome de “porta dos deuses”, pelo qual as almas fazem o seu retorno ao éter divino. 


HOMERO
Lembremos que Homero procurou simbolizar tudo isto com a alegoria da caverna de Ítaca ou das Ninfas, ideia retomada por Porfírio, que chamou o lugar de Espelho do Mundo, lugar de entrada das almas na Terra. Seduzidas pela enganadora atração da matéria, fala-nos Porfírio, as almas que para cá vieram perderam as suas asas. Chegando à referida caverna (signo de Câncer), nela encontram urnas e cântaros de pedra (a sema, prisão, dos órficos, na expressão soma sema, corpo, prisão da alma), uma metáfora dos corpos terrestres que deverão animar. Na sua caminhada, as almas, entre os signos de Câncer e de Leão, bebem da “taça de Dioniso”, também chamada de “taça do esquecimento” e de embriaguez pelo mundo sensível, ideias que muito nos lembram o conceito de Maya, dos hinduístas. 

Como resistência e obstinação, o rochedo é uma síntese das virtudes dos capricornianos superiores, muitas vezes inconsciente. O rochedo desafia qualquer tentativa de penetração, de apagamento do que foi gravado. É por esses motivos certamente que muitos escultores têm um modo de ser tão saturnizado, como Rodin, por
GOETHE NO CAMPO SAGRADO
( J. H. W. TISCHBEIN, 1751 - 1829 )
exemplo, escultores que como ele têm a paixão pelo material mais resistente, mais duro, granitos, mármores ou madeiras, pois só esse material é digno de seu desafio titânico. Lembro que foi um Virgo saturnizado, Goethe, que associou o granito à educação de uma vontade, não para torná-la inabalável, mas para fazê-la resistir aos golpes e às injúrias do destino. É evidente que ao nos envolvermos com estas questões sempre podemos ficar a um passo da pobreza despojada, do espaço contraído, reduzido a uma cela individual, ficarmos prisioneiros do frio, do gelo e da morte, perigos que sempre ameaçam os capricornianos.



CÍCERO
Há uma frase de Bachelard que, acredito, nos ajuda, e muito, a aumentar a nossa possibilidade de compreensão do signo de que tratamos. Num certo trecho de sua obra sobre o elemento terra ele afirma que o rochedo é um grande moralista. Isto é, o rochedo é um ser moral. A filosofia costuma definir a moral (palavra criada pelo capricorniano Cícero para traduzir do grego a palavra ethikos) como aquilo que concerne aos costumes, às regras de conduta admitidas numa época por uma determinada sociedade. Muitos dos melhores trabalhos sobre a Moral fazem parte do mundo capricorniano. 

Costumes, conduta, convivência, regras, limites, a Moral é certamente um saber capricorniano. Concretamente, a Moral deu origem no Direito à chamada “pessoa moral”, que tanto tem a ver astrologicamente com Libra como com Capricórnio. Enquanto a “pessoa física” está relacionada com o corpo humano como manifestação, uma individualidade biológica, uma função psicológica pela qual um indivíduo se considerada um eu, a “pessoa moral” se refere a esse indivíduo na medida em que ele possui qualidades que lhe permitem participar da sociedade segundo uma noção de valores, que é dada por símbolos como a balança e a régua. A primeira é o instrumento da avaliação, da pesagem, do julgamento, sendo a outra, por excelência, o instrumento da construção. É a régua que nos permite estabelecer o plano diretor dos edifícios, inclusive o social, e verificar quanto à exatidão da sua construção. 

Lembremos que a Moral tem por base aquilo que o tempo consagrou, o chamado direito consuetudinário (consuetudinarius, em latim, é o habitual, o costumeiro, o usual), o direito fundado nos costumes, na prática, e não nas leis escritas. Não foi por acaso que
CARTAS  PERSAS
Montesquieu (Charles-Louis de Secondat), um capricorniano-aquariano, apresentou na Academia de Ciências de Bordeaux trabalhos sobre Anatomia (glândulas renais), sobre Física (o eco, a transparência dos corpos e a lei da gravidade). Sua grande contribuição, entretanto, está no campo da Moral, nos trabalhos que escreveu sobre os costumes, os hábitos, a política e a religião, publicados, dentre outros, com títulos como O Espírito das Leis e As Cartas Persas.

Quando alguém se comporta moralmente, isto significa que este alguém, antes de pensarmos em leis, tem uma conduta que observa as regras admitidas numa determinada época, numa sociedade determinada. Um fato moral é desejável para uma determinada sociedade quando ele se situa no plano médio do conjunto de seus valores, permitindo a realização de uma vida social mais justa, mais humana. 

De um modo geral, a literatura produzida por capricornianos, inclusive a filosófica, privilegia as memórias, os diários, as máximas, a historiografia e a metafísica (La Rochefoucauld, Michelet, Saint-Simon, Maine de Biran etc.). Sempre uma ideia de
MOLIÈRE
( P. MIGNARD, CA.1658 )
ir ao fundo das coisas, às bases, para verificar como tudo se organiza a partir delas. Lembro que foi de um tipo capricorniano mercurizado como Molière que, no séc. XVII, vieram as melhores críticas aos costumes e à vida moral do ser humano de todos os tempos. Kepler, nome importante tanto na astronomia como na astrologia, é outro exemplo; ele nos deu, com as suas leis empíricas, uma descrição exata e coerente dos corpos celestes. Nas artes plásticas, a figura solitária e amargurada de Cézanne é outro exemplo, sempre nos atraindo pelo conjunto de sua obra, na qual se destaca a sua grande obsessão pictórica, o monte Saint Victoire, em Aix-en-Provence, tema de cerca de vinte telas. Se nos voltarmos para exemplos nossos, obrigatória a referência a dois escritores, um poeta, João Cabral de Melo Neto (A Educação pela Pedra), e um romancista, Graciliano Ramos (Vidas Secas), que fazem parte do mundo de Capricórnio. 

AS   GÓRGONAS
( 1902 , G.  KLIMT )
O motivo da petrificação, tão caro a Capricórnio, encontra uma de suas melhores ilustrações na história do herói Perseu. Este herói, como se sabe, destacou-se por ter vencido, com o auxílio dos deuses, um dos maiores monstros da mitologia grega, a Medusa, uma das três Górgonas (As Apavorantes), filhas dos monstros marinhos Forcis e Cetus. Ésteno e Euríale eram as outras duas irmãs da Medusa. Das três, a única realmente perigosa era está última; seu nome vem de um radical indo-europeu, med, que traduz uma ideia de medida, moderação. A Medusa, bem como suas irmãs, tinham a cabeça coberta de serpentes, presas de javali como dentes, mãos de bronze e asas de ouro. Quem trocasse olhares com a Medusa ficaria petrificado. Assim, ao vencê-la, Perseu venceu a petrificação. O tema da petrificação, alquimicamente, se liga à operação chamada coagulatio, cujo simbolismo pertence ao elemento terra. O símbolo maior da coagulatio é, como se sabe, o chumbo, metal de Saturno, de Capricórnio, pois, associado a ideias de depressão, peso, gravidade, limitações mortificantes, vincula-se sempre, psicologicamente, às fortes pressões das particularidades da vida pessoal de alguém.


DÂNAE  ( TICIANO  VECELLIO , 1488 - 1576 )

Astrologicamente, com base naquilo que o mito nos narra, Perseu parece ter, efetivamente, superado, ainda na juventude, a ameaça de coagulação que, na sua vida, o eixo Câncer-Capricórnio (casa IV e meio-do-céu) poderia representar. Um dos problemas deste eixo, é importante salientar,  Perseu já o trazia superado (?) quando nasceu, pois não teve um pai mortal, como era típico na genealogia dos heróis gregos ou não. Era apenas filho de Zeus, pois, antes de concebê-lo, Dânae não conhecera homem algum. O grande problema familiar do nosso herói ficou então centrado diretamente nas suas relações com a mãe e indiretamente com o avô materno. 

Fazendo um breve retrospecto da história, recordemos que um oráculo havia sentenciado que se Dânae tivesse um filho ele destruiria o avô materno, Acrisio. Este, embora tenha tomado todas as providências para evitar o nascimento de um neto, não o conseguira. Zeus, apesar de conhecer a profecia oracular, obviamente, resolveu (os desígnios dos deuses são insondáveis!) ter um filho com a belíssima princesa. Para tanto, penetrou na inexpugnável fortaleza em que o pai a encerrara. Tomando a forma de uma “chuva de ouro”, insinuou-se o Senhor do Olimpo pelas frestas do telhado do edifício, conseguindo chegar ao leito da jovem e, antropomorfizando-se, a fecundou. Dânae, ciente de seu papel nessa epifania (o de que fora escolhida para ser mãe de um ser semi-divino), conseguiu trazer o filho à vida sem que o pai o soubesse. Um dia, porém, Acrisio tomou conhecimento do ocorrido e, embora Dânae tenha tentado convencê-lo da paternidade divina do filho, ele não aceitou a história da filha, mandando  que ela e o menino fossem lançados ao mar, dentro de uma arca. Empurrada pelas correntes marinhas, a arca chegou à ilha de Sérifo, sendo recolhida pelo irmão do seu rei. A mãe e a criança foram levadas para o palácio real, sendo Perseu adotado como filho do rei Polidectes. Vivendo na corte como um príncipe, belíssimo, forte, inteligente, protegia Perseu com muita habilidade a mãe das investidas do rei que sempre desejou tornar Dânae sua concubina.

PERSEU  E  A  CABEÇA  DA  MEDUSA  ( DETALHE )

Certa feita, numa festa de aniversário de Polidectes, os amigos desejaram lhe oferecer um presente real, um cavalo, um soberbo animal como não havia outro no reino. Perseu, contudo, tomando a palavra, prontificou-se a oferecer ao rei algo inusitado, a cabeça da Medusa, monstro horripilante que aterrorizava o país. Todos se espantaram, diante da ousadia do jovem. Polidectes aceita o presente, impondo, porém, uma condição: se Perseu não lhe trouxesse a cabeça do monstro, ele se apossaria de Dânae. Tomando conhecimento do que transcorrera na referida festa, Dânae se desespera, temendo pelo destino de seu filho, ainda muito jovem. Tenta dissuadi-lo de tão perigoso intento, chora, descabela-se, lança-se ao chão, ajoelha-se. O jovem, contudo, embora sofrendo muito, manteve-se firme, deixando a mãe, fazendo-lhe muitas recomendações de cuidado quanto às intenções de Polidectes.   

Como sempre acontece em tais situações, e em se tratando de um filho de Zeus, o candidato a herói é protegido por entidades ou divindades, os chamados “guardiães do limiar”, que o ajudam, de um lado, a vencer possíveis dúvidas ou temores e, de outro, a que seja evitada a hibrys, sempre perigosa, isto é, os descomedimentos, os exageros, o orgulho, características contraditórias, mas muito comuns em heróis semi-divinos. Hermes e Palas Atena acorreram no sentido de auxiliar o jovem. Aconselhado por eles, Perseu se dirigiu primeiramente aos confins do ocidente, indo além das terras dos Cimérios, lugar jamais alcançado pelos raios do Sol, onde viviam as Greias, conhecidas como as Velhas, irmãs mais velhas das Górgonas. Vencendo-as, instruído pelas duas divindades tutelares, Perseu conseguiu delas a informação de como chegar a umas ninfas que tinham em seu poder objetos que muito facilitariam a sua tarefa. 

PÉGASO
Obteve Perseu os referidos objetos sem maiores problemas. Eram eles: um par de sandálias voadoras, um saco (alforje) para guardar a cabeça do monstro e um capacete que tinha a propriedade de tornar invisível quem o usasse, como o do deus Hades. Hermes já lhe havia fornecido uma espada maravilhosa, afiadíssima, e Palas Atena lhe dera o famoso escudo de bronze, tão polido quanto o melhor espelho de cristal. Penetrando na imensa caverna dos monstros pelo ar, calçado com as sandálias voadoras, pairando acima deles, valeu-se do escudo polido para devolver o olhar do
PALAS  ATHENA
monstro, que imediatamente ficou petrificado, do que se aproveitou o jovem para, com um certeiro golpe, decepar a sua cabeça, guardada no alforje que levava. Do pescoço ensanguentado da Medusa nasceram, no ato, dois seres: o cavalo alado Pégaso e o gigante Crisaor, ambos filhos que ela gestava dentro do seu corpo, fruto de relação que mantivera com o deus Poseidon. A cabeça da Medusa, posteriormente, entregue a Palas Atena, foi colocada no seu escudo. 

Com a cabeça da Medusa no alforje, Perseu tomou o caminho o caminho do oriente, chegando à Etiópia. Encontrou o país sob a ameaça de devastação. A rainha Cassiopeia ousara proclamar-se mais bela que as nereidas, mais bela que Hera, afirmavam alguns.
ANDRÔMEDA (G. DORÉ, 1832-1883)
Era preciso punir a rainha por tamanha ousadia. Poseidon enviou um monstro marinho para destruir o país. Diante da iminência do desastre, um oráculo foi consultado. A sentença: o país seria poupado se uma vítima expiatória fosse oferecida ao monstro. Pressionado pela população do reino, Cefeu, o rei, mandou prender a filha, a princesa Andrômeda (a que comanda o homem, a que dá a medida do homem, em grego), num penhasco à beira-mar, para esse fim. É nesse momento que Perseu chega ao país. Viu a cena e ficou profundamente tocado; lágrimas vieram-lhe aos olhos; apaixonou-se pela princesa, que, na sua dignidade calada, além de belíssima, era, sem dúvida, um exemplo inexcedível de piedade filial, pois espontaneamente oferecera-se, sem dramas, para salvar o reino e o país.        

Perseu, a essa altura já muito famoso por ter vencido a Medusa, se propôs a salvar a princesa, fazendo um acordo com Cefeu e Cassiopeia. Salvá-la-ia se ela lhe fosse dada em casamento, o que é aceito. Com as suas armas e sua habilidade, Perseu não teve muito trabalho para liquidar o monstro marinho. Ao se apresentar aos pais da jovem para tomar posse de seu “tesouro”, nosso herói não contava com a intromissão de um irmão de Cefeu, tio da moça, portanto; alegava ele que Andrômeda já lhe fora prometida pelos pais. A luta é encarniçada, mas Perseu a todos venceu, inclusive o exército de Cefeu, que, arrependido, não desejava ver a filha casada com seu irmão.

Perseu e Andrômeda se dirigiram para Sérifo. Toma nosso herói conhecimento que Polidectes expulsara o irmão do reino e que tentara violentar sua mãe. Exibiu ao rei e ao seu grupo a cabeça da Medusa, petrificando a todos. Através do deus Hermes, devolveu os objetos que recebera das ninfas e entregou a cabeça da Medusa à
LARISSA , RUÍNAS 
deusa Palas Atena. Em companhia da mãe e de Andrômeda, não tomou o caminho de sua terra natal, Argos, pois temia o cumprimento do oráculo; dispensou os soldados que o acompanhavam e anonimamente dirigiu-se para Larissa, cidade distante da outra. Como um cidadão comum, inscreveu-se nos agones que se realizavam no ginásio local. Na prova do disco, lançou-o com tal força que a peça, escapando-lhe das mãos, atingiu a cabeça de um espectador que estava na tribuna de honra, matando-o. Era seu avô, que a convite do rei de Larissa, assistia aos jogos. Cumprira-se o oráculo. Identificando-se, Perseu, depois de prestar as honras fúnebres a Acrisio, uma solenidade da qual participaram todos os habitantes da cidade, se dirigiu com Dânae e Andrômeda a Tirinto, onde assumiu o trono, entregando o reino de Argos ao primo Megapentes, mediante uma permuta.


TIRINTO , SÍTIO ARQUEOLÓGICO
Segundo o mito, a história de Perseu terminou aqui; em companhia da mãe, ele e Andrômeda tiveram muitos filhos, vivendo felizes no palácio de Tirinto. Dos filhos que tiveram, sete ao todo, ficaram no mito apenas Electrion (pai de Alcmena, mulher de Anfitrion, mãe de Hércules e de Íficles), Estênelo (rei de Micenas), Helio (filho caçula, que fundou a cidade de Helo, na Lacônia, da qual se tornou herói epônimo) e Gorgófone (a primeira mulher que, no mito, tendo enviuvado, uniu-se em segundo matrimônio, o que era proibido até então).  

Como se pode depreender desta história, o abandono do regaço materno por Perseu é um exemplo típico daquilo que os gregos antigos chamavam de efebia. Na Grécia, em Atenas especialmente, o efebo é o adolescente que, tendo chegado à idade de dezoito anos, tem que passar pela docimasia (etimologicamente, verificar a aptidão, pôr à prova, testar) antes de se inscrever como cidadão nos registros de seu domo. Na polis grega, essa passagem era vivida através do serviço militar que o jovem devia prestar, algo sempre temível diante das inúmeras batalhas que as cidades gregas travavam entre si e, o pior, os conflitos contra invasores externos (a Pérsia, principalmente) e as aventuras colonialistas que os levavam para bem longe da pátria. 

No mito, a efebia se caracterizava por uma exibição de coragem, de destreza, de um ideal viril pelo qual se demonstrasse um pleno domínio das chamadas “artes heroicas”, enfim, numa prova pública a que o jovem candidato a herói deveria se submeter. Matar monstros, vencer malfeitores, gigantes, libertar princesas, apoderar-se de tesouros escondidos, na terra, nas alturas de montanhas inacessíveis, nos mares e nas suas profundezas ou mesmo no mundo infernal, provas que significavam sempre a superação dos limites humanos. A efebia sempre significava o abandono da casa paterna, da vida familiar, ou seja, astrologicamente, a saída do signo de Câncer para o de Leão, da quarta para a quinta casa, decisão que sempre ameaçava o “transgressor” ao fazê-lo viver essa travessia como culpa, remorso. É nesta condição que a figura materna (Dânae), inteiramente e apenas fixada na sua função geradora, tentou se transformar na “mãe devoradora”, voltando-se contra aquele a quem deu à luz (Perseu), impedindo-o de se libertar, sugerindo essa petrificação limitações que podem equivaler à própria morte. 

MEDUSA
É na perspectiva acima que a Medusa pode ser considerada como um dos grandes símbolos da culpa pessoal na medida em que ela revelava através do olhar “devolvido” o que as pessoas que a olhavam eram realmente. Vencer a Medusa é superar as ameaças de paralisação, de imobilismo, de divisão interior na melhor das hipóteses, que a quarta casa pode impor. A Medusa é assim a culpa que petrifica, seja essa culpa objetiva ou não, podendo ser neste segundo caso produto de uma imaginação doentia, lunar, de uma subjetividade patológica, talvez mais nefasta que a da primeira hipótese. Os escritores franceses incluíram a palavra medusa no seu léxico, recebendo-a do grego pela via latina, transformando o nome num verbo, méduser, ao que parece desde o
MEDUSA
séc. XVII, com o sentido de estuporar, siderar, paralisar, estarrecer e, naturalmente, petrificar. Em muitas línguas, a palavra medusa designa também uma mulher muito feia, com ares de bruxa. Na celenterologia, é um pequeno ser marinho de corpo gelatinoso, que lembra um sino ou uma campânula, com tentáculos à sua volta, lado convexo para cima e boca localizada no centro da superfície côncava inferior.