sexta-feira, 12 de agosto de 2011

OS JOGOS OLÍMPICOS E HÉRCULES

Os antigos gregos usavam a palavra agon, agones (lutas) para se referir a concursos e jogos públicos que promoviam desde tempos imemoriais. Em textos poéticos (Odisseia), de mais ou menos 850 AC, temos referências a jogos que nesse sentido se realizavam sob o patrocínio dos Feácios, antigos habitantes da ilha de Córcira, Corfu hoje, no mar Jônio.

A mitologia nos dá notícia que dentre as artes ensinadas pelo centauro Kiron, mestre da Grécia heroica, aos seus discípulos, havia a chamada agonística, a técnica e a prática dos combates ou lutas corporais, que faziam grande uso da ginástica como preparação do corpo para esse fim. A agonística aparece na Filosofia como debate intenso, confundindo-se com a Erística (de Eris, a deusa da disputa). Ainda filosoficamente, a agonística é tendência favorável à luta, que vê no combate um instrumento necessário ao progresso.

Os melhores exemplos desses jogos e concursos, sob o ponto de vista esportivo, são do chamado período clássico da história grega (sécs. V-IV aC), tendo eles um caráter fúnebre ou religioso. No período helenístico da história grega (a Grécia sob o domínio da Macedônia, sécs. III-I aC), temos notícia de muitos jogos realizados em homenagem a soberanos, como os de Alexandria, Pérgamo e Antioquia, dos quais faziam parte também provas musicais e concursos hípicos.

AQUILES E PÁTROCLO

Quanto a jogos funerários, a mitologia grega (Ilíada) nos deixa o registro daqueles que Aquiles promoveu em homenagem a Pátroclo, seu grande amigo, falecido na guerra de Troia.

ZEUS

Os jogos eram realizados de dois modos: havia os pan-helênicos e os relacionados apenas a uma cidade. Os principais jogos pan-helênicos, abertos a todas as cidades gregas, eram os Olímpicos (Olímpia), em homenagem a Zeus, a principal divindade grega; os Píticos (Pythia), realizados em Delfos, em homenagem ao deus Apolo; os Nemaicos (Nemeia), em honra a Zeus; os Ístmicos (Isthmia), perto de Corinto, em honra de Poseidon, irmão de Zeus, deus do elemento líquido, dos oceanos e dos mares. Os jogos restritos às cidades eram consagrados às suas respectivas divindades tutelares. Os jogos pan-helênicos estavam abertos somente àqueles que eram legalmente tidos como cidadãos, deles participando, portanto, só atletas e espectadores do sexo masculino.

De um modo geral, os agones eram divididos em três categorias: 1) jogos hípicos (agones hippikoi); 2) jogos musicais (agones mousikoi), compreendendo concursos de música, canto e dança;
3) jogos ginásticos (agones gymnikoi), constituídos pelo pentatlo (salto em extensão, corrida a pé (de fundo e meio-fundo), corrida de soldados armados (hoplitas), lançamento do disco, lançamento do martelo, luta grega, juntando-se a estas modalidades o pugilato, uma espécie de boxe e o pancrácio, uma espécie de luta-livre. Alguns números: corrida a pé, de curta distância, era de 192,25 m. (um estádio); a de média distância, de 4.614 m. (24 estádios).

PALESTRA EM OLÍMPIA

Os mais célebres jogos gregos eram os Olímpicos, realizados a cada quatro anos. As solenidades de instalação dos jogos em Olímpia, no Peloponeso, ocorriam num bosque sagrado onde se elevava o templo de Zeus, perto do monte Kronion. Um colégio de embaixadores sagrados, representando cada uma das cidades, era encarregado de anunciar a sua abertura e realização. Uma trégua total era proclamada quando do período de sua realização, suspensas todas as hostilidades, tornando-se invioláveis todos os que se dirigissem a Olímpia. Era considerado um sacrilégio particularmente grave alguém penetrar armado na Élida, região dos jogos. Os concorrentes chegavam geralmente com muita antecedência a Olímpia e se exercitavam durante meses nos ginásios locais, antes da abertura dos jogos.

Os jogos eram presididos pelos chamados helanodices, que tinham a incumbência de policiá-los, controlando tudo, cabendo-lhes inclusive a aplicação de punições aos que não observavam os regulamentos. O produto das multas era usado para financiar a construção de imagens de Zeus em bronze, depois colocadas nos jardins da cidade.

No hipódromo, eram realizadas as corridas de carros, com quatro ou dois cavalos; de carros atrelados com mulas; de cavalos montados. Os vencedores (olympionykes) eram apontados pelos helanodices e tinham seus nomes proclamados pelos arautos. Recebiam como prêmio uma simples coroa, feita com ramos de oliveiras selvagens. Se materialmente os prêmios eram insignificantes, a glória de um atleta vitorioso numa olimpíada era imensa. Sempre recebido triunfalmente em sua cidade natal, em sua homenagem eram erguidas estátuas e seu feito celebrado por poetas, como Simônides ou Píndaro, que entoavam então cantos sobre sua vitória (epinikion).

A realização dos jogos olímpicos na antiga Grécia sempre esteve ligada a um ideal de nacionalidade e de aperfeiçoamento físico. A maior glória para o homem grego era a vitória numa Olimpíada. Grandes manifestações culturais também ocorriam quando da realização dos jogos. Sofistas (filósofos) como Hípias e Górgias proferiam discursos, oradores como Lísias e Isócrates produziam peças oratórias importantes e leituras de trechos de obras literárias eram feitas, como as de Heródoto, o historiador.

Diz a lenda que os jogos olímpicos foram instituídos pelo grande herói grego Hércules para que sua vitória sobre o rei Áugias fosse lembrada eternamente. Sob o ponto de vista astrológico, esta versão se ajusta ao tema mais do que qualquer outra, pois o 11º de trabalho do nosso herói tem relação com o signo de Aquário, que simboliza a solidariedade coletiva, a cooperação, a fraternidade e o desapego material. Outros já mencionam que os jogos foram instituídos por Hércules para comemorar a grande vitória que os deuses olímpicos obtiveram na sua luta contra os Titãs (Titanomaquia) e depois contra os Gigantes (Gigantomaquia). Hércules, como se sabe, participou ativamente desta última, contribuindo decisivamente para a vitória dos deuses.

As divindades gregas viviam no alto de uma cadeia de montanhas chamada Olimpo, que ficava entre a Tessália e a Macedônia. No alto desta cadeia montanhosa ficava o palácio de Zeus onde se reuniam os deuses (olímpicos) para deliberar sobre os destinos do universo e festejar. As alturas grandiosas desta cadeia de montanhas simbolizavam o céu, lugar de residência divina.

Hércules é o mais célebre dos heróis da mitologia grega. As histórias que cercam sua figura são inúmeras. Filho de um pai divino, Zeus, e de uma princesa mortal, Alcmena, tendo um pai humano, Anfitrion, Hércules, por seus trabalhos, suas viagens e suas aventuras, representou sempre para os gregos um ideal de combatividade. É o símbolo de um impulso evolutivo, de um ser que, apesar de todas as dificuldades e de suas fraquezas, procurou sempre se superar. Neste sentido, Hércules é um símbolo da própria humanidade. Mais que a encarnação de um ideal de heroísmo viril, um modelo heroico de transcendência, de integração das forças terrestres e celestes, sempre problemático. Seus excessos, sua loucura, seu suicídio apoteótico nunca se constituíram em obstáculos para que considerado como elo entre o homem e a divindade.

Embora, outros como o poeta Píndaro, não atribuíssem a Hércules a instituição dos jogos olímpicos, a versão que parece prevalecer é a de que tenha sido mesmo ele o seu patrono. Historicamente, os jogos olímpicos tornaram-se realidade no ano de 776 aC, quando temos registros sobre as primeiras competições, organizadas pelo rei Ífitos, a conselho de Licurgo, legislador espartano. Desde essa época até o século IV dC os jogos se realizaram regularmente a cada quatro anos, na Lua nova precedente ao solstício de verão. Uma explicação sobre a periodicidade quadrienal dos jogos: o número quatro é um símbolo da totalidade criada e revelada. Temos assim os quatro pontos cardeais, as quatro idades do homem, as quatro divisões do dia, os quatro braços da cruz (equinócios de Primavera e de Outono e solstícios de Verão e de Inverno), as quatro fases da Lua, os quatro elementos (fogo, terra, ar e água) constitutivos do universo, os quatro ventos (Zéfiro, Euro, Noto e Bóreas) etc.

Na planície que se estende em Olímpia, entre os rios Alfeu e Cladeo, ergueu-se na antiguidade um estádio de 600 pés de comprimento, que abrigava cerca de 40 mil pessoas, tendo ao lado um hipódromo, um ginásio e uma palestra, espaço reservado para as lutas. Como já se mencionou, os participantes deviam ser gregos, cidadãos, e livres de qualquer condenação infamante.

As inscrições das delegações para os jogos eram recebidas com a antecedência de seis meses, abrindo-se logo os ginásios para o respectivo treinamento dos atletas, tudo , como foi dito, sob a fiscalização e supervisão dos helanodices (hellanodikai). Seus julgamentos e decisões eram inapeláveis. Durante vários meses, preparavam-se para o exercício de suas funções, recebendo instruções especiais dos monophylakes (professores de legislação). Os helanodices, durante os jogos, residiam em prédios suntuosos (helanodikaion). Sua importância pode ser avaliada pela roupa que usavam, mantos de cor púrpura, próprios da elite política e religiosa. No exercício de suas funções, tinham um grande número de assessores (alytai), inclusive todo um contingente policial.

A participação dos atletas era custeada pelas cidades inscritas. Algum tempo antes da abertura dos jogos as estradas tinham o seu movimento muito intensificado, verdadeiras multidões se locomoviam em direção de Olímpia, inclusive por via marítima, provenientes das ilhas do Mediterrâneo oriental e das colônias.

Às mulheres eram vedadas a participação e a presença nos jogos. O motivo alegado era o de que os atletas, em sua maioria, faziam nus as suas práticas. Muitas mulheres, entretanto, se arriscavam, entrando disfarçadas nos recintos esportivos (ginásio, palavra que vem do termo grego gymnos, não vestido), correndo o risco de receber severas punições. Estranhamente, porém, a entrada de meninas até sete anos era tolerada e mesmo incentivada. Justificativa: permitir que elas admirassem corpos masculinos bonitos para que ideais de matrimônio e não de sexo lhes ocupasse a mente desde cedo...

Como sempre, durante os jogos, culto religioso, devoção aos deuses e ideais esportivos misturavam-se ao oportunismo comercial, tudo em meio a barracas, vendedores ambulantes, mágicos de feira, músicos, videntes etc. Tudo se vendia nesses acampamentos, vinho tirado de grandes ânforas, pães, frutas secas, tecidos, jóias, sandálias, perfumes etc. No calor do verão, no bosque sagrado de Olímpia, um enorme contingente humano se comprimia para a grande festa: embaixadores, militares, soldados, atletas, atores, prostitutas, sacerdotes, comerciantes, vendedores, jovens, crianças, fiscais, ladrões, funcionários, cidadãos comuns, médicos...

Pairava sempre no ar um odor de sangue, misturado à fumaça que se elevava das piras sacrificiais; uma grande quantidade de animais era nessas ocasiões levada ao sacrifício. Orações, cânticos, mugidos, gritos, risos, a melodia das cítaras e das flautas, dançarinas, uma celebração para não ser jamais esquecida. Antes de etapa dos jogos, obrigatoriamente, o juramento sagrado proferido pelos atletas: "Nós juramos que nos apresentaremos nos Jogos Olímpicos como concorrentes leais, respeitadores dos regulamentos que os regem e desejosos de deles participar com espírito cavalheiresco para a honra da nossa pólis e para a honra do esporte”.

O senado da Élida, durante a realização dos jogos, tinha o poder de excluir qualquer cidade concorrente por eventuais faltas cometidas por seus atletas como também podia impor pesadas multas por qualquer violação da trégua sagrada ou por qualquer crime contra o que eles chamavam de Helenismo, uma espécie de ética olímpica.

ALEXANDRE

Quando da vitória Felipe, pai de Alexandre Magno, sobre os gregos, os macedônicos começaram a participar dos jogos olímpicos. O mesmo acontecendo com os romanos, quando se impuseram militarmente aos gregos. O imperador romano Teodósio, por decreto de 394 dC, proibiu a realização dos jogos.

Os jogos olímpicos da era moderna só voltariam a se realizar a partir do ano de 1.896, por iniciativa de Pierre de Coubertin, pedagogo francês que se dedicou a promover a integração da educação física nos currículos escolares, uma proposta bem pífia se comparada com a motivação dos antigos gregos.

Nos tempos modernos, nos anos mais recentes, o ideal olímpico parece estar perdido. Além de problemas políticos, guerras mundiais, terrorismo, boicote (1980 e 1984), o que se constata a partir dos anos finais do séc.XX é que o amadorismo desapareceu do ideal olímpico, o uso de drogas se generalizou entre os atletas e o esporte-espetáculo tomou conta das competições, sob o patrocínio das grandes empresas multinacionais e dos grandes sistemas de comunicação, transformando-se os atletas em bem pagos vendedores de marcas e modelos comerciais.

Embora em Olímpia também existisse esse lado "comercial" quando da realização dos jogos, as competições nunca deixaram de se enquadrar num esquema de valorização da saúde, da beleza física e, sobretudo, do amor à glória e ao grande feito. Este era o ideal grego relativo ao ser humano e à própria existência enquanto agon, luta. Este conceito integrava-se à chamada paideia (educação total), dela fazendo parte, com destaque, a perfeição física e psíquica, alcançadas com exercícios apropriados, a fim de se garantir a boa forma física e a saúde, que até a velhice não estavam separadas da vida intelectual e sobretudo da contínua formação do caráter.

As Olimpíadas, retomadas no final do século XIX, puseram em circulação, tão somente, um ideal de resultados que hoje tem sua plena configuração na máxima: "Todos os meios são bons desde que eficazes". Estamos, por isso, bem longe, em oposição, melhor dizendo, aos ideais daquele mundo que se reunia em Olímpia para a realização dos jogos criados pelo filho de Zeus e de Alcmena.