domingo, 2 de março de 2014

MITOLOGIAS DO CÉU - NETUNO (4)


Desde Homero e Hesíodo que o panteão grego estava fixado.Segundo este último, em sua Teogonia, a primeira entidade criada pelos gregos para representar um dos aspectos do elemento líquido foi Pontos, palavra que admite significados como mar, via de acesso, passagem, caminho. Era filho de Geia, a Mãe Terra, e de Éter, a camada superior dos cosmos, este filho de Nix, a deusa da noite, entidade primordial, que o gerou sem o concurso de ninguém. Personificado como a energia masculina do mar, Pontos era chamado às vezes de A Onda ou a Vaga Marinha. Não possui um mito particular, figurando somente nas genealogias teogônica e cosmogônica. Unido à sua mãe, gerou Nereu, Taumas, Fórcis, Ceto e Euríbia. Atribui-se a ele também a paternidade de Briareu e dos quatro Telquinos (Atteo, Megalesio, Ormeno e Lico).

A descendência de Pontos chega até os monstros filhos de Tifon e de Équidna. No que nos interessa mais de perto, a primeira entidade gerada por Pontos é Nereu, nome que lembra velhice. Com efeito, Nereu é conhecido como o Velho do Mar, divindade marinha elementar que tinha a capacidade de tomar a forma que bem entendesse, um animal, um elemento como o fogo ou a água. Como todas as divindades marinhas, possuía também o dom da profecia.

PONTOS

Nereu aparece frequentemente no folclore marinho dos gregos. Benéfico para com os homens do mar, ele costuma ajudá-los, embora às vezes se mostre muito arredio e reticente quando lhe fazem algum pedido. Aparece sob a forma de um velho barbudo, robusto, montando um tritão e armado com um tridente.

NEREU

Também conhecido como Proteu (etimologicamente, o mais antigo, o primeiro, do radical prot, proto), Nereu aparece também no mito como um auxiliar de Poseidon, quando a terceira dinastia assumiu o poder olímpico, sendo o guardador do rebanho de focas e de outros animais a ele pertencentes, tendo como base de sua atividade a ilha de Faros, perto da foz do rio Nilo.  

Em duas passagens mitológicas Nereu é particularmente lembrado. Hércules, no seu terceiro trabalho, precisava descobrir o caminho para chegar à região das Hespérides. As ninfas do rio Erídano, filhas de Zeus e de Têmis, revelaram ao herói que somente Nereu o conhecia. Encontrado, Nereu esquivou-se todas as formas, transformando-se de várias maneiras. Nosso herói, contudo, conseguiu segurá-lo firmemente e ele não teve como não atendê-lo. 


Noutro episódio, na Odisseia, aconselhado pela deusa marinha Idoteia, Menelau, quando procurava o caminho de volta para a
PROTEU
Grécia, depois de terminada a guerra de Troia, foi consultar Nereu/Proteu. Depois de se transformar em vários animais, leão, serpente, pantera e outros, e, diante da insistência do marido de Helena, o velho acabou falando. Heródoto, contudo, desmistificando-o, nos deixou a informação que Proteu não era uma divindade marinha, mas, sim, um rei do Egito, contemporâneo de Menelau. Reinava esse rei em Mênfis ao tempo em que Helena e Páris haviam fugido para Troia. Idoteia, por sua vez, não seria uma deusa marinha, mas uma princesa egípcia.


DORIS E HIPOCAMPO

Nereu é pai das cinquenta Nereidas, que nasceram de Doris, filha do deus Oceano. Eram as ninfas do Mediterrâneo. Chamadas às vezes de Dóridas, viviam nas profundezas marinhas, num palácio dourado, divertindo o pai com os seus cantos e danças. Personificavam, cada uma delas, um aspecto particular da superfície das águas, onde apareciam entre as ondas, magníficas, metade mulher metade peixe, envolvidas por algas, cavalgando tritões, delfins ou cavalos-marinhos.


No palácio em que viviam, passavam grande parte do seu tempo a fiar, a tecer, a cantar e a brincar. Muito representadas na arte, aparecem como tema poético privilegiado e também como motivo pictórico (vasos e pratos), como podemos constar nos museus do Vaticano, de Nápoles, de Puglia, de Taranto e outros.


ANFITRITE E POSEIDON

O movimento suave das ondas era representado por duas nereidas, Galene e Glauke; as ondas revoltas eram representadas por Thoe e Halie; as impetuosas vagas que alcançavam as praias de ilhas eram representadas por Nesaie e Aktaee; as ondas das marés crescentes, por Pasiteia e Erato; as marés mais poderosas eram representadas por Euneike, que recebia as ondas que lhes passavam Pherusa e Dinamene. Registre-se que todas as nereidas faziam parte do séquito de Anfitrite. Muitos mitólogos defendem a hipótese de que o mitos das nereidas estaria por trás das histórias referentes às sereias.

NEREIDAS

Abrindo um parêntesis, destaco que Luis de Camões recolheu do mito das nereidas o nome Dinamene, dando-o a um famoso
personagem de muito destaque na sua obra. Dinamene é nome grego que significa “poderosa no mar”. Sob este nome, Camões ocultou outro, o de uma chinesa que encontrou na sua viagem, seu grande amor, que perdeu quando do naufrágio do barco em que se encontravam no rio Mekong. No nome Dinamene ecoam ideias de tristeza, mágoa e frustração. Camões associa a figura de Dinamene ao mar e ao ato de morrer.  

 Das cinquenta nereidas somente umas poucas tomaram parte mais
TÉTIS E AQUILES
ativa em histórias, aparecendo de modo mais acentuado no mito. São mais espectadoras que atrizes. Dentre as de maior destaque, temos: Tétis, mãe de Aquiles, Anfitrite, mulher de Poseidon, Galateia e Orítia. A primeira, a mais bela das Nereidas, foi muito desejada por Zeus. As Moiras, contudo, informaram ao Senhor do Olimpo que seu poder seria superado pelo de um filho que tivesse com ela. Foi por esta razão que ele a deu em casamento ao mortal Peleu, nascendo dessa união o maior guerreiro da mitologia grega, Aquiles.


Galateia (etimologicamente, a clara, a branca, de gala, leite). Era a nereida que costumava aparecer quando as águas do mar se mostravam muito limpas e transparentes. Participava com realce das histórias populares que se contavam sobre o mar na Magna

Grécia, principalmente na Sicília. Foi notada pelo cíclope Polifemo, monstruoso filho de Poseidon, antropófago (vide a Odisseia), que vivia perto de Nápoles, que  por ela se perdeu de amores. Ela, contudo, o rejeitou, preferindo o belo Acis, filho do deus Pan (Fauno, na tradição romana), atacado e morto por Polifemo, que sobre ele lançou uma enorme pedra. Galateia recolheu o corpo inerte de seu amor e o transformou num límpido rio, banhando-se nele diariamente. Uma versão desse mito nos informa que Polifemo conseguiu se relacionar sexualmente com a bela nereida, nascendo dessa união três filhos, Galas, Celto e Ilírio, heróis epônimos, respectivamente, dos gálatas, celtas e ilírios. 

A história de Galateia, Acis e Polifemo foi tema relevante na poesia, usado principalmente por Filóxeno (etimologicamente, amigo do estrangeiro) de Citera (séc. IV aC) e por Teócrito (séc. III aC; etimologicamente, o que julga as deusas). Este último foi o mais ilustre poeta grego de Siracusa, no período helenístico. Viveu entre Kos e Alexandria. Deu grande impulso ao chamado idílio bucólico, na sua forma poética mais bem acabada, inovando-o, influenciando bastante Virgílio (Bucólicas). Trata Polifemo como um ser do sofrimento que nos conta, através do seu lamento, a sua impossibilidade de obter o amor de Galateia pois a sua monstruosidade assim o impedia. Poetas modernos, como Giovanni Pascoli e Eugenio Montale também receberam a sua influência. Já Filóxeno, que viveu na Sicília, depois de ter sido vendido como escravo, adotou o gênero ditirâmbico. Seu poema mais famoso é chamado tanto de Galateia como O Cíclope. Ovídio foi bastante influenciado por ele e, mais próximos de nós, o poeta espanhol Luis de Gongora e Miguel de Cervantes. 


Não podemos esquecer de um filho de Nereu, que tem importância considerável no mito de Afrodite. Trata-se de Nerites (etimologicamente, molusco, marisco), belíssimo jovem por quem a deusa se sentiu muito atraída quando de sua temporada marinha,

tornando-se ele seu grande companheiro de brincadeiras e folguedos. Chegada a hora de subir ao Olimpo para assumir a seu papel de deusa do amor, Afrodite não queria se separar dele. Deu-lhe inclusive um par de asas para poder o jovem subir com ela. Ele recusou; Afrodite, indignada, então o transformou num molusco (vieiras), prendendo-o às pedras, para que não mais se movimentasse. 

       Uma outra versão do mito nos conta que Nerites era disputado por duas divindades, Poseidon e Hélio. Não suportando os contactos que Nerites e Poseidon, ambos extremamente velozes, mantinham nos mares, Hélio o transformou no referido molusco. Lembro que é da concha desse molusco que sai a concha-símbolo dos romeiros que se dirigem a Compostela, usando-a presa ao seu chapéu. 


NASCIMENTO DE VÊNUS

A concha da vieira é a mesma que Afrodite usou na sua temporada marinha para seu transporte quando se dirigiu à ilha de Cytera e depois a Chipre, a ilha do cobre, antes de subir ao Olimpo. Botticcelli a usou na sua sua famosa tela O Nascimento de Vênus. Em espanhol, o nome da concha é venera que passou ao português como vieira. “Venera”, por sua vez, deriva do nome Vênus, a versão romana de Afrodite. O verbo venerar, primitivamente, só se aplicava no sentido de honrar a Vênus. Depois, estendeu-se aos demais deuses, como homenagem respeitosa a eles prestada. 

Taumas é nome que lembra, etimologicamente, pasmo, admiração, thauma, em grego). Dessa palavra vem taumaturgia, arte de atrair ou impressionar pessoas com milagres e atos prodigiosos. Daí o nome taumaturgo, o indivíduo que pratica a taumaturgia. Como divindade marinha, Taumas é figura importante para a compreensão do mundo netuniano sob o ponto de vista astrológico já que ele nos remete ao imaginário, ao fantástico, ao milagroso, ao descontrole da vontade sem base alguma na realidade concreta, lembrando tudo o que não se consegue explicar racionalmente.    


Lembro que um dos mais importantes estudos já feitos sobre a taumaturgia é de autoria do mestre francês Marc Bloch, fuzilado

pelos nazistas durante a 2ª guerra mundial, e tem o título de Os Reis Taumaturgos. O livro apareceu em 1924, com prefácio de um dos maiores historiadores modernos, Jacques Le Goff. O livro de Bloc estuda um rito curioso: a cura de escrófulas por meio do toque das mãos, poder atribuído aos reis franceses e ingleses do séc. XII ao séc. XVIII. 

Taumas é irmão de Nereu. Não possui um mito particular. Uniu-se Electra, filha do deus Oceano, e com ela teve as Harpias e Iris. As Harpias são monstros femininos que vivem no Hades, de onde saem para atacar os vivos. Seu nome tem relação com o verbo harpadzein, que significa arrebatar, levar á força arrastar. Eram três: Aelo (borrasca, tempestade), Occípite (a rápida de voo) e Celeno (a obscura). São representadas como monstros femininos, horríveis, rosto muito envelhecido, corpo semelhante ao dos abutres, garras, seios pendentes. Vinham do Hades, ávidas, para raptar e beber o sangue de heróis.  Às vezes, raptavam simplesmente os jovens ou mesmo crianças, levando-os, para vampirizá-los, para se apropriar da energia delas. Costumavam também frequentar banquetes, pousando nas iguarias, apodrecendo tudo. 


HARPIAS

Dentre os personagens do mito punidos pelas Harpias, destacamos Phineus, rei da Trácia. Ele preferiu manter-se cego para preservar a longevidade e os dons de vidência que possuía. Como não morria, Apolo se sentiu desafiado por ele, principalmente porque Phineus abusava dos seus dons, revelando aos humanos as intenções divinas. Mandou que as Harpias poluíssem as refeições que eram fornecidas a ele. Zetes e Calais, filhos do vento Bóreas conseguiram, contudo, intercedendo a favor do rei trácio, afastá-las. 

BÓREAS

As Harpias gostavam de perseguir sobretudo aqueles que se tornavam vítimas de suas próprias paixões, da sua sensualidade desenfreada, os possuídos pelo desejo de ter, de comer, de gozar, de aproveitar de qualquer maneira. Elas tinham a ver com as paixões torturantes, com as obsessões e com as ideias-fixas. Só uma vida espiritualmente orientada poderia impedir que elas atuassem ou expulsá-las. Foi do nome delas que Molière retirou o nome Harpagon, personagem principal da sua grande tragicomédia, O Avarento (L´Avare).  

Abrindo outro parênteses reverencial: Molière, apelido de Jean-Baptiste Poquelin, genial homem do teatro francês do século
JEAN-BAPTISTE POQUELIN (MOLIÈRE)
XVIII, autor, ator e diretor de troupe (grupo de teatro), criou, com Harpagon, um dos mais fantásticos personagens da sua extensa galeria de modelos humanos. A paixão pelo dinheiro matou neste rico burguês qualquer sentimento de dignidade. Desconfiado e brutal com relação àqueles com os quais se via obrigado a conviver, era mau pai e mau patrão. Harpagon só pensava no dinheiro, na riqueza. Viúvo, sovina, conheceu uma jovem, Marianne, que poderia (chegou a pensar) trazer algo de bom, alguma alegria à sua triste vida; só economizando, só guardando dinheiro, Harpagon é bem um símbolo da avareza. Mas ele não conseguia desviar os pensamentos

da sua bolsa, dos seus bens, do seu dinheiro. Entre Marianne e a bolsa, ele optou pela bolsa. Essas preocupações o arrebatavam. Uma mulher em sua vida seria mais uma boca a sustentar, despesas, preocupações e certamente outras coisas mais... Seus pruridos afetivos duram pouco, muito pouco. Abriu mão de Marianne; a perda da moça, certamente, o perturbava bem menos do que a ideia de ter que abrir um pouco mais a sua bolsa se ela entrasse em sua vida. Ele preferiu abrir mão da menina do que abrir um pouco mais a bolsa. 

Molière viveu para o teatro, pelo teatro, só fazendo teatro. Como ele, para utilizar os recursos da cena, talvez, só Aristófanes, gênio da comédia grega. Molière ensinou aos comediantes as virtudes do natural e a simplicidade. Com uma liberdade e uma sabedoria, nas quais se misturavam astúcia e piedade inigualáveis, ele arrancou a máscara do burguês, do nobre, do aristocrata, do devoto, do pedante, do arrivista, máscara sob a qual se escondia sempre a impostura. Ele pôs a nu essas coisas que estão escondidas em nós e que não gostamos de revelar, fazendo tudo para que os outros não saibam delas. Com ele, a comédia atingiu uma dimensão trágica. O riso se transformou em tragédia. Seus personagens vivem fora do tempo, tornaram-se arquétipos, universais.


Íris é nome grego que lembra etimologicamente curvar, dobrar,
IRIS
ligar extremidades. Era a personificação do arco-íris, fazendo a ligação do céu e da terra, atuando como mensageira dos deuses, de Hera especialmente, de quem era também a confidente. Nessa atividade, lembrava um pouco o deus Hermes, porém sem o seu status. Transmitia as ordens de Hera, às vezes de Zeus, sendo representada com asas e com o bastão do arauto. Suas vestes eram bordadas com inúmeras pérolas de orvalho, irisadas e brilhantes. No céu, o arco da deusa Íris era sinal de bom augúrio, pois costumava prometer o retorno do Sol depois das tempestades ou da chuva depois de um período de seca, constituindo um sinal de prosperidade.


Fórcis é uma divindade marinha que aparece como modelo de um Velho do Mar. Seu nome vem da palavra grega phorkon, branco,
FÓRCIS
encanecido. Sua figura sugere, às vezes, sabedoria, experiência, embora raramente as demonstre. Deixou uma descendência importante para o mito. Unindo-se à sua irmã Ceto (etimologicamente, ketos, em grego, é todo animal monstruoso, enorme, que vive no elemento líquido; baleia, crocodilo, hipopótamo e outros), foi pai das Greias, das Górgonas, do dragão Ládon, de Cila e de Équidna. 


Ceto é geralmente identificada como a baleia, de onde sai a ordem dos cetáceos aquáticos, que inclui o golfinho e o boto, mamíferos, que têm um orifício respiratório situado no alto da cabeça. Como monstro da mitologia grega, Ceto foi morta pelo herói Perseu para salvar a princesa Andrômeda. Este mesmo monstro é registrado no texto bíblico como o monstro que engoliu o profeta Jonas, que permaneceu três dias e três noites em seu ventre.


Lembramos que Ceto, Andrômeda e seus pais, Cassiopeia e
CASSIOPEIA
Cepheus, foram colocados como constelações nos céus. Cetus estende-se de 17º de Peixes a l3º de Touro, sendo Menkar a sua principal estrela, situada a 13º 37´de Touro. Esta estrela, como se sabe, tem relação com forças do inconsciente coletivo, que podem, emergindo, causar a destruição e proporcionar algo favorável, coletivamente.


Andrômeda estende-se de 12º de Áries a 15º de Touro, sendo Alpheratz a sua principal estrela, atualmente a 13º37´de Áries. Esta estrela predispõe a pessoa que a tem em aspecto (conjunção principalmente) com algum planeta a usar as energias dele de modo independente, a não depender de influências externas. 


ANDRÔMEDA

As Greias são as “Velhas”, as “Grisalhas”, monstros que já nasceram assim. Em grego, graus quer dizer mulher velha, idosa. Eram três: Dino, Pefredo e Enio, nomes que significam, respectivamente, alarme, pavor e horror. Irmãs e guardiãs das Górgonas, Só possuíam um olho e um dente em comum, usando-os alternadamente. Viviam no extremo ocidente, em regiões onde a luz jamais chegava, possuindo elas também uma caverna que ficava perto do Tártaro. Acreditava-se que as Greias eram responsáveis pelos fortes nevoeiros que envolvem os mares e os oceanos, impedindo a navegação e assustando os navegantes. As Greias têm participação importante apenas na história de Perseu, quando nosso herói partiu em busca das Górgonas. Teve Perseu que passar pelas Greias para chegar às suas pavorosas irmãs e matar a mais perigosa delas, a Medusa.

PERSEU E AS GREIAS (E. BURNE-JONES)

Associadas aos nevoeiros e às brumas, as Greias tinham a ver com as zonas cinzentas, incertas, que separam a realidade da irrealidade, da fantasia. Em todas as mitologias, estas zonas recobriam principalmente as regiões noroeste da terra, representando uma transição entre o mundo dos humanos e o Outro-Lado. É nessas zonas que entidades demoníacas como as Greias atuam para simbolizar a incerteza do homem diante do futuro, que só a luz pode desfazer.

Alquimicamente, as brumas e nevoeiros são formados pela água, pelo ar e pelo fogo e têm um caráter prefigurativo, antecedendo a fixação das formas, precedendo o que vai tomar consistência. É neste sentido que podem significar a indeterminação, o indistinto, e um período de transição entre dois estados. Em muitas tradições, a origem dos nevoeiros e das brumas era atribuída à fumaça de vulcões submarinos e/ou a monstros que, invejosos do Sol, se punham a soprar do fundo dos mares e oceanos com o objetivo de enfraquecer a sua luz.  

 
  As Górgonas (gorgo, em grego, terrível, apavorante) eram três monstruosas irmãs, Esteno (força, violência), Euríale (ampla) e Medusa (a que se impõe, a que reina), que viviam no extremo-ocidente, perto do Jardim das Hespérides. Serpentes nos cabelos, presas como a de javalis, mãos de bronze, aladas, tinham um olhar tão intenso que petrificavam quem com elas trocasse olhares. Eram muito temidas, pelos deuses e pelos mortais. 


GÓRGONA (KLIMT)

Das três irmãs, só a Medusa era mortal. O único deus que ousou se aproximar delas foi Poseidon, tornando-a mãe de Crisaor e de
PERSEU E A CABEÇA DA MEDUSA
Pégaso. O rei Polidectes, na corte de quem o jovem Perseu vivia em companhia de sua mãe, a princesa Danae, mandou que ele, como candidato a herói, lhe trouxesse a cabeça da Medusa, que a todos aterrorizava. Protegido pelos deuses, sobretudo por Hermes e tendo obtido imprescindíveis informações para localizar as Górgonas, Perseu se dirigiu para os confins do Ocidente e as encontrou. 


Ciente do mortal olhar da Medusa, o jovem herói usou um polido
PÉGASO
escudo para devolvê-lo, petrificando-a desta maneira; com a espada que Hermes lhe havia dado, decapitou-a; do seu pescoço ensanguentado saíram o cavalo alado Pégaso e o gigante Crisaor, frutos, como já se disse, de sua relação com Poseidon. Cuidadosamente, Perseu guardou a cabeça da Medusa num saco. Mais tarde, Palas Athena fixará esta cabeça no seu escudo.


A Medusa e suas irmãs eram seres dracônticos. Dragão, em grego,
MEDUSA NO ESCUDO DE PALAS ATHENA
vem do verbo derkomai, olhar de um modo terrível. Daí, temos drakon, drakontos, dragão, serpente, para designar monstros míticos cuja principal característica é a de devolver o olhar que interrogativamente lhes lançamos. Os antigos gregos entendiam que este olhar devolvido era a imagem da nossa própria culpa. Tentávamos obter uma resposta do monstro sobre as questões existenciais que nos atormentavam e ele “dizia” claramente que era dentro de nós que as respostas deveriam ser buscadas. 


PERSEU COMO CONSTELAÇÃO

A cabeça da Medusa, nesse sentido, reflete a imagem da nossa culpa pessoal, as nossas fixações, que sempre impedem que nos conheçamos melhor, que inibem nossos esforços transformadores. Petrificar alguma coisa é paralisar, tornar inerte, imobilizar. Alquimicamente, a petrificação se liga à coagulatio. Se considerarmos, por outro lado, que a Medusa é um monstro que tem origem no elemento líquido, poderemos nos aproximar melhor do mito, extraindo dele todas as suas possibilidades significativas.

O elemento líquido ao qual a Medusa pertence é o oceânico (sua mãe era uma oceânida), que tem a ver com as águas originais, de onde um dia emergiu o ser humano. Valendo-nos agora da contribuição astrológica, sabemos que as águas originais são representadas pelo signo de Câncer (quarta casa), governado pela Lua. 




Na experiência humana, o signo de Câncer é aquele que dá ao ser humano um sentimento de identidade legal e pessoal. É ele que nos

fornece padrões de comportamento, de hábitos, de vida moral, orientando-nos e protegendo-nos através de vários códigos legais, definindo os papéis que devemos desempenhar com relação à nossa família e à sociedade.

No estágio canceriano, em função de uma identidade que obtivemos e da noção de contactos e trocas com o meio ambiente temos que ajustar os nossos impulsos arianos, taurinos e geminianos. Este “primeiro eu” que os quatro primeiros signos nos proporcionam tem, contudo, que ser abandonado, embora muitos cancerianos apresentem a tendência de nele se fixar. 


Pois bem: aqui voltamos a Perseu. O mito nos informa que havia
DANAE E A CHUVA DE OURO
em Argos uma princesa lindíssima, Danae, filha de Acrísio, rei de Argos. Tomando conhecimento, por um oráculo, de que se sua filha viesse a ter um filho ele o mataria. Acrísio mandou então construir um quarto de bronze, inexpugnável, e ali encerrou Danae. Zeus, contudo, que já havia notado a beleza da jovem princesa, resolveu torná-la sua mulher. Para tanto, tomando a forma de uma chuva de ouro, conseguiu, através de uma pequenina fenda no teto do quarto, nele infiltrar-se. Foi o que bastou para engravidá-la, tornando-a mãe de uma criança do sexo masculino que recebeu o nome de Perseu.


Esse nascimento se manteve secreto por Danae e por uma empregada que a ajudava. Um dia, porém, descobrindo tudo e não acreditando que o menino era filho de Zeus, Acrísio encerrou o filho e mãe numa arca e mandou que a jogassem ao mar. A arca, arrastada pelas ondas, chegou às costas da ilha de Sérifo, onde reinava Polidectes. Um irmão desse rei encontrou a arca na praia da ilha. Mãe e filho acabaram sendo transferidos para o palácio de Polidectes e ali passaram a viver. O menino cresceu rapidamente, sendo educado como um príncipe, sobressaindo-se a todos os da sua idade e mesmo em relação aos adultos em destreza física e inteligência. Polidectes tentara várias vezes atrair Danae na esperança de conquistá-la sexualmente. O jovem Perseu, contudo, sempre presente, ao lado da mãe, inibia todas as iniciativas do rei, que, por sinal, tratava Danae sempre com muita deferência.


Um dia, no seu aniversário, Polidectes recebeu muitos presentes, como era de praxe. O jovem Perseu, desejando se sobressair mais
DANAE (KLIMT)
que todos, disse-lhe que, se assim quisesse, poderia presenteá-lo com a cabeça da Medusa, um pavoroso monstro que a todos aterrorizava. Polidectes aceitou, vendo nessa proposta do jovem uma oportunidade de se aproximar de Danae, que, desesperada diante da atitude do filho, tentou demovê-lo de todas as maneiras, através de súplicas, lamentos, choro, chantagens etc.


Irredutível, o jovem príncipe afastou a mãe, dizendo-lhe que estava com dezoito anos, na idade de cumprir o rito da efebia, isto é, de se separar simbolicamente do seu passado e de passar para outra etapa da sua vida, partindo para a grande aventura que era a destruição da Medusa. Astrologicamente, como se pode perceber, essa aventura significou a separação da quarta casa astrológica (signo de Câncer) e a sua libertação das pressões conscientes e inconscientes que ela encerra. 


 A saída da quarta casa é sempre um problema, como a Astrologia nos revela. Os que conseguem esse feito terão sempre, de algum modo, que se haver com os valores lunares, reclusivos, por ela significados e a consequente culpa decorrente desse ato de libertação. Sabemos todos que o signo de Câncer “gosta” de segurar as coisas, de retê-las. Em Câncer e com a Lua uma ferida nunca se apaga.

Perseu foi além. Não só matou a Medusa como partiu logo para a “conquista” da sua sétima casa. De volta, o jovem herói passou pela
POSEIDON
Etiópia e encontrou o país devastado por um flagelo. Cassiopeia, a rainha, incorrera na ira divina por um pecado que cometera. Cheia de hybris, ela se proclamara não só mais bela que todas as nereidas, mas, pasme-se, mais que a própria deusa Hera. As nereidas se alvoroçaram, fazendo tudo para que tal afronta não chegasse ao conhecimento da Senhora do Olimpo, pois temiam da parte dela uma violenta reação. Aliás, nem foi preciso que tal acontecesse. O deus Poseidon, tomando a iniciativa, de castigar a petulante rainha, enviou Ceto, o pavoroso monstro marinho, mãe das próprias Górgonas, para devastar o reino de Cepheu, marido de Cassiopeia.

 
HERA


 Consultado um oráculo, foi revelado que a Etiópia só se livraria de tão grande catástrofe anunciada se a princesa Andrômeda fosse agrilhoada a um rochedo para ser devorada pelo monstro, como vítima expiatória. O clamor público foi geral: “Sacrifique-se a princesa!”, foi sentença. Foi a essa altura que passando pelo país Perseu se inteirou do que acontecia. Presenciando o sacrifício da princesa, fascinado por sua beleza, prometeu aos reis da Etiópia que a salvaria se ela lhe fosse dada em casamento. Eles aceitaram a proposta do herói, já então precedido de grande fama, mas omitiram que já a haviam prometido a um tio. Perseu cumpriu a sua parte; usou a cabeça da Medusa para petrificar o monstro e o matou. 

Indo buscar Andrômeda, conforme o acertado, Cassiopeia e Cepheu negaram-se a entregá-la. Perseu trava então luta contra todos, petrificando muitos, inclusive o casal real. Acompanhado da princesa, trocando juras de amor eterno, Perseu voltou então para Sérifo. Ajustou contas com Polidectes, petrificando-o, e pondo no seu lugar o irmão que acolhera ele e a mãe quando foram dar à praia da ilha. 


Acompanhado da mãe, Danae, que sempre soubera escapar das investidas de Polidectes, Perseu e Andrômeda dirigiu-se então a Argos, sua pátria, para visitar o avô. Temendo que a sentença oracular se cumprisse, Acrísio refugiou-se na corte Larissa. Perseu, a caminho de Argos, resolveu então parar justamente nessa cidade, então sede de grandes agones, competições esportivas. Perseu, anonimamente, inscreveu-se para participar da prova de lançamento de disco. Apresentando-se na praça de esportes, Perseu lançou de metal a peça com tanta violência que ela, ultrapassando as redes protetoras, atingiu um espectador, matando-o. Esse espectador era Acrísio, que em companhia do rei de Larissa, assistia aos jogos. Cumprira-se, assim, o oráculo.


AGONES

Muito entristecido com o ocorrido, o jovem herói prestou ao avô as homenagens devidas. Dirigiu-se depois a Argos, entregando o reino
a seu primo Megapentes e assumiu o de Tirinto, onde ele reinava. O fim da história tem algumas versões que se chocam, inclusive a romana, à qual o poeta Virgílio deu outro caminho. Quanto à versão grega mais aceita, sabe-se Danae morreu logo depois, que Perseu e Andrômeda viveram juntos, que tiveram sete filhos e que terminaram os seus dias acomodados e tranquilos, não restando deles nenhuma memória.

O dragão Ládon, filho de Fórcis de Ceto, como vimos, guardava os pomos de ouro dos Jardins das Hespérides, as ninfas do poente, Egle, Eritia e Hesperaretusa. O monstro possuía cem cabeças e fora colocado no Jardim por Hera para proteger o precioso presente que Geia dera a ela quando de suas núpcias com Zeus. 


Uma palavra sobre os dragões: estas figuras que têm a aparência de grandes répteis assemelham-se às vezes a crocodilos com grandes asas ou a serpentes gigantescas. Aparecem geralmente como seres violentos que os deuses e heróis devem enfrentar e vencer, simbolizando este ato sempre uma vitória do espírito sobre a vida material ou instintiva.


O dragão é um símbolo da desordem dos tempos iniciais que deve ser dominada pela força e pela disciplina. Nesta perspectiva, a psicologia das profundezas considera esse símbolo como um desdobramento da mãe arcaica, primordial, o elemento líquido de onde todos se originaram, imagem contra a qual o herói deve lutar para que possa tomar posse de sua individualidade. O dragão representa sempre uma ameaça das forças regressivas que, no ser humano, no seu psiquismo, lutam para fazê-lo voltar a estados indiferenciados, caóticos. 



Astrologicamente, o eixo do dragão, segundo a Astrologia hindu, indica, pelo chamado nó lunar norte (região da cabeça), o lugar do mapa astral em que alguém deve construir conscientemente a base de uma existência consciente. Já o chamado nó lunar sul (representado pela parte inferior do corpo, da cintura para baixo), região oposta à outra, representa todas as influências de natureza kármica vindas do passado (vasanas e samskaras). Essas influências, como resíduos latentes, ativam-se, manifestando-se como inclinações à ação, segundo padrões estabelecidos no passado.