De um modo geral, a velhice na antiga Grécia não era algo trágico,

Os mortos eram, para os antigos gregos, os dissecados, em qualquer circunstância. Daí, o temor que Geras, a Velhice, provocava. Triste divindade, filha de Nix e do Érebo, vivia no Hades, mais exatamente no chamado Bosque de Perséfone, território preambular do inferno grego. Geras era representada sob a figura de uma mulher muito velha, coberta com uma túnica negra. Na mão direita levava uma taça, na esquerda um bastão, no qual se apoiava. Sempre ao seu lado, uma clepsidra, quase esgotada. Noutras vezes era alegorizada simplesmente por um rosto de mulher velha ou por bastões, cajados.
No período pré-helênico (antes de 2000 aC), em certas épocas, os mortos eram enterrados no subsolo das casas. Já no período helênico fixou-se o


A morte no mito, no que tinha de aterrorizante, era sempre feminina, já que
decretada pelas Moiras, as Fiandeiras, também filhas de Nix, deflagradoras
de
um processo do qual participavam dolorosamente entidades como as Keres, as Górgonas
ou as Harpias. Entenda-se: numa sociedade profundamente machista como a grega,
a morte dolorosa só poderia acontecer pela via feminina, segundo as eternas
leis universais do gênero e das polaridades, presentes no mundo material e na
vida psíquica. Por isso, são figuras femininas no
mito grego que atacam o masculino, a sua incontinência, a sua descomunal hybris, o seu desmedido orgulho. O fim por elas decretado estava sempre ligado a uma relação de causa e efeito. Era o tipo de vida escolhido que determinava, por exemplo, o modo pelo qual as Keres (vide a morte de Aquiles) iriam atuar. A Medusa matava petrificando, prendendo aquele que não sabia dialogar com o seu lado feminino a comportamentos culposos dos quais não saberia se livrar ou liquidando-o como as Harpias porque arrebatados por compulsivas e destrutivas maneiras de ser.
Quem atacava também o masculino, para testar-lhe muitas vezes a firmeza, anulando-lhe a vontade, eram as sedutoras Sereias ou as raptoras Ninfas, E tudo isto sem falar
daquelas divindades que viviam sob o manto de Ananke, como Nêmesis ou as
Erínias, perseguidoras implacáveis do masculino tomado pela arrogância ou quando a
justiça deixava de ser equânime (equilíbrio entre o masculino e feminino)
Nos costumes funerários gregos, após o séc. XII aC, fixaram-se duas formas de se dar um destino final ao corpo: a inumação e a cremação. Com o desenvolvimento das cidades, ocorreu a separação entre o local da habitação e o terreno destinado às sepulturas. Ou seja, o morto não poderia mais ficar perto dos vivos, teria que ser levado para longe, para fora dos muros da cidade. As sepulturas foram aparecendo então ao longo das estradas principais. O cemitério de Atenas, conhecido por Cerâmico, perto do bairro onde trabalhavam os oleiros, é um exemplo, embora algumas honrosas exceções fossem registradas, caso de pessoas gradas enterradas nos mercados ou junto de templos.
Quando a morte chegava para qualquer pessoa, a família, segundo os costumes
tradicionais, colocava diante da casa um grande recipiente, um vaso, com água
para que os visitantes pudessem se purificar ao sair. Obrigavam-se os
familiares a realizar escrupulosamente as cerimônias rituais dos funerais,
segundo um drama em cinco atos:

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MEDUSA |
Nos costumes funerários gregos, após o séc. XII aC, fixaram-se duas formas de se dar um destino final ao corpo: a inumação e a cremação. Com o desenvolvimento das cidades, ocorreu a separação entre o local da habitação e o terreno destinado às sepulturas. Ou seja, o morto não poderia mais ficar perto dos vivos, teria que ser levado para longe, para fora dos muros da cidade. As sepulturas foram aparecendo então ao longo das estradas principais. O cemitério de Atenas, conhecido por Cerâmico, perto do bairro onde trabalhavam os oleiros, é um exemplo, embora algumas honrosas exceções fossem registradas, caso de pessoas gradas enterradas nos mercados ou junto de templos.
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CERÂMICO |
1) toalete fúnebre (lavagem do cadáver com óleos perfumados, seu
envolvimento com faixas e uma mortalha, o rosto descoberto). Fechados os olhos
do morto, uma moeda era colocada entre os seus dentes, para que a alma pagasse
o seu direito de ingresso no Hades, pelo cruzamento do rio Aqueronte, a
Caronte, o barqueiro.
2) exposição do morto (prothesis) sobre um leito cerimonial, durante do dia, no vestíbulo da casa, tudo em meio a muitos gritos e gestos rituais de lamentações; os homens demonstravam a sua dor, estendendo seus braços para a frente e para o alto; as mulheres levavam as mãos aos cabelos, desgrenhando-se; a lei sempre procurou suprimir estas demonstrações que normalmente incorporavam lamentos, vestes rasgadas, batidas de pés, vociferações, crises histéricas. Só era admitida a presença das mulheres que estavam impuras, isto é, as mais próximas do defunto, a mãe, a esposa, as filhas, as irmãs; além destas, um máximo de cinco mulheres e de duas donzelas que pertencessem à família até o grau de filhas de primos diretos.
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CARONTE |
2) exposição do morto (prothesis) sobre um leito cerimonial, durante do dia, no vestíbulo da casa, tudo em meio a muitos gritos e gestos rituais de lamentações; os homens demonstravam a sua dor, estendendo seus braços para a frente e para o alto; as mulheres levavam as mãos aos cabelos, desgrenhando-se; a lei sempre procurou suprimir estas demonstrações que normalmente incorporavam lamentos, vestes rasgadas, batidas de pés, vociferações, crises histéricas. Só era admitida a presença das mulheres que estavam impuras, isto é, as mais próximas do defunto, a mãe, a esposa, as filhas, as irmãs; além destas, um máximo de cinco mulheres e de duas donzelas que pertencessem à família até o grau de filhas de primos diretos.
Toda a casa onde havia um morto entrava num estado de anormalidade. Um
sinal disto, aliás, já estava no grande vaso cheio de água acima mencionado. A prothesis durava um dia inteiro. As famílias nobres usavam um carro para o
transporte do morto, especialmente preparado. No caso de cremação, a fogueira
era feita junto do local fúnebre, ficando o recolhimento dos ossos sob a
responsabilidade do parente mais próximo, um filho geralmente.
O morto era presenteado com oferendas, que se tornavam sua “propriedade”.
Estas oferendas tinham a finalidade de refletir os seus hábitos e o seu status
social. Os vivos procuravam com isso demonstrar que não se apoderariam das
posses do falecido. De caráter simbólico, estas oferendas foram aos pouco sendo
substituídas por formas miniaturizadas, sem utilidade prática alguma. Os homens
recebiam facas, armas, instrumentos profissionais. As mulheres, as da
aristocracia, recebiam simbolicamente jóias, e roupas. O mais comum, porém,
eram fusos, símbolos de mulheres virtuosas. No geral, era muito usado o costume
das libações para que a ligação com o morto fosse mantida.
Todos os que entravam na sala da prothesis deviam vestir luto, nas cores
preto, cinza ou branco, e tendo seus cabelos cortados. Carpidores
profissionais, principalmente mulheres, podiam ser contratados para que, com a
sua contribuição, fosse aumentada a energia da memória, lembrança do morto,
além evidentemente de impedir que participantes da cerimônia pegassem no sono.
Para o grego, a memória, atuando através de Pothos, o deus da saudade, mantinha
o morto “vivo”; enquanto houvesse memória haveria vida. Havia restrições ao
luxo, sendo usados sempre muitos leques e ventarolas para espantar as moscas.
No mito, temos um exemplo: Aquiles, quando do funeral de seu amigo Pátroclo,
obrigou os troianos capturados a carpir o amigo. As leis sempre procuraram
organizar as cerimônias fúnebres segundo três princípios: decência, higiene e
economia, chegando inclusive a definir a quantidade e o preço dos objetos a serem
utilizados e estabelecendo a preferência da cor marrom para o luto.
3) no dia seguinte, antes da alba, para que o sepultamento ocorresse antes dos primeiros raios do Sol, que não podia ser manchado pela morte, fazia-se o transporte do corpo (ekphora) para a necrópole sobre um carro ou maca, em cortejo de parentes, familiares e amigos, vestidos com roupas escuras, salmodiando um threnos, com acompanhamento de aulo, em alternância com os soluços das carpideiras. No cortejo dos assassinados, uma lança era carregada como sinal de vingança.
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AQUILES E PÁTROCLO |
3) no dia seguinte, antes da alba, para que o sepultamento ocorresse antes dos primeiros raios do Sol, que não podia ser manchado pela morte, fazia-se o transporte do corpo (ekphora) para a necrópole sobre um carro ou maca, em cortejo de parentes, familiares e amigos, vestidos com roupas escuras, salmodiando um threnos, com acompanhamento de aulo, em alternância com os soluços das carpideiras. No cortejo dos assassinados, uma lança era carregada como sinal de vingança.
4) inumação em um caixão de madeira (cedro no caso de famílias ricas), que
se depositava em um túmulo, que podia ser subterrâneo, aéreo (superficial) ou
rupestre (cavernas ou grutas). Em muitos casos, ocorria a incineração do corpo
em fogueiras, sendo os ossos e as cinzas recolhidos em uma urna de metal ou
vaso de argila, inumados mais tarde.
5) banquete fúnebre uma vez
terminadas as exéquias (palavra que quer dizer acompanhar, seguir até o fim),
na casa de um parente próximo do morto, pois o domicílio deste último, até que
ritualmente purificado, estava maculado pela morte. Os gregos davam o nome de nekyia a qualquer sacrifício para a evocação dos mortos.
Na tumba do morto eram colocados móveis e utensílios que poderiam ser úteis
na vida do Além, costume certamente herdado do Egito. O luxo e o exibicionismo iam
sendo coibidos aos poucos. Sobre o túmulo erguia-se normalmente uma simples
estela (coluna ou placa de pedra em que se faziam inscrições; monumento
monolítico vertical) ou se colocava um vaso de mármore (lécito ou lutrófora)
nos quais se inscrevia o nome do desaparecido, acompanhado às vezes de uma
saudação, de um epitáfio (epi, por cima, mais taphos, túmulo) ou de um relevo
representativo, em geral de uma cena de dekstosis (aperto de mão entre dois personagens,
o morto e um sobrevivente).
Embora Solon já houvesse tentado coibir os excessos nos funerais,
especialmente as demonstrações de riqueza e as cenas de dor muito violentas, no
século IV aC, no fim do período clássico da história Grega, os monumentos
funerários das famílias ricas de Atenas eram tão suntuosos que Demétrio Falero
promulgou em 317 uma lei para regulamentar a construção de sepulturas. Em
Esparta, as exéquias eram mais simples e rápidas. A duração do luto fechado era
geralmente limitada a onze dias. Na fachada das tumbas rupestres, colocava-se
em um nicho, um busto funerário de mármore, no mais da vezes, anicônico (sem
rosto).
De um modo geral, o culto aos mortos ocupava um lugar muito importante
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DEMÉTRIO FALERO |
De um modo geral, o culto aos mortos ocupava um lugar muito importante


Os soldados mortos pela pátria tinham direito a uma cerimônia fúnebre
especial, conforme a descreve o historiador Tucídedes, no século V aC.
Antes da
inumação dos militares, os corpos eram expostos em tendas. Depois, em caixões
de cipreste, árvore funerária, os despojos eram colocados de acordo com as
tribos a que pertencia o morto. Os restos mortais eram depositados num
monumento levantado pelo poder público, no bairro mais importante da cidade.
Após a inumação, um cidadão designado pelo governo, em função dos seus dotes intelectuais
e prestígio, fazia o elogio do morto.
Chamavam os gregos de cenotáfio (literalmente, túmulo vazio) o túmulo ou monumento fúnebre levantado em memória de alguém
cujo corpo não jazia ali sepultado. O morto era representado muitas
vezes por um kolossos, uma estátua com forma humana, estatueta de argila ou
madeira, que representava o ausente em um ritual. Posteriormente, a palavra kolossos foi usada para designar estátuas de grande porte, especialmente a que
representava o deus Apolo em Rodes, conhecida como o Colosso de Rodes.

Chamavam os gregos de cenotáfio (literalmente, túmulo vazio) o túmulo ou monumento fúnebre levantado em memória de alguém
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COLOSSO DE RODES |
Os costumes funerários variaram conforme as épocas. Nos poemas homéricos, a praxe era a cremação. Na época clássica, o sepultamento era comum e a cremação só ocorria em casos excepcionais. Em Atenas, como se disse, a necrópole oficial era chamada de Cerâmico, de onde partia a estrada em direção do Santuário de Elêusis. O Cerâmico era um demo na periferia de Atenas. Uma parte desse demo se situava dentro das muralhas da cidade e oferecia um grande espaço onde se realizavam reuniões. O cemitério ficava na parte externa, fora dos muros, perto da porta chamada Dipylon (esta palavra, em grego, significa tudo o que é duplo, como o corpo e a alma, tudo que é dividido por dois; por esse nome designavam-se também as pinças do escorpião).
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RUÍNAS DO DIPYLON |
De um modo geral, a morte masculina era pública, viril, isto é, os homens morriam em atividade cívica ou na guerra; as mulheres morriam sempre anonimamente. O grande ornamento das mulheres era o silêncio e a sua maior realização era a de levar uma vida exemplar de esposa e de mãe ao lado do seu esposo, o homem-cidadão, o aristocrata. A esposa do cidadão vivia no recesso do lar, para o oikos, junto da lareira, sempre provedora, com os filhos e os serviçais da casa. A glória (kleos) do homem, sempre um aristocrata, era viva, proclamada, a da mulher era silenciosa, recatada. Morto o marido, restava a ela não dar motivos para que falassem dela, seja censurando-a ou elogiando-a. A maior glória da mulher era não ter glória nenhuma. Desprovida de andreia, coragem, a mulher só poderia se realizar pelo casamento e pela maternidade.
Fora dessa condição, as
mulheres se realizavam como concubinas (poucas, belas,
às vezes ricas, para os prazeres da carne) ou, em casos especialíssimos, como
cortesãs (muito cultas, independentes, ricas e famosas, com intensa vida social
nos seus domínios, nos quais
recebiam a elite da inteligência, do dinheiro e da
política). Só na tragédia, com Eurípedes, quando a vida gloriosa de Atenas ia chegando
ao seu fim, a mulher assumiria a sua morte, em muitos casos o suicídio como
solução (Antígona, Fedra etc.). A única que escapa das pressões desse contexto
é Medeia, que, ao invés de se matar, mata seus filhos, a noiva de seu ex-marido
e seu pai.
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ANTÍGONA |

Uma outra palavra para designar o cerimonial da morte é exéquias (cuidar, honrar, inquietar-se). Pelo seu aspecto ritual, sempre um convite ao envolvimento da comunidade como um todo. O corpo ia para uma outra jurisdição, havia que se “despachá-lo” adequadamente, cumpridas todas as formalidades do longo percurso, as suas diversas fases bem nítidas. A morte era um miasma, uma contaminação. O problema, no fundo, não era a morte em si, mas o de se observar o sepultamento ritual, já que a grande desgraça para alguém era morrer e ficar o seu corpo insepulto. Com a morte, nos tempos primitivos, o patrimônio deixado pelo morto passava integralmente ao filho mais velho, encarregado de dar continuidade ao culto doméstico depois da morte do pai.
Aos poucos, mudando os costumes, as
leis de sucessão foram sendo alteradas. A fortuna passou a ser dividida entre
os herdeiros do mesmo grau, mantendo-se algumas vantagens para o filho mais
velho (a casa paterna ia para ele). Em Atenas, as disposições testamentárias
eram comuns nos tempos de Sólon. Certas regras especiais sucessórias eram
aplicadas no caso da filha única, a epiclera, assim chamada
porque, sem ser herdeira, participava da herança. Se a filha epiclera fosse
casada, seus filhos eram considerados filhos do avô materno e recebiam a
herança. Se não fosse casada, o pai adotava como filho herdeiro o futuro genro.
Caso não houvesse testamento, a sucessão passava ao parente mais próximo, que
devia casar-se com a filha do falecido. Teoricamente, se esse herdeiro já fosse
casado e se a filha epiclera não tivesse filhos, ambos deveriam se divorciar.
Na prática, o herdeiro era simplesmente obrigado a adotar a moça como filha.
Cuidar do túmulo era, como se viu, obrigação dos descendentes. No 30º dia
da morte, uma refeição conjunta dos familiares encerrava o luto. Depois, a
homenagem aos mortos era feita quando das festividades populares com as quais a
cidade a cada ano os homenageava coletivamente. O dia dos mortos chamava-se
Nekysia e na Genesia, outra festa relacionada com os mortos, os filhos
lembravam-se dos pais falecidos. Papas de cevada, leite, mel, vinho no mais das
vezes, e sangue de animais sacrificados eram oferecidos aos mortos, dando-se a
estas oferendas o nome de derrames. Quando as libações se entranhavam na
terra, era estabelecido contacto com os mortos, entoando-se preces.
No caso de libações com
água, tínhamos o chamado “banho dos mortos”.
Muitas vezes, quando havia o intuito de “alimentá-los”, os contactos
eram feitos através de perfurações da superfície da terra. Uma famosa cerimônia
de invocação está na Odisseia (canto XI), quando Ulisses, orientado por Circe,
evocou o eidolon do vidente Tirésias, para que ele lhe desse informações de
como voltar a Ítaca. Ulisses abriu um fosso e sobre ele fez as libações e os
sacrifícios rituais. Homero nos diz que o sangue negro corria e logo as almas
dos mortos, subindo do Hades, se juntaram.
No caso de libações com
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TIRÉSIAS |
O culto dos mortos entre os gregos lembra um pouco o do antigo Egito. O
morto estava presente e ativo na sepultura, interferindo bastante na vida dos
vivos. Eles bebiam líquidos derramados, comiam papas, eram convidados a
participar de refeições; o sangue dos sacrifícios e o vinho eram, ao que
parece, o que havia de melhor para reanimá-los. Como retribuição, os mortos
deviam enviar o “bem” à superfície. Há muitas histórias sobre certos mortos
que, por não terem sido despachados na forma ritual, não entraram no Hades;
outros ficaram a errar em torno de seus túmulos, não encontrando jamais
sossego, ameaçando inclusive os que passavam por perto. A ira dos mortos era
temida e muitos cuidados deveriam ser tomados para atenuá-la; os vivos precisavam
lembrar-se sempre deles, através de oferendas constantes, mantendo-os de “bom
humor”.