A ELEGIA
As primeiras poesias gregas que tomaram o nome de elegias (do grego, elegeia, canto triste, de luto, plangente, lamentoso) tinham relação com antigos cantos de guerra, de natureza épica, nos quais se destacavam os valores nacionais, a vida guerreira, as façanhas de heróis mortos. Tecnicamente, a poesia elegíaca foi se formando aos poucos pela transição desses temas épicos para temas exclusivamente líricos, entendendo-se estes como composições monódicas (cantadas a uma só voz) ou corais (cantadas em grupos), com versos de dez sílabas, sempre carregadas de muito sentimentalismo e enlevo, inclusive com acompanhamento de instrumentos musicais.
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ARQUÍLOCO DE PAROS |
Dentre os poetas acima citados, Arquíloco de Paros (712-648 aC) se destaca por ser o representante mais conhecido do chamado lirismo pessoal. Nascido na Trácia, era filho de um grego aristocrata decaído que lá vivia como colono e de uma escrava. Extremamente individualista, Arquíloco levou uma existência miserável, de mercenário, e cantou inicialmente a vida do guerreiro, a brutalidade que a cercava e as suas breves alegrias. Ao mesmo tempo alegre, melancólico e apaixonado, foi sempre Arquíloco um empedernido individualista. Ficou famoso por suas invectivas impiedosas contra a bela Neóbula e seu pai, que lhe recusara entregar a moça em casamento. Tanto fez Arquíloco, atazanando-os, que levou ambos, pai e filha, ao suicídio. Quanto ao seu talento, é, com toda a razão, considerado como um dos maiores, o maior talvez, dos líricos jônicos e iniciador da lírica monódica. Muito espontâneo na sua expressão, Arquíloco ficou famoso por seus iambos satíricos, tornando-se muito popular a sua poesia, cantada por rapsodos, sendo, por isso, no seu tempo, colocado por em pé de igualdade com Homero.
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SÓLON |
Foi o poeta Mimnermo, porém, como tudo indica, quem, ao final do referido século, fixou a forma que os poemas elegíacos tomariam a seguir, forma através da qual chegariam aos tempos modernos, como poemas do amor, da saudade, do sofrimento e da reflexão melancólica. As elegias guerreiras de Mimnermo, ainda que ligadas aos antigos temas heroicos, já apresentavam, no geral, uma linguagem terna e apaixonada, abrindo caminho para o lirismo nostálgico que as impregnaria desde então. Nostalgia, registre-se, é palavra nova, criada no século XVII (1678) pelo médico suíço J.J. Harder, da Basileia, que uniu para formá-la, do grego, nostos (regresso) e algia (dor), ou seja, dor, sofrimento, por não se poder voltar mais ao passado.
Nascido em Colophon, Mimnermo foi poeta e músico; viveu entre os séculos VII e VI aC, sendo considerado também como criador da elegia erótica. Seus cantos, chamados Nanno, além dos de inspiração heróica, se constituem, diante da ideia do nada, do aniquilamento de tudo, num forte apelo aos prazeres sensuais.
Em Roma, ficaram famosos, no século do imperador Augusto,
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TIBULO |
Famoso pela ternura dos seus versos, por sua sensibilidade quase feminina, Tibulo não pode ser esquecido. Foi um poeta pacifista, de estilo clássico, sempre saudoso dos antigos costumes camponeses, muito ligado a Horácio, Virgílio, Propércio e Ovídio. Quanto a Catulo, embora ele não possa ser incluído no grupo dos quatro poetas elegíacos citados, ele deixou dois poemas no gênero que devem obrigatoriamente fazer parte do levantamento que se fizer das melhores elegias romanas, uma dedicada a Manilius e outra sobre a morte de seu irmão.
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RONSARD |
Au coucher du soleil, si ton âme attendrie
Tombe en une muette et molle rêverie.
Alors, mon Clinias, appelle, appelle-moi:
Je viendrai, Clinias, je volerai vers toi;
Mon âme vagabonde, à travers le feuillage,
Frémira; sur les vents ou sur quelque nuage.
Ao lado dos versos acima, poderíamos indicar também como fazendo parte do gênero elegíaco, muitos outros, de períodos posteriores, como os de Lamartine, Victor Hugo, de mme. Desbordes-Valmores, Girardin etc. Indo a outras literaturas, poderíamos lembrar ainda a mesma presença dos temas do gênero na literatura espanhola (Garcilaso de La Vega), na italiana (Petrarca e imitadores), na portuguesa (na qual Camões e Sá de Miranda ocupam lugar privilegiado), e na literatura inglesa (Thomas Young).
Na virada do século XIX para o XX a elegia, no que tinha de mais tradicional, devido principalmente à poderosa influência de Rainer Maria Rilke, voltou a ter, ainda que com alguns ingredientes novos, grande destaque. Temas como a tristeza, a melancolia, a saudade, os sentimentos despertados pela morte, impregnavam-se agora de misticismo, de ideias de salvação e de temas angelicais, versos carregados de sentimentalismo e crise existencial. É famoso o verso com o qual Rilke, desesperado, inicia a sua primeira elegia, perguntando: Quem, se eu gritasse, me ouviria entre as hierarquias dos anjos?
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RILKE |
Para a consideração que merecer de possíveis interessados, indo à produção de alguns poetas brasileiros (Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira) que ousaram escapar dos modelos formal e temático em que Rilke me parece ter pretendido encerrar a elegia, um poema produzido por um deles, o primeiro dos três acima mencionados, o grande Carlos Drummond de Andrade.
ELEGIA 1938
Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.
Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.
Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.
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CARLOS DRUMOND DE ANDRADE |
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