Vamos à etimologia (étimo quer dizer ver

Angina, por exemplo,

A angústia é sempre um fenômeno interno de opressão e de fechamento, fenômeno este que ocorre trazendo a crença de um sofrimento ou de um mal iminente, diante do qual nos mostramos impotentes. Uma dor que não conseguimos caracterizar, um medo sem objeto. Este medo tende a bloquear a nossa ação; ao mesmo tempo, um sentimento de fadiga, de cansaço, de desamparo. Todas as possibilidades da ação para sairmos desse estado podem ter sido levantadas, mas nenhuma nos satisfaz. Não é bem um recuo diante de alguma coisa, é antes uma parada, estacamos, inertes, à mercê desse sentimento difuso, impreciso. Ao contrário do medo, que sabe identificar os seus demônios, a angústia não sabe.
Mais ainda: a angústia pode ser também tanto uma emoção como um temperamento e uma doença. A angústia se torna mais complicada ao gerar perturbações fisiológicas (palidez, aceleração do pulso, rubor, tremores, palpitações, agitação, incapacidade de movimento). Em muitos casos, as oscilações podem ir de uma simples inquietação ao pânico (síndrome do pânico), com manifestações de contrações epigástricas ou laríngeas, desfalecimentos etc.
Foi só a partir do século XIX que a angústia encontrou a sua

A colocação de Kierkgaard nos põe diante de uma questão fundamental, a da transcendência, que, na sua perspectiva, como as filosofias da existência desenvolveriam mais tarde, não é a caminhada em direção de um além invisível, a saída do plano terrestre, fora da existência. Pelo contrário, é uma ação pela qual a existência humana, através de escolhas, ações e compromissos, ultrapassa a sua realidade imediata, alcançando o mundo objetivo, a temporalidade e a liberdade, renovando-se constantemente. A angústia passa a ser assim um fator de mobilização, podendo até nos instigar no sentido de buscas criativas.

Num mundo como aquele em que vivemos hoje, as pessoas, em espantosa maioria, nunca chegarão a estas questões, evidentemente, porque o caminho da liberdade implica um “morrer” e um “renascer” diários, até o encontro fi

O homem que procura hoje seu lugar na sociedade busca na tecnologia, único modelo cultural admitido, métodos e axiomas

Vejamos o panorama atual: apesar de todos os avanços científicos e tecnológicos, as catástrofes ecológicas se sucedem, incertezas econômicas por todo lado, terrorismo na porta de casa, consumismo descarado convivendo com alarmantes índices de miserabilidade, epidemias se alastrando, males que julgávamos extintos retornando, violência em cada esquina, a droga como um dos mais rentáveis negócios do mundo, rendendo tanto ou mais que os negócios bancários oficiais, os poderes constituídos em acelerado processo de degradação e descrédito... É claro que há as “pessoas de boa vontade”, mas são tão poucas e, o que é pior, muitas, ainda por cima, fazendo, sem saber, o jogo dos donos do poder e dos grupos que as sustentam. Que caminho tomar?
Certamente, para a cultura ocidental, foram alguns personagens da mitologia grega os primeiros a apresentar formas de comportamento onde podemos notar fortes traços de angústia. Embora ela não esteja descrita, ela está presente. Orestes, o matricida, é um dos grandes exemplos. A tragédia grega, a de Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, como um todo, na forma como a “polis” a patrocinou, pode ser vista como uma das maiores tentativas de se trabalhar a angústia coletivamente. Aristóteles, no seu tratado da Retórica, deixa claro que o Estado pode ser o grande agente de um processo terapêutico, que, diga-se de passagem, se não trouxe uma cura definitiva da angústia conseguiu, pelo menos, momentaneamente, ajeitar um pouco as coisas, atenuando-as. Os romanos farão uma tradução grosseira da estratégia grega através do panem et circensis, na magistral formulação de Juvenal.
Longa seria uma


No seu Diário, o dinamarquês fala várias vezes da necessidade de morrermos sempre. No seu túmulo, versos que desejou que nele fossem gravados: “Ainda um pouco mais e eu teria vencido; e todo o combate, nesse instante, teria tido fim...” A vida como viagem está numa carta que escreve em 1838 a um amigo: Onde está meu Ararat? Será que o tempo de desembarcar já chegou? Posso abandonar a minha arca? Heidegger retomará tudo isso: a angústia no centro da experiência humana como sua condição possível.
O problema, a partir de Kierkgaard, é o de criarmos um sentido para a vida, renovando-o a cada momento. Escolha constante, esforço permanente, angustiante. A maioria tenta, ao contrário, seguir modelos já elaborados, montando uma personalidade aceita e considerada socialmente que a desobrigue de fazer escolhas. No fundo, o teatro social, um faz de conta, onde o que importa é sermos alguém aos olhos dos outros. Com isto, sentir-nos-emos justificados, não teremos que fazer escolhas, escaparemos da angústia, ficaremos dispensados dela, já que a opinião e a consideração dos outros bastará para nós. Sartre esclarece com muita clareza esta situação: a maioria foge desta necessidade de uma intervenção no mundo, diz ele, afinal a única que nos cabe, pois a própria consciência é sempre consciência de alguma coisa, é sempre um tender a algo, um estar fora. Adianta mais: para não se empenhar em ser um projeto sempre renovado, o ser humano acaba se tornando a sua própria estátua.
Ainda que a existência se mostre como contingência, absurdo, náusea, angústia, é preciso que nos comprometamos com ela, agora,

Nos tempos de hoje, diante do sucesso da tecnologia, propostas mirabolantes vêm dessa área (Robótica). Nada de angústias, coisas da pré-história do homem, dizem-nos os arautos desse “admirável mundo novo”, chegaremos à era da “pós-humanidade”. É a chamada vida artificial, um campo de estudos de sistemas artificiais que apresentam um comportamento característico dos sistemas vivos naturais. A tecnologia micro-eletrônica mais a genética permitirão a criação de formas novas de vida...
Uma das maneiras que muitos encontram para escapar da angústia aguda

Diante de tudo isso, o que fica quando consideramos a angústia na perspectiva kierkgaardeana e dos pensadores que o seguiram é que o bem e o mal não podem ser realidades prefixadas, estabelecidas previamente, mas relativas a cada situação particular. Isto é, o bem e o mal não podem ser teóricos. Terão que ser estabelecidos segundo as circunstâncias como realidades concretas. O ato moral terá que se constituir numa escolha e não na aceitação de algo predeterminado. O olhar da Medusa é tentador para aqueles que desejam ser liberados da obrigação de escolher.
Sartre distingue três modalidades de ser: o ser-em-si, o ser-para-si e o ser-para-os-outros. A primeira é própria dos objetos inanima
dos, o ser coincide consigo mesmo, não é um tender a alguma coisa. A segunda modalidade é própria da consciência humana; Sartre a caracteriza como sendo o que não é e não sendo o que é. Não é porque ela está sempre se criando a si mesma, não coincide nunca consigo. Ao não ser o que é, está sempre se projetando em direção do futuro, sempre separada por um nada a ser preenchido por ela. Um “oco sempre futuro”, como dizia o poeta Paul Valéry. O ser-para-si é, pois, liberdade e, como tal, transcendência. De outro modo: com nossa liberdade, ultrapassamo-nos, vamos além de nós mesmos. Se não somos livres, não há transcendência. A terceira modalidade propõe de início o outro como um simples ser-em-si para nós. É através de nosso olhar que o outro se revela como um ser-para-si, um sujeito, uma consciência, como nós. A aparição desse outro que ingressa em nossa vida traz basicamente uma situação de conflito, uma luta de transcendências. Somos, nesse sentido, o limite do outro com a nossa liberdade. Esse fato nos revela que não somos indivíduos isolados, mas que estamos comprometidos, queiramos ou não, com a vida coletiva. Isso é inevitável, a interdependência dos destinos humanos. E isto nos obrigará a fazer escolhas e a tomar decisões, sempre angustiados, mas obrigados. Por mais livres que sejamos ou mesmo que não queiramos nos envolver o fato é que estamos sempre envolvidos. Precisamos reconhecer nossa situação para que, a ela ligados, assumamos ou não a nossa liberdade para transformá-la ou não, aceitá-la ou não. Liberdade, pois, só em situações concretas que exigirão soluções concretas. A liberdade só se descobre no ato, unifica-se com o ato. Muitas as possibilidades, mas é a nossa que importa, aquela que viermos a escolher diante do mundo e dos outros.
PAUL VALÉRY


Que podemos esperar de uma proposta que coloca como questões básicas da nossa existência o “cogito”, o outro, a liberdade, a angústia? Os filósofos da existência, Sartre em especial, nos obrigam a pensar de fato. Mais, a tomar decisões tendo em vista o outro, lembrando-nos que não há uma condição humana, mas uma situação humana. Desmascaram as nossas representações, aquelas tentações de posarmos em cima de uma personalidade inautêntica, montada para ser vista de fora.
Alguns acenam com a Psicanálise. Sim, a Psicanálise poderá dizer alguma coisa quanto às questões acima mencionadas. Alguma coisa apenas, pois o

O chamado da transcendência exige nosso engajamento, brutal muitas vezes, dramático. Numa das pontas das linhas de resistência a esse chamado, na forma proposta, estão evidentemente, como já dissemos, os maníacos da ciência e da tecnologia, sacerdotes da sociedade global. Continuarão cegos e surdos ao chamado, já que atendê-lo equivaleria a uma “expulsão” do paraíso.
Uma das histórias que melhor representa essa aventura de alguém que opta pela “expulsão do paraíso”, que se escolhe, que quer acrescentar o seu trabalho à criação, que reivindica o seu lugar na criação, e que é capaz de pagar muito caro por isso, é a de Caim. Deixando de lado as várias interpretações religiosas e históricas do tema, Caim escolhe a maldição, torna-se um pária, impuro e desprezível. Caim é Babilônia, a “cidade da desordem”; Abel será Jerusalém, a “cidade da paz”, como está em antigos textos. Uma aproximação, inevitável, pode ser estabelecida com alguma facilidade: a fundação de Roma, em cuja origem temos um fratricídio, introduz Caim como patrono dos construtores de cidades terrestres, aquele que “sonhou em conciliar a terra com Deus”. Rejeitado por Deus, insensível ao trabalho que realizava, Caim vai se entregar à revolta contra o favorito do céu. Com isto, torna-se símbolo de uma aventura única na história da humanidade, a do homem entregue a si mesmo, vivendo em meio a outros homens, disposto a assumir todos os seus atos, por mais arriscados que sejam, e a se responsabilizar pelo resultado das suas ações.
A título de conclusão, gostaria de citar uma passagem de Sartre (O Ser e o Nada): Não me escolho no meu ser, mas na minha maneira de ser. Podemos estender essa observação ao nosso passado, inclusive. Através da nossa atitude com relação a ele, embora nos pareça fixo, podemos transformá-lo, modificar o seu significado para nós. Somos condicionados por várias coisas, até com relação a sentimentos, a pensamentos, mas nossa margem de escolha é considerável. É nessa margem que estão as portas para a nossa liberdade, é nesse território que uma certa indeterminação nos é oferecida