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RABELAIS |
François Rabelais nasceu na França, perto de Chinon, em 1.494. Em 1.521, o encontramos como monge franciscano e, depois, beneditino, frequentando um meio humanista e tolerante. Em Paris e Montpellier, cursou medicina, indo clinicar, uma vez formado, em hospitais de Lyon. Em 1.532, publicou seu Pantagruel sob o pseudônimo de Maistre Alcofibras Nasier, um anagrama de seu nome. Em 1.534, uma nova obra, Gargantua (pai de Pantagruel), na qual define melhor suas ideias sobre a educação medieval (Escolástica), o humanismo, as guerras e a vida em sociedade de um modo geral. Depois de uma viagem à Itália e da condenação pela Sorbonne do seu Terceiro Livro (1.546), obteve, graças aos favores de Henri, II um cargo eclesiástico. Publicou em 1.552 o seu Quarto Livro. Em 1.564, apareceu seu Quinto Livro, cuja autenticidade é muito discutida.
O pai de Rabelais possuía perto de Chinon uma apoteca, um misto de farmácia (botica) e, ao que parece, também depósito de gêneros alimentícios e vinhos, além de um albergue. Encaminhou-se desde cedo para os estudos, chegando logo às escolas superiores, as universidades, sendo a de Angers a primeira que frequentou.
As informações que podemos colher sobre Rabelais de seus contemporâneos, além daquelas sobre o seu caráter e comportamento, permitiram situá-lo num mesmo nível de grandes mestres que o antecederam. Num depoimento, por exemplo, de Pierre Boulenger, estudioso, ao tempo, dos aforismos de Hipócrates, está a previsão de que Rabelais seria um enigma para a sua posteridade. Louvado pelo dom da palavra que possuía como poucos, Rabelais foi celebrado como sapiente professor, como eloquente pregador, como charmoso conversador, sendo comparado, por isso, com Erasmo, Marsílio Ficino, Aristóteles, Bocage e outros, além de precursor da filosofia e da ciência modernas, como posteriormente se reconheceu. Apesar de suas qualidades intelectuais superiores, da proteção que recebeu, foi Rabelais também, como se sabe, muito agredido pela ignorância de seus “ignaros e grosseiros” colegas de estudo.
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ESCOLÁSTICA |
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V. FERREIRA |
Trabalhador infatigável, de uma curiosidade universal, Rabelais acumulou ao longo de sua vida uma soma prodigiosa de conhecimentos que ele sempre viu como interligados. Foi ele aos textos da antiguidade para descobrir a verdade moral (Platão), a verdade jurídica (Direito romano), a verdade religiosa (Evangelhos), a verdade científica (Medicina, Astronomia, Matemática, Naturalismo etc.). Conheceu a fundo os latinos e os gregos, citando-os, traduzindo-os, comentando-os.
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PANTAGRUEL (G. DORÉ) |
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CONSELHO DE CAPITÃES DE PIEROCHOLE |
Muitos de seus personagens são símbolos que encarnam virtudes e defeitos. O espírito do Renascimento, por exemplo, está nas figuras de Gangantua e Pantagruel, a perversidade e o ardil estão em Panurge, a ambição em Pierochole etc. Mestre do riso, sua invenção verbal é única na história da literatura mundial. Ficamos confundidos muitas vezes diante da prodigiosa riqueza de seu vocabulário. Seus personagens expressam-se de modo perfeito, quer tenhamos um agricultor, um médico, um marinheiro, um militar, um comerciante, um religioso, um literato. Seu conhecimento sobre os dialetos é perfeito. Inventa palavras, deforma os termos existentes, cria onomatopeias, anagramas, transpõe palavras, recriando enfim a linguagem. Fixa figuras de sintaxe e o seu uso literário de uma vez por todas. Mestre da retórica, criou metáforas e metonímias, alegorias e símiles como nenhum outro escritor antigo ou moderno. Seus personagens têm natureza arquetípica, aparecendo nos dicionários e invadindo depois a Psicologia. O Pantagruelismo, lexicografado, ficou como o conjunto de práticas dos que colocam os prazeres, especialmente os da comida e da bebida, acima de tudo, embora o termo seja muito mais do que isso. O Pantagruelismo de Rabelais, além de ser um grande desejo de conhecimentos, é a afirmação inalienável do ser humano, o problema da sua interioridade, do significado e do fim último de sua existência, uma discussão sobre a liberdade de investigação do mundo do homem e do humano e do seu corpo físico.
Foi Rabelais às línguas “mortas” e às línguas estrangeiras, aos dialetos. A uma palavra acrescentava, com espantosa criatividade, inúmeras outras, que ampliavam seu universo semântico. Seu estilo é infinitamente leve, ágil, plástico, flexível. Erudito e popular, refinado e grosseiro, ao mesmo tempo, sua fecundidade é extraordinária. Nele, encontramos todos os graus do cômico, as farsas mais pesadas, o jogo de palavras, os calembours, a caricatura grotesca, a comédia de intriga, a paródia, todas as formas dramáticas e todos os tons. Escreve para o público em geral, tanto para o mal letrado como para os estudiosos ou para os eruditos mais cultos.
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ABADIA DE THÉLÈME. |
Pantagruel ocupa na obra de Rabelais o segundo lugar embora tenha sido publicado antes. O gigante Pantagruel, filho de Gargantua, que visita as universidades da província e de Paris recebe de seu pai uma Lettre sur l`éducation na qual se exprime, com lirismo, o entusiasmo dos humanistas pela cultura e pela sabedoria antigas, o sonho de um conhecimento universal. Depois, de ter denunciado a jurisprudência medieval, Pantagruel encontra Panurge (Panurgo), que o acompanhara numa guerra.
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NATURE MORTE MÉTAPHYSIQUE (GIORGIO MORANDI, 1890-1964) |
Sobre o mérito e o papel que Rabelais representou na literatura francesa as referências são unânimes: foi, sem dúvida, um dos maiores de seus criadores. Sua base, de estudos greco-latinos, seus conhecimentos científicos e várias línguas, conforme sempre demonstrou, atestam sobejamente a sua genialidade, sua imensa erudição. Profundo conhecedor das literaturas estrangeiras, com uma imaginação superlativa, valorizando a linguagem popular, animada e pitoresca, Rabelais é uma luz perene da literatura francesa que ilumina a cultura universal.