sábado, 19 de outubro de 2019

OS SALÕES DO SÉCULO XVIII*

                                       
SALON  DE  MARIE-TÉRÈSE  GEOFFRIN 
( MARIANNE LOIR, 1715 - 1769 )

Os acontecimentos históricos podem ser explicados de diversas maneiras. Além de historiadores, obviamente, todas as pessoas, letradas ou iletradas, a seu modo,  com maior ou menor autoridade e propriedade, formalmente ou não, podem ter algo a dizer sobre tais acontecimentos. De um lado, em menor quantidade, é claro, temos valorizados livros, teses ou tratados produzidos academicamente por qualificados profissionais da área sobre eventos variados, eventos passados, presentes ou futuros que a humanidade viveu, vive ou viverá. De outro lado, como imensa maioria, temos as simples observações e opiniões do homem comum que, muitas como desabafos, na sua maioria desqualificados, alimentadas pela comunicação de massas, se perdem no  efêmero de nosso dia-a-dia. 

Tanto nas produções dos profissionais da cultura, das ciências e das artes como nos desabafos do homem comum encontro uma questão que me parece comum a ambos, uma pergunta mais ou menos bem formulada:  será que a história da humanidade caminha no sentido de um aperfeiçoamento moral ou exprime uma alarmante decadência, sobretudo dos costumes, apesar de um espantoso “progresso” tecno-científico?

O texto que está abaixo, uma breve incursão histórica, produzida na esfera de alguém que  tem algum interesse em acontecimentos culturais, parte da constatação de que nestes estapafúrdios tempos em que vivemos só um pouco das muitas explicações e interpretações dos profissionais acima mencionados pode ser lido e compreendido e muito menos incorporado e renovado para orientar a nossa maneira de ser. Tudo, pois, que nos chega quando tratamos destes assuntos, precisa ser comparado, cotejado, reti-ratificado, arquivado, aproveitado, deletado, quando não ignorado ou esquecido totalmente.


A  ASTROLOGIA
(G. BARBIERI, 1591 - 1666)
Com o espírito assim orientado é que procuro, bem ou mal, como um ser comum de poucas letras, me abrir para o mundo na perspectiva aqui apontada, tendo como válido e útil aquilo que a Astrologia, seriamente considerada e estudada, nos propõe para a abordagem de acontecimentos históricos, culturais ou não.  O seriamente ora mencionado sobre a Astrologia nada tem a ver evidentemente com a pop astrology, como ela aparece em jornais e em muitos livros sobre ela publicados, mas com o que ela nos oferece desde tempos muito remotos como legado praticamente encontrado em todas as
CARTA ASTRAL
culturas, desde a pré-história, abandonado, por pressões dos representantes da “racionalidade”, pelas academias no séc. XVII. Nem tem a ver com a afirmação de pessoas que peremptoriamente declaram nela não “acreditar”, como se ela fosse uma religião, ainda que dela nada conheçam. A Astrologia, uma carta astral, nesta perspectiva, por exemplo, se parece com um hemograma. Não “acreditamos” num hemograma.  Apenas sabemos lê-lo ou não. E mesmo sabendo lê-los, os hemogramas, quantos erros não se cometem na interpretação de seus dados?


OS  DEZ  ASTROS 
A Astrologia nos revela, desde sempre, que os planetas que circulam, juntamente com os luminares (Sol e Lua), em volta da Terra, no zodíaco das doze constelações, influenciam,  além da humana, a vida do nosso planeta, nos seus três reinos, mineral, vegetal e animal. Os dez astros que atuam no círculo zodiacal das constelações, dependendo de seu relacionamento, formando o que chamamos de aspectos, envolvem continuamente a Terra com uma rede de energias que a tudo atinge, como está acima, principalmente quando pensamos no mundo natural no qual o homem vive, afetando sobremodo o seu comportamento. A recente descoberta dos planetas que estão além de Saturno, Urano, Netuno e Plutão (estes três invisíveis a olho nu), possibilitou ao homem não só ir além do sistema solar (Saturno era o limite) como lhe abriu o intelecto para um outro entendimento, quanto à sua psique coletiva e ao seu desenvolvimento bio-cultural.

TELESCÓPIO  HOLANDÊS DE ALTHOUGH LIPPERSTREY, 1624

Graças ao telescópio, no final do século XVIII, e outros inventos, o homem ampliou a sua visão e compreensão do universo, passando a entendê-lo melhor, com outras informações. A trajetória zodiacal de Saturno é de 28 anos. A de Urano, palavra grega que significa céu, é de cerca de 84 anos, permanecendo, em média, entre 7 e 8 anos em cada uma das constelações (signos). Logo que descoberto,
em 1.781, Urano, por suas características astronômicas foi estudado de vários modos pela ciência. Quanto à Astrologia, como ocorreu com outros planetas, anteriormente, que já haviam sido estudados desde a antiguidade, os astrólogos, dentre os quatro elementos (fogo, terra, ar e água) que atuam no universo, indicaram o elemento a que ele pertencia (ar) e os efeitos que produzia no comportamento humano, ao transitar por esta ou aquela constelação (signo astrológico); foram definidos, segundo a analogia, os princípios gerais que ele representava, as suas influência quanto à tipologia física, ao caráter, à psicologia, à psicopatologia, aos problemas físicos (patologias), às predisposições sociais etc. das pessoas por ele  mais ou menos sensibilizadas, conforme a matéria astrológica ensinava.


OS  QUATRO  ELEMENTOS

Algumas analogias, a partir de certos números que podemos estabelecer entre o homem e a vida cósmica, permitir-nos-ão certamente entender melhor o que aqui se expõe. O Sol, ao transitar lá nas suas alturas pelo zodíaco das constelações, leva 25.920 anos. O homem, por seu turno, respira por minuto, em média, 18 vezes por minuto. Por dia, em planos diferentes, evidentemente, temos também o mesmo número (18x60x24), 25.920 vezes. O Sol, com esse cálculo, leva 72 anos para andar um grau. Se multiplicarmos 72 pelos 360º do círculo zodiacal, teremos o mesmo número, 25.920. 72 bpm é, ao que nos parece, um número médio bastante aceitável para o ciclo de expansão e relaxamento das nossas artérias, para se atestar a nossa saúde cardíaca. Coincidência? Na Astrologia, o signo de Aquário tem estreita relação com o nosso sistema arterial enquanto o signo que lhe é oposto, o de Leão, é “governado” pelo coração, analogicamente o Sol, que energiza todo o sistema solar. As artérias, como se sabe, têm a finalidade de transportar sangue (energia) do coração para o resto do corpo. Comuns, por exemplo, os casos de muitos aquarianos que tendo certas dissonâncias (patologias) aquarianas, sob o ponto de vista astrológico, tenham os pés e/ou as mãos frias.


VITRAL  DE  CHARTRES
Cada era cósmica, segundo a Astrologia, tem a duração de 2.160 anos. A era de Peixes, na qual nos encontramos nos seus graus finais,  começou em 498 dC e terminará em 2.658 (2.160 + 498), quando o Sol ingressar matematicamente no signo de Aquário. Começará então realmente a famosa era de Aquário. Alguns dos temas desta futura era já vêm sendo “sentidos” desde o século XVIII nos
AQUÁRIO
( S.DALI, 1904 - 1989 )
vários campos da atividade humana, na ciência, na política, nas artes plásticas, na música, na literatura etc. No passado, séc. XVIII, o fenômeno da atividade dos salões foi um deles. Na política, as lutas de independência de várias colônias foi outro. Hoje, na ciência, temos, ainda exemplificando, o tema da inteligência artificial. No filosófico-religioso, o fim da filosofia e o trans-humanismo e o fim de Deus e das religiões (profecia de Nietzsche), estas oferecendo uma grande resistência, diante dos altíssimos lucros que obtêm. 

Quando Urano se destaca num tema astral por posição e aspectos, como logo se constatou desde a sua descoberta, inclusive por exemplos colhidos retroativamente, seu dono procura de um modo geral se voltar invariavelmente para a exploração de valores mais elevados, se rebelar com relação ao que é  tradicional, seja individualmente (arquétipo da hiper-individualização) ou através de associações,  de uma vida comunitária, grupal, que procura o bem-estar de todos. A procura da separação das origens costumava ser sempre enfatizada. Prevalecendo a tendência ao individualismo, sempre presente a ideia de “não ser como os outros”, que pode se expressar pela revolta, pela excentricidade, por riscos de desmedida ou pelo impulso de se criar algo diferente, inusitado. A inflação do eu pode ser de difícil contenção, sendo comuns, quando aspectos de
HIPÓFISE
Urano atingem principalmente o ascendente (corpo físico) e seu planeta regente, ou o Sol, espasmos, convulsões, movimentos físicos involuntários etc. Urano, no corpo humano, tem muito a ver com a hipófise ou a pituitária, a “glândula cibernética”, ligada ao controle de nossa vida hormonal (de hormao, em grego, excitar).


Fazem parte tradicionalmente da galeria dos aquarianos, uranianos de algum modo, portanto, pelo nascimento (trânsito do Sol pelo signo) ou pelo ascendente,  signo (Aquário) para o qual a Terra se voltava quando do seu nascimento: Darwin, Augusto Comte, Jung, Karl Marx, Byron, Schubert, Charles Dickens, Thomas Edison, Stendhal, Montesquieu, Galileu, Voltaire, James Joyce, Robespierre, Lewis Carrol, Antônio Carlos Jobim, Júlio Verne, H.G.Wells, Strindberg, Degas, Simone Weil,  Fernand Léger, Picard, Brecht, James Dean, Mozart, Manet, Virginia Wolf, Radamés Gnattali e muitos, muitos outros.


URANO
Urano, astrologicamente, foi associado ao signo de Aquário, tornando-se o seu regente (signo e planeta operam com energias muito semelhantes). Aquário, nas suas melhores expressões, é um signo que se relaciona com amizades, altruísmo, idealismo, uniões com interesses especiais, de ideias comunitárias, tendências prometeicas etc. Os participantes da revolução francesa de 1.789, deflagrada com a intenção de ser a Revolução das Revoluções, simplesmente não "deu". Na eterna alternância dos contrários, foi preciso que Napoleão viesse para dar uma "fechada" naquilo que a Revolução de 1789 abrira. Lembre-se que para marcar o evento  os revolucionários de 1789 cunharam a expressão Liberdade, Fraternidade e Igualdade, lema de forte inspiração aquariana. Só no ano de 2.672, entretanto, a humanidade entrará realmente na famosa Era de Aquário, embora já venhamos sentindo alguns de seus efeitos desde o séc. XVIII, quando Urano foi descoberto, ao transitar pelo signo de Gêmeos.

Urano é extremamente ambíguo: confunde os sexos (GLST), mas sabemos cada vez menos quanto ao que é masculino e feminino. Dentro em breve, a ciência dará certamente um jeito:  homens gerarão (darão à luz) e as mulheres fecundarão. O mundo aquariano nos permite obter uma quantidade cada vez maior de informações, mas talvez nunca tenhamos nos deparado com tanta falta de conhecimento e  muito menos de sabedoria como hoje, estes dois a serem construídos por nós a partir daquelas. A velocidade e o alcance da nossa comunicação é espantosa, enorme, mas a solidão e a depressão aumentam cada vez mais. Enquanto isso, orgulhosamente, a ciência aquariana vai nos dando condições de visitar todo o sistema solar, de colonizar alguns planetas e de explorar a nossa galáxia.  

Uma síntese uraniana (seu campo semântico) pode ser assim apresentada: Urano é essencialmente um planeta variável, eletromagnético, espasmódico, intuitivo, impulsivo, excêntrico, pioneiro, independente, súbito, político, comunitário, excitante, maníaco (no sentido da mania grega), explosivo, convulsivo, revolucionário, brutal, anárquico, incongruente, individualista, diferente (vedetismo), associativo, futurista, utópico, original inédito e estéril.

No século XVIII, a verdade das religiões, tida como revelada, começou, por inspiração uraniana, a ser substituída por propostas filosóficas pragmáticas. A atitude, diante do mundo, começou ser inspirada pela empiria. Mesmo que, com todas as suas tentativas, seus tâtonnements, como diziam os franceses, o conhecimento deveria derivar agora da experiência humana e não da revelação divina. O critério da verdade passou a ser dominado pelo sucesso das ações. Só seria verdadeiro o que desse resultados positivos. Mesmo uma religião só seria considerada “verdadeira” se ela se mostrasse moralmente benéfica, útil. A classe social ascendente, a burguesia, sentia grande necessidade de luzes, de informações, para melhor tomar consciência de si mesma e do papel que deveria representar nos novos tempos.

VOLTAIRE
Voltaire, da Inglaterra, exportava para a Europa continental Newton, Bacon, Hume e Locke. Nas suas Les Lettres Philosophiques (1738) ele discorria amplamente sobre a vida inglesa e fazia, ao mesmo tempo, uma crítica pesada aos valores franceses. Por essa época, ele publica Les Eléments Philosophiques de Newton,
HELVETIUS
uma vulgarização muito bem feita dos princípios da ciência newtoniana. Na França, pela ação de Rousseau, dos 
enciclopedistas, abriam-se grandes fendas nas estruturas até então dominadas pelo clero e pela nobreza. O espírito crítico, o racionalismo e teses materialistas (Helvetius) passam a exercer uma poderosa influência contra a autoridade da Igreja Católica, afetando todo o pensamento filosófico então dominante.


Até o século XVIII, a literatura, em que pesem as exceções de sempre, não passava, no seu todo, de uma espécie de cerimônia de reconhecimento entre o escritor e seu público, uma afirmação de que ambos pertenciam ao mesmo e conhecido universo. Uma afirmação de reconhecimento de que ambos, apesar de ocasionais discordâncias por parte do escritor, pertenciam a uma sociedade modelar, a ambos familiar, e que, por isso, deveria ser respeitada quanto aos seus valores. Neste sentido, no plano das ideias, nada de se descobrirem coisas novas. Ficava o escritor, apesar de alguns deslizes e escapadas, como se disse, restrito ao que era conhecido do sistema dominante por ele e pelos leitores.

Desde início do século XVIII, principalmente, o escritor se sentia tomado por uma nova missão, a de iluminar e de reivindicar com as suas obras o direito de propor uma ação anti-histórica. Começava a ser efetivamente desmontada aquela impressão de estabilidade inabalável que o século XVII, dominado pelo cristianismo, pela monarquia e pelo classicismo, deixara. O século XVIII elegeu o movimento como o tema central de suas motivações para que uma nova ordem política e social fosse instalada. Esse movimento vinha sendo produzido desde o século anterior por uma fermentação de novas ideias que acabariam por fazer eclodir a revolução nos últimos anos deste século.  Lembre-se, embora só descoberto em 1.781, que as influências inovadoras uranianas já vinham sendo “sentidas”, provocando algumas mudanças desde o séc. XVII.

DUCHESSE DU MAINE
(A.S. BELLE, 1674-1734
Na França, o homem de letras assumiu um papel extremamente militante no bojo desse movimento. Esse papel fez com que a Corte deixasse de ser o centro do país e o foco gerador de opiniões no domínio das ideias, do pensamento filosófico e artístico. Outro fator que contribuiu muito para a aceleração desse movimento foi o da criação dos chamados salões, cafés e clubes, centros de muitas reuniões e discussões. Destaque especial quanto aos salões deve ser dado às mulheres da aristocracia que fundaram importantes polos
CHÂTEAU DE SCEAUX
irradiadores de inovadoras propostas culturais, apesar do caráter mundano de alguns deles. Dentre esses salões, de duração variável, mas sempre de agitação muito marcante, citamos os da duquesa do Maine, no castelo de Sceaux, que começou a funcionar já no início do séc. XVIII; o de Madame de Tencis, o de Madame de Lambert, o de Madame de Deffand, o de Madame de Geoffrin e o de Madame de Espinasse, dentre outros.


O papel do homem de letras, através de uma ação concreta, é agora o de iluminar as mentes e incendiar os corações tanto de aristocratas quanto de burgueses. Para isso era preciso combater as ideias dos primeiros e fazer com que os outros, os burgueses, esquecessem as suas humilhações, prevenções, desconfianças e temores diante da outra classe. Não mais confundir o presente com o eterno, como queria a Igreja. Combater a espiritualidade cristalizada, refundi-la no sentido de torná-la algo vivo, em permanente movimento e que não se prestasse mais a se confundir com qualquer ideologia.

Reuniam-se nos salões, à época, ratés ou não, escritores, poetas, filósofos, divulgadores de ideias, o que havia, enfim, de mais significativo em termos de cultura, ao lado de aristocratas, mondains e demi-mondains de toda a espécie. Frequentá-los e participar das discussões acabou por tornar esses salões indispensáveis para se conhecer, no detalhe, não só a cultura do tempo, mas, sobretudo, a nova literatura que então se produzia. As reuniões eram presididas normalmente por mulheres que se distinguiam não só por seu espírito livre, por sua capacidade mental, por seu gosto e pela habilidade e tato que demonstravam ao desempenhar tal função. Embora se discutissem assuntos diversos, à designação de Salões costumava juntar-se o qualificativo de literários. Um aspecto interessante que nesses Salões se desenvolveu bastante, a par da apresentação de textos, foi o hábito da conversação, da causerie sobre choses de l’esprit, um hábito que acabou por se integrar também à vida social dos franceses, de uma elite que pouco frequentava os Salões. 

O   MUNDANO
É de se lembrar a propósito de tudo o que está acima que, em 1.736, Voltaire publicou um poema filosófico intitulado Le Mondain em que satirizava valores cristãos e elogiava uma vida de prazeres vivida em sociedade. "Viver no Jardim do Paraíso" seria viver num estado de barbárie. Le Paradis terrestre est où je suis (O Paraíso terrestre é onde eu estou), concluía Voltaire. A publicação de Le Mondain levou-o a se envolver num escandaloso debate público com escritores que defendiam o sistema político-religioso vigente. Ameaçado de prisão, refugiou-se em Bruxelas, na Bélgica.


SALÃO  DO  HÔTEL  DE  RAMBOUILLET

A influência das reuniões que se realizaram em Rambouillet, sobre o gosto e a língua franceses, vinha desde esse tempo, o que deu a esse "Hôtel" um lugar muito importante na história da literatura francesa. O "Hôtel", um grande palácio, servia de residência parisiense a Catherine de Vivonne, Marquesa de Rambouillet, de quem saiu o nome do "Hôtel", conhecido noutros tempos como Hôtel de Pisani. O Rambouillet ficava localizado nas proximidades do Palácio do Louvre, onde atualmente se ergue o Palais Royal.


CATHERINE  DE  VIVONNE - PISANI

A influência de Rambouillet pode ser traçada desde o início do séc. XVII, mais exatamente desde 1608, quando um grupo lá se reuniu para discutir literatura. A influência deste Salão pode ser constada até mais ou menos 1.660. O nome explica-se deste modo: pelo seu casamento com Charles d’Angennes, vidame (funcionário que substituía os senhores eclesiásticos em funções jurídicas ou militares) de Mans, depois marquês de Rambouillet pela morte se seu pai, Catherine Vivonne-Pisani passou a ocupar a propriedade. Desde 1.608, por sua iniciativa, ela começou a receber um grupo da sociedade da época, iniciando-se assim as famosas reuniões desse "Hôtel", que foram ganhando uma expressão cada vez maior. Catherine, a bela marquesa, juntava às qualidades de sua afabilidade e de sua habilidade na administração do palácio (assumiu inclusive, como arquiteta, a responsabilidade pelas reformas no interior e no exterior do imóvel) superiores qualidades intelectuais por todos reconhecidas.

Durante o reinado de Luís XIII (1.610-1.643) teve também um certo destaque, embora não muito justificável o exagero, o Salão mantido por Madame Des Loges, chamada por seus admiradores de "a décima musa". Diziam mais esses admiradores que todas as musas pareciam viver no seu palácio sob sua proteção, prestando-lhe sempre as maiores homenagens. Porém, o que ficou realmente do séc. XVII foi o esplendor de Rambouillet, que uns poucos Salões, ainda que dignos de registro, procuraram imitar, mas jamais atingindo o seu éclat (brilho).

DUCHESSE  DU  MAINE
Só no séc. XVIII, porém, o movimento dos Salões ganharia um grande impulso com suas reuniões semanais realizadas aos sábados (o salão da duquesa Du Maine) ou às terças-feiras (o da marquesa de Lambert). Muitos desses Salões, entretanto, apesar do esforço de seus patrocinadores para orientá-los na direção da cultura, das discussões literárias sobretudo e ainda que frequentados por gent d’esprit, ficaram conhecidos como “templos da galanteria e de graciosas frivolidades”.

MME  DE  LAMBERT
( NICOLAS LARGELY)
O Salão de Mme de Lambert, que funcionou entre 1.710 e 1.733, destacou-se dentre todos, porém, por ter, segundo Fontenelle, afastado de suas reuniões a “moléstia epidêmica do jogo” e por ter sido o único em que era possível participar, com espírito, de discussões culturais mais sérias, das quais participavam inclusive alguns religiosos. Há registros de que no Salão de Mme. de Lambert foram discutidos, antes de chegar ao público letrado, questões como a da “superioridade da cultura moderna sobre a antiga”, a da “inutilidade dos versos para a poesia”, “o absurdo das personificações mitológicas”, “o absurdo da manutenção de regras literárias apenas em razão de sua antiguidade” etc. Voltaire, por exemplo, foi, como frequentador destes Salões, um grande incentivador de Mme. Du Deffand para que ela, com destemor, continuasse a se manter firme na organização de suas reuniões.


BARÃO D'HOLBAC
( A.ROSLIN, 1718 - 793 )
Impossível esquecer, ao se discorrer sobre esse típico fenômeno aquariano do séc. XVIII dos Salões, o do barão d’Holbac, le premier maître d’hôtel de la philosophie. Há documentação abundante sobre ele; numa de suas reuniões, estavam presentes, dentre ouras figuras da época, Diderot, d’Alembert, Helvétius, o abade Galliant. Em tal reunião, segundo Rousseau, teria nascido a Enciclopédia. Este "Hôtel" era chamado pelo autor de Rêverie d’un pomeneur solitaire de club hollbachique.

STAËL  & B.CONSTANT
Com a revolução de 1.789 as reuniões deixaram de ser realizadas. Quando as agitações políticas terminaram, a vida pode renascer, reiniciando-se as reuniões. Um dos primeiros a funcionar foi o de Mme. de Staël & Benjamin Constant. Os tempos, porém, eram outros, perdera-se o ímpeto do século XVIII, embora alguns permanecessem ativos no novo século. Explicações? A política, a solicitação dos negócios e a crescente agitação no mundo do dinheiro acabaram com a disponibilidade para as coisas do espírito e enfraqueceram o gosto artístico. Acima de tudo, começou a faltar tempo para a delicatesse das supremas artes francesas, as da causerie e da conversation. Outras energias, na permanente troca que se dá entre elas e o céu (zodíaco das constelações e astros), estavam atuando, mudando a vida no nosso planeta.   

À Mara e ao Edson - São Paulo, outubro de 2.019