segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

DOS PECADOS - A INVEJA

   
A INVEJA
(H. BOSCH, C.1450-1516)
Comumente, a inveja é um sentimento de desgosto provocado pela felicidade ou pela prosperidade alheia. No plano da via afetiva, confunde-se com o ciúme, estado emocional complexo que envolve um sentimento penoso provocado em relação a uma pessoa de quem se pretende amor ou fidelidade exclusivos. A inveja e/ou o ciúme são fenômenos passivos, paixões, portanto, que têm como principal característica a paralisação da ação normal da razão. As paixões, como sabemos, quando se instalam, impedem que comandemos a nossa conduta, que determinemos a nossa vontade. 

Os gregos tinham três palavras para falar da inveja, phtonos, dzelos e baskhainia. Baskhanos era o que olhava com maus olhos, era o curioso, o invejoso, o denegridor, o caluniador. Phthoneros era o ciumento, o invejoso. A palavra ciúme veio para nós do grego, dzelos, passando pelo latim, zelumen, zelumis com o sentido de intensa paixão amorosa. Os franceses têm jalousie, sentimento vivo, intenso, sombrio, palavra que veio também pela mesma via acima apontada, dando na língua provençal gilos. Os espanhóis dirão celos, os italianos gelosia e os ingleses jealousy. O ciúme tem a ver com o receio, o pavor, o temor de perda,a desconfiança, a tortura, o masoquismo.


A  INVEJA ( EDWARD  MUNCH ,

Dos tormentos da alma, o ciúme e a inveja talvez sejam os mais avassaladores. E isto porque eles não existem sem o querer, sem o gostar, sem o amar. Talvez ainda porque eles apareçam sempre associados a outras emoções destrutivas como a dúvida, a angústia, a desconfiança, a mágoa, a solidão, o desamparo, o medo, a rejeição, a paranoia, a necessidade de afirmação pessoal, a autodefesa, o amor próprio etc. Haverá alguém imune à inveja e ao ciúme?


LUPICINIO  RODRIGUES
Inah foi a primeira namorada, a primeira noiva e a primeira desilusão de Lupicínio Rodrigues. Foi também a primeira e única mulata de sua vida. Depois, só teria problemas com louras, como ele mesmo declarou. Com Inah, o romance começou em Santa Maria, lá no Rio Grande do Sul, de onde ele era. Ambos muito jovens, a relação durou seis anos. Terminou porque Lupicínio não se decidia quanto ao casamento. Algum tempo depois de ter tudo findado, Inah se casou com outro. Quando Lupe, como era chamado, a viu de braço com o marido, sentiu um choque tremendo, um misto de ciúme, amizade, despeito e horror, como disse. Adquiriu, como a chamava, uma dor de cotovelo “federal”, daquelas que duram a vida inteira, diferente da dor “estadual” e da dor “municipal”, que também duram, mas passam. O resultado dessa dor de cotovelo “federal” foi Nervos de Aço, samba gravado por Francisco Alves, o primeiro grande sucesso de Lupicínio Rodrigues. 

Você sabe o que é ter um amor, meu senhor? 
Ter loucura por uma mulher
 E depois encontrar esse amor, meu senhor, 
Nos braços de outro qualquer.
Você sabe o que é ter um amor, meu senhor?
 E por ele quase morrer?
 E depois encontrá-lo em um braço
 E nem um pedaço do meu pode ser
 Há pessoas com nervos de aço
 Sem sangue nas veias e sem coração
 Mas não sei se passando o que eu passo
 Talvez não lhes venha qualquer reação
 Eu não sei se o que trago no peito
 É ciúme, amizade, despeito ou horror
 Eu só sei que quando eu a vejo
Me dá um desejo de morte e de dor.”

O ciúme e a inveja, nos dicionários, passam por sinônimos. Inveja vem do verbo latino invidere, olhar de modo malévolo, mau olhado, o famoso malòcchio dos italianos. No caso da inveja, o olho se transforma num emissor da energia que está nos sentimentos ruins que experimentamos porque o outro possui alguma coisa que desejamos ou passamos a desejar quando o vemos com ela (ele). Este mau olhado recebeu dos italianos o nome de gettatura, do verbo gettare, arremessar, lançar longe. Uma energia destrutiva que se lança contra alguém.

Já os gregos antigos chamavam a inveja “ruim” de phtonos, sentimento em que se misturam á mágoa e à a dor uma sensação muito desagradável produzida pela felicidade merecida ou não de alguém da qual não participamos. Phtonos era alegorizada sob a forma de um demônio, um espírito maléfico, que vivia em companhia de muitos outros, no Inferno grego, o  Hades, no Bosque de Perséfone, seu território vestibular. Alguns mitógrafos consideravam Phtonos como filha de Afrodite e de Dioniso.

Dzelos era o nome que os gregos davam a um ciúme ou a uma inveja especial. Quando este sentimento se instalava chamavam-no de dzelotymia. Nesta palavra, juntam-se os termos tymia e zelos, o primeira tendo relação com afetividade, emoção (a glândula timo é representa em muitas tradições como a sede da vida afetiva; corresponde, no Yoga, ao chakra anahata, também chamado erroneamente de chakra cardíaco). Dzelos era, pois, para os gregos, uma espécie de ciúme positivo, uma inveja saudável, ao levar aquele que a experimentava a tentar se igualar a alguém ou a superá-lo, uma forma de emulação. Uma competição sadia sem sentimentos baixos, sem falsidade. Seria uma forma de cuidado diligente, vigilante, precavido, cauteloso aplicado a um desempenho emulador. 

De dzelos saiu negativamente a palavra zelote, Demonizado, Phtonos se apossa daqueles que fingem ter zelo, que simulam falso comportamento zeloso. A palavra adquiriu também o significado de fanático. O ciúme negativo, a inveja, o mau olhado e todos os demais sentimentos ruins passaram a ser designados pela palavra phtonos. Semelhante é este demônio àquele que entre os romanos representava a Invidia, um espectro feminino com serpentes na cabeça, olhos vesgos, magérrima, com um réptil roendo-lhe o coração. 

SANTO TOMÁS DE AQUINO
Santo Tomás de Aquino diz que é próprio do amor o querer bem ao outro, ao amigo, à mulher amada, ao homem amado, pois, nessa dimensão amorosa, o outro é como se fosse o nosso próprio eu. Os que se entristecem com a felicidade do outro vão de encontro à caridade, pois é através dela que amamos o próximo. A caridade, na doutrina católica, é uma virtude teologal que conduz ao amor a Deus e ao nosso semelhante. Num sentido amplo, ela se constitui de atos pelos quais o próximo é beneficiado, especialmente os pobres e desprotegidos.

Tomás aponta, como “filhas” da inveja, a murmuração, a detração, o ódio,a exultação pela adversidade e a aflição pela prosperidade. Um dos grandes objetivos da inveja é o de impedir a satisfação, o prazer alheios. A inveja usa para isto o que comumente chamamos de “falar mal de alguém”, disfarçada ou abertamente. No primeiro caso temos o que os latinos designavam por sussurratio, que podemos traduzir como fofoca. No segundo caso, temos a detração.


FOFOCA
Fofoca é palavra de origem africana, tendo sido criada a partir de um verbo que tem o sentido de remexer, revolver, esgaravatar. A palavra tomou o sentido de dito maldoso, de divulgação de detalhes da vida de uma pessoa que ela gostaria que não fossem revelados. Detração é difamação, expressão maledicente com o intuito de agredir, de fazer mal.

TOLSTOI
É na literatura, evidentemente, que encontramos os melhores exemplos do ciúme. Na literatura, o tema é tratado de modo admirável por Tolstoi, em A Sonata de Kreutzer (1891). A mulher de Pozdnychev o engana com um violinista e ele a mata. Esta história de adultério permitiu a Tolstoi expor as suas ideias sobre o quão nefasto pode ser amor físico nas circunstâncias por ele apontadas. Shakespeare também tratou do tema em Otelo, o Mouro de Veneza. Ele estrangula Desdêmona, sua esposa, convencido pelo pérfido e traiçoeiro Yago de que ela o enganava.    

Corneile (séc. XVII), dramaturgo francês, dizia: O ciúme, que parece ter por objeto apenas a pessoa que amamos, prova na verdade que amamos só a nós mesmos. De Oscar Wilde (séc. XIX): As não bonitas são sempre ciumentas de seus maridos; as bonitas nunca! Não têm tempo. Estão sempre ocupadas com o ciúme em relação aos maridos de outras mulheres. E Proust arremata: Para aquela (mulher) que é objeto de ciúme, ele passa a ser considerado como desconfiança injuriosa e, por isso, é uma autorização para enganar o ciumento.

Qualquer que seja o ângulo pelo qual o examinemos, o ciúme é sempre um sentimento intenso, hostil, sombrio, que se pode experimentar também quando se vê alguém se aproveitar de algo que não possui ou que desejaríamos possuir com exclusividade. Ou, ainda, inquietação que nos toma quando temos de abrir mão de algo que muito prezamos ou estimamos em proveito de outra pessoa. 


BALZAC
Balzac, seguindo os gregos, dizia que o ciúme e a inveja se transformavam em emulação nas pessoas superiores; nos inferiores, se transformavam em ódio. O campo emocional do ciúme é vastíssimo, tem muitas nuances, formas expressivas. Freud, a partir da inveja e do ciúme, criou a expressão inveja do pênis para designar um elemento constitutivo, segundo ele, da sexualidade feminina, que pode se apresentar de diversas formas, indo do desejo frequentemente inconsciente dela própria possuir um pênis para dele gozar à vontade no coito. Lembremo-nos de Mafalda (personagem do grande Quino) ao ver um menino fazendo xixi: Maman, mira maman, que cosita más práctica, comprame una?

Psicólogos, espíritas, médicos, umbandistas, terapeutas, operários, empregados de escritório, fanáticos por novelas de TV, religiosos, conselheiros espirituais, exorcistas, políticos, bispos, pais-de-santo, poetas, músicos, psicopatas, donas de casa, cartomantes, membros de torcidas organizadas, protestantes, professores catedráticos, praticantes de Yoga, evangélicos, cardeais, gente que tem conta no exterior em paraísos fiscais, todos e muitos mais têm sempre o que dizer sobre o ciúme, cada um a seu modo, sem dúvida.

Uma das visões mais lúcidas do tema está na que Astrologia conscientemente praticada oferece. É no eixo Touro-Escorpião, signos fixos, sempre mais sujeitos às paixões, que temos os melhores exemplos do que aqui se trata. É óbvio que o ciúme, tanto num como noutro caso, se manifesta sobretudo, mais agudamente, nos tipos malogrados de ambos os signos. O que aqui observamos quanto aos dois mencionados signos não exclui, contudo, a possibilidade de encontrarmos manifestações de ciúme em outros signos. Quem poderá se declarar imune a esse tipo de paixão? 


Em Machado de Assis, sempre sutil e refinado, encontramos observações como esta (Relíquias da Casa Velha): Havia nela tanta modéstia e recato que o ciúme dele podia dormir com as portas abertas. Se quisermos mais do nosso Machado temos que ir a uma de suas obras máximas, Dom Casmurro, onde ele analisa de modo magistral o ciúme de Bentinho por Capitu, deixando-nos dúvidas que discutimos até hoje. 

No caso de Touro, do elemento terra, o ciúme se liga invariavelmente a um desejo de posse material de um ser, de um objeto amado, ou da fruição ou gozo de alguma sensação prazerosa. Não satisfeitos, tais desejos, pela falta, pela carência, gerarão sempre algum tipo de sofrimento. Por outro lado, satisfeito ou obtido o objeto do desejo, sobre o qual repousa em grande parte a segurança física e psíquica do tipo aqui descrito, o ciúme, latente sempre, acabará se mostrando. 

Já quanto ao escorpiano (elemento água), a segurança está ligada ao emocional. Costumam os escorpianos viver a sua afetividade de modo total, absoluto, na base do tudo ou nada. Muitos escorpianos, quando amam, desejam do outro o corpo, a alma e o resto... Em ambos os casos, o ciúme, com facilidade chega à obsessão, à ideia fixa, podendo o sentimento tomar um caminho destrutivo (se não possuo, ninguém possuirá), patológico. É evidente que quanto maior o número de astros nos signos apontados, principalmente os chamados planetas pessoais, além do ascendente, maior a ênfase passional. Não é por acaso que encontramos nesse eixo as figuras mais emblemáticas da paixão e, consequentemente, do ciúme e da inveja, seja pela sua vida pessoal, por sua atividade profissional ou pela obra que deixaram. Como exemplos, basta citar: Stendhal, Eurípedes, Dostoievski, Lupicínio Rodrigues, Balzac, Goethe, Jean-Paul Sartre, Carlos Drummond de Andrade, Luis Inácio Lula da Silva, Richard Wagner, Picasso, Racine, Restif de la Bretonne, Albert Camus, Henri Georges Clouzot, André Malraux, Freud, Hitler, Kant, Marx etc.


ROLAND  BARTHES
Roland Barthes, semiólogo francês, em Fragmentos de um discurso amoroso, disse, tentando colocar o ciumento contra a parede: Como homem ciumento eu sofro quatro vezes: por ser ciumento, por me culpar por ser assim, por temer que meu ciúme prejudique o outro, por me deixar levar por uma banalidade; eu sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser comum. 

A Bíblia é um dos maiores repositórios de exemplos das paixões humanas: o ciúme de Caim; o de Sara, que induziu Abraão a expulsar Agar e seu filho Ismael; as relações entre Esaú e Jacó; a traição de Judas (ciúme de Pedro); a venda de José, como escravo, aos egípcios; o ciúme de Lia diante da beleza de Raquel; o ciúme de Satã por Deus ter criado Adão e muito mais.

APELES
O ciúme e a inveja costumam andar juntos com o ódio, já diziam os gregos. E completam: acompanha-os, de longe, o Arrependimento, sob a figura de uma mulher de luto, com as roupas esfarrapadas, os olhos lavados de lágrimas, em desespero, a procurar com os olhos a Verdade. Uma das melhores ilustrações deste entendimento dos gregos nos foi deixada pelo pintor Apeles (séc. IV aC), amigo e retratista de Alexandre Magno.


MEDEIA  E  FILHOS
(NINO  PISANO, 1334-1336)
No mundo grego, quem melhor falou sobre o sentimento humano foi Eurípedes, conhecido pelo apelido de pintor das paixões, nas suas tragédias, com os seus personagens femininos, dentre os quais, mais que todos, se destaca Medeia. Transtornada pela traição de Jasão, ela se vinga, causando a morte do rei Creonte, de sua filha Creusa e de seus próprios filhos: nada morderá mais rijo o coração de meu marido, é a fala de Medeia.

Não é de estranhar, por exemplo, que no nosso Brasil colonial algumas enciumadas sinhás (tratamento que as escravas davam às patroas) mandassem quebrar os dentes das “negrinhas roliças” ou, então, que mandassem cortar seus seios para servi-los, assados e

temperados, aos maridos, nos jantares. Uma dessas piedosas senhoras, irritada com os elogios que seu marido fizera aos olhos de uma “mulatinha” os serviu em calda, como sobremesa. Por aí, vemos que Peter Greenway não exagerou quando mostrou em seu filme, O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante, o marido servindo à esposa o amante morto, temperado e enfeitado numa cerimônia cheia de requinte.


O cinema, aliás, é pródigo em filmes sobre o ciúme. Um deles, por exemplo, é Carmem, baseado no romance de Prosper de Merimée e na ópera de Ceorges Bizet. Grandes nomes do cinema se voltaram para essa fascinante personagem, Chaplin (1916), Lubitsch (1918), Otto Preminger (1954), Peter Brook (1983), Carlos Saura (1984), Godard (1983) e Rossi (1984). Destaque ainda para outros filmes, alguns igualmente importantes: A Caixa de Pandora (Pabst), A Teia de Chocolate (Chabrol), Amar Foi Minha Ruína (Stahl), Atração Fatal (Adrien Lyne), Infielmente Tua (Zieff) etc.

A poesia luso-brasileira guarda preciosidades sobre o tema. 
CASTRO   ALVES

De Castro Alves:

Nas ruínas desta alma a raiva geme.
E cresce o cardo – a morte
Ciúme! Dor! Sarcasmo! Aves da noite!
Vós povoais-me a solidão sombria.


Um dos maiores textos sobre o ciúme é, sem dúvida, o pequeno poema Cidra, Ciúme, de Soror Maria do Céu (1658-1753), esquecida autora do Barroco português, também atingida pela insidiosa paixão: 

É ciúmes a Cidra,
E indo a dizer ciúmes disse Hidra,
Que o ciúme é serpente,
Que espedaça seu louco padecente, 
Dá-lhe um centro de amor o apelido,
Que o ciúme é amor mas mal sofrido,
Troquem, pois, os amantes,e haja poucos,
Pelo zelo de Deus, ciúmes loucos.

Até em obras aparentemente tão inocentes como na história da Branca de Neve podemos encontrar o veneno do ciúme infiltrado: A madrasta: Dize a pura verdade, dize, espelho meu, há no mundo mulher mais bela que eu? O espelho: Aqui neste quarto sois vós, com certeza, mas Branca de Neve possui mais beleza.

Nada, porém, entre nós, melhor do que o encontrado em doutos tratados que sobre o tema se produzem, como o samba brasileiro para nos falar sobre o ciúme. O patrono dessa produção é, par droît de conquête, o eterno Lupicínio Rodrigues, imbatível no gênero.  É nesse espaço da cultura popular que encontramos obras em que se fixaram expressões como “dor de cotovelo” e “dor de corno”, e conceitos como o de “cornitude” (gênero lítero-musical), todos a discorrer sobre os males das paixões. 

É de Caetano Veloso um dos clássicos no gênero, “Dor de Cotovelo”. Seus primeiros versos nos dizem:
CAETANO  VELOSO

O ciúme dói nos cotovelos
Na raiz dos cabelos
Gela a sola dos pés
Faz os músculos ficarem moles
E o estômago vão
E sem fome
Dói da flor da pele ao pó do osso
Rói do cóccix até o pescoço.

Do grande mestre Lupicínio Rodrigues, Vingança, que bem poderia passar por uma homenagem a Medeia, a fada-madrinha de todos os que matam ou matarão por paixão: 

“Eu gostei tanto
Tanto quando me contaram
Que lhe encontraram chorando , bebendo,
Na mesa de um bar
E que quando os amigos do peito
Por mim perguntaram
Um soluço cortou sua voz
Não lhe deixou falar
Ai, mas eu gostei tanto
Tanto quando me contaram
Que tive mesmo que fazer esforço
Pra ninguém notar

Mas enquanto houver força em meu peito
Eu não quero mais nada
Só vingança, vingança, vingança
Aso santos clamar
Você há de rolar como as pedras
Que rolam na estrada
Sem ter nunca um cantinho de seu
Pra poder descansar.

Diante do que expus até agora, nestes momentos finais, para que se complete melhor a visão do tema, obrigatória uma incursão, ainda que breve, à Psicologia e à Psicanálise. Na história do freudismo, os estudos sobre a inveja apareceram totalmente associados à sexualidade feminina. Freud, como se sabe, defendeu a tese de um monismo sexual e de uma essência masculina com relação à libido humana.  Nessa perspectiva de uma libido única, Freud defendia a ideia que, num estágio infantil, as meninas desconheciam a existência da vagina e faziam o clitóris desempenhar o papel de um homólogo do pênis. Daí a sensação que apresentam, segundo ele, de terem nascido providas de um órgão castrado. A sexualidade da menina se organizaria então em torno de um falicismo, isto é, do desejo inconsciente de ser um menino, do desejo que toda mulher tem de ter um pênis.

Mais: segundo algumas doutrinas psicanalíticas, todas as meninas desenvolvem com relação à mãe uma identificação tão completa (inveja) que desejam inconscientemente tomar o seu lugar, eliminá-la, para possuir o pai. A esta atitude emocional, deu-se o nome de complexo de Electra, para Freud o complexo de Édipo às avessas. 


JUNG

Jung, como se sabe, optou pela primeira designação, complexo de Electra. Electra, no mito grego, era filha de Agamemnon, rei de Micenas. Ela instigou seu irmão, Orestes, a vingar a morte do pai, assassinado por sua mulher, Clitemnestra e seu amante. Clitemnestra era mãe de ambos, dela e de Orestes.


MELANIE  KLEIN
Na década de 1920, Melanie Klein, famosa psicanalista inglesa, estudiosa do psiquismo infantil, deslocou o tema da inveja do contexto da sexualidade feminina, ampliando-o. Para ela, o conceito de inveja designaria um sentimento primário e inconsciente de avidez em relação a um objeto que se quer destruir ou danificar. A inveja apareceria então desde o nascimento, sendo inicialmente dirigida contra o seio materno. Na posição esquizo-paranoide ou depressiva, a inveja ataca o objeto “bom” para dele fazer um objeto “mau”, gerando assim um estado de confusão psicótica. 

O IMPÉRIO DOS SENTIDOS

Para uma melhor ilustração do que aqui se coloca com relação às teorias psicanalíticas, inclusive as defendidas por Jacques-Marie Lacan, recomendo para os mais interessados os filmes japoneses O Império dos Sentidos e O Império da Paixão, de Nagisa Oshima.