sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

PEIXES (2)


SIGNO  DE  PEIXES
 CATEDRAL  DE  CHARTRES , FRANÇA
Diante do exposto em Peixes (1), parece-me impossível deixar de aproximar o signo de Peixes, enquanto lembra destruição de formas e dissolução, de todas as catástrofes encontradas em todos os mitos e religiões, englobadas na  expressão “fim do mundo”. No Apocalipse de João, por exemplo, a descrição nos fala de tremores de terra, do Sol enegrecido, da Lua ensanguentada, de estrelas cadentes, de montanhas e ilhas fora dos seus lugares. Há referências a que todos os homens, livres ou não, cheios de temor, se esconderão em cavernas, eis que esse grande dia chegará como o dia da cólera divina.


NAGFLAR
Entre os celtas, a deusa da guerra, Morrigu, profetizava o fim do mundo: confusão das estações, corrupção dos homens, decadência das classes sociais, maldade, relaxamento dos costumes etc. Na mitologia escandinavo-germânica, o navio Nagflar, construído com as unhas dos mortos, deverá aparecer nos dias finais do mundo, ocasião em que o grande deus Odin será devorado pelo monstruoso lobo Fenrir. 

Uma explicação sobre a curiosa passagem acima (a construção do navio Nagflar), encontrada nos próprios textos míticos, nos fala insistentemente de recomendações no sentido de que se cortassem as unhas dos mortos para impedir que as divindades do mal construíssem com elas o famoso navio Nagflar, destinado a atacar a terra e os céus, pondo fim à criação. Por isso, também, tantas prescrições, em inúmeras tradições, sobre os melhores dias para se cortar as unhas dos que iam para o Outro Lado. Lembre-se que uma tradição quase universal registra que as unhas permanecem ligadas a um indivíduo pela magia simpática, sendo nesse sentido equivalentes à alma, muito usadas, por isso, na feitiçaria, tanto para o bem (fabricação de filtros de amor) como para o mal (atingir fisicamente alguém através de um pedaço de sua unha). 


ANTICRISTO, APOCALIPSE  DE  SALISBURG ,  SÉC.XIII ,  INGLATERRA

Na tradição cristã, um personagem misterioso, chamado de  Anticristo, como está no Apocalipse, deverá aparecer algum tempo antes do fim do mundo, enchendo a Terra de crimes, impiedade e desolação. O Anticristo, investido com os poderes do Diabo, virá para destruir as imagens das divindades e fazer-se adorar como o próprio Deus.  


LIBERTAÇÃO , ILUMINURA  ( BURCKHARDT-WILDT , 1752 - 1819 )

O Apocalipse de João faz referência à libertação da Besta acorrentada, sendo o fim dos tempos fixado, primeiramente, pela tradição cristã da alta Idade Média, no temível ano mil. Outra tradição, depois, nos falou que a partir do nascimento de Jesus o mundo duraria tantos anos quantos versos tinham os Salmos de David. Aos poucos, a tradição cristã europeia foi fixando o fim do mundo em datas cada vez mais distantes: 1395, 1545, 1651, 1715 ou 1716, 1819. Alguns textos nos falaram da vinda do Anticristo em 1818 e do fim do mundo em 1823, As duas guerras mundiais do séc. XX foram muito propícias para o surgimento de profecias semelhantes. 

NOSTRADAMUS
Quanto ao que está acima, não podemos deixar de mencionar a profecia de Nostradamus (1566): quando a sexta-feira santa cair no dia de S.Jorge (23 de abril), o domingo de Páscoa no dia de S.Marcos (25 de abril) e a festa de Corpus Domini no dia de S.João Baptista (24 de junho), o mundo acabará. Todas estas datas coincidiram nos anos de 1666, 1734 e 1943. Assinalemos que o calendário maia termina brutalmente no dia 24 de dezembro de 2011 com o fim da quinta idade do mundo, marcado por um cataclismo universal. Lembro ainda que várias seitas religiosas espalhadas pelo mundo anunciam constantemente a sua destruição. Um caso para se registrar: Shoko Asahara, guru da seita Aum-Shinri-Kyo, Japão, previu apocalipses para os anos de 1997, 1999 ou 2000. Em 1995, a seita espalhou o terror com um atentado com o gás sarin no metrô de Tokyo, profetizando o fim do mundo e castigos terríveis.

Como agentes da destruição, a serviço do caos, não podemos esquecer da galeria de monstros que pode ser associada ao signo de Peixes, monstros diferentes dos escorpianos,  estes sempre mais “contidos”, pois os subterrâneos do Hades são o seu habitat natural. Os monstros que associamos a Peixes são os que denominamos de monstros da ressurreição, cuja principal característica é a de provocar pela sua ação uma completa transformação quanto ao que devoram, transformação esta que leva à total decomposição, à
HESÍODO
destruição da antiga forma, reduzindo-a a um estado equivalente ao do caos. É a partir deste estado, onde temos uma completa ausência de limites, uma indeterminação total, que uma nova vida poderá aparecer, estruturando-se como existência dentro de uma nova ordem. A mitologia grega, conforme Hesíodo nos expõe em sua Teogonia, deixa tudo isto muito claro ao nos dar a seguinte ordem: caos, existência e cosmos e assim sucessivamente. 

SÃO   LUCAS
( EL  GRECO , 1541 - 1614 )
No evangelho de Lucas temos: Encontrar em si o ser do peixe é de maneira geral unir-se às formas originais da existência humana que não conhecem o medo, numa camada muito profunda da alma... Esta ideia está presente na história do profeta Jonas, que desceu à vida subconsciente (metaforicamente engolido por uma baleia). Operada deste modo a transformação no ventre do monstro, Jonas foi expelido, o que lhe permitiu se iluminar de um novo modo.  


GINNUNGAGAP
( ILUSTRAÇÃO )
Outro, aliás, não é o entendimento da Alquimia quando ela nos fala da materia prima, expressão que designa o estado em que se encontra a matéria antes de tomar qualquer forma. Em vários mitos encontramos a representação deste estado pela imensidão oceânica antes do aparecimento da terra ou como o fizeram os escandinavo-germânicos através do seu ginnungagap, um abismo que parecia bocejar, cansado de eternidade.

É neste ponto, acredito, que seja possível estabelecer uma clara distinção entre os monstros que atuam em Escorpião e em Peixes, distinção que pode nos auxiliar a fixar melhor os conceitos destes dois signos. Escorpião, através de seu planeta regente, Plutão, tem a ver com as grandes transformações e mutações; fala-nos de reformas que rearticulam ou eliminam componentes para reconstruir com a ideia de melhorar, de reciclar, podendo proporcionar inclusive o conhecimento de forças ocultas, não usadas, desconhecidas, que se tornarão úteis ao corpo transformado. Esta distinção permite-nos, por exemplo, entender melhor o que é transformação orientada escorpianamente e o que é uma transformação de natureza espiritual, pisciana. Um exemplo clássico da primeira é a psicanálise. Da segunda, as transformações religiosas, que levam à destruição do antigo eu profano (abandono da família, perda de identidade, aquisição de um novo nome) e integração em novos grupos, vida anônima etc. As transformações de natureza escorpiana, mesmo as religiosas como as peregrinações, também de natureza sagitariana, é de se lembrar, não trabalham com estas implicações piscianas.


JONAS  E  A  BALEIA
O maior dos cetáceos conhecido, da ordem dos mamíferos aquáticos, a baleia, é o modelo básico dos monstros marinhos que associamos ao signo de Peixes, como agente da morte iniciática. Jonas permaneceu por três dias e três noites no ventre da baleia que o engoliu. Mateus no
SÃO MATEUS
seu evangelho usou este episódio da vida de Jonas para anunciar a ressurreição de Cristo depois de permanecer três dias e três noites no ventre da terra. Segundo muitas histórias espalhadas pelo mundo cristão, a baleia, por ter engolido Jonas, foi punida por Deus. Sua garganta se reduziu tanto que ela só consegue, desde então, engolir peixes muito pequenos.

LEVIATÃ, C. 1865 (G.DORÉ)
É dos judeus que nos vem também a história de outro monstro, muito maior que a baleia, o Leviatã, de enormes dimensões, a maior de todas as criaturas do mar. Segundo a tradição, Deus matou a fêmea da espécie para impedir que o casal procriasse e destruísse o mundo e fez de sua pele roupas para Adão e Eva. Ainda segundo a tradição judaica, na idade do
BEHEMOT
( W. BLAKE, 1757 - 1827 )
Messias, o Leviatã e seu equivalente terrestre, Behemot, entrarão em luta, matando-se um ao outro. Behemot é do tamanho de “mil montanhas” e bebe tanta água diariamente que um rio especial emana do paraíso para saciá-lo. Diz-se que ele ruge uma vez por ano, no mês de Tamuz, para atemorizar os animais do mundo, mantendo-os sob seu controle. 

No banquete messiânico, a pele do Leviatã servirá de toldo para
SAMAEL
abrigar toda a humanidade e sua carne será comida. Os olhos do Leviatã iluminam os mares à noite, as águas fervem ao contacto de seu bafo, escapando do seu corpo um odor tão fétido que pode até superar os perfumes que emanam do jardim do Éden. Conforme a Cabala, o Leviatã simboliza Samael, o grande demônio que, com a sua companheira, Lilith, opera o Sitra Achra, o reino do mal.  


BAAL  UGARIT
O Leviatã nos vem da mitologia fenícia, onde tem o nome de Yam, e contra ele se levanta o deus Baal, o maior dos deuses depois de El, esta grande divindade solar. A luta entre Baal e Yam, divindades primordiais entre os fenícios, é uma representação do choque entre a terra e os oceanos, estes sempre ameaçando aquela de reabsorção. Esta mesma ideia nós a encontramos entre os mesopotâmicos na luta
travada entre Marduk e Tiamat, o mar tempestuoso,
MARDUK   E   TIAMAT
monstruoso, indomável, de onde os deuses haviam saído. Antes de se engajar na luta contra Tiamat, que não aceitava a submissão aos deuses que gerara, Marduk obteve de todos o poder supremo, inclusive o direito de fixar o destino dos deuses e do universo, reunindo assim em sua pessoa a plenitude do divino.  

Analogicamente, sabemos que o elemento líquido, os mares e oceanos especialmente, simbolizam a vida subconsciente, lugar de monstros, de forças rebeldes à razão e muito mais ao espírito, monstros que, como o Leviatã, podem engolir não só o Sol como a própria criação como um todo. Entrar no ventre dos monstros de que falamos significa uma reintegração, um retorno a estados pré-formais, embrionários, situação que lembra a Grande Noite Cósmica, o Caos antes da criação, passagem obrigatória de todo o
PARACELSO
processo iniciático, tema que Paracelso resumia ao dizer que se pretendemos efetivamente nos transformar temos que passar antes por um estado pastoso. A pasta, como se sabe, é um símbolo da matéria informe. Voltar à pasta significa sempre uma vontade de mudar, de ser uma outra coisa, pois ela é um ponto de partida para reorganização integral do antigo ser numa outra forma. Daí, o prazer que muitas crianças experimentam quando brincam com água e terra, pois estão aprendendo a lidar alquimicamente através destes dois elementos, essenciais à vida, com o seu processo de transformação.

THOMAS   HOBBES
O tema do Leviatã foi levado à filosofia por Thomas Hobbes, nos seus ensaios políticos, no séc. XVII. Com base na imagem do monstro bíblico, o filósofo procurou demonstrar as origens do despotismo na disposição natural do homem a ser um lobo para o próprio homem; no mundo natural, é a guerra de todos contra todos. Hobbes se opunha à tese da monarquia por direito divino e faz repousar, cinicamente como alguns acham, o absolutismo sobre um contrato pelo qual os indivíduos conferem todos os direitos a um só indivíduo, o soberano ou a um grupo. Imagem do absolutismo, do totalitarismo, o Estado-Leviatã, em nome da proteção que oferece, a todos engole indiscriminadamente, exigindo cega obediência.



A luta do homem contra o Leviatã tem uma de suas melhores ilustrações na história de Moby Dick ou A Baleia Branca, de Hermann Melville, poeta e romancista americano (1819-1891). A vida deste escritor, como a sua obra, é marcada pelo oceano. Engajando-se na equipe de um barco baleeiro, usou imagens desse mundo para escrever a sua obra-prima em 1851, na forma de uma história apocalíptica e obsessiva que narra a obstinada perseguição de uma baleia branca, enorme e ferocíssima, pelo capitão Ahab, habituado à “luta cósmica no mar”, já mutilado anteriormente pelo monstro. A história de Moby Dick, a encarnação do mal, de toda a “malignidade intangível” do mundo, deu vazão a temas que atormentavam o escritor à época de sua elaboração. 

HERMAN  MELVILLE
Melville experimentava à época grandes tensões não só em relação à sua sensibilidade,  mas, sobretudo, pela crise em que ele e outros escritores americanos estavam mergulhados, crise produzida pelas tensões estabelecidas no ocidente (nos USA especialmente) no século XIX, pelo conflito entre o chamado transcendentalismo e o empirismo, entre religião e ciência, entre fé e ceticismo. Melville, dramatizou piscianamente esse conflito, escrevendo uma das grandes obras-primas da literatura universal. 

O adversário de Ahab era a grande baleia branca, com a sua corcova e hieróglifos na testa, notável pelo furor com que se lançava sobre os homens que a alvejavam ou tentavam destruí-la. Ahab, um ímpio e enorme homem, que parecia um deus, se meteu numa viagem de desforra, seguindo os rastros do migratório Leviatã través do vasto oceano Pacífico, até onde ele e toda a sua tripulação foram destruídos, sendo poupado só o narrador Ismael, que nos contou a história. Para Ahab, todos os objetos visíveis não passavam de máscaras de papelão por trás das quais alguma coisa desconhecida, mas com raciocínio, impelia os moldes de suas feições. Para ele, a baleia branca era o emblema da força ignominiosa fortalecida por imperscrutável malícia e era essa coisa imperscrutável que ele odiava e sobre a qual voltava todo o seu ódio.


XOQUIQUETZAL
Em antigas tradições astecas, os peixes estavam relacionados tanto com a “porta do mistério”, o “país dos mortos”, como com o “mundo das mulheres”, o das divindades do amor como do mundo vegetal, do milho especialmente. A ideia em ambos os entendimentos se centrava na da fecundidade sob todas as formas, morte e renascimento de um lado e vida afetiva de outro, encontrando neste última, através da deusa Xoquiquetzal, as várias formas do amor possessivo ou oblativo, físico ou transcendental. 

Esta deusa, que lembra astrologicamente a exaltação de Vênus em Peixes, sempre foi relacionada pelos povos mesoamericanos com a água, com a vegetação, com o sacrifício. Sua festa marcava a chegada do inverno e a despedida das flores, cujos perfumes eram muito apreciados. Na festa que se celebrava em homenagem à deusa se enfatizava sempre o referido tema. Era atribuído à deusa o patronato das bordadeiras, das tecelãs e das talhadoras, estendendo ela também a sua ação ao mundo da fertilidade, da beleza, da sensualidade, sendo ela protetora da gravidez e das jovens mães, inclusive da prostituição.

Na antiga Síria era famosa a deusa Derceto, deusa com cauda de peixe. No mito, proveniente da Mesopotâmia, certamente, teria sido ela uma lindíssima jovem que se recusara a assumir a maternidade, com medo de gerar um ser monstruoso. Lançou-se, por isso, ao mar, desejosa de acabar com a sua vida. O deus Poseidon (o mito chegou à Grécia), irritado com a atitude da jovem, transformou-a num ser híbrido, metade mulher, metade peixe. Não será preciso grande esforço para se perceber que Derceto é uma ilustração do signo de Peixes na medida em que o episódio nos lembra a grande
SOLUTIO
dificuldade que os nativos do signo sempre têm para se adaptar à vida, à realidade da existência. Derceto não é ser humano, terrestre, nem um animal tipicamente marinho. Derceto se entrega assim à regressão, no caso, uma representação da solutio alquímica. Como símbolo da recusa da carne, Derceto testemunha a dificuldade que têm os do signo de assumir uma forma. Por isso, foi condenada até o final dos tempos a “viver” entre dois estados.

Derceto fracassou como ser humano, isto é, como mulher. Como se disse, atirou-se ao mar, sendo transformada por Poseidon numa espécie de sereia inacabada. Segundo outras versões, foi engolida por um monstro marinho e devolvida ao elemento na forma híbrida descrita, tornando-se um ser indefinível, indeterminado. De que tinha medo Derceto? De assumir sua condição de mulher, sua versão carnal. A fuga, a recusa, o escapismo e a evasão, lembremos, são temas constantes no comportamento pisciano.


SEREIA
O mito de Derceto se liga ao da sereia, símbolo da incapacidade do ser humano de conquistar uma forma. No lugar de uma realização, de uma ação possível, ao contrário o convite à aniquilação, à tentação da entrega e do abandono, o mergulho na vida inconsciente, um sonho ao mesmo tempo terrível e fascinante. Toda sereia é bela como Derceto, de longa cabeleira dourada, sedutora, seu canto inebria, dissolve a consistência, neutraliza a função consciente. O canto da Sereia enfeitiça aquele que o ouve, conduzindo-o à perdição, ao relaxamento, apagando as fronteiras. A palavra sereia vem de seirazen, verbo grego que significa “prender com uma corda”, subjugar, atrelar.


PROCLUS  (R.ORLANDINI)
O filósofo grego neoplatônico Proclus (séc. V dC) resumiu os diferentes aspectos das sereias, no mito grego filhas do deus-rio Aqueloo e de Melpômene (a que canta e dança, musa da tragédia), dividindo-as em três classes: a) as celestes, que têm Zeus como patrono; b) as tentadoras, cujo patrono é Poseidon; e c) as purificadoras, sob a tutela de Hades. Eram chamadas as sereias entre os gregos de “mães do mar”. Com os primeiros cristãos e ao longo da Idade Média, a ideia de que a sereia é um ser sedutor e depravado se fixa; torna-se ela a imagem da voluptuosidade, da tentação carnal e da luxúria. Foi preciso esperar o Renascimento para que as sereias retomassem um pouco de seu status de cantoras divinas e instrumentistas excepcionais, duplos das musas no elemento aquático.


ULISSES  E  AS  SEREIAS ( HERBERT DRAPER , 1863 - 1920 )

Na maioria dos registros da mitologia grega, as sereias se ligam também às artes por filiação e, em algumas imagens, aparecem com instrumentos musicais, atribuídos também à poesia. Ha versões em que as sereias aparecem ligadas às esfinges, das quais a mais famosa é a que aparece no mito de Édipo, também conhecida como a “cruel cantora”, porque propunha em versos um enigma. Além dessa relação com a poesia e a música, sereias e esfinges tinham ainda em comum o fato de serem ávidas de sangue e de prazer erótico.


CIRCE 
Na Odisseia, as sereias são anunciadas por Circe, que orienta Ulisses sobre a maneira de ouvir-lhes o canto sem a elas sucumbir. Meio ave, meio mulher, a partir da Idade Média, meio peixe, meio mulher, a sereia é uma entidade que porta os estereótipos da sedução feminina. Embora essa figura que atrai e conduz as suas vítimas para o “fundo das águas” (subconsciente) esteja presente em várias culturas, muito raramente a ela se atribui identidade masculina, como é o caso do boto brasileiro. 

BOTO
O boto brasileiro é o golfinho do Amazonas. Ele faz parte da  galeria dos  seres míticos sedutores e raptores ligados às águas, que encontramos em várias culturas, contos, lendas, folclore etc. Os botos da Amazônia seduzem as moças ribeirinhas e são, na região, os pais de todos os filhos de paternidade desconhecida. Nas primeiras horas da noite, o boto se transforma num bonito rapaz, alto, forte, amante das festas; jamais tira o chapéu para não revelar a sua origem (o orifício que tem no alto da testa por onde respira);sedutor, bem falante, frequenta bailes, conversa, namora, arruma encontros amorosos em becos escuros e antes dos primeiros clarões do dia, lá pelo fim da madrugada, pula nas águas e volta a ser boto.



Entre as sereias registradas pela cultura europeia, Jorge Luis Borges (El Libro de los Seres Imaginarios) lembra Murgen, capturada em Gales, no século VI, que foi batizada e santificada, e outra que, em 1403, passou pelo dique em Haarlen e, segundo um cronista do século XVI, não era peixe porque fiava, nem mulher, porque podia viver na água. Borges ainda chama a atenção para a diferença registrada no idioma inglês entre as sereias clássicas, siren, e as mermaids, que aparecem com cauda de peixe.

MURGEN , PINTURA EM PAREDE
Há inúmeros depoimentos de marinheiros sobre as sereias, registros que a tradição conservou. Uma das histórias mais estranhas do cristianismo, como acima citei, é a de Murgen, a sereia, reverenciada como santa na Irlanda, embora não reconhecida oficialmente como tal pela igreja católica. Ao que parece, o nome Murgen seria uma corruptela de mer woman. A lenda nos fala de uma menina que, brincando perto do mar com o seu cachorro, foi arrastada pelas ondas para uma caverna. Pediu aos deuses que a salvassem. Foi atendida, sendo transformada da cintura para baixo num peixe, enquanto seu animal de estimação virava uma lontra.