quinta-feira, 6 de outubro de 2011

MITOLOGIAS DO CÉU - O SOL (3)




Na Índia, desde os tempos védicos, o fogo é o princípio cósmico por excelência. Compreender o fogo era compreender a natureza do próprio universo. A ciência do fogo era, para os antigos hindus, a chave de todo saber. Nos céus, o fogo é Surya, o Sol; manifestando-se em direção da Terra, como luz, raio, calor, tomava o nome de Indra (Vayu quando se manifestava nas tempestades através dos ventos), na sua montaria (Vahana), o elefante branco Airavata; na Terra, tomava o nome de Agni, montado em seu carneiro, sendo nessa condição a causa principal do progresso e do desenvolvimento terrestre. Agni é a principal divindade dos Vedas, a que tem o maior número de hinos. É mediador entre os deuses e os humanos, protetor destes últimos e de suas casas; é o testemunho de suas ações, sempre invocado em todas as cerimônias e ocasiões solenes.

As oito esferas da existência são distribuídas entre os hindus da seguinte forma: 1) Prithivi (A Terra), representada pelo mudra à direita, onde reside (2) Agni (O Fogo), princípio da nutrição; 3) Antariksha (O Espaço), onde reside (4) Vayu (O Vento, o Ar), princípio da vida; 5) Dyaus (O Céu), onde reside (6) Surya (O Sol), princípio do intelecto; 7) Nakshatra (As Constelações), onde reside (8) Soma (A Lua), princípio da imortalidade. As esferas da existência e as potências que nelas vivem são os princípios a partir dos quais o mundo físico dos elementos se desenvolve. Para os humanos, estas esferas são os aspectos mais imediatos do Todo (Brahman).

A Terra é a residência do fogo, capturado pelos homens, sendo ele a causa principal de seu progresso e desenvolvimento, como se disse. Agni é a principal divindade dos Vedas, aquela que tem o maior número de hinos. Na concepção védica, aparece intimamente ligado a Dyaus, divindade que representa todas as manifestações da esfera celeste. Como fonte de luz, de calor, da vida, da inteligência, Surya está na origem de todas as formas de vida representadas pelos doze filhos de Aditi, a Ampla, a Imensidão Primordial, o céu infinito por oposição à finitude da Terra. Surya vem da raiz sur ou svar, brilhar. Da mesma raiz vem svarga, céu claro.

Surya guarda os céus, percorrendo-os num carro dourado puxado por sete cavalos. Seu cocheiro, conhecido por sua sabedoria, é Aruna (Vermelho), irmão mais velho de Garuda (Verbo Alado), montaria de Vishnu. Como personificação masculina da aurora, Aruna, posiciona-se sempre à frente de Surya no carro que conduz, protegendo assim a Terra do furor solar com o seu robusto corpo.

GARUDA

Acima de Surya ficam as esferas da não-manifestação, as do Auto-Engendrado (Svayambhu) e a da Vontade Suprema (Parameshthin); abaixo dele ficam as esferas da manifestação, as da Lua e da Terra. Surya representa, nestes termos, o limite, o ponto de encontro entre os mundos manifestado e não manifestado. Ele é para os povos da Índia, conforme encontramos em muitos textos, a porta de entrada através da qual a realidade divina pode ser percebida.


SURYA

Nesse sentido, enquanto fonte de luz física, mental e espiritual, Surya é a imagem mais próxima do divino que se pode perceber. Nos Puranas, encontramos: “Surya é a divindade visível, o olho do mundo, a causa do dia. Nenhuma outra divindade se lhe compara. É existência eterna, origem do tempo.” Feito de um fogo que consome sua própria substância, Surya é o símbolo do sacrifício cósmico. É, na verdade, o próprio princípio do sacrifício (Yajña-prajapati). Criando-se e se destruindo constantemente, Surya é a forma visível de Maya, o poder de encantamento do Brahman.


A mitologia védica nos informa que Surya é filho de uma figura misteriosa, personificada como um velho,(fig. à esquerda) a quem dão o nome de Kashyapa (Visão), sendo Aditi (fig. à direita), a Imensidão Primordial, a mãe. Surya tem quatro esposas: Conhecimenro (Samjña), Soberania (Rajñi), Luz (Prabha) e Sombra (Chaya). Alguns de seus filhos: Revanta (Móvel), Ushas (Aurora), Shani (Saturno). Diz-se que a luz de Surya era tão esplêndida que Conhecimento (Samjña) não o suportou como marido. Ela deixou Chaya (mãe de Shani, Saturno) ao seu lado e se retirou para a floresta para se consagrar à religião. Para não ser descoberta, tomou a forma de uma jumenta. Surya transformou-se então num cavalo e dela se aproximou nesta forma. Ela lhe deu dois filhos com cabeça de cavalo, os Ashvins, gêmeos (idênticos aos Dióscuros gregos, que, na astrologia, representam o signo de Gêmeos). Esta história é semelhante a uma que encontramos na mitologia grega: a deusa Deméter, muito perseguida pelo deus Poseidon, tomou a forma de uma égua. O deus, imediatamente, assumiu a de um garanhão e conseguiu se unir a ela, tornando-a mãe de Arion, cavalo de crinas azuis e extremamente veloz. O que temos aqui é evidentemente uma ilustração do eixo astrológico Virgem (Deméter)-Peixes (Poseidon). História muito divulgada entre os habitantes da antiga Arcádia, serve também de uma alegoria para explicar a introdução do cavalo (Poseidon, Netuno) na agricultura (Deméter).

Surya é conhecido por vários e sugestivos nomes: Aja-Ekapada. O primeiro nome, Aja, como substantivo feminino, significa não-nascido, aquele que existe por si mesmo; é também um dos nomes de Prakriti e de Maya. Como substantivo masculino, pode admitir, dentre outros significados, eterno, carneiro, instigador e o signo zodiacal de Áries. A segunda palavra, Ekapada, quer dizer unípede. Outros nomes: Pavaka (Purificador), Jayanta (Vitorioso), Ravi (Divisor), Savitri (Mestre do Dia), Jagat-Cakshu (Olho do Mundo), Karma-Sakshin (Testemunha dos Atos), Graha-Raja (Rei dos Planetas), Helih (Penetrante), Himaratih (Inimigo das Neves), Tamonuda (Dispersor das Trevas), Gopati (Mestre da Manada) etc.

Na antiga astrologia védica (Jyotish), Surya podia representar: 1) Atma (alma) de “Kala Purusha”, isto é, a vitalidade interna como fonte dos atos humanos; 2) Raja (rei), enquanto a Lua (Chandra) é o poder político;

CHANDRA


3) Jyoti (Luz), a luz como princípio da vida e fonte de inteligência; 4) O princípio da sabedoria, isto é, a idade de 50 anos, começo da velhice. Em antigos textos astrológicos, Surya nunca representou crianças ou jovens; 5) A cor acobreada, avermelhada, isto é, tudo o que tem esta cor; 6) Rubi, para os védicos a mais valiosa de todas as pedras preciosas;

7) Os Kshatryas como “varna” (Marte, Angaraka, representa o que é marcial); 8) O que é macho, masculino, juntamente com Angaraka e Guru. Exemplo: Surya, quando influenciando por posição ou aspecto a quinta casa astrológica ou o seu regente, pode indicar progênie masculina: 9) A medula óssea, a coluna vertebral, o suporte de todo o sistema corporal; 10) Altura – Surya e Angaraka, quando elevados, domiciliados, no Meio do Céu, podem indicar altas posições sociais; 11) Firmeza de princípios – O único signo que Surya “possui” é Leão (Simha), signo fixo; 12) O pai, a destreza e a riqueza; 13) O princípio do aquecimento e o temperamento “sattvico”. Na ciência dos temperamento, era comum Surya representar a bile (irascibilidade); pelo seu aquecimento, podia significar escassa capilaridade; ainda pelo calor, em condições favoráveis, podia se associar ao “sattvico”.


14) Exaltando-se nos 10º de Áries, e pertencendo ao asterismo “Ashvini”, cujo regente é Kethu, Surya pode ser um significador de Moksha. Como o signo de Áries costuma representar ambientes pecaminosos e violentos, Surya, nesta posição, fica fora do alcance da ação deletéria de Angaraka; 15) Olho direito – Chandra era o olho esquerdo; 16) A metade de um ano; Chandra, apenas um momento; 17) O coração; 18) Vitória – Surya, quando nas chamadas casas upachaya (melhoria, promoção), a terceira, a sexta, a décima e a décima primeira, pode significar vitória sobre inimigos, promessa de realizações positivas, mudança de pontos de vista etc.

SHANI

Na Índia, diz-se que quando Shani (Saturno), o Filho da Sombra, nasceu, a mãe lhe mostrou Surya, o pai, que se encheu de manchas quando a criança o olhou. Sem dúvida, uma contribuição dos antigos astrólogos védicos para o fenômeno das manchas solares. O povo, nas aldeias, entretanto, fala que Surya se cobriu de vitiligo quando Shani o olhou. No fundo, talvez, a mesma coisa...

NAVA GRAHAS

Lembremos que em sânscrito planeta é graha. Esta palavra também significa "aquilo que captura", aquilo que se apossa de nós, como temos no conceito de satyagraha, adotado por Gandi como um dos pilares de sua doutrina. Satyagraha é um conceito sagitariano que tem o significado de "adesão incondicional à verdade". Gandi, como sabemos, era tanto sagitariano como libriano. Este último signo lhe forneceu o outro pilar de sua doutrina, ahimsa, não-violência. A astrologia védica trabalha com navagrahas: Ravi (Sol), Chandra (Lua), Budha (Mercúrio), Sukra (Vênus), Kuja (Marte), Guru (Júpiter), Shani (Saturno), Rahu (Nó Lunar Norte ou Cabeça do Dragão), e Kethu (Nó Lunar Sul ou Cauda do Dragão).

Uma das grandes dificuldades quando nos aproximamos mais profundamente da mitologia dos tempos védicos é de se estabelecer uma relação satisfatória entre Aditi e Surya. A primeira, como se disse, é conhecida como “A Livre”, “A Ampla”, “A Infinita”, praticamente a única divindade feminina mencionada no Rig-Veda. É uma espécie de Grande-Mãe anterior a tudo, o princípio feminino, o conjunto das possibilidades existenciais. Aditi representava, nos primeiros momentos da criação, o Céu infinito por oposição à Terra finita. Aditi era conhecida também como Deva-Matri, mãe dos deuses, personificação do Ser universal que contém tudo.

Os textos sagrados falam inicialmente em seis Adityas, descendentes de Aditi. Posteriormente, esse número foi estendido para doze, os doze meses do ano. Nessa concepção, os Adityas não são o Sol, a Lua, os astros, as estrelas, a aurora ou o poente, mas os eternos sustentáculos da luminosidade vital que existe por trás de todos os fenômenos. São, pois, as divindades da luz universal, doze deuses-Sol, que formam o Zodíaco (Bachakra), ou se quisermos os doze rasis, que vão de Mesha (Áries) a Meena (Peixes). Bachakra quer dizer “círculo de luz”. Surya atravessa longitudinalmente o centro desse círculo, tomando em seu caminho o nome de Apamandadala ou Ravimarga.