terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A MANDIOCA


No capítulo das cosmogonias, de que falam os mitos e as religiões, temos normalmente uma ordem no processo criativo. Primeiro a terra, os minerais, depois os vegetais, os animais e finalmente os humanos. Uma sequência que vai do inferior ao superior. Do menos diferenciado ao mais diferenciado. O ser humano é sempre considerado como o coroamento desse processo e senhor dos três reinos que estão abaixo dele.

DEUCALIÃO E PIRRA

Inúmeros textos, em várias tradições, nos descrevem a passagem do inorgânico ao orgânico de seres de um reino a outro e inversamente. No Gênesis, por exemplo, o homem nasce do barro. Na Mitologia grega, temos a história de Deucalião e de Pirra. Sobreviventes do dilúvio enviado por Zeus, quando as águas baixaram, o pai dos deuses enviou-lhes Hermes para lhes anunciar que atenderia a um só pedido que fizessem. Deucalião pediu que o Senhor do Olimpo permitisse o repovoamento do mundo. Zeus lhes ordenou então que lançassem às suas costas os ossos de Géia, a Terra, a grande mãe de todos. Deucalião compreendeu que Zeus estava se referindo às pedras como os “ossos” da Terra. Descendo da arca, assim o fez: das pedras lançadas por Deucalião nasceram os homens e das de Pirra, as mulheres, repovoando-se a Terra. Muitos contos populares narram a permutação de humanos em vegetais, o que sugere que os antigos sempre entenderam o caráter cíclico da existência como um todo. Ainda exemplificando, lembremos que na Mitologia grega encontramos a transformação de muitos personagens em flores ou plantas (Narciso, Adônis, Jacinto, Dafne) e em minerais, a ninfa Eco (fig.esq.).

A história que os índios brasileiros contam sobre a origem da mandioca toma caminho semelhante. Uma das mais bem elaboradas lendas sobre essa origem é a dos tupis, registrada, ao que parece pela primeira vez, em 1876, por Couto de Magalhães (fig. dir.). Contam eles que em tempos muito remotos a filha de um grande chefe apareceu grávida. Ofendido em seu orgulho, o cacique procurou arrancar da filha o nome do autor da desonra. Empregou todos os meios, pedidos, súplicas, castigos e até tortura. A moça sempre respondeu que ninguém a engravidara. O chefe, não acreditando, pensou em matá-la. Quando estava prestes a sacrificá-la, já decidido pela morte da jovem, teve um sonho no qual lhe apareceu um homem branco que lhe disse para não matar a jovem, afirmando que ela era inocente, que nenhum homem a tocara. Assim aconteceu e nove meses depois nasceu uma linda menina branca, o que causou enorme espanto a todos da tribo e aos povos vizinhos, já que nunca homem branco algum estivera por lá. Todos iam visitar a mãe e a sua lindíssima filha, que recebera o nome de Mani. Muito precoce, Mani praticamente nasceu andando e falando.

Quando estava para completar um ano, sem que ninguém atinasse com a causa, a menina morreu dormindo. Foi enterrada dentro da própria taba. O local onde a menina estava enterrada era regado diariamente pela mãe. Depois de algum tempo, uma planta brotou ali, crescendo e dando frutos. Os pássaros que a bicavam e comiam ficavam como que embriagados. Um dia, fendendo-se a terra, as raízes da planta foram descobertas, raízes que na sua forma eram muito parecidas com o corpo de Mani, assim disseram os que as viram. A planta logo começou a ser chamada de Mani-oca, ou seja, a casa de Mani.

Os indígenas foram dando à planta também outros nomes, mani, aypi, ubi-antam, macaxeira, maniva, maniveira, dependendo da região do país, muito consumida por todos como alimento. Com o tempo, descobriu-se que a planta, era de dois tipos. A um deram o nome de doce, mandioca doce, e a outro o nome de brava, mandioca brava ou amarga. A mandioca doce foi também chamada de aipim (a que nasce ou que brota do fundo). Na região nordeste do Brasil, esse tipo de mandioca também tomou o nome de macaxeira, mandioca mansa (não deve ser feita confusão com Macaxera, divindade protetora ou demoníaca que aparece nos caminhos e estradas). A outra, a brava, devido à presença de grande quantidade de ácido cianídrico, como se constatou, era muito venenosa. Mas era desta, a brava, que vinha a farinha (farinha-de-pau) que os índios aprenderam a fabricar, eliminando o seu mortal veneno pela lavagem, cozimento ou por longa exposição da raiz e de seus subprodutos ao sol. A mandioca brava era também chamada de maniva ou maniba (planta que entorpece).

DESCASCANDO A MANDIOCA OU MACAXEIRA


As raízes, depois de secas ao fogo, eram também raladas em uma prancha de madeira (fig.dir.). O produto obtido era colocado em cestos de palha trançada (tipiti; fig.esq.); torcidos ou espremidos os cestos, secava-se depois tudo o que fora ralado. A farinha era comida ao natural ou transformada num mingau grosso. Este mingau era também transformado numa espécie de coalhada, depois cozida ao fogo ou assada, muito apreciada quando a ela se adicionava mel silvestre. Com a massa da farinha se preparava o carimã, a mandioca-puba (puba, em tupi, quer dizer mole, cansado, podre, azedo), hoje vendida como farinha seca, finíssima, ou em bolinhos, os chamados bolos de carimã, e o pudim de tapioca.

CARIMÃ
Carimã, segundo os nossos índios, é o bolo preparado com a massa grossa da mandioca em forma de discos achatados, secos ao sol. Já o beiju é uma espécie de biscoito assado, enrolado em forma de canudo. Da mandioca cozida e fermentada também faziam uma bebida destilada a que deram o nome de cauim (o nome pode ser aplicado a qualquer bebida feita de vegetais, como de caju, de milho etc.). Vem da mandioca também a tiquira, uma espécie de cachaça, ainda hoje muito encontrada no estado do Maranhão. A preparação do cauim, nas diversas tribos, ficava por conta das mulheres virgens. Elas mastigavam a mandioca, que virava uma pasta, depois cuspida e levada a potes ou tigelas para a devida fermentação. De gosto ácido, era o cauim considerado também uma bebida muito nutritiva.

PREPARANDO O CAUIM

A mandioca é um arbusto nativo da América do Sul, ao que parece originário dos Andes peruanos. Sempre foi cultivada por muitas nações indígenas da América Latina. Seu nome científico é Manihot esculenta; esculento, do latim esculentus, é o que alimenta, o que é comestível. Suas raízes são tuberosas, ricas em amido e desde tempos imemoriais de largo emprego na alimentação e na produção de ração animal. Seu nome, nas regiões tropicais e subtropicais é cassava, sendo chamada de o “pão dos trópicos”, competindo, mas levando grande vantagem, com a fruta-pão. Na África, o pão de mandioca toma o nome de “fufu”. É uma grande fonte de carboidratos (60-65%), estimando-se hoje que 500 milhões de pessoas a consomem, sendo a Nigéria o seu maior produtor mundial.

COLHEITA DA MANDIOCA - GRAVURA NORDESTINA

A mandioca foi domesticada no centro-oeste do Brasil e na Amazônia peruana por tribos indígenas há milênios. Há registros da sua existência desde o início do período neolítico (10.000 ac). No ano de 6.000 aC, já era comum o seu consumo no golfo do México, destacando-se a importância que deram ao seu cultivo os maias (1.400 aC), cujas tribos a utilizaram inclusive como motivo artístico (cerâmica). A mandioca, hoje, é consumida principalmente nas Américas do Sul e Central, em toda a África, praticamente, e em alguns países da Ásia seja cozida, frita, como farinha, cremes, licor e outras bebidas alcoólicas.



Quando os portugueses chegaram ao Brasil, encontraram os indígenas usando mandioca em abundância na sua alimentação diária. A expedição descobridora portuguesa que aqui chegou em 1.500 logo tomou conhecimento de que a mandioca era o principal alimento deles. Os indígenas preparavam com ela um mingau ou a comiam como farelo. Para os portugueses, a “mesa” dos indígenas brasileiros era um escândalo. Eles não entendiam como a frugalidade dos indígenas, que comiam sobretudo o que o mundo vegetal lhes dava, os fazia tão fortes. Pero Vaz de Caminha, em sua carta, registra esse espanto, fala-nos o cronista que embora os portugueses se alimentassem de carne animal, trigo e legumes não eram tão “rijos e tão nédios” como os indígenas.



No Brasil colonial, inúmeras fábricas e casas de farinha foram levantadas, tanto no litoral como no interior para o processamento da mandioca. A farinha de mandioca, durante boa parte do nosso período colonial, supriu a carência de gêneros alimentícios de grande parte da população. Aos poucos, porém, por razões econômicas, como sempre, o uso da farinha de mandioca nas cidades brasileiras foi diminuindo. É que começou o Brasil a importar a chamada farinha-do-reino, ou seja, a de trigo. O consumo da farinha de mandioca foi sendo relegado às camadas mais baixas da população, já que no Brasil, desde o período colonial, tornou-se sinal de status consumir produtos estrangeiros, costume que foi se acentuando cada vez mais nos séculos seguintes.

CASA DE FARINHA
CERÂMICA DO FAMOSO MESTRE VITALINO, DE CARUARU (PE)

Dentre as recomendações, tidas por muitos como superstições, uma em especial, conforme nos conta Câmara Cascudo, onde entrava a farinha de mandioca, era muito respeitada no Brasil colonial: quando alguém construía uma casa ou se mudava, a primeira coisa que devia fazer, mesmo antes de habitá-la, era levar para ela sal, carvão e farinha de mandioca. É desse mundo que nos vem um antigo ditado, muito citado então, no sábado de Aleluia: Aleluia! Aleluia! Peixe no prato, farinha na cuia!

A casa de farinha é (era) o lugar onde, no Brasil colonial, a mandioca era transformada em farinha. Bastante rústico, às vezes somente com uma cobertura de sapê ou um telheiro, a casa de farinha era um reduto sobretudo feminino. Ali se recebia a mandioca colhida; descascada, raspada e triturada era ela depois pubada (amolecida) com água e espremida em prensas ou, mais simplesmente, com o tipiti, cesto cilíndrico de palha. Torrada, depois, estava pronta para o consumo. Talvez uma das últimas casas de farinha (foto abaixo) que ainda façam todo o processamento da mandioca nós a encontramos no povoado de Tapuio, às margens do rio Preguiças, perto de Barreirinhas, no Maranhão.

CASA  DE  FARINHA (SECAGEM) , MARANHÃO
Pubar vem de puba, palavra dos nossos índios usada para designar o que é mole, cansado, podre, imprestável. Puba dava nome também às margens dos rios umedecidas, moles, cobertas de capim. A pubagem, segundo Couto de Magalhães, vem do verbo ferver, fermentar. Era, no processo, a etapa que fazia a mandioca perder as suas substâncias venenosas. A água que sobrava da pubagem era usada como bebida alcoólica, a citada manicuera ou manipueira (etimologicamente, o que brota da mandioca), uma espécie de vinho para os indígenas. Há registros que muitos animais morriam envenenados, bêbados, devido ao consumo na manicuera, coisa diabólica.

FÉCULA DE FARINHA DE MANDIOCA

A farinha que decantava depois servia para engomar a roupa. Goma, como se sabe, é nome dado a substâncias produzidas por certos vegetais utilizadas como cola. É por essa razão, aliás, que produtos para a fixação de dentaduras são feitos à base de mandioca. Chamava-se goma também o polvilho da mandioca usado na feitura de tapioca, sequilhos, mingaus, bolos etc. Na culinária brasileira, a mandioca está presente (não como deveria) em vários pratos salgados como maniçoba, farofas, moquecas, carnes etc.

AFRICANA DESCASCANDO MANDIOCA

É preciso também registrar que a mandioca foi do Brasil para a África pela mão dos portugueses para se tornar fundamental na alimentação africana, dela fazendo uso, em larga escala, por exemplo, os beduínos do deserto, durante suas viagens. Neste sentido, repetia-se lá na Africa, o que sempre fizeram aqui os sertanistas, provendo o seu farnel, o chamado farnel dos bandeirantes, para suas longas excursões, com feijão cozido, ovos duros e muita farinha de mandioca, que se transformaria na base do cuscuz paulista, ao qual seria acrescentada outra contribuição indígena, o milho. Lembre-se também que os nossos viajantes no Brasil colonial usavam muito um “preparado” indígena muito eficiente, uma mistura de farinha de peixe seco e de farinha de mandioca, em iguais proporções.

Ainda que nunca prestigiada pelos portugueses como o milho ou como as frutas e as especiarias da Índia, a mandioca foi se aguentando. Deixou de ser uma raiz diabólica, coisa de índios, que causava preguiça a quem a ingerisse. Ressalte-se também, por outro lado, que foi o ecletismo da alimentação portuguesa que permitiu à mandioca se tornar um dos itens mais importantes da alimentação brasileira no período colonial. Vários cronistas registraram muito impressionados a habilidade padeira dos brasileiros para retirar da mandioca todos os proveitos.

Embora no Brasil venha ocorrendo o que chamamos de “mcdonaldização” dos hábitos alimentares, principalmente nos meios urbanos, alguns produtos brasileiros vêm conquistando um lugar lá fora, no exterior. Coisa ainda sem um significado maior, mas sinal de que algo poderá mudar (?). O purê de mandioquinha, por exemplo, desbancou o de batata nas mesas de muitos restaurantes parisienses. Não há muito que estranhar quanto a este fato se lembrarmos que desde o século XIX os cardápios europeus apresentam o consommé à la tapioca, às vezes chamado de consommé enchanté, caldo engrossado com um derivado da mandioca, granulado, uma espécie de sagu, também chamado pelos franceses, estranhamente, de Perles du Japon (fig.dir).


Os sabores da mesa típica brasileira, hoje quase perdidos, são um produto da contribuição de três culturas, a indígena, a portuguesa e a africana. Conhecê-los pode ser tanto uma abertura para grandes prazeres como também um meio de se entrar em contato com fatos históricos e com tradições muito importantes. Do norte ao sul do Brasil, a riqueza da nossa culinária é imensa, pois grande é o nosso patrimônio gastronômico. Só para ficarmos na mandioca, lembremos do pato no tucupi. Muito usado pelos índios, o tucupi é um caldo amarelo obtido a partir da fervura do suco da mandioca. É um famoso prato preparado especialmente para as festas do Círio de Nazaré, grande procissão que se realiza em Belém do Pará no segundo domingo de outubro.

Um dos mais famosos pratos que temos na região de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás é o Feijão-tropeiro, de inspiração paulista, feito à base de farinha de mandioca, toucinho, carne-seca e couve picadinha. Curioso é o hábito nacional, mais acentuado no nordeste, de se juntar a farinha de mandioca e os feijões para se quebrar um pouco a gordura das carnes pesadas; mais ao sul, este hábito pode ser notado no churrasco, que recebe a companhia da mesma farinha. Interessante, com relação à feijoada (fig.esq.), conforme apontam historiadores da alimentação, é ser ela um produto de duas culturas, a negra e a portuguesa. Foram os negros, nas senzalas, que começaram a aproveitar as carnes rejeitadas e/ou as sobras das cozinhas e mesas de seus senhores, que criaram essa paixão nacional, a feijoada, saboreada principalmente aos sábados e às quartas-feiras, como prato do dia em muitos restaurantes. Os portugueses, por seu lado, trouxeram para o Brasil o hábito dos países mediterrâneos de se misturar carnes, verduras e legumes.

Outro prato que pede a farinha de mandioca é o barreado, famoso no Paraná, preparado em panela de barro. Era, ao que parece, uma receita indígena, servindo para alimentar tropeiros que andavam pela região. A panela, muito bem fechada, é enterrada, acendendo-se sobre ela uma fogueira, prolongando-se o cozimento da carne, coberta por uma grossa camada de farinha-de-goma (farinha de mandioca), por quase um dia todo. Tudo fica como um pirão, consumido depois com banana e cachaça, a única bebida adequada ao prato. Este processo de cozinhar em buracos no chão é, como sabemos, universal, muito usado, por exemplo, por negros africanos, por índios americanos do norte (stoneboilers) etc.

Na Bahia, o bobó, comida africana muito comum, à base de feijão-mulatinho cozido, tem dois ingredientes que não podem faltar, a farinha de mandioca e o azeite-de-dendê. Bobó, também, é um purê de mandioca misturado a camarões ou a outros frutos do mar. Em várias regiões brasileiras, com as folhas da mandioca se faz a maniçoba, prato que tem por base uma receita indígena, adaptada pelos portugueses, nele entrando carne seca picada, mocotó, toucinho, linguiça cortada em rodelas e mais os temperos.


Parecida com a maniçoba, temos notícia de que em Moçambique, na Africa, há um prato (receita provavelmente levada para lá pelos portugueses) parecido com a maniçoba, só que com produtos do mar, a matapa (uma espécie de paella,) preparado com folhas jovens de mandioca, piladas, cozinhadas, com mariscos, caranguejos ou camarões, ao invés de carne. Muito saborosa, na Bahia, é a farofa-de-dendê, um perfeito acompanhamento para peixes, que leva farinha de mandioca, cebola e alguns camarões secos ou frescos, tudo muito bem frito. Uma das mais importantes “farofas” criadas pela gastronomia popular do nordeste, para acompanhamento de peixes ou carne de sol, é o chamado “pirão d’água” ou “pirão de pobre”. Merece a receita: farinha de mandioca crua, de preferência fresca (não a industrializada, vendida em pacotes), cebola, coentro e cebolinha picados, sal, manteiga e água. Colocar a cebola, o coentro, a cebolinha picados, o sal (uma pitada) e a manteiga (uma colher se sopa) numa tigela. Levar a água a ferver e a despejar em cima dos ingredientes citados. Colocar sobre esta água a farinha e aguardar uns minutos até que a farinha “chupe” a água. Então revolver com um garfo (não deve ser mexido para ficar homogêneo). Formam-se grumos não uniformes. Para preparar o “pirão de pobre”, como se vê, só a água vai ao fogo.

Se nos fixarmos no capítulo dos subprodutos da mandioca aumentará certamente a nossa admiração pelo que essa “diabólica” raiz, tão valorizada pelos nossos índios, tem de histórias. É bom salientar que a mais importante das farinhas brasileiras é, sem dúvida, a da mandioca, a chamada farinha-de-pau (fig.dir.), que no nosso Brasil sempre teve um significado nacional como o tiveram o milho, o trigo ou o arroz em outras civilizações. As gomas, os mingaus e os pirões são da mandioca. O pirão, por exemplo, é tão importante, tão saboroso, que em muitas regiões do Brasil é palavra usada para designar mulher apetitosa, fisicamente desejável. A goma é o polvilho da mandioca, usada na feitura de tapiocas secas ou molhadas, mingaus, papas, grudes etc.

Para onde quer que nos voltemos, enfim, em todo o Brasil, lá encontramos a mandioca, o ingrediente mais típico da nossa alimentação, pouco ou nada prestigiada nos estados que ocupam os primeiros lugares como os detentores das menos típicas cozinhas brasileiras, Rio de Janeiro e São Paulo. Quanto a este último, acredito que o prato típico paulista seja hoje a pizza, introduzida em nossa capital nos primeiros anos do século XX (desde 1984, o dia 10 de julho é o Dia da Pizza em São Paulo).

Através da mandioca, da sua trajetória no nosso período colonial e do que ainda temos dela em outros estados, vamos, sem dúvida, além da culinária. Aprendemos a conhecer melhor não só a grande diversidade da nossa alimentação, mas também e sobretudo a nossa história, a nossa cultura, as nossas tradições, tudo unido pelas influências indígena e negra, cujo ponto alto, com relação à primeira, é a mandioca. As duas guerras mundiais, no século XX, ocasionaram profundas transformações no que diz respeito à nossa alimentação. Grandes contingentes humanos vieram para o nosso país, trazendo seus hábitos alimentares, seus pratos, que acabaram por fazer parte de nosso cardápio. O rádio primeiro e depois a televisão, através da propaganda e de sua programação institucional (cursos, receitas etc.) aceleraram as mudanças, globalizando o paladar brasileiro. Hoje, não temos mais as nossas refeições como um rito social, que una, que congregue, que ponha em comum, que preserve tradições e que nos coloque historicamente num tempo e num lugar. Temos, ao invés, a preparação rapidíssima da comida, os alimentos supergelados, os enlatados, o forno de microondas, comemos em pé ou, então, pedimos a comida pelo telefone, vamos aos “shoppings”, às famigeradas praças de alimentação, insuportavelmente barulhentas. Nosso vocabulário mudou, falamos em delivery, em “fast food”, podemos conversar pelo celular e comer ao mesmo tempo, um enorme progresso, sem dúvida.

TAPIOCA
Palavras como mandioqueiro e tapioqueiro, usadas para designar o matuto do interior do Brasil, um pequeno lavrador de mandioca, são hoje desconhecidas. A primeira, mandioqueiro, sobrevive nos dicionários; a outra, tapioqueiro, já sumiu do nosso léxico, mas acabou ganhando uma sobrevida ao ser aplicada aos nordestinos que nas esquinas e feiras-livres em muitas cidades brasileiras fazem e vendem tapiocas com sabores novos: tapioca com leite condensado, com queijos variados, com goiabada etc.