AFRODITE E EROS ( DAVID TENIERS, 1610 - 1690 ) |
Contrariamente à aventura de Derceto, o mergulho de Eros e de Afrodite no mar constitui um ato de fé, uma manifestação de confiança na providência divina. Confiaram em algo que ignoravam e foram salvos. Ou, se quisermos, acreditaram e sobreviveram. Derceto não tinha fé em sua natureza de mulher nem na providência, ao contrário de Eros e de Afrodite, que se abandonaram a ela. Este duplo movimento é central no signo, cujos nativos, excedendo-se mesmo algumas vezes, se entregam ao Céu, à Providência, sem procurar conhecer melhor a realidade em que vivem. Complexo de fuga, escapismo? Procuram, por isso, muitas vezes, por todos os meios, subterfúgios e táticas, escapar do mundo real, contra toda lógica, toda evidência, razão pela qual acredito que fazem parte do signo de Peixes, nele coexistindo, toda a sabedoria e toda a inconsciência do mundo.
MULTIPLICAÇÃO DOS PEIXES E DOS PÃES ( ÍCONE ) |
TERTULIANO |
Se nos voltarmos para o novo testamento, veremos que os milagres de Cristo têm, na sua maioria, uma estreita ligação com os símbolos que encontramos no signo de Peixes. Comecemos pela água, elemento do signo, como já se explicou. Simbolicamente, a água é regeneração e, como tal, é um poder cósmico. Ela purifica e regenera: imergir na água é retornar às fontes, entrar em contacto com o seu imenso potencial renovador. Não é outra a finalidade do batismo: a água batismal apaga (lava) o pecado original e leva a um novo nascimento.
Nas escrituras cristãs, com o batismo de Cristo por João Batista começam os três anos do seu ministério. João Batista era um típico representante do signo de Aquário já que é através dele que é feita a ligação do homem com a consciência universal (Peixes). O rito do batismo não só purifica como simboliza a mudança que vai significar o abandono do ego pessoalmente orientado para a realização de um destino universal. Esta passagem é representada no evangelho de João por Cristo: Em verdade, em verdade, vos digo: quem não nascer de novo não poderá ver o reino de Deus.
NICODEMOS (BOM JESUS DE BRAGA |
O que temos aqui é uma ilustração da ideia da morte do ego. Morte que, libertando a alma, permite que ela retorne ao todo, que renasça em espírito. Morrer, nestes termos, implicaria assim a libertação do ego da prisão corpórea para que alma voltasse ao todo. Estas ideias, lembremos, expostas desta maneira, já estavam presentes, por exemplo, no mundo védico e na doutrina dos órficos.
Origem e veículo da vida, a água nas tradições orientais sempre significou sabedoria, graça e virtude, além de, como já se viu, símbolo de fertilidade e de fecundidade. Estes mesmos temas são encontrados no Corão e na tradição judaico-cristã, nas quais, perto de fontes e poços, é que se dão os “encontros essenciais”. No Gênese, “o sopro de Deus de Deus cobria a superfície das águas.” Se as águas calmas, na Bíblia, significam paz e ordem, a água que fecunda as terras, mas que alaga e afoga, é “fonte de morte”. As “grandes águas”, como está na Bíblia são sempre sinônimo de grandes provações; o descontrole das águas é anúncio de calamidades.
PESCA MILAGROSA ( PETER PAUL RUBENS , 1557 - 1640 ) |
Depois de ser batizado por João Batista, Jesus passou a procurar homens que pudessem ajudá-lo a propagar a sua doutrina. Escolheu doze discípulos entres os pescadores e lhes disse: Não tenhais medo! Doravante sereis pescadores de homens, com está em Lucas. Na tradição cristã, o pescador é aquele que captura as almas, o prosélito. No judaísmo, prosélito era o indivíduo recém-convertido. O pescador era o catequista (catequese: ação de instruir oralmente), o apóstolo (o enviado). Os peixes eram os infiéis a converter. Na psicanálise, lembro, a “pescaria” é usada na técnica da livre-associação, método privilegiado de investigação do inconsciente. O paciente deve exprimir todos os seus pensamentos, ideias, imagens e emoções, tais como se apresentam a ele, sem seleção e restrição, mesmo que tal material lhe pareça incoerente, impudico, impertinente ou desprovido de interesse. Tais associações podem
ser induzidas por uma palavra, um elemento de sonho ou qualquer outro objeto de pensamento espontâneo. O terapeuta, bem treinado, mestre na sua arte, “pescará” então nesse mar de palavras aquilo que lhe parecer mais interessante. Para isso, simbolicamente, estará usando o tridente de Poseidon, instrumento de pesca juntamente com a rede, símbolo astrológico do planeta Netuno, regente do signo de Peixes.
TRIDENTE |
JESUS ANDANDO SOBRE O MAR ( GUSTAVO DORÉ , 1832 - 1883 ) |
Ora, parece-me que esta passagem bíblica, escoimada do maravilhoso, que é comum neste tipo de literatura, tinha (tem) uma mensagem clara: o homem deve se situar acima das suas emoções, das suas superstições, das suas fobias, dos seus medos. Isto é, deve “andar sobre a água” para se tornar um mestre de si mesmo, um discurso muito semelhante ao que encontramos em Buda, no Taoísmo, no Budismo Zen e em outras tradições. O corpo emocional mais o corpo físico e o corpo do mental inferior, como nos revelaram os mestres védicos há muito tempo, são responsáveis pela nossa perda de liberdade. Podem nos escravizar, impedindo-nos de agir livremente.
SIGMUND FREUD |
LAIO E CRISIPO ( CERÂMICA ANTIGA GREGA ) |
JOCASTA (LILLAH MAC CARTHY,1875-1960 |
Dentre as várias versões que temos sobre o que aconteceu depois do nascimento da criança, ficamos com a da sua exposição. Com os pés fortemente atados e, segundo outros, também com os calcanhares perfurados, por onde se passou um fio para pendurá-la numa árvore, a criança, com poucos dias de vida, foi abandonada, exposta, no alto do monte Citeron. Pastores que andavam pela montanha ouviram o choro da criança; recolhem-na e a entregam aos reis de Corinto, que não tinham filhos, recebendo ela o nome de Édipo e sendo educada na corte como um jovem príncipe, forte, belo, orgulhoso, de temperamento colérico, apesar dos seus pés “problemáticos”, sem ter a mínima noção de sua origem, dele escondida.
ÉDIPO MATA LAIO |
ÉDIPO E A ESFINGE ( G. MOREAU, 1826 - 1898 ) |
Édipo resolve enfrentar o terrível monstro. Não só decifrou o enigma como o matou. O prêmio para quem matasse o monstro era a mão da rainha Jocasta, ainda muito jovem e bela. Assim aconteceu, o grande herói uniu-se à rainha e viveram felizes por uns tempos, nascendo quatro filhos dessa união, Etéocles, Polinice, Antígone e Ismene, segundo os trágicos gregos.
TIRÉSIAS (J.H.FÜSSLI,1741-1825) |
IRÍNIAS (GUSTAVE DORÉ, 1832-1883) |
FILME DE PASOLINI |
Na astrologia, como se disse, os pés constituem a zona pisciana do corpo humano. Numa analogia evolucionista, os pés, não se pode esquecer, foram um dia barbatanas. É bom lembrar, quanto a este particular, que ainda não aprendemos a fazer essa relação, barbatanas-pés, algo que nos permitiria entender bem melhor a nossa origem marinha.
Os pés, já em antigas tradições, estavam simbolicamente ligados à alma, ou melhor, ao destino que a alma devia suportar. Os pés, com seu movimento ambivalente, alternativamente movimentados, impostos ao chão e dele nos retirando, são, ao mesmo tempo, um símbolo de poder, de partida e de chegada, de comando, como também de apoio, de suporte e de humildade, pois são eles que afinal sustentam tudo que está acima deles, mantendo contacto com a terra, com o chão, de onde o homem sempre procurou se afastar orgulhosamente. Assim como a terra simbolicamente se opõe ao céu, os pés de opõem à cabeça.
É neste sentido que os pés representam um princípio passivo, pois entram contacto direto com a Grande-Mãe, o aspecto feminino, oposto ao princípio masculino da manifestação. Ao deixar marcas nos caminhos trilhados, marcas boas ou más, lembranças de uma passagem, os pés significam também livre-arbítrio. É por isto que a cabeça nada pode sem os pés; ambos precisam trabalhar juntos, o que nunca aconteceu com Édipo. Estas ideias explicam em parte
alguns ritos de purificação associados aos pés, lavá-los para lembrar que eles devem sempre nos conduzir para longe dos caminhos do erro. Além do mais, como sabemos, a lavagem dos pés, como a encontramos em muitas tradições religiosas, vai muito além de um ritual que simboliza gentileza para com os hóspedes ou a submissão humilde e recíproca entre os apóstolos e ministros de Cristo.
CERIMÔNIA DE LAVA - PÉS |
Com efeito, no primeiro livro de Samuel (cap. XXV) se relata que Abigail (personagem bíblica, a bela viúva do rico Nabal) se dispôs a lavar os pés dos emissários do rei David. Eles a procuraram para lhe dizer do grande desejo de David, que ele a queria como sua segunda esposa (o que de fato aconteceu). No evangelho de João (cap. XIII) encontramos: Jesus lançou água numa bacia e começou
a lavar os pés de seus discípulos e a limpá-los com a toalha com que os estava cingindo. Entre os muçulmanos encontramos, no capítulo das abluções, a descrição do ato de purificação elo qual o crente deixa o universo profano para entrar no sagrado. Esse ato consiste numa série de lavagens ritualizadas que compreendem as mãos, os braços, os cotovelos (antebraços), o rosto e os pés.
ENTRADA DE MESQUITA |