quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

O QUATRO, A CRUZ E A ENCRUZILHADA.


Um número é a expressão gráfica de uma quantidade, contagem, ordenação. Relação entre a unidade e seus submúltiplos e múltiplos. É ritmo de um período. É singular e plural. A ciência dos números é a base da Gnose (conhecimento), diziam os antigos gregos. O verdadeiro conhecimento era, nessa perspectiva, ao mesmo tempo ciência e iluminação interior. Desde tempos imemoriais, a ciência dos números permanece a mesma. Pitágoras falava que os números não eram abstrações, mas virtudes intrínsecas do um, as forças ativas da divindade no universo. Com base nos números, o mestre grego elaborou uma teogonia.

Os hindus explicam a criação pela passagem do zero ao um, o primeiro germe do ser. O zero, indefinido, contém em potência

todas as possibilidades do ser, infinitas possibilidades. O um, matematicamente, é igual ao produto do zero pelo infinito, isto é, do nada pelo todo. A diversidade e a multiplicidade procedem da divisão da unidade. A palavra número vem do grego (némô), dividir, partilhar, distribuir.

O movimento do um ao múltiplo corresponde à dinâmica da criação, uma involução do ponto de vista espiritual, evolução do ponto de vista material. O movimento do múltiplo ao uno corresponde à reintegração. Os pensadores védicos expressaram tudo isto através de conceitos religiosos. A passagem do Brahman, o Uno, ao universo, à multiplicidade, é o que eles chamavam (chamam) de criação. O que foi criado se mantém por uns tempos e depois desaparece, reintegrando-se ao Uno. A criação é conduzida por Brahma, a conservação por Vishnu e a destruição por Shiva, as três pessoas da trimurti (três aspectos) hinduísta. 


TRIMURTI
O Uno, embora considerado como a Verdade, dizem os mestres hindus, torna-se multiplicidade na consciência de cada ser humano. Isto se deve ao fato, prosseguem, de que tudo o que entra na
DVANDVA
existência é dvandva, fica sujeito ao fenômeno da polaridade. Daí, todas as noções que o homem possa ter em sua experiência quotidiana serem percebidas e formuladas através desse jogo entre opostos. Não é possível imaginar a luz sem se pensar nas trevas, admitir o bem sem considerar o mal. Vivemos num mundo de polaridades: vida e morte, eu e não-eu (o outro), causa e efeito.Todas as noções têm um caráter relativo. Teoricamente, isto quer dizer que, no plano da experiência humana, nada é
ISHVARA
absolutamente verdadeiro

 e depende da individualidade de cada pessoa, do ponto de vista (da situação) em que ela se coloca para dar a sua opinião. Foi por esta razão, aliás, que os hinduístas, embora pensando no Brahman, criaram a noção de Ishvara, de um Deus individual, pessoal. A isto eles chamam viver no relativo, mas com os olhos voltados para o Absoluto.  

A vida transcorre entre o infinitamente grande e o infinitamente pequeno. Os números infinitesimais, por exemplo, tentam ser uma expressão do infinitamente pequeno. Entre as partículas
GALÁXIA
elementares do átomo, o méson pi, por exemplo, tem uma duração de 10 à décima sexta potência negativa do segundo. Na Conferência Geral de Pesos e Medidas (1960), foi criado o nano, simbolizado por n, do grego nanos, anão, de excessiva pequenez, para representar o milésimo milionésimo de alguma coisa. Quanto ao infinitamente grande, falam alguns astrofísicos que há no universo 100 bilhões de estrelas em nossa galáxia ou mais, 100 bilhões de nebulosas e que com os meios atuais talvez só possamos observar cerca de 500 milhões delas.

Foi por isso que se criaram os números transfinitos, que representam não só quantidades, mas qualidades absolutas. Os números transfinitos são metafísicos. A ideia aqui é a de que o universo não se limita ao mundo físico, que há realidades não físicas (ainda um escândalo para muitos “homens da ciência”). 


Com os números transfinitos será possível “contar” o Todo, o Absoluto, do qual nada se tira ou ao qual nada se acrescenta, pois
ele permanece sempre igual a si mesmo, se auto-regenerando (as escolas de filosofia da Índia começaram a falar disto por volta de 2.000 aC). Para se ter uma ideia desses números fantásticos, uma história: um rei resolveu recompensar um sábio que lhe ensinou o jogo do xadrez. O sábio pediu então humildemente que o rei mandasse que fossem colocados um grão de trigo na primeira casa do tabuleiro, dois na segunda casa, quatro na terceira e assim por diante, dobrando-se o número a cada casa. O rei, a princípio, achou ridículo o pedido do sábio. Logo, porém, entrou em pânico quando viu que o crescimento dos grãos de trigo se fazia segundo uma progressão geométrica. Para atender ao pedido do sábio teria que praticamente entregar-lhe o seu reino.
 
   
Dizem as antigas tradições que o quatro é o universo revelado, isto é, Deus se expressando na multiplicidade, o espírito em atividade. Por isso, completam, o nome de Deus tem quatro letras. O ponto de partida para este entendimento está no três (manifestação, criação e revelação), número do espírito. O quatro,símbolo do universo criado, material, é o número de qualquer construção feita para durar. O mundo material é criado a partir dos quatro elementos, fogo, terra, ar e água. Os elementos são constituídos pelas quatro qualidades primitivas, quente e seco, frio e úmido. Quatro são as formas de irradiação da energia no cosmos, radiante, expansiva, fluente e coesiva, relacionadas, respectivamente, com o fogo, o ar, a água e a terra. 

A esfinge egípcia é tetramorfa, cabeça humana, asas de águia, flancos de touro e membros de leão. A aritmética tem quatro operações básicas. A Lua tem quatro fases; o ano tem quatro estações; temos quatro livros nos Vedas e quatro evangelhos no Cristianismo; Buda fala nas quatro nobres verdades; no Apocalipse são mencionados quatro cavaleiros; na mitologia grega temos os quatro ventos principais; na medicina primitiva e na Astrologia temos os quatro temperamentos;  os  grandes profetas do Antigo Testamento são quatro; a Igreja católica tem quatro grandes doutores; a divisa dos alquimistas tinha quatro itens. Na antiga China, o palácio imperial
QUATRO TESOUROS
tinha quatro grandes portões, o reino era cercado por quatro grandes montanhas, as quatro artes eram simbolizadas pelo livro, pela pintura, por um instrumento musical e pelo tabuleiro de xadrez; os quatro tesouros do estudante eram o tinteiro, a tinta, o pincel e o papel, quatro eram as cordas a serem percutidas na vida diária: incorruptibilidade, modéstia, dever e adequada observância do cerimonial. A Cabala fala de quatro mundos nos quais se inscrevem os dez sefirotes, que têm um sentido de enumeração (emanação divina descendente).
 
A cruz, em todas as tradições religiosas sempre simbolizou a
harmonia entre Deus e a Terra. É um dos símbolos fundamentais do homem, ao lado do círculo, do quadrado e do centro. Ela representa a nossa orientação espacial, as duas dualidades (norte-sul, leste-oeste) a que estamos submetidos. No Zodíaco, a cruz está nos eixos equinociais e solsticiais, isto é, Áries-Libra e Câncer-Capricórnio. Ela representa, assim, tanto a vida material como todas as possibilidades de relações que nela podem ser estabelecidas. Ao se abrir para o espaço, a cruz divide o círculo em quatro partes, ordenando o espaço. 

O centro da cruz é o lugar de convergência, ponto de equilíbrio, lugar de cruzamento, dando-nos a ideia de eixo, lugar de irradiação de onde parte o movimento do Uno em direção do múltiplo. O centro   é   ponto  de   irradiação  e   de  convergência  de  todos  os
processos de emanação. No  centro  não  há  mudanças,  ali  o   tempo não transcorre. O centro se confunde com o omphalos, o umbigo, como o encontramos no papel que o Oráculo de Delphos desempenhou na vida religiosa, política, social, econômica e individual na Grécia antiga. Nos tempos pré-históricos, o centro, o omphalos, era representado pelas Grandes-Mães obesas, princípio da vida e da morte.

GRANDE MÃE

 O centro é fundamental, primordial, essencial. É o ponto em relação ao qual equidistam os pontos da circunferência. Como símbolo da ordem, é dele que emana a lei organizadora; num nível superior, ele é cultura e vida espiritual. Em grego, kentrum, centro, é aguilhão, ponta do compasso, nó. O centro é o ponto em torno do qual se fazem circunvoluções (Borobodur, Meca, Hardwar, Jerusalém etc.). A busca do centro simboliza para o peregrino a busca do seu centro interior. É, num certo sentido, a passagem do profano ao sagrado, do efêmero e ilusório à eternidade, da morte à vida, do humano ao divino. O acesso ao centro consagra (sagrar aqui é colocar-se a serviço de Deus), equivale a uma iniciação. Chegar ao centro é entrar numa existência real.


BOROBUDUR
 Em fins do século XVIII, com a descoberta do planeta Urano, a noção de centro, para a humanidade, foi se enfraquecendo cada vez mais. Como regente do signo de Aquário, Urano se opõe ao Sol, que rege Leão o signo oposto. Ideias de centro em torno do qual as coisas deveriam se organizar começaram a ser postas abaixo. A
DECAPITAÇÃO DE LUÍS XVI
começar pela ideia mais forte, a da realeza; os reis, que deviam assegurar o equilíbrio do mundo, como síntese da sociedade inteira, tiveram as suas cabeças decapitadas ou foram hipocritamente mantidos em jaulas douradas. Nasceu, por essa época, o individualismo moderno; a noção de sociedade e de alguém que a representasse para garantir a continuidade do movimento do Uno em direção do múltiplo se perdeu pela diluição do poder central. Na arte, na música, como um exemplo muito significativo, apareceram o dodecafonismo, a música aleatória etc. A ideia do atonalismo se impôs, isto é, a de música sem tonalidade definida. Tonalidade é sistema de relações hierárquicas entre notas e harmonias em função da tônica, de uma matriz, de um centro..

A cruz, em muitas tradições iniciáticas, simboliza a realização do homem integral ao indicar a capacidade metafísica do seu espaço interior nos sentidos: 1) vertical, o da exaltação, representado pela cruz alta ou cruz latina; 2) horizontal, o da amplitude, representado pela cruz grega; 3) espacial, o da luz, o do chrisme (monograma de Cristo) ou cruz espacial; 4) temporal, o da sonoridade, da suástica.



Especial referência merece a chamada cruz suástica muito usada como símbolo religioso, mas aparecendo também como amuleto, decoração, arte funerária (Idade do Bronze), marca comercial, estampada em moedas e, mais recentemente, como símbolo político. Esta cruz é também chamada de gamada, por lembrarem os seus braços a letra gama, grega. Como símbolo religioso foi usada com os braços voltados para direita ou para a esquerda, podendo ser recurvas as suas extremidades. Entre os brâmanes e budistas representava a felicidade e a boa sorte. Com os braços voltados para a direita, a cruz gamada foi adotada como emblema oficial do terceiro Reich e do Partido Nacional Socialista Alemão, simbolizando o Nazismo. Em sânscrito, svastika quer dizer boa sorte, bom agouro, derivando-se a palavra de svasti, salve! No Nazismo, a suástica aparecia em negro sobre um fundo branco, encimado o emblema por uma águia.


WAN TSU EM ANTIGA PORCELANA CHINESA
Encontrada em diferentes culturas, tanto no Velho como no Novo Mundo, a suástica sugere um movimento circular, dinâmico, como a recorrência das estações do ano. Há vários documentos que registram o seu aparecimento nas antigas cidades do vale do Indus (3.000 aC). Na China, a suástica (wan tsu), pelo menos desde de 700 aC, está associada ao número 10.000, símbolo de infinito para os chineses. No Budismo aparece como uma das marcas do Iluminado. No Tibet, está associada a cruz suástica também à boa fortuna, servindo de talismã. No Jainismo, os seus quatro braços representam os quatro níveis da existência (o mundo dos deuses, o dos humanos, o dos animais e o mundo subterrâneo). O símbolo também aparece com frequência em culturas pré-colombianas. A suástica foi familiar tanto às culturas do oriente como às das Américas, passando-se pela Europa (Mediterrâneo), indicando alguns pesquisadores que ela já teria sido usada pelos Atlantes. Qualquer que seja a leitura, a suástica sempre indica uma rotação em torno de um centro, de um polo. Como tal, é ação, movimento, turbilhão criativo, manifestação e regeneração perpétua. A suástica foi também muito usada primitivamente por cristãos nas catacumbas.

CHAKRAS
Sob o ponto de vista espiritual, a suástica se relaciona com a roda no Hinduísmo na medida em que aponta para um devenir, para uma criação contínua, implícita na contingência, no perecível. Aproxima-se a suástica do chakra, da roda, do disco, atributos do deus Vishnu. No Budismo, encontramos a Roda da Lei (Dharmachakra), a própria doutrina budista. Na Índia, procura-se definir a que gênero pertence a suástica: quando os braços estão voltados para a direita é feminina, quando voltados para a esquerda é masculina. Muito usada para representar as divindades redentoras ou salvadoras da humanidade (Cristo, Buda, Vishnu etc.), a suástica tem relação com o mundo material em ação, desenvolvimento do universo criado. O sentido do giro é importante; se ele é direto, astronômico, cósmico, a suástica está ligada ao transcendente. Se no sentido inverso, dos ponteiros de um relógio, a suástica indicará a tendência de se introduzir o infinito e sagrado no finito, no temporal. Este último é o sentido da suástica adotada pelos nazistas. 


FOTO  DE  MARTIN  LIEBERMANN  -  www.martin-liebermann.de


             Intimamente relacionada com a cruz temos a encruzilhada, 

onde os caminhos se cruzam, o chamado quadrivius ou  quattuor via dos latinos, lugar de aparições e de invocações em todas as culturas. A encruzilhada é um lugar onde paramos, refletimos, para decidir quanto ao caminho a ser tomado. É um lugar de reflexão; conforme a decisão tomada, vamos de uma situação para outra, podemos mudar o nosso destino. Em todas as culturas encontramos também a ideia de que nas encruzilhadas aparecem gênios, espectros, fantasmas, criaturas do outro mundo, monstros, animais fabulosos, que nos amedrontam, que nos testam, submetendo-nos às provas das passagens. 

As encruzilhadas são sempre marcadas: um monte de pedras, estátuas, imagens, cruzes, pequenos altares, capelas. Ali, depositamos as nossas oferendas para atrair a proteção dos seres que guardam as
passagens. Eles nos provocam: fugimos apavorados, sucumbimos, somos devorados, “morremos”, isto é, não decidimos, não mudamos o nosso caminho, abandonamos a luta, ou nos tornamos heróis, vencendo-os (inimigos externos) e superando os nossos inimigos internos, as forças irracionais que carregamos conosco, geradoras de angústia, de derrotismo, de saudosismo, do apelo das origens, de complexos que nos inibem (complexos de Orfeu, de  Hamlet, de Isaac etc), impedindo a nossa passagem.

Na Mitologia grega, as encruzilhadas são governadas por duas divindades, Hermes e Hécate. O nome do deus vem de herma, em
HERMES ITIFÁLICO
grego pilastra, monte de pedras, às vezes uma imagem itifálica, lugar onde os viajantes paravam e o homenageavam. Hermes é o deus dos caminhos, protetor dos viajantes, dos vendedores ambulantes que se perdiam nas estradas. As pedras lançadas pelos viajantes formavam o hermaion, uma forma de invocar a proteção do deus para que se fizessem descobertas felizes, se tomasse o caminho certo, se obtivesse o lucro inesperado. Hermes representa, de modo objetivo, todas as informações que podemos obter, provenientes não só dos quatro cantos do horizonte, dos quatro pontos cardeais, mas, também, de todos os níveis da existência. Os nomes gregos da encruzilhada nos remetem às ideias aqui expostas: syndromos ou anfiodos.

O poder sobre as encruzilhadas era dividido por Hermes com a deusa Hécate (etimologicamente, a que fere de longe,
HÉCATE
especialmente através da memória, de lembranças etc.), deusa lunar e ctônica. Ela tanto proporciona prosperidade, favorece a navegação, traz a vitória nas batalhas, abundância nas colheitas e nas redes, eloquência nas assembleias, como pode, como divindade dos espectros noturnos, dos fantasmas, das aparições alarmantes, do inferno do psiquismo, destruir e matar. Ela aparece nas encruzilhadas quando da Lua nova. Hécate, aliás, simboliza as três fases visíveis da Lua, ligadas aos três momentos da evolução vital, crescente, cheia e minguante. É representada nas encruzilhadas por uma figura feminina de três faces, é a deusa trívia, deusa da magia, dos encantamentos e dos filtros amorosos. Na noite em que sobe à Terra (vive no Hades) posta-se nas encruzilhadas, lugar de sortilégios, de encantamentos, sempre acompanhada de animais que simbolizam a fertilidade, lobas, cadelas, mulas, etc. É homenageada nas encruzilhas com oferendas de alimentos, principalmente os de cor avermelhada.

Os romanos tinham por hábito dar aos lugares e edifícios públicos,
LARES
praças, caminhos importantes (vias), encruzilhadas, divindades protetoras. Esses deuses eram chamados de Lares. Em tempos muito remotos, na história de Roma, os Lares eram os espíritos dos mortos, espectros. A tradição desses deuses protetores veio do costume de, na ocorrência da morte de um familiar, se enterrar o corpo ao lado das casas, numa via próxima. Liberto do corpo, o espírito permanecia no lugar, como entidade protetora, sendo venerada como gênio favorável e propício.

Com o tempo, fixou-se uma distinção: os espíritos de criminosos ou de pessoas que haviam tido um fim trágico receberam o nome de Larvas ou Lêmures Ao invés de proteger, atormentavam os vivos, sendo inclusive responsáveis por transtornos mentais, perturbações
LEMURÁLIAS
psíquicas de toda ordem. A palavra Lêmure vem do grego lamyros, voraz, guloso. Havia em Roma uma festa famosa para apaziguar estes espíritos noturnos, eram as Lemurálias (9, 11 e 13 de maio), dias considerados nefasti, perigosos, pois os mortos retornavam à vida para atormentar os vivos. Eram as almas insatisfeitas que podiam inclusive arrastar consigo algum vivo para o reino dos mortos. Nessas noites, o chefe da casa se levantava à meia-noite, percorria descalço a casa inteira, espantando-as. Fora das casas, nos logradouros públicos, as Larvas, representadas na forma de esqueletos e fantasmas, eram afastadas por exorcistas profissionais. 

A designação de Lares fixou-se só para os espíritos protetores. Distinguiam-se vários tipos de Lares, domésticos, familiares, públicos etc. Os domésticos, por exemplo, tinham uma imagem perto do fogão da casa, cercada sempre de muito cuidado, junto dela se depositando flores, fazendo-se preces. Há registros de que os Lares eram muitas vezes repreendidos quando uma pessoa querida, que não estava “pronta” para morrer, falecia. Os Lares eram então acusados de desleixo, de se terem deixado surpreender pela ação das entidades maléficas.

No Candomblé, religião africana estabelecida no continente americano com diversas expressões, o nome de espírito de morto,
EGUM
de um modo geral, é Egum. O termo, contudo, é mais usado para designar o espírito do ancestral já posicionado no mundo astral, devidamente controlado, doutrinado, mediante determinados rituais, que se manifesta como entidade protetora dos seus descendentes e dos grupos ao qual pertenceu. São consultados e recebem oferendas. Se dos Orixás (divindades) depende o universo, dos Eguns depende a vida social, a organização dos grupos humanos, as famílias. Nos terreiros (templos) onde atuam recebem o nome de Baba Egun, Pai Egun.

No Candomblé, Exu, dentre outros atributos que possui, é a grande divindade das encruzilhadas; é chamado de “o Homem das Encruzilhadas”, mensageiro dos Orixás, guardião dos limites.    Seu

habitat natural é a encruzilhada de ruas ou estradas, sendo necessário “despachar” para obter os seus favores. Tanto pode ajudar como pode prejudicar; é o veículo do castigo dos Orixás. É o portador do vermelho, só ele sendo capaz de dominar as forças descontroladas. É senhor dos horários, sendo o mais propício a meia-noite (dono da cor negra), a fronteira entre o dia a noite. Foi por essa razão satanizado pelos brancos e negros ignorantes no Brasil colonial que o viram como o Diabo. Exu é o único Orixá que tem trânsito livre entre as nove partes que compõem o mundo visível e invisível. O negro é de Exu na medida em que ele representa todo o culto em potência, indistinto, simbolizando o vermelho a cor dinamizadora que “tira” do negro, propiciando a manifestação. O ebó, termo que designa as oferendas em geral feitas aos Orixás, é mais comumente aplicado ao despacho que se faz na encruzilhada para convocar Exu para o bem ou para o mal. Exu aceita todos os pratos em seu assentamento. Suas filhas (devotas dedicadas ao seu culto) usam o vermelho e o negro nos vestidos, saias e contas.


EBÓ
Exu é o grande intermediário entre os quatro elementos primordiais, dono da magia (força) que liga as quatro partes cosmos e divindade tutelar das forças caóticas, estendendo-se sua ação ao reino dos mortos, abrindo e fechando as portas e vigiando o ciclo das encarnações. O seu poder de ligar tudo pode se voltar para o contrário, desligar, e, como tal, é o dono da magia negra. É nas encruzilhadas que sua força se manifesta com maior intensidade, de onde pode ligar todas as direções, ao horizontal e ao vertical, o alto e o baixo. Exu é o número ímpar, pois o par representa a imobilidade. Assim, todo dinamismo vem dele ao romper o imóvel, imprimindo o movimento, permitindo, assim, que Xangô execute a justiça com o seu raio. Laraoiê, Exu!