quinta-feira, 31 de março de 2011

DOS FENÔMENOS DA VIDA AFETIVA


ACHEGAS PARA UM MELHOR ENTENDIMENTO DO TEMA
DA PAIXÃO NA ASTROLOGIA


Em Astrologia, quando nos referimos à paixão, pensamos geralmente no planeta Vênus posicionado em determinados signos, nos de fogo, Áries, por exemplo, ou nos fixos, no eixo Touro-Escorpião ou ainda quando em aspecto com alguns planetas, com Plutão ou Marte. São várias as possibilidades, como se sabe, pelas quais Vênus pode se envolver com o passional. Desde a antiguidade, Vênus, como estrela matutina ou vespertina, sempre falou aos seres humanos de afetos, de amor, de paixões e de obsessões. É de Vênus mais ligado a estes dois últimos níveis de sentimento que me ocuparei nesta palestra.



Fazem parte do mundo venusiano, dentre outras características, a sensualidade, a sensibilidade, a atração, a sedução, o impulso na direção do prazer, a reciprocidade, a concordância, a harmonia, a alegria, o encanto, a graça, a beleza. Vênus pertence a uma família etimológica que nos vem do indo-europeu, de onde saem palavras como paixão, desejo, sedução e também veneno. Lembro também que “vivem” no signo de Touro ou de Libra muitas divindades e personagens da mitologia grega, Themis, as Cárites, as Horas, as Musas etc., que alargam bastante o universo semântico de Vênus. Neste trabalho, procurarei apresentar algumas achegas filosóficas e psicológicas que, acredito, poderão nos ajudar de algum modo a ampliar o nosso entendimento sobre o tema da paixão na Astrologia.

A palavra paixão tem uma história muito antiga. Entre os antigos gregos, pathos e pathema eram termos que designavam tudo o que afetava o corpo e a alma de modo benéfico ou maléfico. Algo experimentado, sofrido, algo passivo. A pessoa vitimada pela paixão ficava à mercê dela. Pathema era todo acontecimento que sobreviesse: uma doença, uma aflição, uma emoção. Era o estado do corpo sujeito a estas influências, que podiam gerar inclusive depressões físicas ou morais. Platão usava o termo epithymia para designar aquilo que submetia o ser humano, o desejo de algo, fosse o de comer, de beber ou de possuir algum bem, um objeto ou uma pessoa.


Neste termo que Platão usava encontramos a palavra thymos, com a qual os gregos designavam a alma como princípio da vontade, da inteligência, dos sentidos e das paixões. Ou seja, sentimentos e vontade interligados. A sede destes sentimentos estava no centro do peito, mais exatamente na glândula timo. Para os hindus, no Yoga, é o chamado anahata (não percutido), chakra situado na região cardíaca do corpo humano, situado entre os três chakras inferiores e os três superiores. Na Astrologia, como se sabe, este centro é governado pelo planeta Vênus.

Para Aristóteles, filósofo grego, a paixão era tudo o que acontecia com relação àquele que a sofria e ação com relação àquele que a provocava. Paciente e agente. Cícero, grande mestre do mundo latino, falou da paixão como perturbação da alma. Apuleio (séc. II) usará affectus (afeto) no mesmo sentido. Santo Agostinho (séc. IV) verá como sinônimos paixão e libido, procura instintiva do prazer.


Cada um destes termos usados para designar a paixão contribui com uma tonalidade diferente, enriquecendo o campo semântico da palavra, dando-lhe muitas nuances: sofrimento, infelicidade, doença, desejo, comoção, concupiscência. De um modo geral, todos entendem que o tema da paixão se inscreve no campo dos fenômenos passivos da alma. Um movimento da alma que, tocada pelo prazer ou pela dor, sentida ou imaginada, diante de alguma coisa, um objeto, uma pessoa, faz com que os busquemos ou deles nos afastemos.

Na tragédia grega, sobressai-se, dentre todos, quando falamos da paixão, Eurípedes, o último dos grandes trágicos gregos. Fixou ele para nós figuras femininas nas quais a paixão elimina qualquer apelo racional.


Um de seus grandes modelos é, sem dúvida, Medeia (em quem paixão e razão coexistem), que atualizou simbolicamente um dos vários papéis arquetípicos que Afrodite (Vênus, na Astrologia) pode desempenhar, no caso o da destruidora de homens, a chamada Afrodite Androphona, literalmente a “assassina de homens”.

Por trás de várias figuras da paixão que a arte pôs em circulação, encontramos essa Afrodite Androphona, um dos vários arquétipos da deusa, atualizado ao longo da história do homem por símbolos, segundo uma velha lei da vida psíquica. A Afrodite Androphona é “atualizada” simbolicamente por grandes figuras da paixão. Uma Vênus “problemática” em muitos mapas astrológicos poderá ser a tradução desses símbolos. Como grandes figuras da paixão, encontradas em muitos mitos e histórias, lembramos de Lilith, Medeia, Fedra, Carmen, as vampes da literatura e do cinema de todos os tempos. Atrizes que tão bem incorporam o arquétipo no cinema, Theda Bara, Louise Brooks, Nita Naldi, Pola Negri, Marlene Dietrich, Heddy Lamar, Ava Gardner, Angelica Huston, Cassandra Peterson e outras.


A Afrodite Androphona (a Vênus da paixão destruidora de homens), lembramos, vem sendo atualizada pelos meios de comunicação através de vários tipos (clichês), já perfeitamente identificados e fixados: Lolitas, Ninfetas, Mulheres Fatais, Vampes ou Loiras Burras são revestimentos simbólicos postos em circulação do arquétipo Afrodite (Vênus) como “matadora de homens”. Personagens como a Rainha de Sabá, Cleópatra, Salomé, Betsabá, Dalila, Lucrécia Bórgia, Mata Hari são outros exemplos.

Os americanos, desde os tempos do cinema mudo, puseram em circulação o termo waif (gamine, em francês), exportando-o, para designar um estereótipo feminino caracterizado por mulheres de aparência infantil, aparentemente frágeis, que parecem “pedir” proteção, mas ocultando por trás delas muita malícia, nocividade e perniciosidade como dominadoras de homens. Eram perigosas, sedutoras, sexualmente estimulantes. Mary Pickford e Lilian Gish são exemplos que nos vêm do cinema mudo. O termo foi muito usado nos anos 1960 e aplicado principalmente a Audrey Hepburn (Sabrina).


O grande arquétipo mítico da Waif ou da Ninfeta é, sem dúvida, Kóre, a jovem filha da deusa Deméter, profundamente sedutora, raptada (?) pelo deus do Infernos, Hades. Aliás, nessa história de Hades e de Kóre, como a entendo, não dá para se saber até hoje ao certo quem raptou quem...

Na Psicologia moderna, a paixão é uma tendência de maior ou menor duração, acompanhada de estados afetivos e intelectuais, particularmente de imagens muito poderosas que acabam por se impor, dominando a vida de uma pessoa, pela sua intensidade e permanência. A paixão é uma inclinação que, instalando-se, torna-se o centro de tudo, a ela se subordinando todas as demais.

Uma tendência pode se tornar intensa de dois modos: a) em consequência da derrota (anulação) da razão e da vontade (caso do alcoólatra); b) porque ela é julgada boa e, por isso, cultivada, voluntariamente (caso do sábio, da sua paixão pela verdade). De um modo geral, a palavra paixão é usada mais para o primeiro caso, no qual há verdadeiramente a passividade. É encontrada também, menos, no segundo caso: amor à arte, a um esporte.



A palavra paixão sugere uma ideia de cegueira com relação a tudo o que não seja ela. Não vemos outra coisa senão ela. Mesmo no caso de uma paixão ratificada pela razão, somos levados, tomados por ela, não vemos nada além dela. Muitos estudiosos ressaltam que a paixão paralisa a ação normal da razão (Hermes, Mercúrio) sobre a nossa conduta e impede a determinação da vontade ( Sol).

O passional se define antes de mais nada por uma oposição ao racional, ao lógico. É a oposição pathos x logos, astrologicamente, se quisermos, Vênus-Mercúrio (uma polaridade a ser sempre examinada). Este último, Mercúrio, como se sabe, liga-se (ou deve se ligar) à razão, à ordem, à harmonia, à clareza, à vida, à universalidade. Pathos é o contrário de tudo isto; lembra irracionalidade, desordem, desarmonia, obscuridade, particularidade, doença, loucura, morte. Neste sentido é que podemos falar talvez de paixões obscuras e de paixões claras. Entre as primeiras, impondo-se o lado escuro de Vênus, alinhamos, por exemplo, a cobiça, a avareza, a inveja, que podem conduzir ao crime. A fatalidade e a tragédia são das Vênus “negras”, a Vênus de Fedra, por exemplo. Já uma Vênus “luminosa” nos falará de alegria, de esperança ou mesmo de felicidade. Espinosa, que faz da alegria e da tristeza os eixos de sua Ética, dizia que a paixão se torna alegre quando esclarecida pela razão.


A Filosofia e a Moral, que da outra faz parte, sempre procuraram definir os dois campos acima como os apresentamos. Para Platão, as paixões são sempre terríveis, ameaçam a alma de desordem. O eu racional superior pode ser atacado pela epithymia. Há sempre, pois, que vigiar as paixões, pois, vitoriosas, impondo-se, desagregam a nossa personalidade. Os estoicos consideravam as paixões não só commotiones animi, mas, sobretudo, como perturbationes animi. Eram como que doenças da alma que perturbavam totalmente a sua relação natural com a ordem cósmica. As paixões têm um dinamismo próprio, ao qual a razão só pode se opor exteriormente. De um modo geral, levados pela paixão, contrariamos o que é racional, fonte em nós da organização do mundo.

O poder das paixões, quaisquer que sejam elas, sempre foi considerado como algo condenável. A Religião e a Medicina, lembro, são grandes inimigas das paixões. A razão maior desta condenação está certamente no fato de que a paixão atribui um grande valor (às vezes uma ideia de absoluto, nos estados obsessivos) ao que é pessoal, afastando o ser humano de sua dimensão moral, impedindo-o de se harmonizar com o que está fora ou além dele. É por essa razão que Platão expulsava os poetas de sua cidade ideal, já que eles apresentam como digno de valor o particular e não o universal.



Pascal (1623-1662) lembra que o homem possuído pela paixão é um ser despojado do seu eu. Diz ele: as paixões são a marca do nada do nosso próprio ser. No mundo religioso, a condenação também aparece por essa razão. As paixões constituem-se em julgamentos de valor errôneos, obscurecem a visão, impedem o exercício da liberdade. Neste sentido, o que caracteriza as paixões é a passividade pela qual nos colocamos numa perspectiva de impotência.


Qual o remédio para as paixões, desde que as consideremos como perturbações da alma, como pecado ou como doença? Bem antes de Pascal, Montaigne (1533-1592), nos seus Ensaios, propunha uma oposição às paixões. Sua proposta é, contudo, prática, não teórica. Ele fala desta oposição como uma espécie de "rotina" que precisamos adotar para vencê-las, uma técnica empírica. Para ele, nada de uma terapêutica científica como propunham os filósofos. Nada de ataques frontais às paixões, táticas que, segundo ele, não levam a bons resultados. A oposição agressiva, diz ele, as aguça, faz com que redobrem de intensidade. Ele acaba sabiamente por fazer do tempo (Saturno) o "soberano médico das paixões". Este filósofo, bem antes de Freud, manifesta muitas reservas quanto à ideia de que o homem possa ser o mestre de si mesmo. Ele lembra que o ser humano é muito inconstante e que esta característica poderá muitas vezes se manifestar, pois, segundo ele, "a variação consola, dissolve, dissipa." Uma de suas regras práticas diz que se uma paixão nos domina e que se não podemos destruí-la por uma ação contrária, isto é, pelo “logos”, não conseguindo mobilizar a nossa vontade para tanto, podemos encontrar uma alternativa, substituí-la por outra talvez menos doentia, uma espécie de sublimação. Só quando a paixão se manifesta de modo muito forte, com ameaças de desagregação, de caos, é que Montaigne admite uma pronta e firme intervenção e mesmo assim sem muita certeza de vitória.


Já Descartes (1596-1650) não vê nenhuma razão para qualquer condenação moral das paixões. Adota a postura de um médico, afirmando que elas são boas naturalmente. Nada de dominá-las ou, pior, reprimi-las, diz ele. O que devemos fazer é usá-las, acrescenta. Parte da ideia de que a vontade esclarecida pela razão é capaz de controlá-las. Para ele, desnecessário criar um sistema para tanto. A vontade firme de alguém suficientemente esclarecido do que as paixões podem acarretar bastaria. A base "teórica" para essa postura estaria, segundo ele, na estima que alguém, assim empenhado, teria de si mesmo.


A partir destas colocações de Montaigne, de Descartes e de alguns outros, a valorização das paixões é um tema que se anuncia no século XVII e que ganha destaque no século XVIII, século do Iluminismo, a antítese do obscurantismo dos séculos anteriores. A estrutura política da Europa é sacudida, os antigos pressupostos religiosos e filosóficos são postos de lado. Este movimento é filho da nova ciência experimental (Galileu, Bacon, Copérnico, Kepler, Newton), do racionalismo cartesiano. A razão e a experiência podiam tudo. Progresso e civilização eram as palavras de ordem. Urano acabara de ser descoberto. 


A mundanidade é valorizada e a mortificação é condenada. Nada de sacrifícios. Ousar controlar a paixão sob o comando da razão soberana. Uma frase de Helvétius (1715-1771) é significativa: "tornamo-nos estúpidos desde que deixamos de nos apaixonar." Neste século, critica-se com muita ênfase toda condenação indiscriminada e cega das paixões, pois ela nos faz desconsiderar o bom uso que delas podemos fazer. Neste século, as paixões começam a ser analisadas em termos de sua utilidade na política e na economia. Elas começam a ser valorizadas como força, energia, assumindo a condição de energia criadora, de motor da ação, da História. Uma espécie de princípio vital, pois.

Para o homem comum, as paixões são tendências, produzidas por opiniões, por sentimentos, acompanhadas de prazer ou de dor. Uma tendência bastante forte e duradoura que se impõe à vida mental (Mercúrio) e à vontade (Sol). Vontade é poder, faculdade que tem o ser humano de querer, de escolher, de livremente praticar ou deixar de praticar certos atos. Força interior que impulsiona alguém a realizar ou não aquilo a que se propôs. A vontade conflita com o instinto (Marte) enquanto este é primário, tem caráter inconsciente, irracional, independente da reflexão. O instinto está fora do campo das considerações de ordem moral. A vida instintiva fala de necessidades corporais, consideradas não elevadas, desligadas da razão e do espírito, relacionadas com as funções de nutrição, procriação, cuidados com a cria, sexualidade, etc. Instinto quer dizer excitação, movimento, uma espécie de ferroada (sting), pulsão. O instinto atua de dentro para fora.

As paixões têm a ver com os sentimentos geradores de estados afetivos, fontes de emoções (Lua) e não de conhecimento. Opõem-se à razão, podem contrariá-la. Ligam-se as paixões ao subjetivo, aquilo que é próprio de alguém, pessoal. Subjetivismo será a tendência filosófica de levar todo julgamento de valor à consciência individual.



A paixão, como vimos, está relacionada com um agir e um padecer. Esses dois conceitos são inseparáveis. O padecer é, geralmente, considerado como inferior ao agir. O agente é aquele que tem o poder de mover, de mudar, poder atualizado pela ação. Paciente é aquele que tem a causa de sua modificação em outra coisa. Padecer consiste em ser movido. A paixão é sempre produzida pela imagem ou pela presença de algo que nos leva a reagir, quase sempre de modo abrupto, não pensado, uma imperfeição, portanto.

A sociedade moderna, a partir do século XVIII, começou a deslocar a conduta humana do território da Ética para o da terapêutica. As paixões, aos poucos, começaram a ser vividas como algo estranho ao ser humano. Fomos deixando, por isso, de integrá-las à nossa vida. O que procuramos fazer foi submetê-las a um tratamento que as enfraquecesse ou as exorcizasse. Os nossos modernos terapeutas das paixões, hoje, não têm como objetivo fazer com que nos tornemos mais sábios ou virtuosos. Nada mais fazem do que tentar nos adaptar a uma chamada vida "normal". Além do mais, as noções de pecado ou vício também se perderam. O ser vitimado pelas paixões é então considerado um doente, um alienado. Não vemos mais as paixões como parte do caráter de alguém, componentes que deveriam ser controlados, governados, como fatores de perturbação da vida de alguém que é incapaz de se administrar sozinho. A Medicina vem, cada vez mais, substituindo a Ética. Não falamos mais em erros, mas em desvios; não falamos mais em castigo, mas em cura.

Ao invés de discutirmos valores éticos, falamos hoje de diagnósticos. Tentamos decifrar condutas. Os heróis da Literatura não inspiram mais piedade ou temor, mas curiosidade. No fundo, transformaram-se em possíveis "casos" terapêuticos. Atenua-se a paixão, o herói perde a liberdade de escolher. O desrespeito à norma social é atribuída a uma doença e não a um ato de vontade. Esta ideia está inclusive no Direito Penal. Crimes cometidos sob violenta emoção têm sua pena atenuada. Isto tem nos levado a considerar que ninguém é mau voluntariamente. Os perversos e depravados são, na sociedade atual, doentes que devem ser curados e não pessoas que devem ser punidas. Tolerância? Atenuação da responsabilidade? Ou será que somos todos culpados? Fraqueza, hipocrisia?


Freud levantou, mais do que qualquer outro, a ideia de que não basta sermos racionais. O eu consciente sofre pressões sem ter nenhum poder sobre elas. Mais do que as paixões, neste sentido, todas as formas de fixação afetiva podem se tornar perigosas na medida em que impedem a autonomia do eu. O chamado eu consciente sofre pressões sem ter muitas vezes nenhum poder sobre elas, ignorando mesmo a direção que pode imprimir à sua vida ao experimentá-las.

Desde a antiguidade ocidental, a apatia, elevada a categoria filosófica, foi a proposta de uma corrente filosófica (estoicismo) para eticamente evitar que o homem se visse prisioneiro das paixões. Num sentido amplo, indiferença àquilo que os sentidos captavam; um estado do sábio que ficava fora do torvelinho das paixões, causadoras de dor ou prazer. Impassibilidade que podia levar até a estados em que a vida dos sentidos desaparecia. Numa tradução mais simples, insensibilidade que caracterizaria o indivíduo que reagisse pouco ou nada àquilo que causa desejos, sentimentos, emoções.


O Budismo, como sistema filosófico, liga-se a estas idéias. Ao partir da constatação do sofrimento como a condição fundamental de toda a existência, o Budismo afirma a possibilidade de superá-lo através da obtenção de um estado de bem-aventurança integral, o nirvana. No Hinduísmo, este estado (o do liberto em vida) é chamado de moksha, palavra que lembra cortar, desatar, última etapa da caminhada existencial.

No campo da Filosofia ocidental, Schopenhauer (1788-1860) partirá para a mais radical abordagem do tema, com evidentes influências orientais (budistas). Para ele, vida era dor. Para se libertar da dor, só um meio: a supressão da vontade de viver, alimentada pelos desejos (paixões). Inútil esperarmos, dizia, a libertação pelo progresso da civilização. Na História não havia progresso, sempre a mesma tragicomédia. A redenção da dor seria possível, em parte, como propunha ele, através da Arte (da música, principalmente), da Justiça (a percepção e o reconhecimento do outro), da Compaixão (sentir como nosso o sofrimento do outro).


Na Filosofia, o maior inimigo das teses estoicas é Nietzsche, observando que elas aparecem sempre num momento de decadência social. A apatia é para o filósofo um sintoma de profunda fraqueza. Os estoicos são os filósofos da vontade fraca, da vontade incapaz de enfrentar as tempestades da alma. Ingenuidade, tolice, prossegue ele. Destruir as paixões através de práticas ascéticas seria como extrair os dentes para que não doam. Temos, sim, que suportar as paixões, dominá-las, usá-las. O contrário será uma forma petrificante de vida.

É neste ponto que entra Freud com as suas idéias de recalque e de repressão: a ação do aparelho psíquico sobre os afetos de modo a excluir a admissão consciente de sentimentos, recordações, ou tentar inibir ou reprimir um afeto, uma ideia, afastando-os do campo da consciência sem que "desçam" para o inconsciente. Juntam-se a estas idéias a da somatização, a transformação de conflitos psíquicos em afecções de órgãos ou em problemas psicossomáticos.

As paixões, antes, até o século XVIII, não excluíam a responsabilidade. Hoje, não fazem mais parte do caráter de um indivíduo. O apaixonado é um doente. Os crimes e as faltas que cometemos devido às paixões têm sempre uma explicação. Os apaixonados não são mais monstros como os descritos por Balzac, Stendhal, Dostoievski ou Shakespeare. Hoje, a infração da norma não é mais atribuída a uma vontade má, perversa. Além do mais, como condenar se todos transgridem, se todos somos culpados Autoproteção? Permissividade? Falta de firmeza?

Platão escreveu que "Ninguém é mau por vontade própria. O homem mau torna-se perverso devido ao efeito de uma disposição maligna do corpo ou de uma educação desregrada" (Timeu).Se assim for temos que aceitar o que disse o dr. Knock, famoso personagem de Jules Romains (1885-1972) : "Todo homem com saúde é um doente que se ignora" (Knock ou O Triunfo da Medicina, de 1923).



Astrológica 2010
11º Encontro Anual de Astrologia
São Paulo, 30 de Julho a 01 de Agosto