quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

ANJOS E DEMÔNIOS

A palavra anjo veio para a língua portuguesa através do grego (aggelos) e do latim (angelus), com o sentido de mensageiro, intermediário ou o daquele que anuncia. No Judaísmo, no Cristianismo e no Islamismo é um ser puramente espiritual, servidor de Deus e seu mensageiro com relação aos humanos.

Recebem também essas entidades genericamente o nome de anjos da guarda, já que uma de suas principais funções é a de tomar conta das almas dos seres humanos (vida interior), de velar continuamente por elas, defendendo-as e guardando-as. Muitos os conhecem pelo nome de anjos custódios, palavra que tem o mesmo sentido. Custodiar é proteger, defender, guardar.

Faziam parte também do antigo mundo religioso grego, muito próximos dos anjos, os chamados daimons, seres divinos, semelhantes em parte aos deuses porque detentores de certos poderes. Os daimons identificavam-se com a influência divina que inspirava a vontade dos humanos, atuando no plano de sua consciência. Com o tempo, rebelando-se contra as divindades superiores, acabaram se tornando espíritos malignos, maus conselheiros. Neste sentido, o daimon (fig.dir) é uma entidade da vida interior do ser humano que o faz, orgulhosamente, por inspiração, agir sem o reconhecimento de um poder superior, divino.

No mundo grego, essas entidades tutelares acompanhavam uma pessoa do seu nascimento à sua morte, uma espécie de duplo. Era o “daimon”, seu anjo guardião, seu conselheiro, sua intuição, a voz de sua consciência. Segundo Platão, essas entidades eram invisíveis. Sócrates nos “deixou” depoimentos sobre as advertências de seu daimon. Na antiga Pérsia, cada ser humano nascia com o seu, chamado hemzad.

A palavra daimon, aos poucos, foi sendo usada para designar entidades inferiores e, por fim, espíritos malignos. Na Demonologia cristã, os demônios eram anjos que haviam traído sua natureza divina, transformando-se, por isso, nos antagonistas naturais do ser humano. O daimon, na cultura ocidental, principalmente com o Romantismo, passou a representar aquelas forças interiores que Deus não governa, de caráter rebelde, orgulhosas, obsessivas. A Psicologia moderna associa, nesta maneira de ver, o daimon à neurose e aos vários complexos, temas de caráter afetivo recalcados que provocam divisões internas no homem, perturbações no seu psiquismo. Torna-se assim o daimon um inimigo da espiritualidade, da elevação psíquica. Uma das melhores representações deste conflito nós a encontramos sem dúvida na Anfisbena (a que vai em duas direções; fig.dir.), monstro nascido nas areias da Líbia, dos salpicos do sangue da Medusa, quando Perseu cortou a sua cabeça.



É sob o nome de Diabo que, na religião católica, aparece o anjo rebelde arquetípico, o gênio do Mal por excelência. É ele assim o símbolo de todas as forças que perturbam e enfraquecem a consciência do homem e o fazem regredir a estados de ambivalência e de indeterminação. Se lembrarmos a etimologia de Diabo, a caracterização é perfeita. Diabo vem do grego, diaballo, literalmente, lançar através, jogar de um lado para outro, dispersar. Ou seja, separar, desunir, dissuadir. Diabolos, em grego, diabolus, em latim, quer dizer também caluniador, termo que traduz a palavra hebraica satan, acusador. Este sentido se deve ao fato de Satã, o espírito do mal, segundo a tradição judaica, ter a função de acusar os justos diante do tribunal divino.

SAMAEL

Negativamente, como uma espécie de tradução do Sitra Achra judaico (nome genérico das forças demoníacas) e de Samael, Satã, conhecido como o “adversário”, o “inimigo”, chefe dos anjos rebeldes, expulso do céu porque se rebelou contra Deus, é a própria personificação do mal na tradição religiosa ocidental. Confunde-se, no ser humano, com a sua inclinação para o mal, insinuando-se como tentação, ninguém podendo se considerar, por mais santo que seja, livre de seus artifícios.




A rebelião de Satã contra Deus, segundo explica o Judaísmo, começou quando Satã, o maior dos anjos, se recusou a prestar homenagens a Adão. Para ele, Adão não passava de uma mera criatura feita de barro, enquanto ele, Satã, fora feito do próprio esplendor divino. Satã ficou com ciúmes da posição de Adão e desejou Eva para si mesmo. Por isso, Satã esteve por trás do pecado adâmico no Jardim do Éden e por meio da serpente manteve relação sexual com Eva, tornando-se o pai de Caim.




Mais ainda: além de outros malefícios, Satã ajudou Noé a se embriagar com vinho e tentou persuadir Abraão a não obedecer a Deus no episódio da Akedá (amarração para o sacrifício de Isaac). Também iludiu os judeus fazendo-os crer que Moisés estava morto, induzindo-os a adorar o bezerro de ouro.


AKEDÁ

Os romanos tinham os chamados Gênios, seres imanentes não só a cada homem, mas igualmente a cada grupo humano ou local. Vindo à luz com o nascimento de um ser ou de um local (fonte, rio, cidade etc.), o Gênio vinculava-se à sua proteção. Havia o hábito de se atribuir um Gênio a todos os seres, uma força propulsora que o tutelava. Os seres humanos podiam, entretanto, nascer sem este Gênio, vivendo então no desamparo. Presente o Gênio, forte e vigoroso, tínhamos então a inclinação natural para o sucesso, para o talento, confundindo-se o Gênio com a própria pessoa. Dizia-se então, nesses casos, que a pessoa tinha “gênio”, que ela era um “gênio”.



O Cristianismo manteve inicialmente a ideia grega do daimon e do genius, seres espirituais intermediários entre os deuses e os humanos. Os primeiros cristãos entendiam o seu anjo da guarda como um conselheiro que os orientava pelo pressentimento. Nessa condição, ele estava sempre presente quando da prática de qualquer ato, exigindo obediência segundo um protocolo complicado.




Em muitos trechos da Bíblia, Deus é apresentado como uma espécie de monarca terrestre em meio aos anjos, seus servidores, numa projeção no sentido terra-céu. A ideia de uma corte celeste supõe gradações e ministérios distintos, assim como um cerimonial muito detalhado, à semelhança das cortes terrestres. Os anjos assistem às obras divinas, executam ordens ou figuram como decoração deslumbrante na sala dos tronos. Formam eles os exércitos e as milícias do céu, denominadas em hebraico pelo nome Sabaot. A louvação de Deus é tarefa especial dos anjos, cabendo-lhes fazer a projeção para o céu dos cultos organizados nos santuários terrestres, onde sacerdotes e fiéis cantam ao som dos seus instrumentos cânticos e salmos.

No Judaísmo, merece menção especial o Anjo da Morte (malach há-mavet), cuja função é a de pôr fim à vida humana. Ele é todo coberto de olhos; quem o vê fica estarrecido, cheio espanto, e uma gota de veneno cai na boca aberta. Quando alguém morre, toda a água da casa deve ser jogada fora, pois alguma gota do veneno poderá nela ter caído. Na literatura cabalística, o Anjo da Morte é identificado como Samael, o príncipe das forças sombrias de Sitra Achra (Outro Lado), sendo Lilith (fig.esq.), o grande demônio feminino, a sua consorte. Lilith foi a primeira Eva, a mulher que não recebeu a igualdade nem de Deus nem de Adão e que se rebelou contra o poder masculino. Os cães percebem a presença do Anjo da Morte, ficando imobilizados de terror. Em muitas tradições judaicas é costume tentar induzir o Anjo da Morte ao erro, isto é, tentar enganá-lo (exemplo semelhante pode ser encontrado na mitologia grega, com Sísifo).

Entre os islâmicos, os anjos são chamados de malaika ou banat, afetuosamente. São sempre símbolos da proximidade de Alá e da Beleza. Comparar um ser humano aos anjos é render-lhe uma homenagem tão importante que só os poetas e cantores podem fazê-la. A maior missão dos anjos entre os islâmicos, além da proteção que oferecem, é a de fixar a palavra revelada, exercendo suas funções como anjos intercessores e anjos escribas, registrando as boas e más ações cometidas aqui em baixo pelos humanos e outras mais.




No Islã, a Demonologia, o tratado das entidades maléficas, tem como figura principal Iblis, o lapidado, que encarna a tentação, a devassidão e os maus pensamentos. Só o verdadeiro crente sabe se proteger contra a ação dos seres comandados por Iblis, resistindo às suas múltiplas tentações. Dos anjos mencionados nos textos sagrados islâmicos, o mais importante é Jibril (Gabriel). Foi na gruta (Hira) em que costumava se isolar que Maomé, analfabeto segundo a tradição, recebeu a visita de Jibril, que lhe ditou os textos sagrados, a famosa surata Al Alaq.


JIBRIL

Cuidadoso, prossegue a tradição, Jibril repetiu a Maomé, letra por letra, a revelação corânica, não tendo por isso os escribas encontrado dificuldades para registrá-lo com exatidão. Jibril é considerado entre os islâmicos o Anjo Civilizador por excelência, tendo ensinado a Adão a cultura da terra. Jibril passou também ensinamentos a Abraão, Ismael, Moisés, Samuel, David, Salomão e outros patriarcas.




Menos importantes, na hierarquia estabelecida, destacamos Mikail (Miguel), Malik (chefe da guarda infernal), Israfil, o que fará soar a trombeta do julgamento final.


DJIN

No Islã, merecem menção os Djins, gênios, seres imateriais, invisíveis, nascidos do elemento ígneo. Conforme a doutrina oficial, os Djins são criaturas intermediárias entre os anjos e os humanos. Embora possam ser fiéis à doutrina islâmica, muitos costumam se rebelar, transformando-se em demônios. Segundo uma versão muito conhecida, o rei Salomão, quando da construção do templo de Jerusalém, teria recorrido a uma legião de Djins. Popularmente, os Djins são seres rebeldes, sempre ligados a lugares selvagens e inóspitos, desérticos, capazes de adquirir forma corpórea humana ou animal, associados à prática da magia.





No mundo judaico, os anjos não têm ligação com o mal, embora alguns demônios, os agentes do mal, sejam anjos caídos. Estes anjos caídos, também chamados anjos da destruição, procuram sempre frustrar as tentativas dos seres humanos de cumprirem os mandamentos divinos. Quanto aos demais, os da luz, têm como missão principal a de levar a Deus as orações dos mortais. Algumas obras da Cabala prática contêm fórmulas mágicas para o controle dos anjos, embora fique claro que ninguém poderá usá-las em benefício próprio, invocando-os para a sua própria proteção ou para levar alguma vantagem, por exemplo.


ANUNCIAÇÃO

Em todas as tradições, desde a Mesopotâmia, o Egito, a Pérsia e nos mundos semítico, grego e romano, encontramos a crença nesses seres angelicais (aggelos, como se disse, é mensageiro, em grego). Simbolicamente hierarquizados, os anjos, quando nos aproximamos deles menos superficialmente, correspondem a uma escala de valores humanos, desde a mais evoluída (arcanjos), principalmente sob o ponto de vista ético e moral, à mais baixa situação do homem, entregue à sua vida instintiva, materialista e egoística (demônios, anjos caídos). A iconografia os representa com asas e sempre de branco para nos transmitir ideias de imaterialidade, elevação e de pureza. Os daimons representam as funções inferiores que no ser humano se valem da escuridão da sua vida inconsciente para levá-lo à degradação e ao afastamento da vida superior. Os daimons podem, muitas vezes, proporcionar sucesso material, riqueza, glória mundana, inclusive sob o ponto de vista intelectual. É sob este último ponto de vista, por exemplo, que devemos entender a história de Fausto e de Mefistófeles. Foi neste sentido, por exemplo, que o cineasta russo Aleksandr Sokurov nos apresentou a sua teatralogia composta de Moloch, Taurus, O Sol e Fausto.

Os textos bíblicos e a literatura neles baseada, que recolheu a matéria angelical das religiões mesopotâmicas e iranianas, sempre a apresentou de um modo pouco coerente, confuso até. Todavia, acreditamos que os dados esparsos podem ser sintetizados em quatro elementos principais: a) os anjos são criaturas divinas, isto é, criadas por Deus; b) exercem a função de intermediários entre Deus e os humanos; c) dentre essas criaturas, algumas se mantiveram fiéis a Deus; d) outras se rebelaram, transformando-se em anjos caídos, demônios.

Na tradição judaica e nas suas dissidências (cristianismo e judaísmo), os anjos são sempre, como se disse, seres puramente espirituais que funcionam como intermediários entre o mundo divino e humano. Entre os antigos hebreus, os anjos eram mensageiros dotados de corpo, aos quais, quando de sua visita, deveria ser oferecida hospitalidade, pois agradeciam a seus hospedeiros prometendo-lhes prosperidade e posteridade feliz.

No mundo católico, é ensinado que os anjos são seres espirituais criados anteriormente ao homem, num estado de felicidade e graça, mas com a liberdade de escolher entre o Bem e o Mal. É por essa razão que há os anjos bons (Gabriel, Miguel, Rafael etc.) e os anjos maus (Satanás, Lúcifer, Belzebu e outros).

Segundo os dogmas da Igreja Católica, os demônios são anjos caídos que, com Satanás à frente, se revoltaram contra Deus. Segundo as obras de Demonologia mais importantes (Santo Tomás de Aquino, Jean Wier (fig.esq.), Jean Bodin e outros), há 6.666 legiões de demônios; cada uma delas se compõe de 6.666 anjos tenebrosos, com 72 príncipes, duques, marqueses, condes e prelados. Na Demonologia mais aceita, cada mês aparece associado a um demônio: Belial, janeiro; Leviatan, fevereiro; Satã, março; Astarte, abril; Lúcifer, maio; Baaberith, junho; Belzebuth, julho; Astaroth, agosto; Thamuz, setembro; Baal, outubro; Hécate, novembro; e Moloch, dezembro.


BELIAL

Segundo uma classificação admitida, com base no neoplatonismo (Pseudo-Denys), mas não submetida a ato de fé, os anjos bons são distribuídos em nove coros, em importância decrescente: serafins, querubins, tronos, dominações, virtudes, potestades, principados, arcanjos e anjos. Os três primeiros coros formam a hierarquia mais elevada e têm relação direta com Deus. Os três seguintes formam as chamadas ordens governantes e os três últimos formam as ordens executivas.




Pseudo-Denys é o nome de um escritor grego anônimo que viveu entre os séculos V e VI dC. Suas obras, durante muito tempo, foram atribuídas a Denys, o Areopagita, ateniense, santo, convertido por São Paulo e, segundo a tradição, o primeiro bispo de Atenas. As obras do Pseudo-Denys constituem uma síntese cristã de inspiração neoplatônica, assim denominadas: Hierarquia Celeste, Hierarquia Eclesiástica, Nomes Divinos e Teologia Mística.


SERAFIM

Os serafins são seres puros, sublimes, excelsos, como espíritos celestes da primeira hierarquia dos anjos, de extraordinária beleza. A palavra vem do hebraico seraph, arder; são espíritos de amor e de fogo; têm seis asas e usam escudo. São conduzidos por Uriel (luz de Deus), o lider das hostes angelicais. Uriel se manifesta como um leão de fogo do altar do Templo, para consumir os sacrifícios. Apareceu a Moisés como uma serpente para devorá-lo quando ele negligenciou a circuncisão de seu filho. Foi Uriel (fig.dir) quem secou o Mar Vermelho para que os judeus pudessem atravessá-lo quando do êxodo. Apareceu aos pais de Sansão para anunciar que eles teriam um filho que salvaria Israel dos filisteus. Junto com Gabriel, Miguel e Rafael é um dos anjos que cercam o trono da glória. Como representa a luz do ensinamento de Deus, o nome Uriel é escrito em amuletos destinados a ajudar as pessoas no estudo da Torá.


GABRIEL


Os querubins (etimologicamente, aquele que intercede, do acádio) eram jovens, espíritos celestes de grande beleza. Alados, com semblante de jovens ou crianças, repletos de conhecimento, são representados por penas de pavão. Um querubim guarda a entrada do Jardim do Éden para impedir que o homem volte a nele entrar. Acima da Arca da Aliança (tabernáculo no qual se guardam as tábuas da lei mosaica), Deus revelou-se a Moisés entre dois querubins. Quando Israel é fiel a Deus, dois querubins se abraçam (o amor de Deus por seu povo). Quando Israel se torna infiel, os querubins aparecem com as costas voltadas, significando esta postura a ira de Deus e o prenúncio de calamidades. Quem conduz os querubins é Jophiel (fig.esq.).

Tronos são os anjos que carregam o trono de Deus, significando majestade e justiça, representados por rodas de fogo como o Sol. São conduzidos por Japhkiel. Dominações é o nome dos anjos que usam o cetro e a espada, simbolizando o poder de Deus sobre o mundo material. São liderados por Zadkiel. Virtudes, no Cristianismo, são os anjos que carregam o emblema da Paixão de Cristo, sendo conduzidos por Haniel.

Poderes (Potestades) são os protetores da humanidade e usam uma espada de fogo, sendo liderados por Rafael.

RAFAEL

Especializado em curas, como seu nome indica (Rafael quer dizer Deus curou). Seu nome aparece em amuletos usados para a cura e prevenção de doenças. Fica postado atrás do Trono da Glória e às costas do homem. É um dos quatro anjos da presença divina. Leva em seu peito uma tabuleta onde o nome de Deus está gravado. Seu símbolo é a serpente, sempre ligada à arte médica. Rafael viaja nas asas do vento. Diz-se que quando Deus estava para criar Adão, ao contrário de alguns anjos, Rafael o apoiou. Principados são os anjos protetores dos soberanos; carregam espada, cetro e cruz. São liderados por Chamael. Arcanjos ficam à volta do Trono de Deus e são conduzidos por Miguel. Os anjos, finalmente, constituem o grande contingente anônimo que transita continuamente entre o céu e a terra desempenhando inúmeras e não especificadas atribuições.

Os rabinos, segundo antigas tradições, registram uma hierarquia diferente da dos nove coros, distribuindo-a segundo os dez seguintes nomes: 1) Jeová – Deus Pai – região de pura essência que flui através do anjo Metatron, guardião dos tesouros celestiais. Em Metatron está contido o nome de Deus. Ele é identificado às vezes pelo nome de Raziel. É o guia do primum mobile. 2) Jah – Messias, Logos – cujo poder desce através do anjo Masleh às esferas do Zodíaco. Este espírito atua no Caos e dele dependem os quatro elementos pela ação de Raziel, que é o regente de Adão. 3) Ehjeh – tem relação com o Espírito Santo, cuja divina luz é recebida pelo anjo Sabathi, que a comunica através da esfera de Saturno.

A parte visível da ação dos três espíritos acima mencionados aparece através do quarto nível, chamado El, nome que denota poder, força, luz, através do qual fluem a graça divina e a piedade. Quem faz essa passagem é o anjo Zadkiel através da esfera de Júpiter. Elohi, que tem a espada e é a mão esquerda de Deus, usa o anjo Geburah (Gamaliel) para que a energia penetre pela esfera de Marte, dando força em tempos de guerra e aflição. Tsebahot, o senhor das hostes, atua através de Rafael, passadas as suas energias através da esfera solar. Elion atua através de Miguel, sendo Mercúrio o seu planeta, na medida em que ele proporciona movimento, inteligência, comunicação. Adonai, mestre, senhor, através de Haniel, cobre a esfera de Vênus. Shadai, pelo anjo Gabriel, atua na esfera lunar. Elohim, a fonte de conhecimento, sabedoria e compreensão, vem pelo anjo Jesodoth, e é recebido pela esfera terrestre

O tema angelical ficaria incompleto sem uma menção ao deus grego Hermes (fig.dir.), na sua função de deus da comunicação, ao unir os três mundos, o céu, a terra e o inferno. Hermes é arquetipicamente um angelus, um intermediário entre o Olimpo (Zeus) e os humanos, sendo conhecido, dentre outros apelidos, pelo nome de evvangelion, o deus da boa notícia. Com efeito, Hermes é o guia da busca espiritual para que através de um trabalho sobre os quatro elementos seja possível salvar o mundo e a natureza num plano cosmogônico e fazer nascer dentro de cada homem um novo ser iluminado pelo Sol da sabedoria (Sophia).

A partir do grego e do latim o universo semântico da palavra anjo se ampliou consideravelmente. Em certas cerimônias católicas (procissões, coroações etc.), por exemplo, a palavra é usada para dar nome a uma criança, símbolo da inocência, aureolada e alada. Na tradição popular, anjinho é criança, cadáver de criança ou em certas cerimônias (procissões) criança vestida de anjo. Já anjo caído é mulher que se transviou no caminho da virtude e da honestidade. Anjo cantor é personagem que representava a Verônica nas antigas procissões (Verônica é mulher que nas procissões do enterro de Cristo leva um sudário com a imagem estampada do Senhor morto). Na poética de baixa extração, à palavra anjo agrega-se muitas vezes o adjetivo candura – anjo de candura – para designar a mulher que não tem malícia, que não é cínica, e que, por isso, deve ser respeitada, não tocada.

Por influência do catolicismo popular, há um orixá que, no Candomblé, exerce as funções de anjo da guarda. Os que se recusam a acatar-lhe as instruções ou desejos, que se manifestam por sonhos ou intuições, ou diretamente nos terreiros, podem ficar sujeitos a perturbações de toda sorte, inclusive mentais. Nos casos de dúvida, porém, quanto ao que ele “quer dizer”, sempre é possível recorrer à mãe ou ao pai-de-santo, ou ao eluô (sacerdote que no Candomblé detém o saber do jogo de búzios para a predição do futuro) que, através de processo devinatório especial, podem imediatamente interpretar a sua mensagem.

Na Umbanda, anjo é o guia de cabeça de uma filha ou filho-de-santo. No folclore do Nordeste brasileiro, anjo corredor é um homem que aparece com um cacete ou cajado, que caminha sem parar a vida toda, batendo nas cancelas dos engenhos. As crianças têm medo, as mães fecham as portas. Este tema nordestino parece ter muita relação com o do Judeu Errante, figura ligada às comemorações da Semana Santa, que lembra o suplício e a morte de Jesus, tema que veio com os portugueses para o Brasil.



JUDEU ERRANTE (GUSTAVE DORÉ)

Alquimicamente, o tema do anjo se inscreve no capítulo da sublimatio, que pertence ao elemento ar, ligado a operações como elevação e volatilização. Sublimar é elevar. É o processo pelo qual uma substância inferior, presa a uma forma (coagulatio) se transforma numa outra, mediante um movimento ascendente, simbolizado pelo anjo, ao qual se associam valores e operações que apontam ideais de transcendência. Fazem parte desse mundo simbólico, inclusive nas suas formas corrompidas e degradadas, imagens, práticas, manias e atividades como colecionar anjinhos, fixação em aviões, asas, torres, degraus, escadas, balões, foguetes, montanhas, alpinismo, apartamentos de cobertura, voo de pássaros, esportes radicais, arranha-céus etc.

Em nossa língua, há o substantivo angelismo que designa um desejo de pureza absoluta ou um estado de espiritualidade e de inocência ingênuas ou hipócritas. Como tendência filosófica, o angelismo é a tendência de considerar o homem apenas como realidade espiritual, ignorando a sua vida material, sua vida instintiva e suas paixões.

Na tradição astrológica ocidental, o Sol tem com anjo tutelar Miguel; a Lua, Gabriel; Mercúrio, Rafael; Vênus, Anael; Marte, Samael; Júpiter, Sachiel; e Saturno, Cassiel . Ainda com relação à Astrologia, não podemos esquecer que o tema do anjo se associa ao mito de Ganimedes. Este personagem, príncipe troiano, lindíssimo, foi raptado por Zeus, que assumiu a forma de uma águia e levado para a mansão celeste para exercer a função de escanção dos deuses nos banquetes olímpicos.




Em muitas ilustrações áticas, o mito de Ganimedes é usado para ilustrar histórias relacionadas com a pederastia. Zeus deu a Ganimedes três presentes de amor: um aro (anel), um galo e um par de asas. O primeiro é símbolo da integração, da união; o segundo, símbolo da luz, sendo o galo a ave solar, fálica, cujo canto afasta as trevas noturnas; o terceiro, as asas, símbolo da elevação, da transcendência para um outro plano de existência. Mais tarde, para perpetuar o seu amor pelo jovem, transformou Ganimedes da constelação de Aquário, que em muitas representações aparece sob a forma de um anjo, um serafim. Na figura, Zeus reuniu ideias que são as características dos tipos superiores do signo: leveza, fluidez, volatilidade, natureza etérea, angelical.




A arte ocidental, principalmente a bizantina, a renascentista e a barroca, utilizou bastante as figuras angelicais. Nos tempos modernos, contudo, o interesse pelo tema diminuiu, sobrevivendo ele, de alguma maneira, apenas no cinema. Há no cinema moderno cerca de trinta filmes em cujos títulos encontramos a palavra anjo. Mas é em dois deles, Asas do Desejo e Tão Longe, Tão Perto, do cineasta alemão Win Wenders, onde a palavra anjo aliás não aparece no título, que vamos encontrar, sem dúvida, o que de mais consequente e inventivo se apresentou sobre o tema.