quarta-feira, 24 de agosto de 2011

DAS FLORES - I


Anthos, em grego, flos, floris, em latim, flor é rebento, parte do vegetal de variadas cores e perfumes, produto dos órgãos de geração das plantas. As flores se desenvolvem a partir da água e da terra, representando um princípio passivo. Seu cálice é um receptáculo da chuva, do orvalho, da atividade celeste.


GIVERNY - A PONTE JAPONESA


A palavra aparece associada a ideias de brilho, formosura, esplendor, glória. Flor é pessoa bonita, doce, amável, de bons sentimentos. É a parte melhor de alguma coisa: flor da vida, a mocidade; flor da farinha, a de melhor qualidade. Toma o sentido de ornamento, flor da nossa mocidade. É o livre de impurezas, o mais nobre, o mais apurado, o mais representativo, a elite, a nata, como temos em a fina flor da malandragem. Quando uma pessoa vive fechada, não mantendo contacto com os outros, dizemos que ela é uma flor de estufa. Já flor que não se cheira é pessoa que não tem bom caráter. O irritado, agastadiço, tem os nervos à flor da pele. Pessoa que não se degrada no meio da podridão é flor do lodo. Frases elegantes, pomposas, bombásticas, ou uma oratória rica, empolada, podem conter floreios. Quem fala ou escreve bem pode estar usando muitas flores da Retórica.

De um modo geral, a flor e o seu botão, mais este, são símbolos de uma vida que se inicia. Botão é a flor antes do seu desabrochar, representa aquilo que ainda não atingiu completo desenvolvimento, o que é jovem. Defloramento ou desfloramento é o que ocorre quando um vegetal perde suas flores ou estas as suas pétalas, seja por causa de geadas ou de outros fenômenos atmosféricos, doenças, ataque de insetos etc. Pode significar também perda da pureza, da virgindade, desvirginamento, profanação. Neste caso, não temos a perda das pétalas (peças que constituem a corola), mas, sim, o rompimento do hímen, película que envolve vários órgãos do corpo e sementes. Anatomicamente, no caso, na mulher, é uma prega formada por membrana mucosa que fecha parcialmente o orifício externo da vagina virginal. Por isso, himeneu significa enlace matrimonial, casamento, cerimônia que preparava a mulher para a maternidade. O verbo desflorescer, deste mesmo campo semântico, significará perder o viço, o frescor, murchar.

Em virtude do arranjo de suas pétalas, a flor se associa à figura do Sol e à ideia de um centro irradiador. Flores como o crisântemo, o girassol e o lótus, por exemplo, em muitas culturas, simbolizam um ponto de partida em direção do múltiplo (exterior), movimento do não-manifesto ao manifesto, do eterno ao temporal.



Crisântemos (khrysos, ouro; anthemon, flor, flor de ouro) aparecem quase que no mundo todo. No oriente, na China e no Japão mais, além de serem consumidos como alimento, são usados como símbolos de vida longa, de satisfação pelo estudo, de velhice sábia. Um de seus nomes no Brasil é "despedida-de-verão". Tradições orientais afirmam que o crisântemo tem o segredo da vida eterna, um centro de emanação da força vital. É, como tal, emblema da família imperial japonesa.


É o crisântemo uma flor de natureza outonal, lembrando o descanso dos campos, vida calma, simplicidade, espontaneidade. Os grandes mestres Kenji Mizoguchi e Mikio Naruse usaram respectivamente o crisântemo como tema em dois belíssimos filmes, A História do Último Crisântemo (1939) e Crisântemos Tardios (1954) . Além do mais, lembre-se que na tradição oriental, o crisântemo desempenha um papel de mediador entre o céu e a terra, simbolizando plenitude e perfeição. As infusões das folhas e dos botões da flor ajudam a lutar contra o alcoolismo, o vício do fumo e as intoxicações causadas pelas drogas em geral.





A flor higambana é usada no Japão para separar campos de arroz. Artistas, seguidores do Zen e amantes da natureza, sempre a admiraram. Seu nome significa flor do equinócio de outono. Sua floração dura apenas dez dias. O grande mestre Yasujiro Ozu realizou, em 1958, um filme, Higambana, Flor do Equinócio, obra-prima do cinema.

Quanto ao girassol, flor do gênero Helianthus, de cor amarela, possíveis também muitas leituras. Suas sementes são usadas para a obtenção de óleo comestível; secas, as flores são usadas como forragem. Alguns grupos de Ecologia usam-no como símbolo pelo fato de absorver a poluição do ar. É chamado de heliotrópio, tornassol. Em Inglês é sunflower, tournesol em Francês. As características da flor lembram um centro solar na terra. Seu tropismo (reação de um organismo fixo ou de parte dele que consiste na mudança de orientação determinada por estímulos externos, positiva se na direção do estímulo, negativa quando no sentido contrário). Tropos, em grego, lembremos, é direção.


CLÍTIA E O DEUS HÉLIO

O tema é representado na Mitologia grega pela história de Clítia (Kleos, gr., glória, renome): o deus Hélio abandonou Clítia por Leucoteia. A jovem abandonada relatou ao pai da rival a aventura amorosa da filha.




Hélio abandonou ambas, punindo antes Clítia, encerrando-a num fosso profundo. Consumida pelo seu amor, Clítia acabou por se transformar num heliotrópio, flor que sempre se volta para o Sol, acompanhando sua marcha nos céus. É por essa razão que o heliotróprio é usado para simbolizar as formas mais desvairadas e imorredouras da paixão amorosa.

Quanto ao lótus, sua importância é muito significativa nas regiões mediterrâneas e na Ásia. Equivale à rosa e ao lírio para os europeus. É símbolo do alto Egito, das nascentes do Nilo, por oposição ao papiro, símbolo do baixo Egito, a foz do rio. Dois tipos de lótus eram encontrados nas terras egípcias, o branco (Nymphaea lotus) e o azul (Nymphaea cerulea). No antigo Egito a floração do lótus é mencionada num mito que relata a criação do mundo. A cosmogonia a que nos referimos foi elaborada na cidade que no período helenístico da história grega se chamava Hermópolis: da lama primordial, em meio a serpentes e rãs, teria emergido um monte de terra no qual o deus solar Amon fez brotar o primeiro lótus. Os botões da flor, que se abriam ao nascer do Sol e se fechavam ao entardecer, associavam-se à divindade solar e à aparição da luz a partir do lodo, do qual o universo emergiu. Antigas sepulturas na cidade de Tebas tinham muitas representações mostrando tanques de lótus nos quais mortos flutuavam em botes de junco. O lótus azul era muito mais valorizado que o branco, sendo atributo de Nefertum, antigo jovem deus de Mênfis, conhecido como o "senhor das suaves fragrâncias".

Na Índia, o lótus branco (Nelumbiam nelumbo) e o avermelhado 
(Nelumbiam nucifera) tornam-se importantes símbolos da espiritualidade e elementos artísticos. Lakshmi, feminino de Vishnu, é, com o nome de Padma, a divindade que representa a flor, sendo também chamada de Padmayana, "a que mora no lótus". A origem deste culto à flor é certamente pré-ariana, ligando-se a conceitos de água, fertilidade etc. Brahma, a primeira pessoa da trindade hinduísta, também tinha relação com o lótus.




Na tradição budista, o lótus é usado para descrever partes do corpo do Iluminado (olhos de lótus, pés de lótus, coxas de lótus). O mestre que levou o Budismo para o Tibet (800 DC) chamava-se Padmasambhava, "o nascido do lótus". O bodhisattva Avalokiteshvara é chamado de Padmapani, "o que segura, mantém, o lótus", simbolizando a flor, no caso, compaixão. É através do lótus que é possível escapar do ciclo dos renascimentos para se atingir o Nirvana. Da mesma forma, muito importante é a flor no Budismo tântrico e no Taoísmo, simbolizando a aspiração pura, pois tendo suas raízes mergulhadas no lodo dele emerge limpo, imaculado, perfumado.


Entre os povos maias da América Central, no Yucatan, o lótus (Nymphaea ampla) é conhecido como a "flor da água", sendo usado tanto para fins artísticos (cerâmica e arquitetura) como para fins religiosos, pois é a base da bebida enteógena chamada balché (mistura com cascas de uma planta chamada loncho carpus), que produz transes xamânicos nos seus sacerdotes (homem-jaguar).

Ao final do século XIX, apareceu na Alemanha um livro chamado Blumensprache, de autoria de G.W. Gessmann, um código no qual se relacionava o nome das flores a uma determinada mensagem amorosa. Estes códigos foram muito populares durante todo o século na Europa. Assim, por exemplo, se girassóis fossem enviados a alguém, a mensagem implícita seria: "Ela se volta sempre para o Sol. Assim como a luz do Sol é para ela, assim o seu amor é para a minha vida". Acácias significariam: "Seu bom coração assegura-me que nossa amizade permanecerá para sempre. Rosas amarelas: "A cor desta flor lembra-me o ciúme do seu fixo olhar." Uma pétala de rosa vermelha: "Sim!". Uma pétala de rosa branca: "Não!".

O simbolismo da rosa é o mais difundido no Ocidente, equivalendo ao do lótus no Oriente. De um modo geral, ela representa juventude, pureza, perfeição, amor carnal e mesmo a morte. Sua utilização é ampla, sendo inclusive sua essência destilada (elixires de amor), perfumes, cosméticos, remédios, chás etc. Em algumas civilizações antigas, as mulheres usavam pétalas de rosa em compressas para aliviar olheiras ou apagar rugas. Em banquetes, a fim de se evitar a embriaguez, pétalas de rosa eram adicionadas ao vinho. Servindo como moeda ou como forma de saudação (os exércitos vitoriosos desfilavam sob uma chuva de pétalas), as rosas eram, sem dúvida, as flores mais ricas quanto às possibilidades simbólicas que ofereciam.



Entre os gregos e povos da Ásia Menor a rosa estava associada à história de Adônis, o grande amor oriental da deusa Afrodite. Ao socorrê-lo, ferido mortalmente por um javali (o deus Ares), Afrodite pisou num espinho, tingindo de vermelho, com o seu sangue, as rosas, até então brancas. Desde então as rosas vermelhas passaram a simbolizar o amor e a beleza. Já na tradição cristã, a rosa vermelha nasceu do sangue de Cristo, sendo as Madonas do Cristianismo representadas muitas vezes com uma dessas rosas nas mãos. De um modo geral, as rosas vermelhas passaram a significar o amor que transcende a morte e a própria ressurreição. Em 1759, por decreto papal, com a finalidade de se prestar uma homenagem às rainhas católicas, o Vaticano criou a Ordem da Rosa Dourada. As rosas brancas são consideradas flores lunares, simbolizando pureza, virgindade, segredo. Têm relação com a água, por oposição às vermelhas, ligadas ao elemento fogo. Já as rosas amarelas se associam ao ciúme e à infidelidade.

Nos festivais do deus Dioniso, na Grécia antiga, realizados principalmente na Ática, os participantes se enfeitavam com guirlandas de rosas para diminuir não só os efeitos tóxicos do vinho como para evitar que no delírio báquico revelassem algum segredo. Por essa razão, a rosa tornou-se também sinônimo de discrição. É por essa razão que muitos confessionários ou tribunais de penitência ostentam uma rosa de cinco pétalas, entalhada ou esculpida na madeira ou na pedra. É também por essa razão que se acrescenta a alguns textos a expressão "sub rosa" para significar que os documentos devem ser considerados como sigilosos.

Na antiga Roma, havia um famoso festival chamado “Rosalia”, incorporado ao culto dos mortos no primeiro século do Cristianismo. Esse festival era celebrado em datas variáveis, mas sempre entre 11 de maio e 15 de junho, coincidindo quase sempre com as “Lemuralia”, destinadas ao apaziguamento das almas dos mortos. A tradição do festival das rosas ainda hoje existe na Itália, coincidindo com o Domingo de Pentecostes (domenica rosata). As rosas brancas no Cristianismo lembram a morte. Na iconografia cristã, a "rainha das flores", branca, é usada como um símbolo da Virgem Maria.

Embora na Idade Média só as virgens usassem enfeites com rosas, os trovadores medievais viram na rosa um símbolo do amor terrestre, conservado até hoje. No livro de Gessmann supracitado, rosas brancas enviadas diriam: "Suas pálidas pétalas significam a alegria de um amor puro e eterno, nenhum brilho terrestre nele." As rosas amarelas: "A cor destas flores lembra-me a fixidez do seu ciumento olhar." Botões de rosa com espinhos: "Amor, esperança, com as dúvidas da incerteza..."

Na Alquimia, a rosa vermelha e a branca participam da dualidade que simboliza o enxofre e o mercúrio. Rosas com sete anéis concêntricos de pétalas lembram os sete metais clássicos e os correspondentes planetas (ouro, Sol; prata, Lua; mercúrio, Mercúrio; cobre, Vênus; ferro, Marte; estanho, Júpiter; chumbo, Saturno). A cruz associada à rosa forma o símbolo da fraternidade mística cristã Rosacruz (collegium philosophicum), cujas origens estão na Renascença. Também muito importante é a rosa para a Maçonaria. Rosas costumam (costumavam) ser depositadas no túmulo de um adepto quando seu corpo era inumado. O simbolismo maçônico da rosa aparece no poema Os Segredos, de Goethe. Quanto à heráldica, também presente a rosa. As flores e em especial a rosa significam aqui um estado de florescência, de vigor, de força, presente não só na linhagem que a adota como emblema mas, é a expectativa, também em toda a sua descendência. Na Inglaterra, a rosa é o símbolo das Casas de York (a branca) e de Lancaster (a vermelha), estando presente também nas armas da cidade de Southampton.



Entre os antigos persas a rosa era símbolo de refinamento (enchia o colchão dos sultões) e da poesia entre os árabes, que a levaram para todo o Oriente-Próximo, para o Magrebe e para o sul da Espanha (Andaluzia). Todos os grandes poetas árabes a usaram para transmitir nobres emoções. Na arquitetura islâmica a rosácea é um símbolo solar, tanto pelo que sua forma evoca como pelas múltiplas interpretações que possibilita.

Na iconografia medieval cristã, a rosa é símbolo de regeneração, já que, sob o ponto de vista semântico, rosa tem relação com ros, chuva. Nos ritos de iniciação em muitas religiões de mistério, a rosa é símbolo do primeiro grau. A deusa Hécate aparece muitas vezes com uma guirlanda de rosas de cinco pétalas em torno da cabeça. Da mesma simbologia participa o orvalho através de uma outra designação sua, rocio, em cuja raiz encontramos o ros latino. Almeida Garrett fala, por exemplo, em "lábios orvalhados por sorrisos".

No corpo humano, nas mulheres, colocada artificialmente por algumas, a rosa é um círculo mais ou menos avermelhado em cada uma das faces. O vermelho da rosa, quando desmaiado, toma o nome de cor-de-rosa. Como ornato, na decoração interior de ambientes, é colocada a rosa, em gesso ou outro material semelhante, nos forros dos tetos, nas cornijas, ou no meio do ábaco do capitel coríntio. Em pintura e escultura, a rosa dá origem à rosácea, motivo ornamental que aparece como um grande vitral circular nas igrejas românicas e góticas, situado geralmente no alto da fachada principal e nos braços do transepto. As rosáceas do transepto das catedrais de Chartres e de Notre-Dame de Paris estão entre as mais célebres, conservando seus vitrais originais. Já o rosário será, em arquitetura, ornamento constituído por uma fiada alternada de elementos esféricos com outros oblongos. 


Na liturgia católica, 165 pequenas contas dispostas de maneira sucessiva, representando cada uma delas uma oração. É também oração em honra de Nossa Senhora em que se intercalam ave-marias com a meditação dos mistérios, iniciados pela oração do padre-nosso e encerrados pelo glória. Divide-se em três partes, das quais cada uma é composta de cinco dezenas de ave-marias e de cinco padre-nossos. O nome do rosário católico provém da coroa de flores (rosas) que se colocava na cabeça da Virgem Maria e que terminava por uma cruz. O terço, como o nome indica, é a terça parte do rosário. É pouco conhecida a origem do rosário. Sabe-se, no entanto, que já era conhecido desde o século XI. São Domingos, o fundador da Ordem dos Pregadores, foi um dos grandes divulgadores das orações do rosário. A ordem fundada por ele foi um importante fator de formação da vida intelectual e religiosa do fim da Idade Média na Europa. São Domingos foi tema da famosa canção Dominique, muito popular nos anos de 1963/4. Os emblemas do santo são uma estrela e um cão, com um archote na boca. Dominicano, o cão do Senhor.