quinta-feira, 15 de setembro de 2011

MITOLOGIA ESCANDINAVO - GERMÂNICA




Os povos que conhecemos como viquingues viviam no norte da Europa, na Escandinávia, numa área descontínua formada hoje pela Noruega, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Islândia e ilhas Féroes. Entre os séculos VIII e XI percorreram a costa ocidental da Europa, tendo chegado ao Canadá e à Groenlândia. Na designação de antigas línguas nórdicas eram os "homens que iam de vicus em vicus", isto é, nômades que viviam em acampamentos, levando as suas feiras de comércio de um lado para outro. Eram também os viquingues ao mesmo tempo guerreiros, piratas, agricultores, pescadores, navegadores e colonizadores. Todos tinham o direito de usar armas. Combatiam a pé, a cavalo e no mar.

Outra etimologia admitida nos indica que vik é enseada, baía, lugar onde piratas se ocultam. Nesta condição, eram navegadores-comerciantes que se organizavam em grupos, principalmente a partir do séc. VI, para vender âmbar, peles de animais, escravos e produtos manufaturados. Com a desagregação do império carolíngeo e com a interrupção do fluxo de comércio através do eixo mediterrâneo leste-oeste pelos árabes, transformaram-se os viquingues em grupos predadores quando a ocasião era propícia, atuando então mais na direção oeste (ocidente). Serão também conhecidos mais tarde como "homens do Norte", normandos.

Inspiraram grande terror ao ocidente europeu devido principalmente ao fato de preferirem como vítimas de seus ataques os religiosos e suas propriedades, mosteiros, abadias, igrejas etc. A maravilhosa técnica de suas embarcações permitiu-lhes colonizar a Islândia e a Groenlândia, com inúmeras incursões à Europa ocidental, Países-Baixos, França, Rússia, Constantinopla e Bagdá. No período carolíngeo (742-814), piratas viquingues já haviam atacado muitas localidades europeias; em 845, Paris foi atacada




Entram pelo Sena em 896. Por um tratado de 911, uma região do nordeste da França foi cedida a eles, a Normandia. Chegaram à Sicília e a Nápoles, fundam Novgorod e Kiev na Rússia. Em 874, descobrem a Islândia; chegam à América no ano 1000 e em 1096 conquistam a Inglaterra

.A história desse povo começou por volta de 800 quando ocorre o primeiro ataque deles que se conhece, o de uma frota escandinava a uma ilha inglesa. Esse período de comercialização e também de saques e pilhagens só terminou por volta do século XI com a conversão ao Cristianismo de todos os países escandinavos.

Em épocas anteriores ao Neolítico (4000 aC), tinham uma vida totalmente nômade, caçando, pescando e colhendo vegetais silvestres. Seus acampamentos eram temporários, de preferência nas costas marítimas ou ao longo dos rios e lagos. No Neolítico fixam-se mais ao solo, ganhando importância uma incipiente vida pastoril. É nesse período que surgem pequenas comunidades agrícolas, desenvolvendo-se também a produção de instrumentos e utensílios de sílex. O Neolítico termina para eles por volta de 2000 aC, começando então a chamada Idade do Bronze (cobre + estanho), metal talvez proveniente da Europa central e ocidental. Em torno do ano 1000, o ferro começa a ser muito usado, fato que provocou uma verdadeira revolução tecnológica. Descobrem-se minas de ferro, metal muito abundante na Escandinávia, chamado então de "minério do pântano" ou "do lago".




A idade do ferro se divide em quatro períodos: 1) Primitivo (celta e pré-romano), com a duração aproximada de dois séculos. Algumas formas de organização aparecem, centros comunitários (casa grande, estábulos, celeiros, oficinas) se desenvolvem em torno da chamada "praça do povo", valas protetoras à volta. Faziam-se alguns sacrifícios às divindades. Os mortos eram levados para os pântanos e lagos, mais para aqueles, o que permitiu que os corpos encontrados posteriormente nesses lugares apresentassem um excelente estado de conservação (gente do pântano): 2) Romano - o domínio de Roma estendendo-se (sécs. I-IV dC) ao continente europeu vai trazer muitas mudanças à vida escandinava. Nota-se um grande desenvolvimento da agricultura. Definem-se traços sociais e políticos que servirão de base para os reinos escandinavos. Os escritores romanos nos dão notícias desse período: Estrabão, Plínio, Tácito, César e outros. A crise se instala no séc.III com a progressiva decadência do império romano. 3) Período das migrações - intensa movimentação bárbara no sentido leste-oeste europeu, do séc. V ao VI. Surgem alguns impérios, como o Franco e o reino visigótico na Ibéria. Grande desenvolvimento comercial. 4) período de Vendel (sécs. VII e VIII). O nome se deve a uma povoação da Suécia central onde foram encontrados túmulos riquíssimos, sinais de dinastias reais. Formam-se alguns centros de poder regionais (Dinamarca). Este período é a base do mundo viquingue.


AS FONTES

Tudo parece indicar que os viquingues não possuíam livros ou registros de suas tradições. Só quando do começo da cristianização da Escandinávia é que os textos começam a aparecer. A partir de então temos o chamado período das sagas, nome dado a antigas narrativas e lendas escandinavas, que abrangem um período que irá do séc.VI ao XIV. O centro irradiador dessa literatura estava na Islândia, primeiramente colonizada por aristocratas noruegueses, que para lá se dirigiram para escapar de um rei tirânico, Harald, chamado de "O Bom Cabelo" (860-933), que reduziu e suprimiu a autonomia dos principados independentes. Esses aristocratas refugiados na ilha (País do Gelo) formaram um estado republicano, instalando o mais antigo parlamento europeu (Althing). Os primeiros missionários cristãos aparecem na ilha por volta do ano 1000.

A Islândia teve uma espécie de idade áurea durante o medievo, de grande prosperidade artística: construção de igrejas de madeira, confecção de artísticos altares e de paramentos religiosos, iluminuras de textos manuscritos e, sobretudo, uma original literatura. Três gêneros literários se destacam: o canto eddico (Eddas), a canção escáldica e a saga, esta última uma narrativa histórica e mítica à qual os islandeses deram forma artística.

A Edda, a arte poética islandesa, é formada por duas compilações em língua islandesa. A primeira tem o nome de Edda Antiga, treze poemas em verso consagrados à mitologia escandinava e vinte e um aos heróis (tradição alemã); quinze serão dedicados a personagens e acontecimentos das histórias dos Nibelungos. O manuscrito foi encontrado em 1643, nele se reunindo as tradições do paganismo escandinavo que a Igreja Católica queria ver desaparecer por considerá-las diabólicas. É o mundo anterior ao séc.IX, lembrando os registros algo do que encontramos nos textos de Homero.

Há a Edda em prosa, chamada de Menor, cuja autoria se atribui a Snorri Sturluson (1179-1241), um manual de iniciação à poesia escáldica (skald, poeta), onde, ao lado de feitos heroicos, deuses e mitos, encontramos questões técnicas de métrica, definição de temas, uma tentativa de sistematização da arte. Dentro desta Edda está Voluspa, grande poema cosmogônico escandinavo. Trata-se de uma vidente, descendente de gigantes, que vê passar diante de seus olhos a história do mundo até o seu final (Ragnarok). Os poemas, no seu todo, guardam com pureza temas ligados à natureza, à religião, cheios de fatalismo, coragem, crueldade e brutalidade. Falam de forças sobrenaturais, da precariedade da vida, da sua limitação e da morte. Nada de temas moralistas, de santidade ou de superioridade intelectual. Batalhas, lutas, ardor, esforço físico. A poesia era do coletivo, do nós, dos feitos (epos). Vida histórica e social de caráter universalista. Talvez a mais antiga produção literária desse povo seja "O Livro dos Islandeses", de Ari Thorgilson, do séc.XII, que descreve as antigas tradições, mais bem preservadas devido ao isolamento da ilha


VOLUSPA

As sagas só foram fixadas cerca de duzentos anos depois de terminada a era viquingue. Elas fazem dos viquingues, principalmente, figuras do mar que desafiam ventos e vagas e que vão procurar fortuna em terras distantes. Já os poemas que fazem parte da Canção dos Nibelungos, séc.XIII, 39 cantos, falam de heróis (Siegfried), remontando o núcleo da história ao séc.VI. O poema é uma epopeia alemã, escrita na Áustria no séc. XIII. Os temas e personagens da Canção dos Nibelungos vieram da Edda poética e da Volsunga, saga escandinava, divulgados entre os povos germânicos, recebendo, na sua composição, um tratamento mais literário, cortês, refinado. O tema dos Nibelungos foi parcialmente publicado em 1757, tornando-se popular entre os alemães devido à sua divulgação pelos poetas do Romantismo, sendo depois, então, aproveitado por Richard Wagner. Os germanos viviam ao sul da Escandinávia, ao norte da Alemanha atual. Agrupavam-se em tribos com fracos laços políticos, chegando mesmo a lutar entre si, apesar de alguma relação cultural, linguística e religiosa. Nenhum sentimento nacional os unia, porém. Três grandes grupos são notados: 1) godos, na região leste, entre os rios Elba e o Vístula; 2) germanos do norte, misturados com os escandinavos; 3) germanos do oeste (alemães e anglo-saxões).

Para escrever, os viquingues usavam o chamado alfabeto rúnico, uma espécie de código para fins comemorativos, jurídicos, inscrições etc. Runa quer dizer gravar, entalhar, escavar. A escrita rúnica não era cursiva nem estavam os runas ao alcance de qualquer um, só de religiosos, de homens da lei e de algumas mulheres. A decifração era objeto de veneração, uma espécie de poder mágico que os intérpretes detinham, ligado à feitiçaria, à magia e ao xamanismo. A origem do alfabeto rúnico é obscura. Grega, fenícia, cuneiforme da Mesopotâmia? Três eram os sistemas rúnicos: inglês, alemão e escandinavo, com poucas diferenças. Na magia, os runas eram instrumentos de rituais divinatórios e curativos. Ao lançador dos runas era necessária uma unidade perfeita e sincronizada com o cosmos. Ele se tornava veículo das forças nele presentes. Os runividentes usavam adornos (peles de animais), um capote de lã azul (cor de Odin), bolsa de couro (ervas), amuletos etc. No séc.XIX, estudiosos da cultura escandinava e ocultistas tentaram retomar a prática da runividência. Hitler era fascinado pela prática, usando-a na formação espiritual das forças da SS, para base de exercícios de meditação. Os chamados movimentos odinistas do século mencionado procuraram na prática um meio de controle das forças elementares, valendo-se inclusive de êxtases, beberagens, em cerimônias realizadas em florestas. O princípio que defendiam era o de que a atividade humana e o divino estavam interligados como vasos comunicantes. A base da mitologia escandinava era a de que a ordem cósmica e a social haviam sido estabelecidas pelos deuses. Na luta contra o mal, deuses e homens se unem contra o inimigo comum. Tal como os homens, os deuses envelheciam e morriam, um processo inexorável.


A COSMOGONIA

YMIR

No princípio, havia a região do fogo e da luz, ao sul, Muspilheim, reino de Alfadir; ao norte, a névoa, as trevas, Nifflheim, reino de Surtur, o Negro. Chispas e fagulhas saltam do sul e fecundam o norte. Forma-se Ymir, pai da raça dos gigantes. Nascido, teve fome. Um raio do sul fundiu o gelo dos rios do norte (12 rios que saíram de uma fonte, Hvergelmir). Nasce Audumbla, a vaca, símbolo da nutrição. De suas tetas sai o alimento para o gigante. Saciado, ele dorme. Da transpiração de suas mãos nasce um par (macho-fêmea) de gigantes; de um de seus pés, um monstro de seis cabeças.

Audumbla lambe a neve. Um crânio, depois um corpo. Era o deus Bure, formoso e forte. Dele nasce Bor, que, unido a uma giganta, gerará os deuses Odin, Vili e Ve, cujos descendentes, os Ases, dominarão o universo. Vencidos os gigantes pelos Ases, morto Ymir, no sangue deste todos se afogam, salvando-se só um par da raça gigantesca, Bergelmir e sua mulher, dos quais, depois do dilúvio de sangue, nascerá uma nova raça. Com o corpo de Ymir, os deuses formarão o universo novamente. Os restos do corpo de Ymir foram roídos por vermes, nascendo a raça dos anões, que irão para o interior da terra, com a missão de guardas os tesouros subterrâneos.

Os anões, dotados de forma humana e grande inteligência, não têm mulheres nem filhos. Se morrem, são substituídos por outros. Os humanos nascerão do mundo vegetal, de dois troncos de árvores. Os deuses lhes dão sopro (espírito), a alma, a faculdade de raciocinar, o calor, as cores da vida. O macho recebeu o nome de Ask e a fêmea de Embla. São os progenitores da raça humana.

A terra era então uma vasta circunferência cercada de água. Além, ficava o abismo, chamado de Midgard, onde vivia um dragão-serpente. Abaixo de Midgard, o terceiro mundo, o reino dos mortos, Nifflheim, reino de Hel, cuja entrada era guardada pelo monstruoso cão Garm. A representação do universo era feita pela árvore Yggdrasil, freixo gigantesco que unia os três mundos. As Nornas (Urd, o passado, Wertandi, o presente, e Skuld, o futuro), deusas do destino, regavam a árvore com a água retirada da fonte Urd. Nos galhos da árvore, ao alto, o galo de ouro, vigia dos deuses. Perto, pastava a cabra Heindrun, que alimentava com seu leite os guerreiros de Odin. Este mundo não era eterno, iria desaparecer. Chamava-se Ragnarok esse fim, o crepúsculo dos deuses.


O PANTEÃO


ASGARD



Três deuses parecem ter sido os maiores: Odin (Wotan), Thor (Donar) e Tyr (Tiuz). Viviam numa mansão, Asgard, o centro do universo. Essa mansão agrupava várias cidades, onde residiam os outros deuses. Eram, como se disse, os Ases. Havia também uma outra raça divina, os Vanes, deuses da fertilidade. Depois de lutarem por muito tempo, fizeram as pazes para juntos enfrentarem os gigantes.

Odin (Wotan) é o maior dos deuses. Seu nome lembra furor, frenesi. Tempestuoso e inteligente guerreiro, sua lança, Gungnir, é infalível, e seu cavalo maravilhoso de oito patas é Sleipnir. Negocia com os gigantes a construção de Valhala, palácio-fortaleza para nele receber os seus guerreiros mortos. Nos ombros de Odin dois corvos, que lhe cochicham tudo o que ouvem e vêem, Hugin (pensamento) e Munin (memória). Frigg é a sua esposa. As Valquírias são as filhas de Odin, sempre armadas, a cavalo, percorrendo os espaços, escolhendo os heróis que irão para o Valhala. Quando desce ao mundo dos mortais, Odin toma a forma de um viajante e protege a família dos Volsung (lobo).



Thor (Donar), deus das tempestades, dos raios (martelo), rude, simples, nobre sempre, mas desajeitado, é invocado nos combates. Sua arma é mjolnir (martelo), que jamais falha, que, lançado, depois de atingir a vítima, volta sempre às suas mãos. Consagrava os tratados públicos e privados, inclusive os casamentos. Tinha um cinturão através do qual redobrava as suas forças sempre que desfalcadas. Seu palácio ficava em Asgard, o campo da força. Thor percorria o universo num carro puxado por dois bodes, símbolos da força vital. Thor é a imagem idealizada do guerreiro. Passa por filho de Odin e de Frigg ou de Njord, a personificação da terra. Sua esposa era Sif, a fidelidade conjugal. Seus filhos, Magni (força) e Modi (cólera), tinham prodigiosa e inesgotável energia. Tyr (Tiuz, Ziu) lembra pelo nome o Dyaus védico. Aparece antes de Odin e Thor. Era o deus do coletivo, das assembleias, das comunidades tribais. Sua figura, aos poucos, é obscurecida pela de Thor.

Outra divindade importante é Loki, concebido inicialmente como um demônio do fogo. Seu nome lembra flama, em alemão. Seu pai é Farbauti (aquele que batendo faz nascer o fogo). A mãe é Laufey (filha da madeira, a que fornece a matéria para o fogo). Ganha Loki dignidade aos poucos, acabando por se integrar ao mundo dos Ases. Troca juramentos com Odin, tornando-se seu irmão de sangue. Diabólico, irresistível, sedutor, serviçal, extremamente manipulador, desleal, é o espírito da intriga, tendo problemas de convivência com todos os demais deuses. Heindall é outra divindade importante dos Ases. Deus da luz, é o começo do dia. Belo, grande, dentes de ouro puro, guarda a ponte que faz a passagem da morada dos deuses para o mundo dos mortais. Percebe tudo, vê tudo, ouve tudo. É inimigo jurado de Loki.

Balder era o deus da harmonia, luminoso, puro, ninguém tão belo quanto ele. Seu palácio ficava na Via Láctea. É filho de Odin e de Frigg. Pressente a sua morte. A mãe pede então às coisas do universo, as águas, os ventos, as plantas, os pássaros, o fogo, as aves, os animais, que não perturbem o pensamento de seu amado filho. Todos a atendem, menos Loki, que vai causar a morte de Balder. Hermod, irmão de Balder, tentará resgatá-lo do mundo infernal, no que será impedido pelo malvado Loki.

Ao lado dos Ases havia os Vanes, deuses pacíficos, benfeitores, dispensadores da fecundidade, protetores do comércio e da navegação. Os deuses desse mundo eram menos importantes, seu culto mais pobre. Hoenir era companheiro de Odin e de Loki nas aventuras de ambos. Bragi era o deus da poesia; Vidar, filho de Odin e da giganta Gridur, era taciturno, o deus do silêncio. Vali, também filho de Odin, era o deus da primavera. Ull, filho de Sif, era um deus caçador que vivia na neve. Njord regia os ventos e o mar; seu filho, Freis, dispensava a chuva. Foresti era uma divindade conciliadora que impedia as querelas e as divisões entre os humanos. Dagur, deus do dia, era seguido por Not, a deusa da noite. Dentre as divindades femininas, Snotra, deusa da conduta morigerada; Eira, deusa da medicina; Lofna, deusa da reconciliação dos amantes; Vara, deusa que castigava a infidelidade; Fulla, deusa dos enfeites e dos atavios femininos; Sinia, deusa da justiça e da equidade; Lina, protetora das amizades; Iduna, deusa da juventude eterna, esposa de Bragi, irmão de Balder, deus da beleza da palavra.



Nesse mundo, evidentemente, há menos histórias e referências sobre as divindades femininas, cultos menos desenvolvidos, A mais importante delas é Frigg/Frija, deusa do amor, a bem amada, símbolo da esposa perfeita. Freitag (Sexta-feira) é o seu dia da semana. Mulher de Odin, compartilha com ele sua sabedoria e ciência. A visão que escandinavos e germânicos tinham de Frigg diferia um pouco. Quanto aos primeiros, um maior envolvimento da deusa nas questões do marido, uma maior ação protetora com relação aos guerreiros, uma área maior de atrito com Odin, pois nem sempre ela respeita a fidelidade conjugal.

VALQUÍRIAS

É considerada a primeira das Valquírias. Ama a beleza física, as jóias, os atributos femininos. Os gigantes tentarão raptá-la (como aconteceu com a Hera grega). Às vezes, é identificada como Nerthus, a terra fecunda. A figura de Frigg se confunde em certas passagens com a de Freya, pertencendo esta, na origem, à família dos Vanes. Freya é irmã de Froh, deus da alegria. Noutras vezes, Freya se torna a esposa de Odin. Tem ela um palácio em Folkvang onde recebe os heróis e lhes dá hidromel. Em outras passagens, ainda, Freya é confundida com Gefson, deusa da fertilidade, a "doadora".


HEL

O mundo infernal não era um lugar de punição. Era para lá que ia a alma dos mortos. Era o domínio de Hel, filha de Loki. Seu reino abrigava monstros como lobo Fenrir, a grande serpente Midgard e outros. Como para os gregos, cada função do nosso psiquismo é alegorizada aqui por figuras míticas. Hel, como o Hades grego, representa o recalque. Odin, como Zeus, é o espírito, Balder lembra Apolo, a harmonia dos desejos. Siegfried, como Hércules, lembra o impulso heroico evolutivo etc. O inferno será assim o estado do psiquismo daquele que sucumbiu na luta contra os monstros, seja recalcando-os no subconsciente, rendendo-se a eles ou com eles se identificando. Foi Odin que fixou Hel no seu mundo, no Nifflheim (trevas), onde fica o palácio da deusa, cujo poder se estende aos nove mundos do seu reino. Quanto ao tema do crepúsculo dos deuses é importante ressaltar que escandinavos e germânicos não acreditavam na eternidade do universo. Os deuses também sucumbirão, tudo ruindo com eles, para que tudo se renove. Este acontecimento é designado por Ragnarok, destino fatal, traduzindo a palavra uma ideia de escuridão, trevas e caos ao mesmo tempo.


RAGNAROK

Quando da construção do Valhala os deuses prometeram aos gigantes que, ao término da obra, a deusa Freya lhes seria entregue, como forma de pagamento. Não cumprem o prometido, há rompimento de tratados, lutas, violência, destruição por ambas as partes. A morte do deus Balder foi o começo do fim. Deus da justiça, da luz e da beleza, a sua invulnerabilidade é testada pelos deuses. O astucioso Loki induz o deus cego Hodhr a atacar Balder com um ramo de agárico, o visco (Misteltein), símbolo da imortalidade e da regeneração. Balder morre, os monstros infernais se agitam, assim como os gigantes e os anões, instalando-se a desordem do universo. O encontro final entre as forças da luz e as das trevas se dará em Vigrid, campo diante do Valhala. Ocorre então uma destruição total, uma espécie de apocalipse e de revelação, também. Mas tudo renascerá. Sob os escombros desse mundo, o verde reaparece, um novo Sol brilha, reaparecerá uma nova geração de deuses. Balder, o belíssimo, o mais amado, ressurgirá. Os seres humanos voltarão e todos se abrigarão de novo sob o Yggdrasil, que recupera o seu viço.


YGGDRASIL E WOTAN

As Nornas, divindades do destino, assemelham-se às Moiras gregas, as Fiandeiras. Eram três: a primeira e mais velha é Urd, o passado, também nome de uma fonte ao lado da árvore sagrada; Verdandi é o presente e Skuld, o futuro. As Valquírias serão as ninfas do palácio de Odin. O nome Valquíria traduz uma idéia de escolha. Elas podem tomar a forma humana e também de cisne. Se surpreendidas neste última forma, não escaparão mais de quem as viu. Quanto aos espíritos e às almas, os mortos podiam retornar na forma de entes espirituais protetores, podendo alguns voltar como animais. Muitos perambulavam em cavalgada, conduzidos pelo demônio Wode. Para os germânicos, a alma era uma espécie de segundo eu, podendo ter vida independente. Nesse estado, a alma chamava-se Fylgja (o seguinte, o segundo), partilhando o destino do corpo.

Elfos era o nome genérico para os pequenos seres. Espíritos da natureza, viviam nas águas, nos bosques, nas montanhas, de onde saíam para dançar e percorrer os ares. Os anões formavam uma classe particular de elfos. Viviam no interior da terra, eram inteligentes, disformes fisicamente. Atuavam como processadores naturais dos tesouros subterrâneos, sendo ferreiros, joalheiros, ourives. Tornam-se personagens importantes como nibelungos. É a eles que Odin deve a sua lança que ninguém pode deter e que Thor deve o seu martelo. Os anões, nibelungos, de um modo geral, ligam-se às grutas, cavernas e corredores subterrâneos, como seres ctônicos. São fabricantes de maravilhas, gênios da metalurgia transformadora. Quanto aos gigantes, inspiram sempre temor pelo seu descontrole e desproporção. Personificam os fenômenos da natureza, terremotos, erupções vulcânicas, maremotos etc. Anteriores aos deuses, Troll era a sua designação genérica. Participam dos quatro elementos.

CONCLUSÕES


A mitologia escandinava e suas ramificações germânicas, com a cristianização do norte europeu, foi condenada ao esquecimento por muitos séculos. Em fins do séc.XVIII, com o movimento romântico, os temas do norte começam a ser recuperados. Entram em moda os chamados Cantos de Ossiam, poemas épicos atribuídos a Ossiam, filho de um bardo guerreiro e legendário, Fingal, que teria vivido no séc.III. Um mestre de escola escocês, James Macpherson inflama seus leitores com supostas traduções desse imaginário poeta gaélico. Escritos em prosa rítmica e cheio de metáforas, estes cantos de amor e guerra de um país de névoas e rochoso encantam a Europa de final do séc.XVIII. Na Alemanha, esse impulso reaviva o entusiasmo pela mitologia dos vikings. Herder (1744-1803), escritor e filósofo alemão, exalta o popular, opondo-o ao ideal clássico. Exerce grande influência sobre o movimento literário alemão Sturm und Drang. Goethe e muitos outros escritores, artistas, poetas, são tocados. Proposta: opor às luzes do racionalismo as exigências da sensibilidade, às regras do ideal clássico a originalidade do gênio (Goethe, Schiller e outros).

Herder publica um estudo sobre Ossiam. A poesia superior encontra-se entre os povos primitivos, a poesia escáldica, as canções populares. Escreve o filósofo um famoso texto para justificar as suas teses, A Voz do Povo. O poeta, diz Herder, é um inspirado pelos deuses. O que importa é a revelação e não a razão. O sentimento e a paixão na frente. Há que se despertar a alma nacional, a flama patriótica (alemã), valorizar o passado, o folclore, a inspiração popular instantânea. Surge então o ideário do nacionalismo romântico. O herói romântico afasta-se da realidade comum e anseia por algo mais que o terrestre. O mundo maravilhoso dos contos é retomado. Livre curso para a imaginação, contacto com o fantástico, visões, ondinas, espíritos elementares, anões, silfos, gigantes, etc. Há um regresso à antiguidade dos escandinavos, dos celtas, dos teutônicos. Reabilita-se o espólio cultural indo-germânico.

Luiz II, da Baviera, permite que Wagner traga de volta, a Bayreuth, o ciclo épico dos Nibelungos. Odin, Thor, os anões, todos tem a ver com a mitologia do fogo e com os seus significados mágico-religiosos. Sociedades secretas na Escandinávia e na Germânia cultuam o fogo como o grande agente das transformações universais. O senhor do fogo é Odin, com a sua cólera, o seu furor. É o guerreiro que produz uma espécie de fogo mágico em seu corpo. Retoma-se o antigo tema da cosmogonia escandinava (fogo x gelo), a luta entre a luz e as trevas, morte e renascimento.


HANNS HORBIGER



Nos tempos modernos, um grande teórico de tudo isto foi Hanns Horbiger, um visionário que Hitler encontraria várias vezes e que com as suas teorias o arrastaria para um grande conflito mundial. A teoria de Horbiger falava de uma luta entre o fogo e o gelo a cada 700 anos. Hitler considerava que a última explosão do fogo havia ocorrido quando do período dos cavaleiros teutônicos (ordem religiosa militar do séc.XII). A nova explosão coincidiria com a formação da Ordem Negra das forças da SS (tropas de elite, comandadas por Himmler - SS=Schutz Staffel). O mundo seria então renovado pela destruição das civilizações ocidentais decadentes, sob a orientação do Fürher (condutor), abrindo-se então um novo ciclo do fogo. A cruz suástica é transformada num Sol negro em associação com a águia vermelha, símbolo da combustão espontânea e da ressurreição.


O Nazismo, como doutrina, tinha o seu lado esotérico centrado numa comunidade iniciática, governada por verdades, dogmas, princípios e ritos. Esta comunidade, de caráter secreto, incorporava várias tendências, formando uma espécie de Alemanha subterrânea, um mundo que a História tradicional, oficial, acadêmica, não alcançou. Essa doutrina toma corpo entre 1920-1930, cristalizando-se naquilo que podemos chamar de "Socialismo Mágico", a inspiração maior do Nazismo. Uma das mais importantes sociedades secretas desse tempo foi a Sociedade de Thule, que se propunha a recuperar o patrimônio dos nórdicos, portadores da luz. Thule era um país mítico, uma espécie de Atlântida do Norte, onde teria se desenvolvido uma civilização adiantadíssima, com segredos que poderia ser recuperados. A posse desses segredos daria à Alemanha o controle do mundo. Toda a intelectualidade do nacional-socialismo pertencia à Sociedade de Thule, especialmente os saídos da aristocracia e da nobreza. Hitler, embora de origem plebeia, foi aceito. Essa Sociedade mantinha contactos com um colégio de mestres tibetanos. Uma das mais interessantes figuras desse mundo foi Alfred Rosemberg (1893-1946), ministro de Hitler, morto em Nuremberg. Outra figura notável foi a do jornalista Dietrich Eckardt, um tipo muito estranho, poeta, dramaturgo, um dos membros fundadores do partido nazista.


Outro discurso importante que os nazistas tentarão incorporar à sua ideologia é o de Nietzsche, que proclama a decadência do mundo ocidental, uma sinistra enfermidade. O filósofo anuncia um homem novo, como Zaratustra, o profeta da nova idade. Os pangermanistas também se apoderarão do famoso discurso de Nietzsche sobre a "vontade do poder". Traduzem-no como apetite dominador, triunfalismo, submissão às forças do mal (ocidente, racionalismo, sionismo, comunismo, etc.). O Nazismo também se apoderará da concepção wagneriana de arte. Hitler dirá: Tudo começou quando ouvi Rienzi. Mas é sobretudo a visão de O Anel dos Nibelungos que dará o sentido final: o divino como algo incompleto, enfraquecido, diante do homem que trilha o caminho heroico.