HOMERO (P.L.LAURENT, 1746-1816) |
APELES, 1334-1336 (NINO PISANO) |
APOLO E AS NOVE MUSAS NO MONTE HELICON ( HENDRIK VAN BALEN , 1575 - 1632 ) |
MELPÔMENE |
EUTERPE |
Os problemas de visão de Homero são registrados de modo unânime por todos os que se aproximaram dele desde a antiguidade. O mesmo acontece com o problema das cores, que o poeta apresenta. Isto porque mesmo ao leitor mais superficial dos textos homéricos sempre causou uma certa estranheza o modo pelo qual ele se referia às cores. Ao descrever, por exemplo, o mar, ele usou o adjetivo oinokros (cor de vinho), oinora ponton (oceano cor de vinho), o mel era verde e assim por diante. Cegueira cromática?
Quem levantou o problema nos tempos modernos foi um leitor de Homero, o político britânico William Ewart Gladstone, em 1.858, que se incomodou bastante, ao ler o poeta, com as suas descrições, quando nelas entravam as cores. Outros estudiosos, principalmente o filósofo e linguista alemão Lazarus Geiger, constataram que entre sessenta adjetivos qualificativos usado para descrever os elementos e as paisagens, na Ilíada e na Odisseia, três deles somente se referiam a cores. Kyaneos, por exemplo, designava uma cor escura, o azul escuro, mas podia o adjetivo ser empregado também para designar o violeta, o preto e o marrom.
Michel Pastoureau sugeriu em seu precioso livro sobre a cor azul, com muita propriedade, que a finalidade desse kyaneos não era propriamente a de descrever uma cor, mas a de lhe dar um certo “sentimento”. Glaukos, por exemplo, muito usado por Homero, tanto foi usado para descrever o verde, o cinza e o azul como, algumas vezes, o amarelo e o marrom. Glaukos, constatou-se, traduzia mais uma ideia de palidez, de um certo esmaecimento, do que a definição de uma cor. As controvérsias entre os helenistas de todos matizes sobre estes problemas das cores em Homero vêm se estendo até hoje. As explicações são muitas. Uma delas: Homero enxergava mal as cores, confundindo-as. Outras: licença poética, surrealismo avant la lettre ou uso de drogas quando o poeta participava de certos embalos com garotos.
Além disso, outras dúvidas vieram se juntar àquelas legadas pela antiguidade, jogando mais lenha na fogueira das paixões que o tema homérico continua despertando. Em 1.897, num ensaio (The Authoress of the Odyssey), Samuel Butler (1.835-1.902) segundo estudos que fizera, afirmou que Homero era uma siciliana, que se retratara em Nausicaa,
personagem do poema. Robert Graves (1.895-1.955), por sua vez, pegou a deixa, trabalhou o tema, e escreveu um romance (Homer’s Daughter) sobre essa personagem, que outra não seria senão a jovem filha do rei Alcinoos, que acolheu Ulisses quando ele deu com os costados em Esqueria, a ilha dos feácios. É de se lembrar que, além de ter invadido a literatura, Nausica marca hoje a sua presença na Psicologia, ao dar nome a um complexo, o Complexo de Nausica, para ilustrar o comportamento dos apaixonados silenciosos, que não conseguem declarar a sua paixão.
As versões acima alinham-se certamente com variantes que ligam a origem de Homero à Odisseia. Duas hipótese: numa delas, seriam pais do poeta Telêmaco e Policasta, jovem filha de Nestor. Noutra, o poeta teria sido gerado por Ulisses e Penélope. Ambas explicariam, justificando-o, o tratamento que o poeta teria dado a tais personagens nos seus poemas. Segundo esta linha odisseiana, seria explicado também o tratamento que o poeta dera a outros personagens que viviam no palácio de Ítaca.
Embora os argumentos dos “separatistas” pudessem apresentar alguma pertinência, eles, por si só, não bastariam para justificar a tese de que os poemas tivessem sido escritos por poetas diferentes. Dentre esses argumentos eram destacados os seguintes: os poemas consideravam e se referiam às divindades de modo diferente; as questões morais também apresentavam situações muito diversas. Ademais, nada tão opostos como Aquiles e Ulisses, "heróis" de ambos os poemas.
Já se disse que Homero está presente em todos os textos nos quais se fazem referências às suas obras. Ele é reinventado a cada vez que alguém escreve sobre ele ou sobre os seus poemas, quando espetáculos teatrais ou filmes são montados ou produzidos, com base em suas biografias ou em suas obras, quando recitais poéticos celebram no mundo todo a “matéria homérica”. Todos, de uma forma ou de outra, recuperam os seus temas.
DANTE GUIADO POR VIRGÍLIO ( GUSTAVE DORÉ , 1832 - 1883 ) |
Respigando aqui e ali, no séc. II de nossa era, Luciano, na sua História Verídica, nos relata um encontro com o eidolon de Homero na Ilha dos Bem-Aventurados, que ficava além do extenso rio Oceano que envolvia a Terra. Nesse encontro ele apresenta a Homero várias questões eruditas sobre A Ilíada e A Odisseia, discutidas no seu tempo. Já no séc.XIII, nos primeiros círculos do Inferno cristão, Dante (canto IV de A Divina Comédia), guiado por Virgílio, encontra-se com Homero, que está na companhia de Horácio, de Ovídio e de Lucano. No séc. XVIII, Giambattista Vico, François d’Aubignac e Friedrich August Wolf afirmaram que Homero era um personagem fictício, um nome por trás do qual se escondia uma corporação de rapsodos e de aedos.
Dentre todos os estudiosos da obra de Homero, avulta, mais perto de nós, sem dúvida, a figura de Victor Bérard (1.864-1.931), helenista, historiador, navegador, crítico literário, diplomata e engajado politicamente no campo dos dreyfusards. Grande tradutor francês da Odisseia, foi conhecido por unir um grande rigor histórico e linguístico a uma inspiração artística na produção dos seus textos. Deixou centenas de artigos e cerca de dez livros sobre a “matéria grega”, mais especificamente sobre a questão homérica. Além disso, tornou-se muito conhecido em toda a Europa por suas expedições pelo mar Mediterrâneo, ao tentar reconstituir as viagens de Ulisses. Bérard sempre acreditou que Homero teria se inspirado sobretudo em cartas de navegação fenícias para descrever as viagens de nosso herói.
Os estudos sobre Homero, conhecidos até Bérard, sempre consideraram que os deslocamentos de Ulisses sempre haviam se dado pelo mar Mediterrâneo, entre o mar Negro e Gibraltar, afirmando-se que ele nunca havia ultrapassado as colunas de Hércules. Por isso, segundo esse ponto de vista, era A Odisseia um poema mediterrâneo. Com seus estudos sobre o poema, esmiuçando o texto homérico como talvez ainda ninguém o fizera, com suas viagens, com o seu grande
conhecimento sobre navegação, regime de marés e ventos, inclusive sobre a construção dos barcos antigos usados na navegação mediterrânea e atlântica, Bérard nos provou que A Odisseia era também um poema atlântico. Ou seja, Bérard procurou demonstrar que os caminhos percorridos por Ulisses alcançaram as ilhas do mar do Norte, chegando o herói grego até a Islândia, provavelmente. Merece referência especial um álbum, Dans Le Sillage d’Ulysse, publicado postumamente (1935), no qual estão reunidas fotografias tiradas pelo fotógrafo Fred Boissonas, companheiro de viagem de Bérard.
FRED BOISSONAS , 1900 |
Foi, sem dúvida, através de Homero que pudemos perceber o quanto as primeiras tribos indo-europeias que se instalaram no futuro território grego, se sentiram incomodadas pela desenvoltura com quem as civilizações troiana e cretense dominavam, como talassocracias, o comércio marítimo do Mediterrâneo oriental.
A história da Grécia tem como ponto de partida o mundo cretense. Por volta de 1.800 aC, Cnossos e Faístos, em Creta, despontavam como centros altamente desenvolvidos. Cerca de dois séculos depois o palácio de Cnossos (Labirinto) foi destruído. Invasões micênicas e terremotos puseram fim à civilização creto-minoana por volta de 1.400 aC. No ano 1.000 aC, invasões dóricas, jônicas e eólicas subjugam os aqueus, que lá haviam chegado pelo início do segundo milênio. Fundaram eles centros que viriam a se transformar nas grandes cidades gregas: Atenas, Tebas, Esparta e outras.
A fundação de cidades no exterior (colônias) se devia sobretudo à ação da iniciativa particular, o que lhes dava uma certa independência com relação aos centros de poder continentais, mantendo-se a ligação apenas sob o aspecto religioso. Essa modalidade de colônia é chamada de apoikia. Posteriormente, foi criado um novo tipo de colônia, de iniciativa do poder da polis, mantendo os emigrantes os seus direitos de cidadania.
Depois de 1.400 aC, o comércio micênico tomou o lugar do comércio minóico, mantendo os micênicos intenso comércio com com Troia (exportação de louças), com a costa da Ásia Menor, Síria, Egito, Palestina e Itália. Pesquisas arqueológicas vêm nos informando que no sul da Inglaterra foram encontrados vestígios de louça e de utensílios (punhais) importados da Grécia, possivelmente levados pelos micênicos, que traziam de lá, da Cornualha, estanho, muito necessário para a fabricação do bronze, vital para eles.