domingo, 18 de outubro de 2015

HOMENS E ANIMAIS


A  CRIAÇÃO  DO  MUNDO  ( HIERONYMUS  BOSCH )

Foi no início do séc. XVIII, do chamado período moderno da história da humanidade, que vários pensadores procuraram fixar uma linha divisória entre o homem e os animais. Esta fixação servia para justificar a caça, a domesticação, o hábito de comer carne, a vivissecção, que entrara na moda em fins do séc. XVII, e o extermínio sistemático de animais nocivos e predadores.Procurou-se enfim definir claramente o que era humano e o que era animal. Quem não possuísse a essência típica dos humanos poderia ser classificado como semi-humano ou semianimal. Esta atitude de exclusão atingiu os chamados povos primitivos, que não dispunham de atributos como linguagem inteligível, tecnologia e religião cristã. 



Muitos religiosos, cientistas e sociólogos diziam coisas como estas no séc. XVII: a maior parte do globo terrestre é possuída e injustamente usurpada por animais selvagens ou por selvagens brutais, que, em razão de sua ímpia ignorância e blasfema idolatria, são ainda piores que os animais (Robert Gray). 

Os séculos XVII e XVIII registram muitos discursos semelhantes que falam da natureza animal dos aborígenes em várias partes do mundo, da sua sexualidade animalesca, da sua natureza brutal, da sua linguagem inarticulada. 
A tese, naqueles tempos, de que a criação estava destinada à conveniência do gênero humano, aliás, era bíblica. Neste entendimento, a espécie humana se elevava acima das inumeráveis outras que a cercavam. Ou seja, tudo na natureza (os reinos mineral, vegetal e animal) devia se submeter ao reino humano. E, dentro deste, seres como índios, negros, amarelos e outros, considerados inferiores, deviam ser classificados no reino animal. 


Até o século XVIII, por exemplo, o ato de amamentar bebês era considerado pelas classes superiores como uma atividade degradante. Os recém-nascidos deviam ser confiados a amas-de-leite. Jane Austen, escritora inglesa dos sécs. XVIII/XIX, uma das criadoras do romance moderno, descrevia as pessoas de seu sexo como pobres animais, consumidos por partos todos os anos.