domingo, 4 de novembro de 2018

AQUÁRIO (3)


AQUÁRIO
(JOHFRA BOSSCHART, 1919-1998 
Os aquarianos de todos os matizes precisam saber que o arquétipo do demiurgo tem origem no mundo aquariano, tanto como o encontramos mais ou menos definido no léxico do homem comum, na filosofia ou na religião. A palavra demiurgo, como se sabe, é grega, formada por dem, demos, povo, e por ergon, trabalho. Ou seja, demiurgo é o que trabalha para o povo, um benfeitor, se quisermos, servindo o termo na antiga Grécia para designar não só o artesão, o médico, o inventor como o criador de qualquer obra de importância ou grandiosa que poderia ser usada por muita gente. 


PLATÃO
Foi Platão, no Timeu, quem pôs em circulação a palavra demiurgo na filosofia, para designar o artesão divino ou o princípio organizador do universo que, sem criar de fato a realidade, modela e organiza a matéria caótica preexistente através das imitação de modelos eternos e perfeitos (os chamados eide, de eidos, forma). Posteriormente, nas seitas cristãs de inspiração platônica e no gnosticismo, demiurgo será o intermediário de Deus na criação do universo, responsável pelo mal que há nele e que à divindade não poderá ser atribuído.

Não podemos, por isso, deixar de trazer para a nossa consideração o mito grego que melhor ilustra o que está acima, o de Dédalo e de seu filho Ícaro. É neste mito que encontramos os aspectos fundamentais que definem a dupla característica criadora do signo de Aquário, o impulso que pode salvar e o impulso que pode trazer a perdição. 

Dédalo foi um artesão ateniense, famoso como arquiteto, escultor, inventor  consumado, podendo ser considerado, dentre outras coisas, como um precursor da robótica. Seu nome significa engenho, obra-de-arte. Era filho de Eupalamos, nome que quer dizer aquele que é hábil com as mãos. Consta que, por ciúme, numa crise tipicamente leonina, matou um sobrinho, dotado de enorme capacidade criadora, sendo obrigado, por isso, a buscar o exílio em Creta.

SÍTIO ARQUEOLÓGICO DE CNOSSOS


Acolhido por Minos, rei de Creta, tornou-se Dédalo o arquiteto oficial do reino, sendo responsável pela construção do Labirinto em Cnossos, gigantesco palácio constituído por um emaranhado de salas, corredores e subterrâneos. Foi nele que Minos mandou encerrar o Minotauro, monstro que sua mulher gerara incestuosamente ao se unir a um touro divino. Este animal fora enviado pelo deus Poseidon a pedido de Minos, um sinal divino que o confirmaria como único imperador de Creta, afastadas assim as pretensões de dois irmãos que com ele disputavam o trono. O animal foi enviado por Poseidon com a recomendação de que deveria ser sacrificado tão logo se mostrasse, resolvendo-se assim a  pendência. Minos, como sabemos, levou ao sacrifício um animal muito inferior, conservando o touro divino como reprodutor com o objetivo de fazer crescer ainda mais o seu grande rebanho e a sua incomensurável fortuna. 


LABIRINTO 

PASÍFAE  E  O  MINOTAURO
Os deuses puniram Minos, fazendo com que Pasífae, a rainha, concebesse uma paixão erótica irresistível pelo animal. Para consumar o seu intento, ela pediu a Dédalo que construísse um simulacro feminino do touro divino para que, entrando nele, pudesse se satisfazer sexualmente. Assim aconteceu, nascendo desse estranho conluio o Minotauro, monstro com corpo humano e cabeça de touro, que foi escondido nos subterrâneos do palácio. Minos, por sua vez, puniu Dédalo, que, sem consultá-lo, atendera ao que Pasífae lhe pedira, mandando-o para a prisão, juntamente com o filho Ícaro (etimologicamente, aquele se balança no ar), nascido de uma relação que mantivera, sem nenhum preconceito de classe, muito aquarianamente portanto, com uma escrava. 


ARIADNE, TESEU, MINOS
Outro ato lamentável de Dédalo com relação a Minos foi o auxílio que prestou à princesa Ariadne sem o seu conhecimento, fornecendo-lhe o famoso novelo de lã que seu amado, o herói ateniense Teseu, usou para se salvar do Labirinto, depois de matar o Minotauro. 

Deter um aquariano como Dédalo foi, sem dúvida, uma ingenuidade do rei, que subestimou a sua capacidade inventiva. Embora prisioneiro, Dédalo conseguiu fabricar, com penas de pássaros, entretela e cera, asas para si mesmo e para o filho, que presas às costas e acionadas pelos braços lhes permitiriam escapar da prisão. Ao filho fez a famosa recomendação: Não te aproximes demais do Sol; desconfia do teu entusiasmo ao voar, já que te sentirás tão livre e feliz nos céus como um pássaro que poderás correr o risco de chegar muito perto do Sol, fazendo com a cera de tuas asas derreta. Desconfia também do nevoeiro e da chuva fina se não quiseres que as penas de tuas asas, molhadas, se tornem muito pesadas e não mais sirvam para te transportar. Ícaro ouviu atentamente o pai, largou-se pelos ares, mas logo, vitimado pela conhecida embriaguez das alturas, aproximou-se perigosamente do Sol. As asas se despregaram de suas costas, caindo o jovem no mar, perecendo afogado. Em sua homenagem, o mar, na região de sua queda, passou a ser chamado de mar de Ícaro. 


ÍCARO  ( PETER PAUL RUBENS , 1636 )

Uma outra versão, porém, nos conta que, auxiliados por Pasífae, Dédalo e Ícaro conseguiram fugir de Creta, depois de ela ter se reconciliado Minos. Sabe-se por esta versão que pai e filho, cada um num barco, conseguiram sair da ilha em dias diferentes. Os barcos (modelos até então inexistentes) foram construídos por Dédalo, que para eles inventou uma vela especial. Ícaro, todavia, não conseguiu conduzir adequadamente a sua embarcação, que naufragou, morrendo afogado. Dédalo, por seu turno, perito na arte de navegar, conseguiu chegar a uma ilha desconhecida, nunca registrada antes em qualquer carta náutica. Em homenagem ao filho falecido, Dédalo a denominou Icária.

Dédalo refugiou-se a seguir na corte de Cócalos, rei da Sicília. Tomando conhecimento do local onde estava o genial inventor, Minos foi pessoalmente pressionar Cócalos para que Dédalo lhe fosse entregue. Mas o rei da Sicília a essa altura já havia sido conquistado pelo talentoso arquiteto, que construíra para ele uma cidadela inexpugnável na ilha, além de ter criado para divertimento de suas filhas soberbos autômatos, grandes bonecas que agiam como seres humanos. Diplomaticamente bem recebido por Cócalos, Minos hospedou-se no palácio. Convidado para um banho, o marido de Pasífae ao entrar na banheira real, mais uma pequena piscina, foi surpreendido por repentina mudança da água,que descia pela tubulação,em pez fervente, mais uma diabólica invenção do genial Dédalo. Outras versões, porém, muito malévolas, nos informam que foram as jovens e belas filhas do rei Cócalos que mataram Minos, pois não queriam, em hipótese alguma, abrir mão dos talentos do genial inventor que tanto as divertia com os seus mecanismos eróticos. Armaram uma festa, embebedaram Minos, e o afogaram na piscina. Um triste fim, sem dúvida, para um tão poderoso rei...


HERMES
Dédalo aparece no mito, acima de tudo, como um símbolo da engenhosidade e, como tal, é uma encarnação de certos aspectos do deus Hermes, o grande arquétipo no qual se concentram todas as características daquilo que chamamos de engenho, a capacidade de criar, produzir com arte e  habilidade alguma coisa, na qual podem entrar, nas expressões menores, o artifício, o estratagema, a astúcia, o provisório e mesmo o engodo. Lembremos em abono do que aqui que se coloca neste parágrafo que astrologicamente Mercúrio se exalta em Aquário, sendo inclusive regente do terceiro decanato do signo.

Há que se destacar, porém, como um traço importante da personalidade de Dédalo, com as implicações do arquétipo hermesiano, que ele, ao construir o Labirinto, deu simbolicamente forma a uma parte do psiquismo humano, àquilo que a psicologia chamaria mais de tarde de subconsciente. Segundo este enfoque, o labirinto teria relação com o fenômeno da vida psíquica que a psicanálise chamou mais tarde de recalque, mecanismo de defesa que teoricamente tem por função fazer com que exigências pulsionais, condutas e atitudes, além dos conteúdos psíquicos a ela ligados, passem do campo da consciência para o do inconsciente, ao entrarem em choque com exigências contrárias. 

FIO DE ARIADNE
A palavra labirinto, todavia, faz parte de um campo semântico bem mais vasto. Numa leitura religiosa, serviria o labirinto para alegorizar o mundo como descaminho, como queda e perdição do espírito na dispersão e na perplexidade diante da vida fenomênica. A redenção só seria possível se fosse encontrado um meio de se sair dele (o fio de Ariadne). O labirinto pode servir também como a ilustração do mundo do erro, uma representação daqueles que vivem vegetativamente. Quando nascemos, entramos nele e nele permaneceremos, desorientados e aflitos, até que nos tornemos pessoas “cosméticas”, que nos voltemos para a luz, buscando uma posição na ordem cósmica. 


LABIRINTO  DE  CHARTRES
Em muitas tradições, a entrada no labirinto lembra também a viagem noturna do Sol. Mais: o labirinto pode representar o processo mental do homem desprovido de uma dimensão espiritual em sua vida. Em catedrais europeias, como a de Chartres, encontramos labirintos esculpidos na pedra do seu chão para representar a vida como peregrinação e as suas dificuldades. Os labirintos, nas catedrais, eram chamados de “caminhos de Jerusalém”, considerados como substitutos da verdadeira peregrinação. A arte barroca e a arte rococó, em muitos parques públicos e privados (castelos), principalmente na França, transformaram os labirintos, de esquemas relativamente simples, em verdadeiros dédalos (sinônimo de labirinto muito complicado para os franceses) de vegetação alta e espessa com o objetivo de divertir os seus visitantes. 

Miticamente, Dédalo é um dos mais ilustres representantes do signo de Aquário; de um lado, superlativamente, ele é o modelo mais bem acabado do inventor, do construtor, do artífice consumado; de outro, na sua expressão inferior, ele é o homem da bricolagem, palavra herdada do francês, que significa a montagem ou a instalação de qualquer coisa feita por pessoa não especializada, não habilitada. Bricoleur é aquele que, embora não especializado, executa trabalhos e reparos, muitas vezes caseiros, que podem acabar dando certo ou não. No geral, bricolagem, é
THOMAS  EDISON
também uma arte de natureza aquariana voltada para a montagem ou combinação de elementos diversos. Quando pensamos em Dédalo lembramo-nos, por exemplo, de aquarianos como Thomas Edison. Como sabemos, ele, muito jovem e inculto, com mínima escolaridade, deixou ao morrer um currículo onde estão relacionadas mais de mil invenções. Aspecto interessante da personalidade desse aquariano era a sua famosa insônia, problema muito comum nos do signo, no qual o planeta Urano tem seu domicílio.


É creditado a Dédalo um grande número de construções, descobertas e invenções. Ele teria concebido o templo de Apolo em Cumes, decorando-o com afrescos que, dizia-se, ilustravam as várias etapas de sua existência. Na Sicília, teria construído uma barragem no rio Alabas para represar água quente, de origem vulcânica, destinada a um balneário, também por ele construído. Em Agrigento, teria dirigido a construção de uma grande fortaleza, o terraço do templo de Afrodite em Eryx.

Além de grande construtor, interessou-se Dédalo pela arte da navegação, tendo construído muitos barcos e inventado velas especiais. Diz-se que o machado cretense foi criado por ele, o que o
MACHADO CRETENSE
torna autor do símbolo do império minoano, o labrys, dois machados cruzados (labrys é machado em grego), encontrados em bandeiras, estandartes, velas de barcos e, como marca comercial, nos produtos que eram fabricados na ilha, tecidos, cerâmica etc. Devemos ainda a Dédalo, segundo o mito, a invenção da broca, da verruma, do fio de prumo e de uma cadeira flexível, dobrável, encontrada no templo de Palas Atena Polyade. Não podemos esquecer ainda os famosos servomecanismos (autômatos) que construiu e espalhou pelos lugares por onde passou, sendo, nesse sentido, o grande precursor da robótica, como se disse. Os mais exagerados atribuíram a Dédalo a autoria dos projetos de construção das pirâmides egípcias e do templo do deus Ptah em Menfis. 


DÉDALO
(ÍCARO CANOVA, 1757-1822
Se à história de Dédalo e de Ícaro juntamos a de algumas personagens da mitologia grega, como a de Prometeu, por exemplo, o famoso titã, o filantropíssimo, um dos grandes traços da personalidade aquariana ficará bastante evidenciado. Referimo-nos a uma forma de hybris (orgulho, desmedida), muito comum em alguns representantes do signo, a de tentar sempre a superação de certos limites; a mania de bater recordes, de serem únicos, um reflexo leonino, signo oposto, sem dúvida. Esta hybris, em muitos heróis gregos, se caracteriza pela pretensão que apresentam no sentido de se igualar ou mesmo de superar os deuses. 

Um antiquíssimo sonho dos homens, como o encontramos em muitas literaturas, é o de não só se igualar à divindade como o de ultrapassá-la nos seus aspectos criativos através de inventos que deem aos homens formas de elevação (arranha-céus, torres, asas, balões, foguetes, naves espaciais, asa delta etc.), levando-os a tomar posse dos céus. Mas Ícaro, recordemos, conheceu a queda, esquecido de suas limitações. Pretendeu atingir o Sol, símbolo da vida espiritual, por meios técnicos, meios completamente inadequados para esse fim, como a humanidade vem constatando, aliás, tristemente, mas sem entender a lição.

A história de Ícaro, “aquele que conheceu a queda”, ilustra o velho ditado de “o aprendiz de feiticeiro”, ou seja, daquele que perde o controle dos elementos que libera e que julgava ingenuamente poder controlá-los. As descobertas técnicas patrocinadas pelo impulso aquariano já presentes neste final da era de Peixes, as invenções, o fabuloso avanço da ciência, da tecnologia, da medicina, da informática, por causa da contradição apontada, vêm trazendo grandes riscos, que os homens costumam  ignorar. 

Recordemos que a correta visão astrológica sempre nos disse que em Aquário há uma desconcertante mistura de ingenuidade, de genialidade, de ânsia libertária e dispersiva, tudo típico do elemento ar. No fundo, talvez, mais uma tentação de jogar com as ideias do que procurar concretizá-las (a falta do elemento terra). Isto não quer dizer que o aquariano não possa ser objetivo e bem organizado. Raros, porém, os aquarianos originais e que são capazes de reforçar os traços superiores do signo com relacionamentos positivos e com uma disposição mental voltada efetivamente para o futuro. Muitos são excêntricos só por amor à excentricidade, operando num nível bastante inferior deste que é conhecido como “o signo do homem.”


GOLEM, COMO  ELE  VEIO  AO  MUNDO
FILME  DE  PAUL  WEGENER, 1920

É do mundo judaico que nos vem um dos maiores exemplos das características aquarianas negativas. Refiro-me ao tema do Golem, a história de um ser mítico que simboliza a matéria animada artificialmente e que  se constituiu num grande perigo para o seu criador. A palavra golem significa incriado, informe. Trata-se de um ser semelhante a um autômato, criado artificialmente pela magia cabalística, isto é, pela palavra. Na língua ídiche, a palavra golem tem conotação insultuosa. Alguns, lembremos, tentam associar, erradamente, a figura do golem à do zumbi. Esta última, saliento, vem de nzumbi, que em quimbundo, língua africana, quer dizer espírito atormentado, alma que vagueia às horas mortas. Popularmente, a palavra zumbi se integrou ao nosso léxico, sendo usada para designar aquele que só está ativo ou só sai à noite. O Golem foi criado, segundo a tradição hebraica, por meios artificiais para concorrer com a criação de Adão por Deus. A sua criação é uma imitação do ato criador divino e com ele conflita. O Golem é mudo, seus criadores não conseguiram lhe dar o dom da palavra. 


FRANKENSTEIN
Uma certa semelhança pode ser estabelecida entre o Golem e o conde Frankenstein, idealizado por Mary Shelley. Esta romancista britânica, nascida Godwin (1797-1851), era a segunda esposa do poeta Percy B.Shelley, amigo de Keats e de Byron. Mary Shelley não tinha vinte anos quando escreveu Frankenstein ou O Prometeu Moderno, em 1817, novela pseudo-científica que evoca a criação artificial de um ser humano e o drama de seu demiurgo. 

O nome Golem tem também o sentido de “matéria informe”, representando uma espécie de Adão antes de lhe ter sido insuflada uma alma. Segundo a tradição cabalística, os grandes mestres da doutrina esotérica judaica conheciam a arte de, através de um apropriado uso da palavra criadora, infundir uma espécie de vida em um ser construído com argila. Um rabino era particularmente citado quando se mencionava este poder, Jehuda Elijah Low ben Bezalel, que viveu em Praga ao tempo do kaiser Rodolfo II. O reinado de Rodolfo II (astrologicamente, um fascinante tipo saturnino), de meados ao fim do séc. XVI, coincide com uma das épocas mais fecundas da Europa sob o ponto de vista intelectual.

Dizia-se que Bezalel havia criado o Golem e o escravizara. Trazia este monstro inscrita na sua testa a palavra emeth (verdade), palavra que lhe conferia a vida. Cheio de temor, devido ao estranho comportamento de sua criatura, o rabino resolveu apagar da sua testa a palavra que lhe dava a vida. Conseguiu, entretanto, apagar só a primeira letra, ficando meth, morte. O Golem entrou então em decomposição, formando-se uma massa de argila que acabou por sufocar o seu criador. A história deixa claro a conclusão: uma advertência contra o uso impróprio de forças mágicas, criadoras, que escapam do controle daqueles que as usam e que se tornam perigosas, destrutivas. 

SANTO ALBERTO MAGNO
Numa interpretação religiosa, como nos conta o cabalista Hal ben Scherira, por volta do ano 1.000, a história do Golem pode ser aplicada àqueles que absorvidos em práticas místicas de meditação descontroladas, são oprimidos e quase levados à morte pelo novo ser que “criaram”. Esta história, como alguns registram, pode ser vista também como uma paráfrase judaica de uma lenda cristã segundo a qual Santo Alberto Magno, o Doutor Universal, teria fabricado artificialmente um servo, destruído depois por seu aluno Tomás de Aquino. 


SEFER IETSIRÁ
O Golem dos judeus deveria ser fabricado com terra de solo virgem, dando-se-lhe uma forma humana, enquanto se dançava à sua volta e se entoavam os nomes de Deus ou combinações das letras do Sefer Ietsirá (O Livro da Criação). A vida lhe era dada ao se inscrever o Tetragrama (o nome de Deus com quatro letras) num pedaço de papel e colocando-o sob a sua língua ou gravando-se uma palavra hebraica em sua testa. Muitos cabalistas e alquimistas dedicaram-se à arte da criação do Golem, havendo muita literatura sobre ela, principalmente na Idade Média.

Uma lenda judaica atribui ao Maharal de Praga, acima citado, a criação de um Golem na forma de um autômato de argila que teria ajudado os judeus a escapar de complôs anti-semitas. Este Golem
O  GOLEM
foi destruído porque se rebelou contra o seu criador, guardados os seus restos em algum lugar da velha sinagoga de Praga. O Romantismo do século XIX voltará a explorar a figura do Golem conforme explica G.G.Scholem. Gustav Meyrink, em 1915, escreverá um romance fantástico sobre a criatura. No cinema, temos O Golem, filme alemão de 1920. Neste filme, o monstro, fabricado para fins pacíficos, se transforma num demônio sanguinário. O sorriso de uma menina, entretanto, encherá seu coração de ternura. Em 1936, Julien Duvivier, na França, fará um remake do filme, no qual o Golem assume o papel de um mediador de povos oprimidos. 



DE KUBRICK  E  CLARKE
O que fica, porém, da imagem do Golem é que ela tem sido usada sob um ponto de vista religioso para simbolizar a pretensão que o homem tem de imitar a Deus. Nesta perspectiva, o ser criado não seria mais que um ente desprovido de liberdade, inclinado para o mal, escravo de suas paixões. Outras interpretações, com as quais nos identificamos melhor astrologicamente, fazem do Golem a imagem da criação tecnológica que ultrapassa o seu criador e que pode destruí-lo, esmagá-lo. Uma das melhores ilustrações desta interpretação pode ser encontrada, sem dúvida, no filme 2001 – Uma Odisseia no Espaço, dirigido por Stanley Kubrick, com base numa história de Arthur C.Clarke. Refiro-me ao principal “ator” do filme (Hal 9000), um computador algorítmico programado heuristicamente. Seu nome de batismo viria das letras com que se iniciam as palavras que acabei de citar. Para alguns, porém, o nome teria mais a ver com a palavra inglesa Hell, inferno, já que é “puxando” para a pronúncia desta palavra que os astronautas a ele se referem no filme.

Hal mata um membro da tripulação, arremessando-o ao espaço, quando ele saiu para trocar uma peça da nave espacial. Dave, principal personagem humano do filme, percebe horrorizado que outros tripulantes também haviam sido mortos por Hal enquanto dormiam. Hal, no filme, é um computador que tem “sentimentos” e que parece enlouquecer, podendo matar seres humanos por causa de uma iníqua sub-programação secreta. Hal, na aparência, era como qualquer outro computador. Estava preparado para resolver problemas lógicos. Mas a grande diferença com relação aos outros computadores é que ele era capaz de resolver problemas quando não havia uma solução algorítmica, isto é, decorrente da lógica matemática. Ele podia, por isso, não só aprender com a experiência como inventar (heurística, do verbo grego heurisko, encontrar) soluções com base nos seus feelings.

Essa ideia de se ombrear com o divino, criando seres artificialmente, como as experiências transgênicas, mudando espécies, ou fabricando objetos, utensílios ou instrumentos através dos quais venham adquirir poderes “divinos”, como o dom da ubiquidade e vida eterna, por exemplo, sempre tentou os homens em todas as épocas. Estas ideias, contudo, apesar de toda a sua
DE RIDLEY  SCOTT
sedução, serão sempre um atentado contra a ordem cósmica. Ou seja, não cabe a este último signo, a seus representantes, a criação, prerrogativa leonina, mas, ao contrário, a doação do que foi criado, do mais importante, a do próprio ego, no sentido do altruísmo, do devotamento social. Ao chegar a Aquário, na ordem zodiacal, temos que pensar em libertação, desapego das coisas materiais, busca de uma espiritualidade (que nada tem a ver com religião) mais elevada, transcendência que deverá ser vivenciada no signo seguinte, Peixes. Lembro de um filme no qual estas questões foram abordadas, muito útil para discuti-las, nestes tempos de “espanto” tecnológico. Refiro-me a Blade Runner – O Caçador de Androides, de 1982, refeito em final cut, na versão do diretor, em 2007.