Quando Guy completou treze anos, já muito afeito às coisas literárias (lia muito e escrevia poesias), Laure enviou umas composições do filho a Flaubert para que ele as avaliasse. Queria ela saber se Guy tinha autre chose que de la facilité. Se Flaubert dissesse sim, nós o encorajaremos; se dissesse não, nós o encaminharemos para fazer perucas, escreveu ela na carta.
Está hoje bem documentado o quanto Flaubert participou dos anos de formação literária de Maupassant, assumindo o papel de um exigente tutor (chegaram alguns, por essa grande proximidade, até a insinuar que Flaubert seria o seu verdadeiro pai). Realmente, Flaubert era não só o mentor intelectual de Maupassant como fez dele seu assessor, encarregando-o de executar tanto pesquisas literárias como tarefas braçais, transporte de livros, receber e retirar encomendas etc. Durante essa estreita convivência com Flaubert, Maupassant, ainda bastante jovem, foi contaminado pela sua obsessão com relação aos rigores da composição estilística: só havia uma palavra para dizer uma coisa, um só verbo para animá-la e um só adjetivo para qualificá-la.
Flaubert, já então uma das grandes figuras da literatura francesa, introduziu o jovem Maupassant nos meios culturais da época, apresentando-o a Catulle Mendès, Émile Zola, Paul Alexis, Théodore de Bainville, Ivan Turgueniev, Alphonse Daudet, J-K Huysmans e outros. Flaubert apresentou-o também ao seu editor (inclusive de Zola) e levou-o para frequentar os principais salões literários de Paris. Dentre os salões literários-mundanos mais visitados por Maupassant destacamos os de Marie Kann, de Mme. Strauss, da princesa Mathilde e da condessa Potocka. Os salões literários na segunda metade do séc. XIX classificavam-se em salões burgueses e aristocráticos, subdividindo-se estes últimos em salões da “verdadeira nobreza” e da “nobreza do império” (depois de Napoleão).
Marcel Proust, um jovem escritor então, deixou-nos uma viva lembrança destes salões, com informações detalhadas sobre os seus frequentadores, a moda masculina e feminina, o seu cerimonial, os principais temas das conversas, o nível das recepções, a música que neles era apresentada etc. Da princesa Mathilde, sobrinha de Napoleão, que mantinha um desses salões, falava-se que ela possuía, na sua simplicidade, uma fière humilité, além de la franchise e uma verdeur presque populaire. Maupassant frequentava diariamente o salão da condessa Emmanuelle Potocka, onde eram encontrados também Barrès, Bourget, Robert de Montesquiou, Fauré, Reynaldo Hahn e outros.
MAISON DE ZOLA - MEDAN |
Maupassant, num livro, Choses et autres, coletânea de crônicas literárias e mundanas escritas entre 1876 e 1890, publicadas na imprensa, deixou-nos páginas definitivas sobre Flaubert e sobre Zola (Le Livre de Poche nos deu uma boa edição desta coletânea, com um rico estudo introdutório de Jean Balsamo). Por essa coletânea de artigos, podemos conhecer reuniões literárias domingueiras que Flaubert organizava (o chamado grupo dos cinco) e das soirées, na casa de Zola, uma grande propriedade que ele possuía em Medan, cerca de 30 km. de Paris. Todos os que se reuniam em Medan, como diz Maupassant, eram gourmands e gourmets e amigos que se admiravam mutuamente, unidos por temperamentos, sentimentos e tendências filosóficas muito parecidos. Certa noite de Lua cheia, cada um dos amigos presentes contou uma história, falou de seus projetos relacionados com casos de guerra. Nas noites seguintes elas foram desenvolvidas; Zola achou os relatos muito interessantes e propôs que tudo fosse reunido num livro que evocasse temas relacionados com a guerra de 1870. Editado em 1880, o livro, uma coletânea de histórias, tem como autores Zola (L’Attaque du Moulin), Maupassant (Boule de Suif), J-K. Huysmans (Sac au dos), Léon Hennique (L’Affaire du Grand 7), Paul Alexis (Après la Bataille) e Henry Céard (La Saignée).
Ao final do ano de 1891, Maupassant reconheceu que a doença o dominara. Em 1892, uma tentativa de suicídio. Foi internado na clínica do Dr. Blanche com o diagnóstico de loucura, demência. No dia 6 de julho de 1893, com quarenta e três anos incompletos, morreu, sendo inumado no cemitério de Montparnasse, ausentes os parentes. Zola, em nome dos amigos, fez o elogio fúnebre, citando-o como um continuador de Rabelais, de Montaigne, de Molière e de La Fontaine.