quinta-feira, 11 de setembro de 2014

À MEIA LUZ, CUKOR E OUTROS TEMAS

O filme é de 1944, da Metro Goldwyn Mayer. Dirigiu-o  George Cukor, com roteiro  de John Van Druten, Walter Reisch e Jonh Balderston, tendo por base uma peça teatral, Gas Light, de Patrick Hamilton. Na produção esteve Arthur Hornblow Jr. No elenco: Charles Boyer (Gregory Anton), Ingrid Bergman (Paula Alquist), Joseph Cotten (Brian Cameron), Angela Lansbury (Nancy, a empregada), Dame May Whitty (Mrs. Thwaites) e Barbara Everest (Elizabeth, a cozinheira). No mais, na fotografia, Joseph Ruttenberg; na direção de arte, Cedric Gibbons, William Ferrari, Edwin B.Willis e Paul Huldschinsky. Os figurinos são de Irene Sharaff e Marion H.Keyes. Trilha sonora: Bronislaw Kaper. Solos de piano: Jacob Gimpel. Premiação: dois Oscars, um para a melhor atriz (IB) e outro para a melhor direção de arte.  

Na base do filme temos a peça Gas Light (Luz de Lampião), de
PATRICK    HAMILTON
1938, escrita por Patrick Hamilton, um autor de esquerda, alcoólatra, endividado e que detestava a vida moderna e a cultura capitalista. O filme logo se tornou um modelo clássico dos maus tratos que na vida de um casal um dos parceiros pode infligir ao outro para comprometer o seu equilíbrio mental. É a chamada crueldade psicológica; um dos parceiros, por motivos diversos (dinheiro, bens, outro amor etc.) atormenta, maltrata impiedosamente o outro com o objetivo de lhe fazer mal, de levá-lo à loucura, para interditá-lo legalmente, ou induzi-lo ao suicídio, destruindo-o.

Embora tenha Hamilton recebido referências elogiosas de alguns escritores de seu tempo, como Graham Greene, J.B. Priestley e Doris Lessing, nada encontramos sobre ele em A Short History of English Novel, de Sir Ifor Evans, e The English Novel, de Walter Allen, duas  sérias publicações  sobre a história da literatura inglesa. Por trás deste silêncio estava provavelmente o fato de Hamilton, em outras de suas novelas, ter não só atacado acidamente a cultura capitalista como procurado enfatizar a sua posição isolada no contexto literário do tempo, com demonstrações explícitas, públicas, de um comportamento contrário ao establishment. A crítica oficial chegou mesmo a tentar descaracterizar as suas investidas políticas ao tentar, diminuindo-o, caracterizá-lo como uma espécie de herdeiro menor de Charles Dickens por causa de seus interesse sociais.

DOROTHY RICHARDSON
Além disso, é de se lembrar que Hamilton apareceu num tempo em que a literatura inglesa começava a ser dominada por escritores que procuravam mais descrever a vida interior de seus personagens do que situá-los no seu ambiente social. Uma das primeiras a ir nessa direção foi, por exemplo, Dorothy Richardson, com Pointed Roofs, vindo em seguida Virginia Woolf, James Joyce e outros. Estávamos nos tempos em que, grosso modo, aos poucos, as explicações sociológicas do mundo começaram a ser substituídas pela psicológicas, inclusive na literatura.  

O que se sabe é que Hamilton publicou a sua primeira história em 1925 e que a sua primeira peça, Rope (1929), foi transformada em filme por Alfred Hitchcock em 1948 (The Rope´s End). Trabalham neste filme, o primeiro em tecnicolor de Hitchcock, James Stewart, Jhon Dall e Farley Granger nos principais papéis. Em 1940, a peça Gas Light foi filmada na Inglaterra. Hamilton morreu em 1962, vitimado por uma cirrose hepática. Entre 2005 e 2007 tivemos um revival de sua obra, em programas transmitidos pela BBC e transformados num DVD, lançado em 2007.

O revival de Hamilton pode ser creditado ao que nos meios literários ingleses, principalmente, desde meados do século passado, se deu o nome de ocultist psychogeography, que podemos
IAIN    SINCLAIR
definir como o estudo dos efeitos especiais do ambiente geográfico (Londres, por exemplo), conscientemente organizado ou não, sobre as emoções e comportamento de pessoas. Artisticamente, uma estratégia para explicar como a geografia das cidades ou de regiões afeta artistas, escritores, pintores etc. Um dos projetos literários mais interessantes sobre o uso da psychogeography na Inglaterra é o desenvolvido por Iain Sinclair, nascido em 1943. 


A crítica cinematográfica quase nada falou da importância dos roteiristas em Gas Light, os responsáveis pela adaptação do texto de Hamilton. Um deles, John (Van) Druten, inglês, já era autor teatral de sucesso nos anos de 1930. Sua ida para os USA se deve provavelmente a um problema que teve com a censura (numa de suas peças, um jovem aluno se apaixonava pela mulher de seu professor, um escândalo, na época). Nos USA, tornou-se famoso pelos roteiros de Cabaret (1972) e Uma Velha Amizade (1943).
JOHN   BALERSTON
Walter Reisch, austríaco emigrado, foi outro dos roteiristas, também conhecido como compositor de canções. Mas, dentre os três, porém, aquele que talvez deva merecer referências especiais seja John Balderston, especializado em scripts  de horror, responsável pelo tom noir do filme, muito bem captado pela direção de arte e pela direção de fotografia. Balderston teve participação destacada na realização de filmes como Frankenstein, A Noiva de Frankenstein, A Múmia e Drácula. 


O grande nome da direção de arte de À Meia Luz é, sem dúvida,
CEDRIC    GIBBONS
Cedric Gibbons, irlandês emigrado, que tinha sólidos conhecimentos de arquitetura e era especialista em manifestações artísticas ligadas à art déco e à arte moderna.  Gibbons, foi casado com a famosa Dolores del Rio e seu nome passou à história do cinema americano por ter sido o desenhista da estatueta do Oscar (1928). Foi, além disso, um dos fundadores da Academy Motion Picture of Arts and Sciences. Dono de um estilo muito pessoal, tem a seu crédito a arte de filmes como Born to Dance e Rosalie.

Joseph Ruttemberg, diretor de fotografia de À Meia Luz, é uma lenda nos meios técnicos americanos. Judeu russo emigrado, nascido em S.Petersburgo, começou no fotojornalismo. Trabalhou em outros estúdios (Fox, Paramount) até se fixar na MGM, onde, por 30 anos, foi o top da fotografia, glória que dividiu nos USA com Leon Shamroy e Charles Lang. Participou como fotógrafo do último filme de D.W.Griffth, The Struggle. Foi o criador da Society of Cinematographers. Já no fim da vida, depois de aposentado há vários anos, voltou à ativa, aos 86 anos, para transmitir, num seminário muito concorrido, toda a sua experiência como um dos grandes da fotografia no cinema.

As observações que faço sobre a equipe técnica de Gas Light não
BRONISLAW    KAPER
ficariam completas sem uma menção à música de Bronislaw Kaper, polonês de nascimento, emigrado. No seu país de origem estudou música erudita, passou por Paris, e depois foi para os USA, onde começou trabalhando para o music-hall. Kaper, como se vê, fez parte daquele grande contingente de emigrados europeus que, por razões políticas (perseguição nazista), principalmente, emigrou para os USA, gente como (para só falar dos músicos) Frederick Hollander, Miklos Rozsa, Kurt Weill, Harry Ravel e outros. Kaper sempre esteve ligado à Filarmônica de Los Angeles, tendo instituído, através dela, um prêmio para músicos que se destacassem no piano e nas cordas. Para mais informações sobre música e cinema remeto os interessados ao livro de meu amigo Gilberto Mendes, Música, Cinema do Som, editado pela Perspectiva. 

A realização de À Meia Luz foi muito problemática. Logo de início uma questão: nos créditos de apresentação, a discussão entre os produtores sobre o nome que viria em primeiro lugar, o de Charles Boyer ou o de Ingrid Bergman. David Selznick, famoso produtor à época, tinha cedido Ingrid para trabalhar no filme e não queria que o nome dela fosse colocado em segundo lugar. A disputa se arrastou por algum tempo, chegando-se a um acordo. IB aceitou que seu nome fosse colocado em segundo lugar, pois queria muito trabalhar com Boyer, já então um nome famoso, uma das maiores figuras do cinema à época, que dava muito prestígio a qualquer atriz que com ele contracenasse.


CHARLES   BOYER   E   INGRID   BERGMAN

Outro problema foi a dificuldade que IB tinha em fazer cenas amorosas. Lembre-se que ao chegar a Hollywood IB já havia trabalhado em onze filmes na Suécia. Selznick a contratara para estrelar Intermezzo, com Leslie Howard, em 1939. Antes de À Meia Luz, já havia feito filmes importantes com diretores americanos, O Médico e o Monstro, Casablanca e Por Quem os Sinos Dobram.

IB veio para os USA aparentemente bem casada com o médico sueco Petter Lindstrom e com a filha Pia. A atriz, muito tímida, não deslanchava, porém, nas cenas de amor, ruborizava-se, contraía-se, ficava travada, problema aliás já revelado anteriormente. Além deste, mais outro problema: ela era mais alta que CB. O ator, quando junto dela, tinha que subir num “ridículo caixote de madeira”, como ela revelou num livro de memórias; tinha, como disse, que pensar em não derrubá-lo e, ao mesmo tempo, procurar atuar corretamente. Por essa razão, as cenas de amor, os beijos, tiveram de ser filmados várias vezes, tudo em meio a muita gozação da equipe técnica.

O filme foi inteiramente realizado em estúdios, nada de exteriores, mesmo os planos que reproduziram ruas e praças. Dois aspectos se destacam no trabalho de GC: a direção de atores e a direção de arte. Grandes as interpretações de todo elenco. Notável, por outro lado, o trabalho de arte, os cenários interiores das casas, a sensação de claustrofobia criada na residência inglesa do casal. A reconstituição do sótão, onde estão as velhas lembranças de Alice Alquist, tia da moça, é um ponto alto. Há claras referências a um estilo de interiores vitoriano ou pós-vitoriano com algumas sugestões “egípcias”. Destaque para os lampiões de gás e para a variação de suas luzes, a sugerir a perda do equilíbrio mental de Paula.

Consta que IB estudou o seu personagem em clínicas onde estavam internadas pessoas com desequilíbrio mental. No filme, Paula é uma jovem inocente que aos poucos começa a duvidar de sua própria sanidade, tudo obra do marido, que se casara
com ela para poder se apoderar das jóias deixadas pela tia, famosa cantora, que morrera assassinada. CB compõe muito bem, com os modismos e a afetação que lhe eram peculiares (sotaque caprichado, andar empertigado, trejeitos faciais) o personagem cruel, hipócrita e detalhista no seu sinistro projeto. Destaque para Angela Lansbury, então com 17 anos, no papel da jovem empregada. Joseph Cotten é o policial que reabre o caso da morte de Alice, encerrado há vários anos sem solução alguma. Antigo admirador da tia da moça e agora apaixonado pela sobrinha, sua intervenção é providencial.

George Cukor (1899-1983), filho de emigrados húngaros, nasceu
GEORGES   CUKOR
em Nova York; começou no teatro, com muita habilidade para dirigir musicais e figuras femininas, um “diretor de mulheres”, como o chamavam. Dirigiu Greta Garbo, Katherine Hepburn, Ingrid Bergman, Norma Shearer, Joan Crawford e muitas outras grandes estrelas. Sempre procurou revestir seus filmes com um certo “valor” literário, artístico, um toque às vezes feminino, dando-lhes na medida do possível uma certa beleza formal (direção de arte).


Homossexual, manteve-se sempre discreto, como aconteceu com muitos outros personagens do cinema àquele tempo, atores e
CLARK  GABLE  E  MARILYN  MONROE
diretores. Teve, porém, que enfrentar vários problemas por causa dessa sua opção sexual. Foi ridicularizado pela direita religiosa e política, por atores “machões” como Clark Gable, que o chamava de “maricas”. Sua casa era famosa em Hollywood pelo requinte, pelos seus interiores, sendo usada inclusive para cenário de alguns filmes. Sóbrio, elegante, nunca fez parte do grupo de diretores machões e beberrões de Hollywood, como John Ford, Howard Hawks e John Huston. Nada de westerns, aventuras exóticas, ilhas do Caribe, corridas de automóveis, metralhadoras e gangsters. Dentre seus filmes, destacamos: Minha Bela Dama, Nascida Ontem, A Costela de Adão, Nasce uma Estrela, Les Girls, Quatro Irmãs, Ricas e Famosas etc.

Cukor sempre foi apontado como uma espécie de marginal no mundo hollydwoodiano. Manteve-se distante dos temas clássicos do cinema comercial que então se fazia; nada de pancadaria, de violência, de guerras, metralhadoras. Não pode também ser enquadrado como fornecedor de filmes escapistas para a chamada Usina de Sonhos que era Hollywood. Uma de suas marcas era a grande aversão que tinha pela vulgaridade, privilegiando um cinema de nuances, de semitons, algo, sem dúvida, raro no cinema americano.

Ingrid Bergman (1915-1982) era sueca (Estocolmo); perdeu os pais na primeira infância e foi criada por parentes (tios). Muito jovem se aproximou do teatro e em 1932 já atuava no cinema. Na Suécia, seu grande sucesso foi Intermezzo, de Gustav Molander. David Selznick viu o filme e a convidou para fazê-lo nos USA (1939). Na sua ficha, além das películas acima mencionadas, temos  Os Sinos de Santa Maria, Quando Fala o Coração, Interlúdio, Sob o Signo de Capricórnio, Joana D´Arc.

Em 1948, IB viu nos USA, num pequeno cinema de arte, um filme italiano, Roma, Cidade Aberta, de Roberto Rosselini. Ficou fascinada pela estética neo-realista do jovem diretor. A história nós a conhecemos: para escândalo do público americano, separou-se do marido sueco e se mandou para a Europa. Rosselini fez com ela

Stromboli (1950). IB foi malhadíssima pela imprensa americana, insultada. O público não aceitou o seu affaire, desapontado com “tão má conduta.” Seus filmes foram banidos das salas de projeção, seu caso foi parar no Congresso americano, pois entidades religiosas queriam proibir seu retorno ao país. Com Rosselini rodou Europa 51, Viagem à Itália e O Medo. Em 1955, separou-se do diretor italiano, continuando a filmar: Anastasia, a Princesa Esquecida, As Estranhas Coisas de Paris, Flor de Cacto, Assassinato no Expresso Oriente, Sonata de Outono. Retornou aos USA em 1957 para receber o prêmio dos críticos de Nova York por seu trabalho em Anastasia, a Princesa Esquecida. Passou seus últimos anos em Londres, afetada por um câncer, em companhia da filha mais velha (Pia) e dos filhos que teve com Rosselini, dentre os quais a atriz Isabella.


Charles Boyer (1899-1978) era francês. Como estudante de filosofia na Sorbonne começou a se interessar pelo teatro. Em l920, aproximou-se do cinema, indo depois para os USA, naturalizando-se americano em 1934. No cinema, sempre fez tipos sofisticados, galãs, com muito sucesso entre as mulheres americanas, desacostumadas com “machos” que podiam ser também delicados. Nesse sentido, representou o oposto de Humphrey Bogart.  Filmou Mayerling, O Pecado de Cluny Brown, Descalços no Parque e muitos outros, alguns com boa receptividade da crítica mais lúcida. 

Foi casado com Pat Patterson, atriz inglesa, que largara tudo para viver com ele. Tiveram um filho que morreu tragicamente, fazendo roleta-russa numa festa de embalo. Ele e a mulher, diante dessa perda familiar, tentaram  recompor a sua vida em comum, mas ela logo depois ficou doente (tumor cerebral), vindo a falecer em 1978. CB trancou-se num quarto por três dias sem ver ninguém. Encontraram-no morto (suicidara-se com barbitúricos). Quem contou essa história foi IB, que se tornara grande amiga do casal Boyer.

JOSEPH   COTTEN
Joseph Cotten (1905-1994) foi grande amigo e colaborador de Orson Welles. Frequentou escolas de arte dramática e jogou rugby profissionalmente. Foi crítico e fundou companhias de teatro. No início dos anos 30, estava na Broadway. Ajudou Welles a fundar o famoso Mercury Theatre de NY. Começou no cinema com Welles: Cidadão Kane, Soberba e Jornada do Pavor. Em 1943, fez A Sombra de uma Dúvida, com Hitchcock. Em 1948, recebeu um grande prêmio em Veneza pelo seu papel em O Retrato de Jennie. A partir dos anos 50 sua carreira declinou, chegando contudo a fazer alguns filmes com certo destaque, Petúlia, um Demônio de Mulher, No Mundo de 2020 etc. 

À Meia Luz é classificado como thriller psicológico. Thrill quer dizer emoção; thriller é filme de suspense. No enredo ou composição de um filme, telenovela, narrativa ou peça, suspense é artifício que consiste em retardar ou parar momentaneamente a ação a fim de criar no espectador uma expectativa ansiosa, angustiante, com relação ao que virá a seguir.

A temática de À Meia Luz faz parte daquele período (fins do séc. XIX e início do séc. XX) em que a alma humana começou a ser sondada segundo as teorias freudianas, que aos poucos começaram a invadir o cinema americano, trazidas por diretores europeus que haviam fugido do nazismo. Tais teorias, como se sabe, influenciariam também e bastante o chamado filme noir americano, da década de 50. Em À Meia Luz,  estas influências são notadas não só na composição da personagem Paula como na sua riqueza cenográfica.

É de se lembrar que a psicologia nos USA, importada da Europa, na virada do séc. XIX para o XX, a princípio impregnada de influências filosóficas, logo procurou alcançar uma identidade própria. Em 1887, G.Stanley Hall fundou o American Journal of Psychology. A APA (Associação Psicológica Americana) é de 1892. Ao mesmo tempo, criaram-se centros de estudos universitários, revistas especializadas e laboratórios de pesquisa. 


SENTADOS: S. HALL  ENTRE FREUD  E  JUNG.  USA - 1909  

A psicologia se expandiu nas décadas seguintes tanto em termos clínicos como com relação ao seu grande impacto na vida cotidiana das pessoas. Para se ter uma ideia da importância da psicologia na vida americana, como ciência do comportamento, já na segunda metade do séc. XX, o número de associados da APA chegava perto dos cem mil, indicando as estatísticas que, hoje, mais das metade de todos os psicólogos do mundo trabalha nos USA. 

Nos anos 40, o grande público americano estava pronto para receber a psicanálise de Freud, como uma nova técnica para se abordar a vida psíquica do ser humano. As primeiras referências à prática

freudiana no cinema americano, ainda que de maneira muito simplista, é óbvio, nós as encontramos em filmes como Blind Alley, de Charles Vidor (1939), Spellbound (Quando Fala o Coração), de Alfred Hitchcock (1945), High Wall (Muro de Trevas), de Charles Bernhadt (1947), Pursued (Sua Única Saída) (1947), Raoul Wlash, The Snake Pit (A Cova da Serpente) (1949), de Anatole Litvak. Destes filmes, o mais bem logrado, quanto à relação cinema-psicanálise, é, sem dúvida, o de Alfred Hitchcock (veja, neste blog, matéria sobre Quando Fala o Coração). 


À Meia Luz, quando exibido comercialmente, foi muito usado em debates nos meios psicanalíticos dos USA. Os móveis, os objetos, as relíquias, os adereços, toda a tralha, enfim, recolhida ao sótão, lugar proibido para Paula, foi vista como uma imagem do inconsciente, que só com muito sofrimento pode chegar ao nível consciente. Neste sentido, aponto também como  características interessantes do filme: ele se parecer muito com outros thrillers
JOSEPH  COTTEN  E  GENE  TIERNEY   (LAURA)
psicológicos do período, que tinham por base a crueldade conjugal (tema da agressão emocional, hoje muito em moda) e a cenografia claustrofóbica, gótica, como alguns a chamaram (veja-se Quando fala o coração, Rebeca, O segredo atrás da porta etc.). Há também a ressaltar que em filmes da época uma imagem foi muito usada, o de telas (retratos a óleo) de personagens femininas que, do passado, dominavam a ação do presente. Laura, o grande filme de Otto Preminger, com a sua maravilhosa canção de mesmo nome, de David Raskin e Johnny Mercer, é um exemplo clássico. 


O filme, como Cukor o conduziu, procura reconstituir o caminho da luz, ou melhor, da alternância entre o luminoso e o sombrio na personalidade de Paula. Esta alternância é registrada tanto pela oscilação da chama dos lampiões de gás da casa como pelos da rua. Aos poucos, num crescendo, o mundo das trevas vai se impondo, os objetos vão perdendo a sua nitidez. 

JOSEPH  COTTEN  E  DAME  MAI  WHITTY
Na medida em que a perturbação de Paula cresce, a obsessão do marido aumenta (encontrar as jóias, que não têm valor comercial). O clima de pesadelo que vai se acentuando é aliviado pela velhinha, a bisbilhoteira vizinha, que vê o desenrolar da história por um outro ângulo, “comentando-a” com  as suas intervenções. Esse personagem serve como uma espécie de válvula de descarga do nível das tensões que o filme procurou criar,  tensões manipuladas, a meu ver, até com um certo tom de gozação meio embutido no comportamento psicopático do marido, o personagem de CB, construído com alguma afetação, para não dizer canastrice. 

O cinema de George Cukor resistiu bem ao tempo. Ainda recentemente, em 2013, o festival de Locarno prestou-lhe uma justificada homenagem. Com o apoio da Cinemateca Russa, do Museo Nazionale de Cinema (Torino) e da Film Society, do Lincoln Center (NY), foi feita uma grande retrospectiva de toda a sua obra. O diretor do festival abriu as apresentações afirmando que Cukor, com o seu cinema, parece ficar na superfície das coisas, mas, na realidade, ele nos ilumina, atingindo camadas profundas da nossa personalidade, sempre com muita inteligência.