segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

PERSEUS

                     



PERSEUS é no mito filho de Zeus e de Danae, filha do rei de Argos, sendo, como tal, um dos ancestrais de Hércules. O Senhor do Olimpo penetrou na inexpugnável câmara da princesa por uma fenda nela existente no teto sob a forma de uma chuva de ouro. Engravidou-a, tornando-a mãe do futuro grande herói Perseu. O
DANAE   E   SEU   FILHO
menino permaneceu escondido, mas, um dia, o avô tomou conhecimento de sua existência. Encerrou mãe e filho num cofre inviolável e ordenou que fossem lançados ao mar. A pequena arca foi dar às costas de uma das ilhas Cíclades. Um dos irmãos do rei da ilha recolheu o cofre, o abriu, dele retirando Danae e o filho. Cuidou de ambos. Perseu logo se tornou um jovem esbelto, destemido, vivendo com a mãe na corte. O rei da ilha, Polidectes, que havia notado Danae e por ela se apaixonado, não conseguia conquistá-la devido à presença do jovem, sempre ao lado da mãe.



DANAE   E   A   CHUVA   DE   OURO  ( TICIANO )

Polidectes, um dia, ofereceu uma grande festa no palácio, perguntando aos convidados, como era costume, o que lhe ofereceriam como presente. Todos responderam que lhe dariam cavalos, o melhor presente para um rei como ele. Perseu, também convidado, num arroubo juvenil, disse que poderia, ao invés de cavalos, lhe dar como presente a cabeça da Medusa, pavoroso monstro que andava pelo mundo a aterrorizar os mortais. Polidectes aceitou. Deixando a mãe, muito preocupada e chorosa, nosso herói partiu então para a sua grande aventura iniciática. 



 O   PRESENTE  DE  PERSEU  ( JEAN-MARC  NATTIER )


PERSEU   E   AS   GREIAS
( EDWARD BURNE-JONES , 1892
Por intervenção de Zeus, Perseu recebeu o auxílio de duas divindades, Hermes e Palas Athena. Instruído por elas, Perseu, antes de buscar a Medusa, foi procurar as Greias (As Velhas), três monstros que viviam no extremo ocidente. O caminho era difícil, a região não era alcançada por nenhum raio de Sol, raríssimos os que se atreveram a visitá-la, dos quais, aliás, nunca mais se teve qualquer notícia. Só as Greias conheciam o caminho que levava à Górgona Medusa. As Greias também conheciam determinadas ninfas que guardavam certos objetos indispensáveis a qualquer empreitada heroica que tivesse por finalidade a morte da Górgona.


PERSEU
Perseu obteve das ninfas tudo o que lhe era necessário para a sua vitória: umas  sandálias com asas, uma espécie de alforje denominado quibisis (para guardar a cabeça da Medusa) e o capacete do deus Hades, que tornava invisível quem o usasse. Hermes, além disso, lhe deu uma afiadíssima espada (harpe ou falx), Palas Athena lhe emprestou a sua égide, polida como um espelho. Chegando à
TRÊS   GÓRGONAS
caverna da Medusa, a mais importante dos três monstros, Perseu a encontrou; junto dela, as suas duas outras irmãs, Esteno e Euríale. Na cabeça das três, à guisa de cabelo, serpentes; na boca, presas de javali; mãos e asas de bronze. Quem as olhasse ficaria petrificado. Calçando as sandálias voadoras, Perseu sobrevoou as três irmãs, concentrando-se na Medusa; refletiu o seu rosto no escudo e  lhe cortou a cabeça. Do pescoço ensanguentado do monstro nasceram o gigante Crisaor e o cavalo alado Pégaso; o pai era
PALAS  ATHENA  E  SEU  ESCUDO
Poseidon, a única divindade que ousara se aproximar da Medusa. Posteriormente, como sabemos, a cabeça do monstro foi colocada no escudo de Palas Athena, que com ela conseguiu assim petrificar os inimigos que bem desejasse. Pondo o elmo do deus Hades na cabeça, Perseu tornou-se invisível, escapando das duas outras irmãs,  Esteno e Euríale. 

Na volta, ao passar pela Etiópia, envolveu-se nosso herói com os reis do país, conforme já narrado anteriormente (constelação de Andrômeda). Libertou a princesa do pavoroso monstro Ceto que, enviado por Poseidon, iria devorá-la como vítima expiatória por causa da hybris materna. Voltando à sua terra de origem, com a princesa Andrômeda, soube Perseu que Polidectes tentara violentar sua mãe. Destronou-o, pondo no seu lugar o irmão que dele e da mãe cuidara. Em seguida, em companhia da mãe e de Andrômeda, foi em busca do seu passado. Tomou o caminho de Argos para conhecer o avô materno, Acrísio, rei da grande cidade. Ao saber da presença do neto, voltou à lembrança de Acrísio uma profecia que um oráculo lhe fizera quando do nascimento do menino, a de que um filho de Danae o mataria. Acrísio revolveu então, enquanto o neto estivesse na cidade, ir para Larissa e lá permanecer, cidade onde reinava um amigo. 



PERSEU   SALVA   ANDRÔMEDA  ( VERONESE )

Em Larissa realizavam-se competições esportivas, jogos fúnebres (agones), em homenagem ao pai do rei, recentemente falecido. A cidade recebera a visita de muitos atletas, vindos de várias regiões da Grécia, como era comum quando da realização destes certames. A caminho de Argos, Perseu resolveu participar dos jogos anonimamente. Na prova do lançamento de disco, da qual participava, Perseu o lançou de tal modo que, escapando do seu controle, a peça de metal atingiu violentamente a cabeça de um espectador que estava na tribuna real, matando-o. Era Acrísio, que em companhia do rei de Larissa a tudo assistia entusiasmado. Cumprira-se assim a profecia do oráculo. 





Esclarecidos os fatos, cheio de dor por ter causado a morte do avô, Perseu, depois de lhe prestar as devidas honras fúnebres, enterrou-o em Larissa. Tomou a decisão de não se dirigir a Argos para reivindicar o trono que, por direito, lhe cabia. Foi para Tirinto, onde reinava um primo, propondo-lhe que, no seu lugar, assumisse o trono de Argos, enquanto ele, Perseu, ficaria com o de Tirinto. Assim aconteceu, vivendo nosso herói até o fim de sua vida em companhia de Andrômeda e dos muitos filhos que tiveram.



PERSEU   E   ANDRÔMEDA  ( LAMBERT  SUSTIUS , 1510 - 1560 )

Perseu é o herói que vence a Medusa, símbolo da mãe terrível, responsável pela imagem excessiva da culpa que filhos podem criar quando têm que resolver o problema da construção de uma individualidade própria. Cortar a cabeça do monstro é dominar de modo permanente este sentimento desproporcional, exagerado, paralisante e mórbido que sobrevém quando há necessidade de que sejam ultrapassados os limites lunares do mundo familiar, tendo-se em vista a necessidade, como se disse da aquisição de uma individualidade autônoma.

A culpa que Perseu procurou e conseguiu (?) expiar, ao matar a Medusa, está representada no mito por aquilo que na vida do jovem grego chamava-se o momento da separação ou da iniciação, correspondente ao rito da efebia na sociedade grega. O herói, o jovem grego, por volta dos seus 18 anos, tinha que se afastar da proteção familiar, sobretudo a materna, e ir sozinho pelo mundo, viver por certo tempo nas fronteiras mais distante do país, em busca da sua afirmação, da construção de uma personalidade independente que o habilitasse a ter o direito, ao voltar, de se inscrever no seu demo como cidadão. Desta habilitação fazia parte um exame ao qual o jovem, depois de cumprida a efebia, devia se submeter, exame ao qual se dava o nome de docimasia. Dokimos, em grego, quer dizer prova. Docimasia era, pois, verificação de aptidão ou de elegibilidade. A dignidade da cidadania só era concedida àqueles que fossem aprovados quando da sua docimasia.   

Toda iniciação, e esta é uma das mais importantes, equivale no fundo a uma morte e um renascimento, fases aqui consideradas como uma saída, a transposição da  porta, para se ter acesso a um outro tipo de vida. Uma saída que significa uma entrada. A iniciação, neste sentido, operava uma metamorfose, a ultrapassagem de uma condição. Perseu abandonou o mundo materno, entrou num mundo difícil, escuro, foi ao extremo ocidente (morte da luz) onde viviam as Górgonas. Simbolicamente, no plano do psiquismo, temos aqui uma descida ao mundo subconsciente, a luta contra monstros e o retorno. A morte iniciática, a do antigo eu, prefigura a morte que deve ser considerada como a iniciação essencial para se ter acesso a uma vida nova. 


EFEBO   DOMANDO   SEU   CAVALO

O que se depreende desta história é que mesmo nas sociedades patriarcais a figura materna, embora submetida e subjugada, sempre guardou poderes que nunca deixaram de se manifestar, sub-repticiamente, de modo muitas vezes dissimulado, às ocultas.  Com efeito, quanto ao mundo grego, a experiência materna ocupava toda a infância de uma criança do sexo masculino, dominando ela toda a primeira parte da vida do jovem até a efebia. A criança grega passava esses anos iniciais de sua vida no gineceu (Esparta era exceção), o reduto feminino da casa. Para o grego, a criança e o adolescente até a efebia estavam presos de algum modo à  figura materna. Essa dependência, a rigor, nunca era rompida, mesmo que a casa materna fosse abandonada, persistindo a ligação por toda a vida como pressões inconscientes. Sempre presente a ameaça das origens, a tentação da vida regressiva. No arquétipo materno estão presentes de modo ambivalente a vida e a morte. Nascer é sair do ventre materno, morrer é voltar ao seio materno, a Mãe Terra. De um lado, segurança, abrigo, ternura, amor; de outro, risco de opressão, abafamento, castração e morte.

MEDUSA
A Medusa, no mito, é um dos aspectos da mãe que se recusa a ver rompido o cordão umbilical, a mãe devoradora que não quer perder a dependência do filho. Negativamente vivido, como se sabe, o arquétipo materno pode se projetar de variadas formas, de sentimentos inibidores, perturbadores, como saudade, nostalgia, culpa, remorso, lembranças, atavismos poderosos, hábitos, idiossincrasias,  materializando-se das mais variadas formas, como cidade natal, quintais, túmulos, jogos infantis, jazigos familiares, praias, alimentos, jardins, fontes, igrejas, salas de aula, brinquedos, objetos etc. Ou manifestando-se também sob a forma de pesadelo noturno, desde "visitas" de uma feiticeira, de uma serpente, de um monstro, a situações oníricas angustiantes geralmente ligadas a extravios, descaminhos, desorientação, impossibilidades ou limitações físicas, perda de algum sentido, surdez (falam conosco e não conseguimos ouvir), cegueira, permanência obrigatória em lugares desconhecidos etc. Na sua feição negativa, a figura materna aparece nos sonhos como uma força primitiva egoísta, exigindo sempre, não dando paz. A tarefa do herói consistirá, pois, em aprender a eliminar ou diminuir o poder dessas imagens e representações  sobre a sua personalidade. 

No seu aspecto destrutivo, quanto ao menino, ao adolescente, principalmente, a  fixação na figura materna apresenta geralmente uma tendência involutiva, uma regressão instintiva. Mesmo naqueles que conseguem se libertar fisicamente, a maioria continua a sofrer uma fascinação inconsciente que ameaça de paralisação o desenvolvimento do eu. Neste sentido, a mãe se torna para a criança um não-eu, sempre hostil, em razão do temor que inspira pela dominação inconsciente exercida. Num mapa astrológico, os bons astrólogos sabem que tudo isto pode ser explicado pela Lua, por sua posição e aspectos.

Alguns esclarecimentos adicionais, acredito, nos ajudarão a entender o papel dos homens e das mulheres na sociedade grega, papel que a mitologia, com seus heróis, nunca deixou de refletir. Evidentemente que quanto às meninas, às jovens do sexo feminino, nada do que está acima se aplica. Quanto à mulher, na sociedade grega, principalmente no período clássico de sua História, os papéis
ASPÁSIA   E   PÉRICLES  ( JOSÉ  GARNELO  Y  ALDA )
admitidos estavam assim distribuídos: em primeiro lugar, a cortesã, mulher livre, instruída, de família rica, que escolhia os seus homens e que pontificava em salões em que se discutiam filosofia e arte. Poucas, muito poucas, desempenharam este papel. A mais famosa foi Aspásia, bela e rica sofista, que viveu com Péricles, rei de Atenas. Em segundo lugar, temos as concubinas, para os prazeres da carne, pois as cortesãs eram sobretudo para os prazeres do espírito. Em terceiro lugar, a esposa, que vivia encerrada no gineceu, cuidando da administração da casa, das crianças, dos empregados domésticos e dos escravos. Fora deste cenário, que é o da aristocracia como classe social superior, a dos cidadãos, as mulheres distribuíam-se pela classe dos metecos (metoikoi), estrangeiros, e escravos (douloi), de todos os tipos. Só para se ter uma noção de números, lembremos que no século de Péricles, Atenas tinha cerca de 400.000 escravos para uma população de eupátridas ("bem nascidos", os aristocratas) situada entre 20 e 30.000 cidadãos.  

Dentro de casa, o marido, como chefe de família, tinha autoridade absoluta, dispondo inclusive do dote da esposa. A esposa, durante toda a sua vida, era, sob o ponto de vista legal, considerada como menor, já que dependia do seu senhor (kyrios) para tudo. Em qualquer circunstância, a mulher sempre dependia de uma autoridade masculina. Solteira, dependia do pai; casada, do marido; viúva, dependia do filho mais velho ou de um tutor por disposição testamentária do marido.    





A constelação de Perseu, por sua relação com a de Andrômeda, a princesa, é também conhecida como a do Príncipe. Príncipes, simbolicamente, representam a promessa de um poder autêntico, independente, qualquer que seja o domínio considerado, o contexto onde apareçam como personagens não só de mitos, mas de lendas ou histórias bem como no folclore.  O príncipe é o primus inter pares. Por isso, falamos em príncipe dos poetas, das artes, da ciência. O príncipe é também a imagem de um estado adolescente de vida, ainda não totalmente controlado. Esse estado, para ser ultrapassado, precisa de provas. O príncipe está mais para o herói que para o sábio, estado a que ele poderá ter acesso, ainda que isto seja muito difícil. A figura do príncipe sempre aponta para a metamorfose de um eu inferior num eu superior, entrando sempre a força do amor, nos mitos, como agente desta transformação. A grande vitória do príncipe é tanto a morte do monstro como a recompensa de um amor total. Outro, aliás,  não é o sentido da famosa história do Príncipe e da Bela Adormecida. Não podem ser esquecidas também todas as conotações cósmicas e sexuais embutidas neste tema. A libertação da princesa pelo príncipe pode significar a ação de deuses solares libertando ou acordando a adormecida alvorada. 

O mito de Perseu, como se disse, encerra a alegoria da passagem iniciática na qual um herói, depois de sua efebia (a vitória sobre a Medusa), une-se a uma princesa por ele libertada. Princesas são, como sabemos, simbolicamente, nos mitos, nas lendas e nos contos folclóricos aspectos do inconsciente masculino. Personificam, como anima, todas as tendências psicológicas femininas do psiquismo masculino que ele talvez não entenda bem ou mesmo que delas nada suspeite, mas que precisa resgatar, libertar, para poder dar à sua personalidade uma dimensão cósmica. Perseu é um herói que não segue o modelo mais comum de heróis da mitologia, no geral fracassados, inadaptados. Perseu se diferencia dos demais heróis porque não teve um pai mortal.


ANQUISES  E  AFRODITE
( FRANÇOIS  BOUCHER )
Todos os heróis gregos, como regra geral, são filhos de um deus e de uma mortal ou, em bem poucos casos, de uma deusa e de um mortal. Exemplo do primeiro caso, Hércules. Seu pai divino era Zeus. Sua mãe era Alcmena, princesa, mortal, casada com Anfitrião, mortal. Do segundo caso, Eneias. Mãe divina, Afrodite; pai mortal, Anquises. Por essa razão, talvez, é que Perseu seja o mais "terreno" dos heróis, tendo terminado os seus dias, ao que parece, em paz com Andrômeda, cheio de filhos. 

Perseu, como todos os heróis das várias tradições míticas gregas, é um fecundador e, como tal, saturado de machismo, sendo um dos mais bem acabados representante do princípio masculino, enquanto Andrômeda é um  símbolo do princípio gerador da vida. A libertação e a união com a princesa significa neste caso a possibilidade que é oferecida ao herói para que possa entrar em contacto com o seu lado feminino, a sua anima, algo que parece não ter acontecido, segundo os registros do mito. Todos os heróis gregos parecem ter fracassado neste ponto, sendo exemplares, dentre outros, os casos de Hércules (6º trabalho, O Cinturão da rainha Hipólita, das amazonas), de Teseu (o seu procedimento com relação a Ariadne), de Ulisses (o seu melancólico retorno a Ítaca).  

ANDRÔMEDA
 ( DANILE  CHESTER  FRENCH ) 
Lembremos que o nome Andrômeda é formado por palavras gregas, aner, andros e medein, que significam, respectivamente, homem corajoso, viril, herói, e cuidar de, comandar, ou seja, ela é a que reina sobre o homem ou a que dá limites ao homem. A anima feminina, como se sabe, pode tomar uma feição muito destrutiva na personalidade masculina, destruindo-a, desvirilizando-o totalmente. Talvez seja por essa razão que a literatura psicológica (Jung e seus seguidores) apresente muito mais material sobre a anima do que sobre o animus, aquela  sempre considerada muito perigosa para o tradicional desempenho masculino na medida em que aponta para a vida subconsciente, para o mundo dos sentimentos e das emoções. 



HOMERO   ENSINA  DANTE , SHAKESPEARE  E GOETHE
( BELA  CIKOS  SUSIJA , 1864 - 1931 ) 

Por outro lado, não é a mulher emancipada ou masculinizada, fálica, que pode oferecer ao homem uma possibilidade de transcendência, mas, sim, aquela que, longe dos estereótipos, simbolize o eterno feminino (veja Dante e Goethe),  na medida em que ela sabe manter-se aberta para um contacto com as forças geradoras do universo. O feminino não se limita só à maternidade; é dele uma variedade e uma grandeza de sentimentos que o masculino jamais poderá experimentar, inclusive se considerarmos o corpo humano sob o ponto da sua química. A mulher sempre manteve um contacto muito maior que o homem com o mundo do irracional e das emoções. É só a partir deste entendimento, talvez, que a anima, os aspectos femininos do inconsciente masculino, deixarão de ser, como sempre o foram, representados por monstros. 


A constelação de Perseu vai de 12º de Touro a 11º de Gêmeos. A sua estrela mais brilhante é Algenib ou Mirfak, alfa, a 1º 23´ de Gêmeos; depois,  Algol, beta,  hoje a 25º28´ de Touro; e Capulus, um cluster, a 23º 30´ de  Touro. Segundo Ptolomeu, as influências de Perseu apontam para uma natureza aventureira, dão inteligência, mente poderosa, mas, às vezes, eticamente questionável. As estrelas, ainda segundo Ptolomeu, têm a natureza de Júpiter e de Saturno. Mirfak, porém, pelo que me foi possível observar, tem mais uma natureza marciana, que jupiteriana ou saturnina. Ela nos fala de ação física, de juventude, de vitalidade, de destemor, com inclinação para a imprudência e para a impulsividade, características tipicamente marcianas. 





A outra estrela de Perseus é Algol, considerada tradicionalmente como uma das mais maléficas do céu, que representa a Medusa. O nome nos veio dos árabes, Ras al Ghul, a Cabeça do Demônio, Caput Medusa para os latinos. Os astrólogos judeus a chamaram de Lilith, a primeira mulher de Adão, depois transformada numa espécie de vampiro noturno. Lilith é o feminino que diz não. Segundo os judeus, é aquele feminino que transgride a lei divina para poder viver o desejo absoluto. Não podendo satisfazê-lo, fecha-se na solidão gelada do seu refúgio. Lilith tem a ver com as trevas, com a noite, de onde tira o seu nome, laylah (noite). No mundo árabe, principalmente entre os persas, no período medieval, Leila era o nome de uma mulher ideal dos poetas.



A   CRIAÇÃO   DO   MUNDO

A Bíblia, no Gênesis, nos revela que Deus criou o macho e a fêmea em condições de igualdade. Quando esta fêmea criada reivindicou essa condição em relação ao macho, ela logo constatou que não poderia obtê-la porque Deus e Adão, o macho, não o consentiram. Voou ela então em direção do deserto, indo depois para o mar Vermelho. Adão queixou-se a Deus, que enviou três anjos numa fracassada tentativa de trazê-la de volta.


LILITH
( ERNEST  BARLACH )
Juntando-se aos "anjos caídos", tornou-se Lilith (assim passaram a denominá-la os judeus) mulher de Samael, o senhor das forças do mal, o Sitra Achra. Para os judeus, Lilth é uma figura sedutora, com longos cabelos, que voa à noite para atacar os homens que dormem sozinhos, que têm filhos demônios com eles, por meio de suas poluções noturnas, roubando inclusive crianças. Na véspera do Shabat (Lua Nova) quando uma criança sorri no berço é porque Lilith está brincando com ela. Na Idade Média, havia a crença de que era perigoso beber água nos equinócios e nos solstícios porque nesses períodos o sangue menstrual de Lilith pingava, poluindo todos os líquidos expostos. 

Ignorada pela Bíblia, Lilith aparece no Zohar, o Livro dos Esplendores da Cabala hebraica. Ali se revela que ela gerou o espírito de Adão ainda inanimado, depois uniu-se a ele como mãe e mulher ao mesmo tempo. Lilith é assim a primeira  mulher que precede aquela que assumirá o papel de esposa concebida a partir de Adão, sempre inferior a ele, portanto, e inteiramente conformada à lei conjugal por ele imposta.    


SALOMÃO   E  A  RAINHA  DE  SABÁ
( FRANS  FRANCKEN , 1581 - 1642 )

Lilith tornou-se para sempre a rainha da noite, o grande demônio feminino, a rainha de Sabá (apareceu a Salomão disfarçada como a rainha de Sabá), a grande prostituta da Babilônia, a futura feiticeira que, ao longo de milênios, arderá em todas as fogueiras do desejo coletivo, a vamp fatal de todos os filmes noirs. Lilth é uma das primeiras imagens que toma o arquétipo materno que não recua diante da morte da sua própria criação (Medeia) nem diante de seus amantes. É a chamada mãe terrível e castradora, a parte maldita da anima feminina. 

Segundo a tradição judaica, Lilith não podia ter filhos, era estéril, pois Deus, como está no Zohar, colocou-lhe o sexo no lugar do cérebro. Ela, contudo, encontrou um meio de criar uma progenitura. Ela passou a criar os filhos que os homens tinham com Naamah (etimologicamente, encantadora, complacente), uma mulher-demônio que lhes aparecia em sonho, sorria para eles e os excitava, aquecendo-os. Ela se esfregava nos homens, bastando o desejo deles para fecundá-la. Se o homem acorda e mantém relações com a esposa, o filho que nascer será de Naamah, pois o desejo dele era por ela, embora a relação sexual tivesse sido mantida com a esposa. Lilith, então, velará por esta criança, visitando-a a cada Lua Nova.


CHINNAMASTA
Encarna Lilith a Lua Negra dos astrólogos, representando a recusa da afetividade e da sexualidade guiada e orientada pela lei social e divina para gozá-la livremente, sem nenhuma interdição. Simbolicamente, ao longo dos séculos, a Lua Negra aparece, por exemplo, na Índia, através de personagens como as deusas Bhairavi e Chinnamasta do Tantrismo. Na Grécia, no mito, o arquétipo funciona com relação às mênades de Dioniso, a Hécate, a Electra, a Medeia, a Fedra e outras
LETTRES   D'AMOUR ,
DE  MARIANA   ALCOFORADO
personagens. Na vida real ou na literatura mundial, são exemplos do arquétipo Safo, Anna Karenina, George Sand, Carmen, Emma Bovary, a princesa de Clèves ou a religiosa portuguesa do texto de Mariana Alcoforado. Há sempre uma ideia de rompimento dos limites oficiais. Mulheres reais que procuraram viver o amor livremente no que ele pode ter de mais profundo e intenso, válidos todos os sacrifícios para se chegar a esse absoluto, sempre fugidio ou negado, porém. Lilith pode ser vista também, segundo o entendimento judaico, rabínico, como o arquétipo da primeira feminista, onde quer que ela tenha aparecido.

Uma das imagens mais bem delineadas desse arquétipo é a da Lâmia como a mitologia grega a elaborou. O nome vem de um radical grego (lem) que traduz a ideia de sugar, tragar, devorar, denotando sempre avidez, voracidade. É filha do deus Poseidon e de Líbia, uma das filhas do deus Oceano. Dotada de grande beleza, foi amada por Zeus. Muito perseguida e amaldiçoada por Hera, todos os filhos que teve com o Senhor do Olimpo morriam. Tomada por grande desespero e dor, Lâmia refugiou-se então numa caverna, onde vivia embriagada, passando a alimentar um enorme ódio por todas as mães e por seus seus filhos, que raptava e devorava.

Incansável e vingativa, Hera foi mais fundo na sua sanha persecutória. Tirou o sono de Lâmia, não a deixando dormir, impedindo que Hipnos, o deus do sono, a visitasse. Por isso, embriagava-se ela cada vez mais. Apiedando-se do destino da jovem, Zeus lhe concedeu o privilégio de tirar e recolocar seus olhos nas suas órbitas quando bem entendesse, o que fazia cada vez mais, nunca deixando de se embriagar, porém. Costumava Lâmia vagar pelas noites em busca de crianças para aplacar o seu ódio. Com o tempo, transformou-se numa figura enorme, gorda, imunda e sexualmente insaciável. Aos poucos, sua imagem se fixou numa forma vampiresca que raptava adolescentes.

Num primeiro nível de leitura, Lâmia representou na mitologia grega a mulher que não conseguiu ter filhos, a mulher estéril, cheia de inveja, de ciúme, rancorosa. A Lâmia poder ser aproximada das
LÂMIA  ( BRONZE )
Sereias, só que vivendo em cavernas ou nos desertos. A semelhança com a Lilith dos judeus não pode deixar de ser feita, especialmente quanto ao fato desta última ser também raptora de crianças e jovens, modelos ambas da mãe terrível e castradora. A Lâmia, como símbolo anímico, aponta para um nível primário, instintivo, biológico, sexual, ou seja, para a alma aprisionada por seus apetites inferiores, entregue às tentações. Tanto Lâmia como Lilith representam a mulher abandonada, suplantada, e que, por isso, odeia os quadros familiares tradicionais porque não pode neles se integrar. Odeiam ambas a união legalizada e abençoada pela religião oficial e os frutos por elas gerados. Frutos que devoram como se devoram a si mesmas.

A partir do século XX, a Sociologia e a Psicologia tentaram em algumas culturas, para desgosto e escândalo de muitos movimentos religiosos oficiais, aliviar um pouco esta imagem demoníaca da Lâmia e da Lilith. A recusa que ambas encarnavam passou aos poucos, nas culturas onde o arquétipo mais se desenvolveu, a tipificar a mulher rebelde, que recusava o casamento tradicional, sendo uma de suas bandeiras, justamente, o movimento feminista. Personagens míticas como a Lâmia aparecem em tempos muito remotos, em várias tradições e culturas, como no épico sumério de Gilgamés. Entre os antigos chineses seu nome é Chiang-Shih. Na Índia, além do que já se disse, são as vetalas. O arquétipo pode ser

encontrado em várias civilizações, na mesopotâmica (tradição sumério-acádica), com os nomes de Lilitu, Lilu, Lulu (vide ópera de Alban Berg e filme de Pabst), na tradição egípcia, fenícia e outras mais. Segundo o modelo vivido nos tempos modernos, Algol (Lua Negra), sob um outro ângulo, representa também tudo aquilo que o homem teme no feminino no seu papel de mãe e amante, ambos devoradores. É também o lado selvagem, bruto, dionisíaco e ameaçador da mulher, demonizado ao logo da história da humanidade, principalmente por todos movimentos religiosos.

A Lua Negra, na Astrologia, é um ponto fictício no céu, mas importante na  interpretação de temas astrológicos. Ela simboliza, de um modo geral, a sensualidade. Não podemos confundir este ponto com a sexualidade que Plutão representa, esta sempre ligada a um poder de criação. A Lua Negra é um ponto focal de natureza tamásica, como dizem os hindus. Este ponto tem relação com uma energia condensada, que precisa ser liberada. Há uma ideia de algo a vencer, de uma obscuridade a dissipar, de um karma a purgar, alguma coisa que é preciso liquidar. É no mapa um lugar de temor, de recusa, e ao mesmo tempo de fascinação, de atração e  de absorção. Transmutado, o ponto permite a purificação de paixões. É sempre um lugar perigoso que pode dar passagem de um modo abrupto ao centro mais luminoso do ser. A Lua Negra avança 3º por dia lunar e dá a volta completa no Zodíaco em oito anos e oito meses.

A estrela Algol se, por um lado, pode sugerir violência, obsessões e autodestruição, um ponto onde se acumulam sentimentos poderosos (raiva, ódio, estados compulsivos, vingança), ela pode, positivamente, por outro, liberar energias muito poderososas, como temos, por exemplo, nos mapas de Albert Einstein (Algol culminando) e de Mozart, que tinha Mercúrio ascendendo com Algol. Planetas em ligação com Algol carregam-se das energias desta estrela, uma das mais poderosas do céu.

Há também em Perseu um cluster, Capulus, a 23º30´ de Touro, tradicionalmente associada a sua influência a impulsos focados na
WILLIAM   BLAKE
ação, algo brutal às vezes, de natureza masculina, uma espécie de complemento das energias represadas por Algol, de natureza mais feminina. Alguns identificam Marte e Mercúrio por trás destas influências de Capulus. Um dos exemplos para estudo das influências deste cluster é o mapa de Wiliiam Blake, místico, poeta, pintor e gravador inglês do séc. XVIII.