sexta-feira, 18 de abril de 2014

IRÃ (PÉRSIA)



                                   
A antiga Pérsia chama-se hoje República Islâmica do Irã. País da Ásia ocidental, com 1.648.000 km2 e cerca de 60 milhões de habitantes, sendo a maioria xiita (80%). As primeiras referências

MEDEIA 
que temos sobre os habitantes da região mencionam dois grupos: nas montanhas, os persas, na planície os medos. Estes últimos, segundo a mitologia grega, descenderiam de Medo, filho de Medeia e de Egeu, pai de Teseu. Através do Elam, região situada a leste do rio Tigre inferior, as influências babilônicas se fizeram sentir desde o período proto-histórico do país. Por volta do segundo milênio antes de Cristo, invasores indo-europeus deram seu nome ao imenso platô onde se estabeleceram, chamando-o de Aryana-Vaejo (origem dos árias), ou seja, Eran ou Iran, o país dos árias (nobres, leais, senhores). Os árias vinham do sul da Rússia meridional, tendo chegado à Ásia através do estreito de Dardanelos e dos montes Cáucasos. É de se lembrar que o nome celta da Irlanda era Erin, o que nos permite estabelecer uma ligação de fundo indo-europeu entre todas as regiões mencionadas. 



VEDAS

Os árias, instalando-se na região acima descrita, foram se misturando e se impondo às tribos persas e medas. A língua que desenvolveram na terra conquistada apresentaria alguma semelhança com a que seria criada na Índia, também por eles invadida, para registro das suas crenças religiosas (Vedas). É desse tronco, o indo-europeu, que sairiam várias outras línguas, um idioma-tronco que encontramos na origem das línguas eslavas, germânicas, grega, latina e celta e que nos permite perceber entre os povos que as falam ou falavam um elemento comum entre os seus mitos.


ALEXANDRE MAGNO

As primeiras referências aos medos e aos persas nós as encontramos em textos assírios do séc. IX aC. Foi sob uma influência maior das tribos medas que, por volta dos sécs. VII e VI aC, se formou um primeiro reino iraniano, tendo por centro Ecbatana, capital da  Média, pilhada séculos mais tarde por Alexandre Magno. Este reino cairia sob o poder de uma dinastia persa, os Aquemênidas (Aquêmenes, Ciro, Cambises, Dario etc.), que formariam o império mais vasto da antiguidade, no qual se incluíam os territórios da Mesopotâmia, Síria,  Egito,  Ásia Menor, de cidades e ilhas gregas e de uma parte da Índia, extenso território dividido sob a forma de satrapias. Este império só teria fim com a invasão de Alexandre Magno, ocasião em que a sua magnífica capital, Persépolis, seria totalmente destruída pelo fogo. Depois da morte de Alexandre, negociações políticas levam ao poder a dinastia dos Parto-Arsácidas (250 aC-191 dC) e dos Sassânidas, que governam o país até a invasão árabe (633-642), impondo-se a partir de então o credo muçulmano a todo o país.   

 A RELIGIÃO 

 Duas grandes linhas de convergência estão presentes nas
formulações religiosas dos persas antigos: contribuições assírio-babilônicas e arianas. É sob a dinastia dos aquemênidas que os contactos entre as duas linhas religiosas se fazem, gerando-se um texto, o Avesta, cuja forma final só aparecerá mais tarde, na dinastia dos sassânidas. Pode-se perceber, contudo, que a construção religiosa dos persas antigos tinha por ideia central o fogo e seu simbolismo.  

Sabemos que as tribos arianas atribuíam a esse elemento e  ao seu simbolismo  muita  importância nas suas doutrinas religiosas, chamando-o de Agni (fogo terrestre), Indra (fogo intermediário) e Surya (o fogo celeste), isto é,  o fogo comum, preso à terra; a luz entre o céu e a terra e o Sol. No mundo persa, no Mazdeísmo, o fogo tornar-se-á o símbolo divino mais importante,
AGNI
sendo seus adeptos conhecidos como “adoradores do fogo”. Aquele que comandava o fogo era um título real (imperador, príncipes), às vezes conferido excepcionalmente a alguma pessoa de grande destaque. Os altares chamavam-se “lugares do fogo”. Tudo nesse mundo revelava a grande importância dada a dois temas ligados ao fogo, iluminação e purificação. Com efeito, o fogo na medida em que é agente da destruição, queimando, consumindo, é também um símbolo de purificação e regeneração, apontando-nos claramente o aspecto positivo da sua intervenção, que os alquimistas chamarão de calcinação (calcinatio).



AHURA MAZDA

Atar era o nome que davam ao fogo, tanto o que  se  manifestava  a partir  do  céu  como o  terrestre,  o  produzido  pela  combustão  da madeira. O fogo é a  personificação  do  próprio  Ahura-Mazda  que tudo concede aos humanos, sabedoria, conforto, subsistência e  que garante aos virtuosos o acesso ao paraíso.  É  a  própria  energia  do carro solar, afasta o mal, promove o bem.

Outra ligação que se enraíza no mundo ariano é a dos ritos ligados ao Soma védico. Este, como sabemos, é o suco extraído de uma planta do mesmo nome, que, na Índia védica, foi elevado à categoria de divindade, a bebida sagrada. No Rig-Veda, o primeiro dos livros sagrados dos hindus, mais de cem hinos são dedicados a Soma como divindade. Do mesmo modo, entre os antigos persas encontramos uma bebida semelhante, o Haoma, um licor fermentado, também divino. Essa bebida abre as portas da espiritualidade ao crente, afastando as entidades maléficas. Na mitologia, Haoma é o adversário natural da morte. O primeiro a prepará-la foi um certo Vivanhvat e todos os que a experimentaram atingiram a imortalidade. 

Outros traços  védicos  que  podemos  encontrar  na  antiga  religião persa, antes da reforma de Zoroastro, são as figuras  de  Mitra  e  de
ZOROASTRO
Indra.   Este   último,   entre   os   antigos   irano-pérsicos,   será transformado num demônio de pouca expressão.  Já  o  outro,   cujo nome quer dizer “contrato”, é  a  divindade  das  manadas  bovinas. Será ignorado quando da reforma zoroástrica, reaparecendo, porém, no  período  aquemênida,   como    um    deus    solar    e    salvador escatológico.  Seu  culto  se  espalhará  pelo  mundo  helenístico   e depois romano. Seu culto se transformará numa religião de mistério, com  sete  graus  de  iniciação,  tendo  como  principal  cerimônia o taurobolium ,  a  imolação  de  um  touro,  com   o   consequente batismo de sangue do crente, que se transformaria num renatus in aeternum, nascido para uma nova e eterna vida.  


Assimilado ao deus do  Tempo,  Mitra  é  o  distribuidor da energia vital, também designado como  o  Sol  Invicto.  Ora é representado sob a forma de um  herói  cortando  a  cabeça  de  um  touro,  cujo
MITRA
sangue, espalhado, dará origem ao  nascimento dos  animais  e das  plantas ;  ora  será representado por um homem com cabeça de leão, em cujo corpo se enrola  uma  serpente,  simbolizando  a  figura  o curso solar e o tempo. Sua grande festa era celebrada no dia 25 de dezembro, dia em que se celebrava, depois do solstício de inverno, o renascimento do sol invencível. Seu culto foi introduzido na bacia mediterrânea ,  atingindo  Roma e  a  Gália ,  por  pouco  não  se transformando  na  religião  oficial  do  império,  já  que  inúmeras legiões romanas, com suas principais figuras à frente, haviam a ele se convertido.


O culto de Mitra propunha uma regeneração tanto física quanto psíquica pelo batismo do sangue taurino. Com isto se exaltava a energia corporal do guerreiro, que ficava, assim, convocado a lutar com todas as suas forças contra os poderes do mal, para que a verdade e o bem triunfassem. É importante também mencionar que, sob a influência da astrologia caldaica, desenvolveu-se entre os antigos irano-pérsicos um culto especificamente voltado para os astros,  o Sol, a  Lua, Vênus e a estrela Sirius.

OS  MAGOS

    Na origem, os magos eram feiticeiros e necromantes da Média,
palavra que  vem do grego e, segundo Heródoto, mago é o “sacerdote que interpreta os sonhos”, profetizando através do sacrifício de cavalos brancos, ocasião em que então salmodiavam uma genealogia divina. Os magos formavam uma corporação que procurava preservar certos ritos muito antigos, de fundo ariano, que tinham o fogo como elemento principal. Ligados às tradições da Média, opuseram-se, a princípio, à hegemonia persa. Na dinastia dos sassânidas, tornaram-se os organizadores do mazdeísmo oficial, constituindo-se em missionários zoroastristas no Irã ocidental. 

Não se pode também perder de vista as relações que esses sacerdotes parecem ter estabelecido com os citas, povo que vivia nas estepes ao norte do mar Negro, os chamados iranianos do norte. Adoravam deuses celestes, Papaios (Urano), Mitra (Hélio-Apolo), uma Afrodite urânia e uma divindade semelhante ao Ares grego, deus da guerra. Segundo Heródoto, os citas não possuíam templos, altares ou estátuas. Sacrificavam todos os anos cavalos e carneiros ao deus da guerra, juntamente com um prisioneiro de cada cem que capturassem. A divindade guerreira era representada por eles por uma espada de ferro cravada num monte de terra. Quando do falecimento de um rei, faziam-se sacrifícios humanos de uma concubina e de servidores para acompanhá-lo na viagem ao outro lado da vida.

 Muitas das práticas dos citas tinham caráter xamânico: por meio de
PARACELSO
estados    extáticos  e  invocações    ritualísticas   manifestavam faculdades  mágicas ,  curativas  ou  divinatórias      (xamã, etimologicamente, vem da língua tungue, esconjurador, exorcista). Uma de suas práticas, que parece ter sido absorvida pelo zoroastrismo, é um rito xamâmico que consiste em lançar grãos de cânhamo em pedras quentes. Tal prática,

segundo Heródoto, “provocava neles tanta felicidade que chegavam até a uivar de prazer”. Toda esta prática xamânica ligada ao mundo dos magos será, de certa forma, revivida através de alguns representantes do Renascimento a partir do neoplatonismo florentino (Marsilio Ficino) e por figuras como um Paracelso ou um John Dee.


A  GRANDE  REFORMA


A grande divindade da dinastia aquemênida era Mazda, que triunfa sobre todas as demais divindades tribais. Senhor do céu, criador de todos os seres, é um reflexo do rei, aquele que se impõe a todos os povos. A raiz de Mazda parece vir de uma palavra sânscrita, medhâ, sabedoria. Outros, mais recentemente, propõem mada, embriaguez, e mastim, iluminação, Ahura Mazda era, qualquer que fosse o entendimento, uma divindade que propunha a transcendência. A arte iraniana deu a Mazda uma figura humana, venerável, de barba, como os assírios; o corpo alado, majestoso, postura hierática, solene. Uma divindade que a todas sobrepujava. A lei universal, “acha”, era de sua autoria. À sua volta, seus acompanhantes, parecidos com arcanjos (amesha spenta).

Zaratustra, chamado pelos gregos de Zoroastro, foi o grande profeta e reformador iraniano, que vai fazer a conciliação entre as divindades arcaicas e as exigências religiosas das dinastias reais, conciliação esta que só tomaria a sua forma definitiva alguns séculos mais tarde. Ele desenvolveu sua atividade entre os anos 1.000-600 aC. A tradição mazdeísta declara que ele teria vivido 258 anos antes de Alexandre. Aceita esta data, Zaratustra teria vivido entre 628-551 aC. Seu primeiro êxito foi a conversão do rei Vishtaspa às suas propostas religiosas, expressas nos chamados gathas, poesia sagrada, estrofes muito semelhantes às que encontramos nos Vedas.


SIDARTA GAUTAMA

A vida do profeta está imersa na lenda, no maravilhoso, registrando seus biógrafos que ele nasceu rindo. Sua trajetória, em certos pontos, se parece com a de Sidarta Gautama, já que com vinte anos abandona a casa paterna para procurar o seu caminho, permanecendo sete anos silencioso no fundo de uma gruta. Aos trinta anos recebe a revelação, entrando assim nos segredos do cosmos. A primeira luz que alcança lhe proporciona um êxtase em presença de Ahura Mazda, através do qual obtém o espírito da sabedoria. A partir desse momento, começa a sua vida de pregações, ao mesmo tempo em que vai, através de outras revelações, recebendo outros poderes, que lhe permitem tornar-se o guardião dos quatro elementos, dos animais domésticos, dos metais, das plantas. É tentado por Angra Mainyiu, isto é, Ahriman, o príncipe dos demônios, que lhe oferece todo o poder temporal, que rejeita. O poder de Zaratustra se estende ao campo de toda a ciência humana, ao conhecimento de todos os astros, de seus movimentos eternos, e de todo o reino mineral, em especial das pedras preciosas. A moral que prega fala da preservação da pureza  dos pensamentos, das palavras e das ações, tudo tendo em vista que depois da morte as almas serão julgadas.

Ao receber a revelação, Zaratustra deixa claro que a  sua reforma se baseia numa imitatio dei. A exigência é a de que os crentes sigam o exemplo de Ahura Mazda, mas permanecendo livres para as opções, não se tornando escravos da divindade como propõem, por exemplo, os cultos de Yahvé ou de Alá. Ahura Mazda é o pai de inúmeras outras entidades, potências muito semelhantes aos arcanjos bíblicos. Gerou também Ahura Mazda  dois espíritos gêmeos, um benfeitor (Spenta Mainyu) e outro destruidor (Angra Mainyu). A teologia  de Zaratustra deixa claro que o bem e o mal, o santo e o demônio, procedem de Ahura Mazda, que transcende assim toda a dualidade, todas as contradições, significando isto que a existência do mal acaba por se constituir na condição prévia da liberdade humana. 

O profeta não tem dúvida que os demônios serão vencidos e que os justos triunfarão. Zaratustra pede que Ahura Mazda dê uma indicação de quando o justo vencerá o malvado. O que se depreende da resposta que o profeta ouviu é que a vitória só será possível por uma transformação da própria existência do crente, sempre renovada. Esta transformação se assemelhava à própria renovação do mundo, como aquela que a cada ano novo devia ser celebrada, uma cosmogonia. Elegendo Ahura Mazda, o crente elegia o bem, opondo-o ao mal. Nenhuma tolerância diante das forças demoníacas. 

O culto proposto pelo profeta dá muita importância ao rito (yasna) para que o crente possa viver uma condição “maga”, uma experiência extática que lhe proporcione a iluminação (chisti). Esta iluminação permite que o crente viva uma separação entre o espiritual e o corpóreo, recuperando uma condição de inocência anterior à mistura das duas essências, causada por Ahriman. O sacerdote, ao realizar esta separação, dá o exemplo de uma “transfiguração do mundo”. Neste rito entra necessariamente o haoma, a bebida da imortalidade.





A tradição narra que o profeta morreu com a idade de setenta e sete anos, incinerado por assassinos mascarados (lobos), uma provável referência a membros de antigas tribos de tradição ariana, inimigas do profeta. Como mago exemplar, Zaratustra será evocado por muitas figuras da Renascença, mencionando-se, ainda, que alguns de seus reflexos podem ser encontrados em O Fausto, de Goethe.


COSMOGONIA

A cosmogonia proposta pelo profeta fala de dois princípios antagônicos, Ahriman, o mal, e Ormazd, o bem, da rivalidade entre eles e da vitória deste último. A duração do mundo é de doze mil anos, divididos em quatro períodos de três mil anos cada um. No primeiro, as duas  entidades referidas são criadas; no segundo, os seres aparecem, gerados tanto pelo bem quanto pelo mal. No terceiro período são descritas todas as ocorrências ligadas aos seres aparecidos até o nascimento do profeta. No quarto, a vitória de Ormazd, quando se dará o julgamento final de todos os seres.

As primeiras criaturas deste mundo foram um homem mítico, Gayomart, progenitor da raça humana, de cuja semente, conservada
por quarenta anos sob a terra, nasceu o primeiro casal. Outra criatura das origens é o touro, Goch, lembrando-nos a ligação da primitiva religião indo-ariana com a Índia védica (mitraísmo). A história da criação, com todos os seus episódios, está num texto, O Livro dos Reis, um poema de cerca de sessenta mil versos, composto no século X.

Evidentemente que a influência do mitraísmo védico recebeu muitas modificações ao se integrar ao mazdeísmo de Zaratustra. Contudo, tanto um como outro guardam muita semelhança em dois aspectos essenciais: ambos dão muita importância à pureza moral, preservada com muita luta, e uma grande veneração ao fogo no seu aspecto luminoso, o seu aspecto invencível como o Sol o representa. Estes traços permitem entender o grande prestígio que a religião indo-ariana tinha entre as legiões romanas, chegando mesmo alguns imperadores a adotá-la. 

O Zoroastrismo, como os gregos denominavam também o Mazdeísmo, impôs-se, como se viu, a antigos cultos e permaneceu majoritário no país até a conquista muçulmana. O mazdeísmo se caracteriza, como vimos também, por uma elevada consciência das noções do bem e do mal que reinam no mundo. Ahura Mazda, guia o homem para o bem (Ormazd)), e se opõe ao mal (Ahriman), espírito maléfico, chefe dos daeva (demônios). A humanidade não pode evitar esta luta. Um julgamento futuro  pelo fogo separará os bons dos maus. A vitória final caberá ao princípio do bem. Muitos consideram, por isso, o Mazdeísmo como um “monoteísmo imperfeito”. O culto é extremamente regulamentado. Os corpos não podem ser enterrados, queimados ou lançados às águas; serão expostos nas chamadas “torres do silêncio”, onde os abutres darão fim à carne, como as vemos ainda hoje em Mumbai. É nesta cidade da Índia que encontramos hoje os “parsis”, persas emigrados, de pela mais clara, que buscaram nela buscaram o seu santuário a partir do século X, fugindo da invasão muçulmana.  Os “parsis” são adoradores do fogo, creem nos poderes protetores dos espíritos (pitarah, o espírito guardião parsi, uma espécie de anjo custódio).

Como sobreviventes do Mazdeísmo, os “parsis”, julgamos, merecem uma referência especial. A comunidade “parsi” é hoje da ordem de 600.000 pessoas e está distribuida pela costa oeste do país (a maior parte em Mumbai) e adotou a língua gujarate, mantendo-se rigorosamente fiéis à fé dos seus ancestrais. Em seus agiários (templos do fogo), a chama sagrada é mantida permanentemente acesa. Constituem um grupo bastante fechado, conforme tivemos oportunidade de constatar em algumas visitas. Não permitem a entrada de estranhos nos seus templos. O sacerdócio (dastur) tem caráter hereditário; seus membros vestem-se sempre de branco e são tidos por todos em alta estima. Uma peculiaridade: os “parsis”, apesar de muito conservadores sob o ponto de vista religioso, nos negócios atuam na vanguarda, ligando-se ao que de mais moderno há em tecnologia (indústria aeronáutica, computadores etc.).

O MANIQUEISMO



MANI
No século III, fundada por Mani, apareceu no Irã uma seita religiosa que logo se difundiu através de um corpo religioso que favoreceu sua rápida expansão pela Ásia, atingindo a China, onde subsistiu até o séc. XIV. No norte da África, o Maniqueismo foi pressionado pelo Cristianismo. Lembremos que Santo Agostinho, conforme está em suas “Confissões”, antes de se converter ao Cristianismo, foi maniqueísta. 

O fundador desta seita é Mani, Manès em grego, persa, que viveu entre 216 e 277 dC. Pregou sua doutrina a partir de 240. A tradição registra que ele foi um pintor e calígrafo, inventor de uma escrita, chamada maniqueísta, autor de livros religiosos dos quais restam algumas textos. A doutrina de Mani nos propõe um dualismo estrito que apresenta alguma semelhança com as teses gnósticas, ou seja, uma radical oposição entre o bem e o mal. Deus e matéria, luz e sombra, duas partes entre as quais há uma separação irredutível. O homem é radicalmente dividido em duas partes e deverá procurar sempre manter a separação entre alma e corpo. Aos poucos, o nome maniqueísmo começou a ser aplicado pejorativamente a todas as doutrinas que opõem os dois princípios de uma maneira muito simplificada, o que não havia no maniqueísmo original, complexo e sutil. Por essa via mais trabalhada, o maniqueísmo pode ser aproximado do platonismo e do Cristianismo. Na Idade Média, algumas seitas (bogomilismo e catarismo) que se proclamavam maniqueístas apareceram na Europa, embora sua filiação não possa ser corretamente estabelecida. O Cristianismo e o Maniqueísmo, no plano da prática religiosa, apresentaram muitos conflitos, já que este último a fundamentava num ascetismo rigoroso a ser observado depois dos ritos de iniciação, para que o princípio da luz vencesse o princípio do mal.  


MORTE  E  RESSURREIÇÃO


O rito funerário de expor os mortos ao tempo (ar) era um antigo costume das estepes da Ásia central, costume este que, em algumas regiões do Irã zoroastrista, foi substituído pela cremação do corpo e inumação das cinzas numa urna. No Irã oriental era comum a prática de lamentações rituais funerárias, com autoflagelação que podia inclusive levar ao suicídio. 

A alma do morto, segundo a melhor tradição, passava por uma ponte, fazia a sua ascensão e submetia-se a um julgamento para, ao final, encontrar-se com o seu próprio eu. Este eu é o resultado de
suas ações na  terra. A alma (daena) se apresenta sob uma forma feminina arquetípica, mas sem uma aparência concreta. Antes da apresentação das almas a Ahura Mazda e aos Amesha Spenta, ocorre o seu julgamento para a separação dos bons e dos maus. O julgamento é conduzido por Mitra com os seus assistentes, feita a devida pesagem das ações humanas e da alma. Aliás, desde a travessia acima referida já se apresentava a ideia de um julgamento, pois a ponte se alagava para o justo e se estreitava para o ímpio, reduzindo-se no final ao fio de uma navalha. 

A ressurreição dos corpos aponta para uma renovação final através de um juízo universal. O mundo é radicalmente renovado, sendo essa nova criação isenta de qualquer ataque demoníaco. A ressurreição dos corpos equivale a uma cosmogonia (macrocosmo-microcosmo), representada pelos ritos do Ano Novo. É neste período que se concentram os acontecimentos mais importantes do drama cósmico e humano. Fim de ano e renovação escatológica. No final dos tempos, Ormazd dará aos ressuscitados uma “roupa de glória”.

O ANTAGONISMO ENTRE ORMAZD E AHRIMAN


Os dois personagens divinos, Ormazd e Ahriman, marcam os dois polos da existência. O primeiro tem relação com a vida o outro com a morte ou luz e verdade de um lado e, de outro, trevas e mentira. Eles se definem por seu antagonismo, o anti-demoníaco e o anti-divino, sendo a realidade resultante de uma luta corpo-a-corpo entre eles. Ahura-Mazda, de quem ambos procedem, assim falou a Zaratustra: Criei o universo a partir da não-existência. Opondo-se a este mundo criado, que é todo vida, Angra Mainyu criou um
outro, que é todo morte, onde o verão tem apenas dois meses e o inverno dez meses, durante os quais a terra fica tão fria que mesmo os meses de verão são gelados, sendo, assim, o frio o princípio de todo mal. Prosseguindo, ele fala: Depois criei Gahon, o lugar mais encantador da terra, semeado de roseiras, onde nascem os pássaros com a plumagem de rubi. Angra Mainyu criou então os insetos daninhos que atacam as plantas e os animais. A grande divindade continua descrevendo a sua criação, as maravilhas que concedia aos humanos e os males que, em oposição, Angra Mainyu gerava. 

Antes de se tornar um espírito do mal, Ahriman talvez tenha sido uma divindade ctônica. Parece confirmar esta suposição o fato de que no Mitraísmo os templos eram edificados em grutas e cavernas, entradas   infernais ,  nelas   se   encontrando  a  inscrição  "Deo Arimanio". Ao se integrar ao Mazdeísmo, Ahura Mazda era tido como o criador de dois gênios antagônicos, Spenta Mainyu e Angra Mainyu, um benfazejo e o outro maléfico. 

Ormazd comanda seis espíritos, "imortais benfeitores" como ele, podendo ser comparados aos arcanjos bíblicos (Gabriel, Miguel, Rafael etc.). Semelhança maior poderá ser notada, contudo, entre estes espíritos e determinadas elaborações védico-bramânicas como, por exemplo, Acha-Vahichta, o espírito da justiça suprema, que corresponderá à primeira forma do Dharma, "rita", a lei moral e cósmica; Vohu-Mano, o espírito do bem, que corresponderá ao Brahma  dos hindus e assim por diante. Cada uma destas criações no Mazdeísmo tutelará um aspecto da realidade, uma delas os animais úteis (Vohu Mano), outra (Khchathra-Vairya) fará com o que o céu e os astros se movam...

Toda a natureza é povoada de gênios (Yazatas), aos quais são devidos sacrifícios. Ormazd é considerado o primeiro dos Yazatas celestes, enquanto Zaratustra é o primeiro dos terrestres. Alguns Yazatas tutelam os astros, outros os elementos, as forças cósmicas e morais. Os bons gênios recebem o nome de Fravachis, assemelhando-se aos anjos da guarda. Estes seres etéreos coexistem com alma humana, dela fazendo parte; as almas, criadas por Ormazd, têm existência eterna, sobrevivem ao corpo, fazendo parte de um grupo de seres que têm existência imaterial. 


O principal demônio é Angra Mainyu, Ahriman, o príncipe das trevas. Os demônios, Devas, são seres voltados para a mentira, para o engano, para o logro, e sua vocação é a se opor permanentemente
ASMODEUS
ao bem. Alguns deles se consagram à degradação da existência, destruindo o bem e provocando o envelhecimento. Um dos principais demônios é Aeshma, que encarna o furor e a devastação, assemelhando-se ao Tifon grego, ao monstruoso Apophis dos egípcios,o eterno inimigo do Sol, de Osíris e de Isis. Aeshma identifica-se sobretudo com Asmodeus, o turbulento rei dos demônios, como ele aparece entre os judeus Livro de Tobit.


Os devas levam as pessoas à incerteza moral, atuando sempre no sentido contrário dos Fravachis. Outros demônios, como as Drujs, do sexo feminino, monstruosas como Keres gregas, adversárias da lei universal (acha), são seres da mentira. Ao lado delas atuam as Pairikas, sempre dissimuladas, encantadoras, perturbando também a ordem do universo, desviando os seres humanos do seu caminho reto e interferindo na ação dos astros e na combinação dos elementos que constituem a base material do cosmos. Outros grupos demoníacos, os Kavis e os Karapans, agem para corromper a ordem religiosa, tomando a forma de profetas, obviamente de falsas religiões. 

Dentre as Drujs, é preciso salientar duas, em especial, Nasu e Azhi Dahaka. A primeira aparece como um inseto que pousa sobre os cadáveres, levando a corrupção da carne e a podridão para todo o universo; a outra tem a forma de um dragão-serpente como os da Mitologia grega, com três cabeças, seis olhos e três goelas. Um personagem histórico, figadal inimigo da Pérsia, o rei Zohak, da Babilônia, acabou, pelo fenômeno do evemerismo, por se identificar com este monstro. O que chama a atenção, quanto ao mundo demoníaco da religião persa, é que, como em outras tradições, esse mundo é em grande parte feminino. Os vícios, os
perigos da sedução, a perda da luz a ele se associam sempre. Há, por exemplo, uma Druj, Jahi, que é a responsável pela origem da menstruação (impureza), devido a um beijo que Ahriman lhe deu. O poeta e ensaísta inglês John Milton (1608-1674), gênio da Literatura mundial, retirou destes modelos demoníacos persas algumas de suas idéias anti-feministas, idéias que estão tanto em alguns de seus ensaios como na antecipação do satanismo romântico (séculos XVIII-XIX), presente em sua maior obra, O Paraíso Perdido. Uma das figuras mais curiosas que sai desse mundo do mal é Zohak, um ambicioso rei do deserto, que Ahriman, o espírito do mal, converte numa criatura sua. Depois de ter induzido Zohak a matar o próprio pai, Ahriman, se instala no palácio real como cozinheiro, tornando-o carnívoro, um sacrilégio.


A PÉRSIA MUÇULMANA 

As civilizações de origem ariana subjugadas, na Ásia, pelo Islã, a Pérsia e a Índia, procuraram conservar sua mitologia  tradicional. Na Pérsia, o Islã procurou converter a totalidade da população. Aqueles que se mantiveram fiéis ao Mazdeísmo tiveram que emigrar, como os chamados “parsis”, que se refugiaram na Índia, na região de Mumbai, como se disse. Os que permaneceram na Pérsia, a quase totalidade da população, afastou-se da ortodoxia sunita, aderindo à heresia xiita. Estes, como sabemos, são os muçulmanos que reverenciam Ali e sustentam que os três primeiros califas (Abu Bekr, Omar e Othoman) cometeram um crime ao se apossar da linha sucessória do profeta. A linhagem que parte de Ali cria na Pérsia uma corrente mitológica nova, sob inspiração islâmica.

Onze descendentes de Ali e de sua esposa Fátima, filha do Profeta, constituem com aquele o grupo dos doze imãs ou diretores, todos semi-divinizados, investidos inclusive de atribuições morais. Eles regem as doze horas do dia, sendo assim constantemente reverenciados. Ali é chamado de O Leão de Deus, cabendo-lhe a purificação das almas. Fátima, a esposa, é, dentre todas as mulheres, a Pureza; Hasan, filho deles, protege e vinga os fiéis; Hosein, outro filho, é o protetor dos pobres e assim por diante.

Destaque especial tem a Astrologia na Pérsia islamizada, como, aliás, em todo o Islã e na antiga Caldeia. O Sol, o centro do sistema planetário, é o princípio da luz e do calor; A Lua, da umidade; Júpiter e Vênus exercem influências favoráveis; Saturno e Marte atuam ao contrário; Mercúrio é ambíguo, sendo o patrono dos escritores, enquanto Marte é dos sanguinários e Júpiter o é dos sábios. O Sol protege os poderosos do mundo, Saturno tem relação com o íngreme e montanhoso e Vênus é o astro das cortesãs. A arte astrológica sempre foi praticada pelos povos da Ásia. Com a chegada do Islã, essa prática se desenvolveria bastante, como na Pérsia. Lembremos que os árabes foram os depositários do antigo conhecimento grego e hindu, desenvolvendo muito inclusive estudos astronômicos com relação, especialmente, ao movimento dos astros  e à cartografia do céu.


RUMI

Aos poucos, estabeleceu-se um sincretismo que acabou por conciliar a demonologia mazdeana e os gênios do Islã. Estes são os djins, cujo pai, Djan, foi criado antes de Adão. Divinos, os djins se corrompem, decaindo, pelo pecado do orgulho. Na Pérsia muçulmana, uma corrente mística de grande importância aparece, o Sufismo, formada por religiosos que procuram a intuição absoluta pela santidade e pela dança, um processo do qual faz parte a inteligência gradualmente realizada. Uma das expressões mais interessantes da Pérsia muçulmana está também na produção poética que vai se alimentar sobretudo da sabedoria dos místicos. No século XII, Atar é o grande nome da poesia. Descreve ele o destino das almas como o voo dos pássaros através de sete vales: Procura, Amor, Conhecimento, Independência, Unidade, Estupefação e Aniquilamento. No século XIII, temos o maior nome da mística, Jelal ed-Din Rumi, com textos de fundo filosófico que lembram muito aquilo que Jean de La Fontaine iria produzir na França séculos depois. Rumi é fundador da ordem Sufi dos Mawlawi, mais conhecidos sob o nome de derviches rodopiantes. Além das produções poéticas, merecem referência ainda a histórias oriundas de temas bíblicos, histórias de alta carga simbólica, que estão por trás de muitos mitos persas.