terça-feira, 22 de setembro de 2015

GALAHAD II


                     
GALAHAD
    
As mais antigas civilizações, desde as primeiras etapas de sua formação, sempre glorificaram alguns seres que de certa maneira se destacaram por feitos ou deixaram algum exemplo. Reis, príncipes, fundadores de religiões, de impérios, de cidades, guerreiros etc. De um modo geral, a esses seres se deu o nome de herói, palavra que veio do grego, héros, heroos, latinizada depois, usada também, nos mitos, para designar um semideus (filho de uma divindade e de um mortal) ou um mortal divinizado. Mesmo as civilizações que não seguiram de perto os modelos asiático e europeu, como as do norte, centro e sul americanas, tiveram essas figuras nos seus mitos. A única exceção que realmente poderíamos destacar, com relação ao tema heroico, nós a encontramos na civilização egípcia, nele inexistente. 

Nas suas raízes etimológicas (gregas) mais profundas a palavra herói designava na mitologia o filho de um deus ou de uma deusa com um ser humano. Aos poucos, a palavra passou a ser utilizada para denominar um mortal divinizado após a sua morte (evemerização) e também aquele que se notabilizou por seus feitos guerreiros, sua coragem, sua abnegação. O sentido da palavra foi se ampliando, admitindo-se depois seu uso para apontar pessoas que suportaram um destino incomum ou que se dedicaram, até com o sacrifício da própria vida, a trabalhar pela humanidade. Do século XVIII em diante, com o Romantismo, uma nova dimensão foi incorporada à palavra, principalmente através da Arte, mais da Literatura. Determinados personagens que problematizavam sua relação com a sociedade começaram a ser chamados de heróis. Hoje, a palavra é aplicada a pessoas que se destacam por suas relações, dignas ou indignas, que se tornam de algum modo o centro das atenções.


CAVALEIRO  MEDIEVAL  E  SUA  DAMA

De um modo geral, os heróis, nos mitos de todas as culturas, são considerados também como um elo, um traço de união entre a terra e o céu. Podem eles, contudo, em determinados casos, adquirir a imortalidade através de feitos e conquistas excepcionais. No geral, simbolizam um esforço evolutivo, um desejo de superação, de transcendência, que é buscado em meio a impulsos muitas vezes contraditórios, desmedidos, que os levam a tentar se igualar aos deuses ou até mesmo superá-los. Os temas da vida heroica se fixam na conquista da glória, da imortalidade, procuradas através de dois caminhos principais, a via social (horizontal) e a via espiritual (vertical) que, às vezes, se interpenetram. 

Sabemos que a imagem do herói pode se associar em sonhos, em todos os estágios do desenvolvimento psíquico do ser humano, à presença de um guia, de um mestre, de um orientador. Essa figura estará sempre relacionada com o devenir, com o futuro do sonho do herói, como uma proposta de mudança indispensável de autosuperação, de evolução, de transcendência.  


LEITURA   NOS   CONVENTOS

O tema do heroísmo nas lendas (legenda, em latim, o que deve ser lido), além dos caminhos acima apontados, tomou também uma outra direção a partir dos séculos do início da era medieval. As lendas, nesses primeiros tempos, tinham por motivo a vida de santos e de mártires, cujas histórias, reproduzidas em textos, eram lidas (daí o nome legenda, o que deve ser lido) nos refeitórios dos conventos. Passaram essas histórias depois à vida profana como contos populares que tinham por base certos fatos que aos poucos foram se embelezando, se desenvolvendo, transmitidas e transformadas pela imaginação popular. Tais lendas procuraram invariavelmente descrever ações ou ideias através da crônica de certos heróis, com o objetivo de fazer com que o público participasse desse mesmo impulso. Perdeu-se, assim, o fato histórico e no seu lugar o que mais se fixou foi a ação maravilhosa. 

A palavra maravilhoso, do latim mirabilia, traduz tanto a ideia de algo que espanta com a daquilo que pode merecer também crédito, sempre causando admiração, opondo-se tais conceitos aos de realidade ou de normalidade. Há sempre, também, a ideia de transgressão de fatos empíricos. No Ocidente, na cultura medieval, o maravilhoso torna-se um motivo central na literatura cavaleiresca dos sécs. XII e XIII, uma espécie de arma cultural a serviço da aristocracia e dos meios eclesiásticos.


CANÇÃO DE GESTA


Nas lendas, a via é mais social. Ao contrário dos mitos, os personagens lendários não participam, de um modo geral, do divino. O herói da lenda é um personagem enraizado na história, notabilizado por seus feitos guerreiros, por sua coragem, tenacidade, abnegação, magnanimidade e pureza.  Alguns heróis, embora fixados no plano social, histórico, simbolizaram, entretanto, pelo seu exemplo, uma proposta de transcendência “vertical”, espiritual, religiosa. 


CARLOS   MAGNO

Com o título de canções de gesta aparecem nos séculos seguintes ao reinado de Carlos Magno (768-814), na Europa, principalmente na França, algumas produções poéticas, geralmente compostas em versos de dez sílabas, que louvavam os feitos maravilhosos e heroicos de certos cavaleiros que teriam vivido nas cortes de tempos passados, de modo especial, na época carolíngea, entre os sécs. VIII-IX. Esta literatura é considerada como um subgênero da epopeia e tem características formais específicas, usa uma linguagem estereotipada e procura desenvolver temas ao mesmo tempo religiosos e guerreiros. Gesta vem do latim, gesta, gestorum e tem aqui o sentido de façanhas, feitos heroicos, memoráveis, reais ou imaginários. 


Desde o final do séc. XI, a canção de gesta passou a ser salmodiada por um cantor profissional itinerante, diante de um público muito variado e em grande parte analfabeto que se reunia em lugares de grande concentração popular, praças públicas, feiras, mercados ou lugares de peregrinação. Os auditórios desta literatura, de forte tradição oral, eram entusiastas tanto nas cidades como nas estradas. O ritmo era um dos elementos essenciais destas produções. Os cantores (poetas) procuravam desenvolver seus temas repetidamente, uma sucessão de clichês muitas vezes, usando técnica semelhante à dos aedos (poetas-cantores) gregos dos tempos de Homero (850 aC), tudo para facilitar a sua memorização. De outro lado, valendo-se de recursos como os da variação na repetição, uma espécie de retórica muito peculiar, procuravam eles prender a atenção dos auditórios, formados em grande parte, como se disse, por um público iletrado.

TROVADOR 
Esta literatura, inicialmente voltada para a glorificação dos feitos fundadores da civilização medieval, guerreira, feudal e cristã, foi mudando, a partir do séc. XII, procurando expressões menos rudes, mais elegantes de vida, nas quais as mulheres passavam a ter um papel mais ativo. Surge então a chamada literatura cortês, praticada nas cortes. Dava-se o nome de corte à entourage de um príncipe; era essa entourage que o ajudava e aconselhava, auxiliando-o a administrar os seus domínios, a fazer justiça e a tomar decisões políticas. Nos séculos XI e XII, as cortes dos príncipes ocidentais constituíram o cenário onde começou a se desenvolver esta literatura.

Os costumes e as maneiras se suavizam nesse período. A nobreza medieval se tornou uma classe hereditária cada vez mais fechada. Sob a influência da Igreja Católica, os sentimentos de generosidade e de polidez entraram em circulação. Criou-se uma vida mundana, pontuada por festas e cerimônias. As mulheres, as damas, adquiriram um papel importante na fixação das novas regras de convivência palaciana, regras estas que aos poucos iam permeando inclusive as camadas sociais mais baixas.

 As escolas episcopais e monásticas formavam um público de leitores atraídos pelas obras em latim e em francês. Estas obras eram escritas especialmente para uma elite mais civilizada, tendo por tema aventuras sentimentais em meio a ambientes elegantes e luxuosos. Esta literatura tomou o nome, como se disse, de cortês porque se destinava, sobretudo, a um público que frequentava a corte. 

No séc. XII, a promoção da mulher é favorecida por uma iniciativa da Igreja Católica. O culto da Virgem Maria, até então apagado, passou a ser muito prestigiado nos meios católicos com o objetivo de se realçar, como altamente desejáveis sob o ponto de vista social, modelos espiritualizados de vida. Esses modelos procuravam acima de tudo valorizar o papel da mulher na construção dessa nova ordem, destacando temas como a concepção do mundo e da sociedade articulada por uma relação hierárquica entre a carne e o espírito, impondo-se este àquela de modo indiscutível; como a santidade do casamento; como a virgindade da mulher solteira; como a atenuação da natureza carnal da mulher, não mais vista fonte absoluta da luxúria e do pecado; como a desculpabilização da mulher, sempre considerada a causadora da expulsão do Paraíso; como as limitações eclesiásticas e judiciárias a que as mulheres estavam submetidas, entendidas como naturais, pois o homem (só ele) tinha sido criado à imagem de Deus (Gen 1,26) etc.


                               ANUNCIAÇÃO ( FRA ANGELICO)

Lembre-se que a Virgem Maria, que antes do século IX só tinha uma festa (1º de janeiro), no fim do século XII já contava com quatro: Anunciação (25 de março), Assunção (15 de agosto), Natividade (8 de setembro) e Purificação (2 de fevereiro). Entre os séculos XIV e XV, acrescentar-se-ão Visitação, Entrada no Templo, Dores de Maria e finalmente Concepção. Com esta promoção, a Virgem Maria se “individualizou” e adquiriu autonomia com relação às questões ligadas ao seu Filho, apesar de todas as discussões que se seguiram nos meios cristãos sobre tal “independência”, muito incômoda às vezes, sempre tivessem procurado garantir a pureza da mãe de Deus, declarada como virgem ante partum, in partu et post partum. 


VISITAÇÃO  DA  VIRGEM  MARIA  A  SANTA  ISABEL  (GIOTTO)

Uma das melhores imagens sobre o papel da mulher nessa nova ordem apareceu entre os séculos XV e XVI como a temos no conjunto das seis tapeçarias, denominadas La Dame à la Licorne, hoje no Musée de Cluny, em Paris. Em cada tapeçaria, sobre um fundo ornado de flores (mille fleurs) e animais, uma jovem mulher é representada cercada de emblemas heráldicos, notadamente um leão e um unicórnio. O conjunto forma uma alegoria dos cinco sentidos; na sexta tapeçaria aparece a frase À mon seul désir, ou seja Segundo o meu livre arbítrio, ou ainda Sem submissão aos sentidos. 


TAPEÇARIA  LA  DAME  À  LA  LICORNE  


Dentro da literatura cortês, muito variada, há um tópico temático que recebeu o nome de matéria bretã, de inspiração celta, mais exatamente a lenda do rei Arthur. Em 1.135, Geoffrey of Monmouth publicou a sua Historia Regnum Britanniae (História dos Reis da Bretanha), em latim. Esta obra foi traduzida livremente, em octassílabos, para a rainha Alienor, pelo poeta anglo-normando Wace. Revelava-se por ela, para os franceses, a lenda do rei Arthur, chefe dos celtas, que comandou a resistência contra a invasão dos saxões no século VI. 

A figura de Arthur se situa entre a fronteira do real e do imaginário. Sua identidade histórica é a de um chefe militar que organizou no século VI a luta da nação bretã contra o invasor saxão. A literatura vai lhe dar uma segunda existência e fazer dele um rei mítico, um soberano ideal, ao mesmo tempo modelo e representação de todas as virtudes cavaleirescas da Idade Média. 


REI    ARTHUR




A história de Arthur se insere nas tradições da mitologia dos celtas e fala de sua volta, do seu retorno maravilhoso. As lendas trataram Arthur como um rei poderoso e refinado, que mantinha uma corte luxuosa, dela fazendo parte, como mais próximos, os valentes cavaleiros da Távola Redonda. Estes cavaleiros sentavam-se à grande mesa circular para evitar disputas quanto às preferências reais. O cenário das aventuras de Arthur e de seus cavaleiros era a Armórica (nome da Bretanha antes do séc. VII) e mais a região compreendida pela Cornualha, por Gales e pela Irlanda.


TÁVOLA   REDONDA



A crônica de Arthur foi cantada por bardos galeses e por diversos outros (Nennius, Monmouth), fixando-se na França pela obra de Wace e principalmente pela de Chrétien de Troyes (1.135-1.183), o criador do romance moderno, centrada esta última no ciclo do Graal. No século XIII, todas estas obras foram colocadas em prosa sob o título de Lancelot em Prosa ou Corpus Lancelot-Graal, compreendendo cinco partes: A História do Santo Graal, A História do Mago Merlin, O Livro de Lancelot do Lago, A Demanda do Santo Graal e A Morte do Rei Arthur. 


  HISTÓRIA  DE  LANCELOT  E  O  SANTO  GRAAL


O Graal ou Santo Graal (gradalis em latim é um prato largo e cavo, uma espécie de terrina, onde se colocam alimentos de forma gradual; em grego, temos krater, que deu a forma latina cratale, cratalis) seria um cálice muito grande, de que Jesus Cristo teria se servido na última ceia com os discípulos e no qual José de Arimateia teria recolhido o sangue e a água provenientes das chagas do
GRAAL
Crucificado quando de sua Paixão. Segundo lendas bretãs medievais, o Graal teria sido levado para a Bretanha e depositado numa capela dentro de um bosque. O tema do Graal está na base de muitas lendas, de acontecimentos maravilhosos, de fatos extraordinários, inspirando os romances do rei Arthur e dos seus cavaleiros.


Como não poderia ser diferente, as versões sobre a história do Graal, produzidas ao longo dos séculos, são muitas e até, às vezes, contraditórias. Mas há algumas, pouco exploradas, que nos parecem interessantes pois, em que pese toda a carga de maravilhoso e de extraordinário presente, nos permitirão encontrar alguns veios históricos pouco explorados. 

JOSÉ  DE  ARIMATEIA
Um deles, por exemplo, tem como ponto de partida o papel de José de Arimateia na história do Graal. Explorando-o, tomamos conhecimento, numa das versões, de que foi ele, Arimateia, quem trouxe o Graal para a Europa. Senador, discípulo secreto de Jesus, rico comerciante, seus negócios estendiam-se por todo o Mediterrâneo, da Palestina à Britânia. Nas novas terras, Arimateia, liderando um grupo, foi aprisionado e libertado tempos depois por um certo Mordrain, que, como diz a lenda, devidamente inspirado por Cristo, passou não só a lhe prestar assistência como construiu um mosteiro para abrigar o Graal. Para guardião da sagrada peça, foi designado Alain, filho de um cunhado de
CASTELO  DE  COBERNIC
Arimateia. Por ter, certa vez, pescado um grande peixe, com o qual pode alimentar toda a família, Alain passou a ser chamado de Rei Pescador, título que, desde então, ligeiramente adaptado (Rico Pescador) passou a ser aplicado a todos os sucessivos guardiões do Graal. Alain levou depois o Graal para o castelo de Corbenic, onde, bem mais tarde, irão procurá-lo os cavaleiros do rei Arthur.



O apelido de pescador, como se sabe, é um título dado a São Pedro, pois, pela sua ação catequética, ao converter os homens, ele os “pescava”, salvando-os da perdição. Os apóstolos de Cristo eram, em grande parte, pescadores de profissão. Além do mais, lembremos que é de um dos títulos de Cristo, em grego, Iesus Christos Theou Uios Soter (Jesus Cristo, filho de Deus, Salvador), que sai a palavra Ichtus, peixe, em grego, símbolo do Cristianismo.

As versões sobre a história do Graal apontam um número bastante variável com relação aos cavaleiros. Esse número oscila, segundo as versões, entre doze e cento cinquenta. Os cavaleiros de Arthur se empenharão na busca do precioso cálice, que tomará um sentido místico e eucarístico nos romances. Com efeito, o Graal é tanto um símbolo da vida mística como de aspiração à perfeição cristã que leva a Deus. A cavalaria, que antes estivera a serviço do rei ou da dama, de inspiração terrestre, militar, colonizadora, estava agora a serviço do céu, uma cavalaria celeste. 

Dentre os mais hábeis cavaleiros na busca do Graal destacaram-se Lancelot e Perceval. Contudo, por viverem mundanamente, não conquistarão o precioso tesouro. Foi Galahad ou Galaaz, filho de Lancelot do Lago, cavaleiro puro, livre de toda tentação terrestre, que de fato se aproximou do objeto maravilhoso, antes de deixar a terra, contemplando-o num êxtase que representava a felicidade mística. 

Para chegar ao Graal, símbolo da plenitude interior, era preciso, diz a história, ir além de Lancelot ou de Perceval. O Graal equivale ao caldeirão da mitologia celta, que tanto proporcionava de modo inesgotável alimento para o corpo como iluminava interiormente. É uma conquista que não está ligada a ações externas, mundanas, pelas armas, mas, sim, a uma radical transformação interior, do espírito e do coração.


CORNUCÓPIA
Sob o ponto de vista mundano, entretanto, o Graal, pelos poderes que confere, pode ser considerado um talismã, algo assim como a cornucópia criada por Zeus, a lâmpada de Aladin, o anel de Gyges, o capacete da invisibilidade ou as sandálias voadoras que Perseu usou. Tecnicamente, o talismã (do grego, telesma, objeto consagrado), pela sua preparação ritual e natureza mágica, tem relação com poderes, sendo, neste sentido, ativo. Difere do amuleto (do latim, amuletum, protetor, preservativo), de natureza passiva, que protege contra infortúnios e desastres, exercendo uma função apotropaica, afastando os males. Era o caso, entre os antigos gregos, de estatuetas do deus Príapo, colocadas nos pomares e jardins das casas para afastar Phtonos, a Inveja. 

O tema do Graal vem sendo utilizado desde o século XIX também por alguns estudiosos, fora dos fechados circuitos universitários, para defender a tese de que sempre existiu na Inglaterra, institucionalmente, uma Igreja, cuja origem se perdia em tempos muito remotos, anteriores mesmo à chegada do Graal. Tal defesa se baseia numa possível ligação estabelecida entre a Palestina e a Inglaterra. Cristo e o rico José de Arimateia, em segredo, diz a lenda, visitaram o local, onde se localizava a ilha de Avalon do mito celta, lugar em que, mais tarde, se formaria a pequena cidade de Glastonbury, perto de Bristol, a cerca de 150 km. de Londres.

Depois da morte de Cristo, Arimateia, conforme se disse, em companhia de um grupo, conseguiu chegar ao local por ele anteriormente visitado, ali se levantando uma igreja para guardar a preciosa peça. Esta ligação, reativada mais tarde, teria dado origem à Igreja Anglicana, por pressão de emissários que teriam vindo da Terra Santa. Estes emissários, segundo a tese sobre a qual ora discorremos, se fixaram em Glastonbury.          Estas histórias sobre
Glastonbury (onde se realiza nos tempos de hoje talvez o maior festival de música popular da Grã Bretanha) ganharam grande divulgação principalmente a partir do século XIX, tocando corações e mentes, provocando um revival sem precedentes da mitologia celta, como aconteceu, por exemplo, pioneiramente, com William Blake. 




A história do Santo Graal ganha outra dimensão, ampliando-se bastante o seu alcance simbólico, histórico e psicológico, quando estudada à luz da Astrologia (signo de Virgem). É pelas aproximações que podemos fazer entre a lenda do Graal e a Astrologia, que ampliamos o sentido dessa história. A começar por trazer à discussão o problema da sua origem. Uma variante esquecida, mas muito importante, nos coloca diante de um texto que Guyot, poeta provençal da metade do séc. XII, teria encontrado em Toledo, na Espanha, numa biblioteca. Por esse texto, de autoria de um tal de Flegitanus, astrólogo, tomamos conhecimento de que a história do Graal era, como nele está, de origem árabe. O nome Flegitanus provinha, ao que parece, do persa, formado a partir de felehedaneh, palavra que quer dizer astrologia. Não só por esta, mas por outras razões, não será estapafúrdio admitir que a história do Graal tenha sido trazida do Leste para o Ocidente pelos Cavaleiros Templários. 


CAVALEIROS   TEMPLÁRIOS

Se ao que está acima acrescentarmos outras observações de natureza astrológica não será disparatado defender a hipótese de que a história do Graal é, antes da sua cristianização, como ocorreu com relação a muitas lendas medievais, um texto de inspiração astrológica. É a partir de Virgem, signo-recipiente do ego nascido no signo anterior, Leão, que devemos fazer a opção: buscar um caminho evolutivo, indo em direção do terceiro quadrante zodiacal, que se abre com o signo de Libra, ou regredir, ficando à mercê das várias pressões instintivas, representadas pelos signos anteriores (Câncer, Gêmeos, Touro e Áries). A purificação do ego leonino em Virgem pede, para a grande aventura cavaleiresca, que, feitos os votos de Galahad, o homem ideal entre na posse de suas três virtudes: coragem, fidelidade e pureza.


GLASTONBURY  TOR
Ao que está acima, acrescente-se, para justificar a persistência da lenda e as suas ligações com a Astrologia, que recentemente descobriu-se em Glastonbury uma enorme figura zodiacal, traçada em extensa área do solo, nos arredores da cidade, entendendo-se ela até a famosa colina (Glastonbury Tor), onde está porta que dá acesso a Avalon, local de culto de antigas divindades femininas.  

Galahad é filho de Lancelot e de Elaine, filha do Rei Pescador. Seu nome vem do hebraico, galead, testemunho, de onde chega ao latim bíblico, Galaad (Gênesis XXXI, 47-48). Galahad, na história, era descrito como um cavaleiro extremamente delicado, solícito, o que menos tinha a ver com aventuras sexuais. Sua pureza e sua quase que total ingenuidade é que lhe deram fama. Lendas celtas revelam que quando a Távola Redonda foi instituída um lugar foi mantido deliberadamente vazio. Esse lugar era chamado de Siège Dangereux (Assento Perigoso), destinado ao cavaleiro que um dia encontraria o Graal. Este cavaleiro deveria possuir uma inigualável
RAINHA  GUINEVERE
pureza e, para provar seu valor, teria de retirar uma espada de uma pedra onde fôra cravada (este episódio é uma transposição do mesmo acontecimento que encontramos no mito de Teseu, famoso herói grego). Vários cavaleiros do cortejo de Arthur, incluindo Gawain (Gauvain) e Perceval, tentaram em vão retirar a espada. Lancelot, ciente de sua adúltera relação com a rainha Guinevere, para não desvalorizar a prova, declinará de tentá-la. 


Ao chegar a Camelot, Galahad, lançou-se à prova, realizando-a
CAMELOT
com sucesso. É depois deste acontecimento que os cavaleiros vão procurar o Graal, sendo Galahad o primeiro a dele se aproximar, não podendo, por isso, retornar ao mundo dos homens. Sua alma foi transportada por anjos para os céus, para onde também foi o Graal, levado da terra misteriosamente por mãos que das nuvens desceram. 


Através dos séculos, a imagem de Sir Galahad, como a de um cavaleiro cristão puro e ascético, foi suplantada pela de um cavaleiro cortês, um perfeito gentilhomme. Alguns estudiosos que especularam sobre os romances do Graal chegaram a sugerir que isto se deveria provavelmente a uma certa homofonia entre Galahad e a palavra galant em francês ou gallant, graceful em inglês, (galante, gracioso, gentil, valente, garboso). É com este sentido que Galahad “vive” na língua inglesa como um termo que descreve um modelo de cavalheirismo e de cortesia com relação ao sexo oposto, um perfeito gentleman. 

O ideal de espiritualização da cavalaria, que Galahad encarnou, mais do que qualquer outro cavaleiro, se perdeu. O que ele passou a representar no ideário anglo-saxônico está bem longe daquele cavaleiro que era, antes de tudo, o mestre da sua montaria. O cavaleiro que, ao mesmo tempo em que servia a sua religião e o seu rei, que participava das cerimônias da corte ou que poderia se devotar a uma dama, nunca deixava de interiorizar os seus combates. Talvez o que tenha contribuído bastante para esta descaracterização tenham sido as palavras do velho rei Merdrain, ao abraçar o nosso herói: Galahad, preposto divino, lídimo cavaleiro por quem tanto esperei, abraça-me e permite que eu repouse sob tua proteção, a fim de que eu possa morrer entre teus braços; pois tu és virgem e mais puro que qualquer outro cavaleiro, tanto quanto a flor de lis, signo de virgindade, é mais branca que qualquer outra flor. És um lírio de virgindade, és uma rosa ereta, uma flor de boa virtude e da cor do fogo, o fogo do Espírito-Santo que tão bem te ilumina, eis que minha carne, envelhecida e morta, já se sente toda renovada. (A Demanda do Santo Graal). 

BALDER
Galahad é também, sem dúvida, um símbolo que atualiza o grande modelo que é o deus Balder, dos povos nórdicos, num outro contexto. De uma santidade espantosa, Balder é o melhor de todas divindades escandinavo-germânicas, todos o louvam; sua aparência é tão bela que ele se torna luminoso, sendo comparado, por isso, às brancas flores dos campos, como acontece com Galahad. Balder é, dentre todos os deuses, o mais clemente, possuindo todas as virtudes: sabedoria, sensibilidade e bondade. Galahad, como Balder, ignora os vícios, seus pensamentos são sempre sublimes, suas palavras são sempre justas. 

O Cristianismo medieval, de modo especial o praticado pelos cistercienses, que tinha na mais alta conta a Ordem dos Templários, aproximou bastante a figura de Galahad da de Cristo. Chamado pelo nome de O Esperado, ele era uma espécie de Cristo Cavaleiro, pois, além de destruir os ímpios, todos os que sofriam, à sua aproximação, se viam curados, os demônios era afugentados e os encantamentos e sortilégios se desfaziam.


PRÍNCIPE VALENTE
Em 1937, com desenhos de Harold Hal Foster, apareceram nos USA as histórias em quadrinho de um cavaleiro que lembrava muito Galahad. Era o Príncipe Valente. Em 1949, o cinema se apossou de Galahad. Os estúdios da Colúmbia lançaram um seriado com o título de As Aventuras de Sir Galahad, com George Reeves, o Superman dos anos 1950, no papel-título. Em 1954, Henry Hathaway dirigiu O Príncipe Valente, com James Mason (Sir Brack), Robert Wagner (Príncipe Valente) e Janeth Leigh (Aleta), nos papéis principais. Em 1975, aparece na Inglaterra, na criação coletiva do grupo Monty Pyton, Em Busca do Santo Graal. Em 1981, John Boorman, dirigiu Excalibur. O melhor filme até hoje produzido sobre o tema (cavaleiros, matéria bretã, poesia medieval) continua sendo, sem dúvida, Lancelot du Lac,  do genial cineasta francês Robert Bresson. Para ampliar um pouco mais a compreensão do mundo medieval, recomenda-se aqui que, embora não nos falem diretamente de Arthur e de seus cavaleiros, não deixem de ser vistos, em especial, dois grandes filmes: Les Visiteurs du Soir (Os Visitantes da Noite), realizado por Marcel
ANJELICA  HUSTON
Carné, em 1952, com roteiro do grande Jacques Prévert e de Pierre Laroche, com Alain Cuny e Arletty nos papéis principais. O outro é
A Walk with Love and Death, de 1969, dirigido por John Huston, com a juvenil Anjelica Huston no seu primeiro papel no cinema, ao lado de Assi Dayan, falecido em 2014, filho do famoso militar israelense Moshe Dayan.