KARMA, DHARMA E REENCARNAÇÃO
A astrologia hindu, nos tempos védicos, chamava-se Jyotish (Luz), ou melhor, Jyoti (luz) e isha (o divino, a divindade), a Luz Divina ou o Estudo da Luz. Além de ter expressão própria, independente, ela fazia parte dos chamados Vedangas, os suportes dos Vedas (da raiz vid, conhecer), as escrituras religiosas que estão na base daquilo que hoje é o hinduísmo, compostas provavelmente entre 1.500 e 1.000 aC. Os Vedangas, matérias que todo hinduísta qualificado devia conhecer para poder entrar nos Vedas, são seis: Fonética (Siksha, Métrica (Chandas), Gramática (Vyakarana), Etimologia (Nirukta) e Astrologia (Jyotish). Veda, em sânscrito, quer dizer ciência, saber. A palavra, no plural, designa o conjunto de quatro escrituras (Rig, Yajur, Sama e Atharva) tidas unanimemente como reveladas pela tradição bramânica.
Jyotish, já nas suas primeiras formulações, sempre procurou incorporar aspectos religiosos, filosóficos, psicológicos e físicos da vida indiana. Tanto é assim que para estudá-la hoje devemos obrigatoriamente conhecer outras expressões culturais da tradição hinduísta, como as chamadas Darshanas, as seis grandes escolas de filosofia da Índia, formadas ao longo dos séculos, especialmente a Samkhya, a Vedanta e a Yoga, além de outras artes e técnicas, como a Arte Política (Niti Shastra) e escolas médicas como a Ayurvedica e a Siddha. Esta preocupação de integrar conhecimentos é dominante no hinduísmo. Tudo, estabelece a doutrina, se interliga, de modo a constituir o chamado conhecimento sanscrítico, de natureza holística.
VEDAS |
Jyotish, já nas suas primeiras formulações, sempre procurou incorporar aspectos religiosos, filosóficos, psicológicos e físicos da vida indiana. Tanto é assim que para estudá-la hoje devemos obrigatoriamente conhecer outras expressões culturais da tradição hinduísta, como as chamadas Darshanas, as seis grandes escolas de filosofia da Índia, formadas ao longo dos séculos, especialmente a Samkhya, a Vedanta e a Yoga, além de outras artes e técnicas, como a Arte Política (Niti Shastra) e escolas médicas como a Ayurvedica e a Siddha. Esta preocupação de integrar conhecimentos é dominante no hinduísmo. Tudo, estabelece a doutrina, se interliga, de modo a constituir o chamado conhecimento sanscrítico, de natureza holística.
Outra questão importante é a terminológica. Vários termos que fazem parte de Jyotish como, por exemplo, manas (mente), buddhi (intelecto, a faculdade da discriminação, mente superior, por oposição a manas), atman ou jiva (a alma individualizada), governados, respectivamente, pela Lua, por Mercúrio e pelo Sol, diferem bastante daqueles que poderiam lhes corresponder na astrologia ocidental. Tais conceitos só poderão ser entendidos dentro do contexto da filosofia hinduísta. O conceito de manas, inexistente na astrologia ocidental, ainda no exemplo, é que permite a correta avaliação do estado mental de uma pessoa e de como ela reflete a luz solar com relação ao seu mundo externo. O nome da Lua é Chandra e ela, como manas, vai indicar, principalmente, com que intensidade as oscilações da alma (afetos, emoções) interferirão na atividade mercuriana (chandramamanaso jataa).
CHANDRA - ARTE DE MULHERES DE MADHUBANI |
Etimologicamente, karma quer dizer ação. Na prática, é tudo aquilo que decorre do que fazemos, da nossa ação. É também o efeito que não pode ser separado da ação. Tudo o que fazemos envolve-nos com o karma. Quando comemos, bebemos, estudamos, olhamos, dormimos, mesmo quando não fazemos nada estamos ligados ao karma. Agindo deste ou daquele modo, estamos assumindo o resultado das nossas ações.
Karma é também a soma total dos nossos atos, daquilo que estamos fazendo hoje, que afetará o nosso futuro, e também daquilo que, segundo a concepção hinduísta, trazemos de vidas anteriores, resultado de ações praticadas antes. É, em suma, a lei da causação. Sempre que há uma ação, uma causa, um efeito é produzido.
No hinduísmo, o ser humano tem uma natureza tríplice. Ele é iccha (sensação, modo de sentir), jnana (conhecimento) e kriya (querer, vontade). Estes três elementos modelam o karma, estão sempre entrelaçados. Através dos sentidos captamos o mundo, tomando conhecimento dele. Isto poderá nos causar prazer, dor, indiferença etc., em variados graus. De um modo geral, se os estímulos nos agradam tendemos a nos aproximar deles. Se nos desagradam, rejeitamo-los. Em certos casos, porém, podemos nos aproximar de um estímulo, transformá-lo numa tendência, num hábito, mesmo sabendo que ele poderá nos prejudicar. Também aqui encontramos variadas nuances, matizes, gradações quanto ao bem e ao mal, praticamente infinitas.
AGNI |
KAMA |
Por trás de toda ação que nos leva a buscar alguma coisa há sempre um desejo. Saímos da situação de carência, de penúria, de sofrimento, quando satisfazemos o nosso desejo. Desejo, pensamento e ação sempre caminham juntos, ligados ao karma. O desejo, no fundo, é o grande agente produtor do karma, da ação. O karma produz os seus frutos, as consequências. No hinduísmo, segundo suas teses reencarnacionistas, teremos que renascer muitas vezes para colher os frutos do nosso karma de modo a liquidá-lo. Esta preocupação tem o nome de moksha e ainda hoje, arrisco-me a dizer isto, embora sem muita certeza: na Índia atual ela faz, ao que parece, parte da religiosidade do homem comum.
O hinduísmo, é bom lembrar, nunca ofereceu aos que realmente o professam mais conscientemente, ao contrário do que muitas tradições religiosas o fazem, a ideia de um paraíso (etimologicamente, pomar) como um lugar idílico em que as almas, depois da morte, como recompensa por uma vida terrestre digna e justa de seus donos, vão viver em estado de felicidade eterna. O que o hinduísmo oferece para os que conseguem liquidar os seus débitos kármicos, quaisquer que sejam as seitas e as escolas que sigam, é o de que sua alma (atman) se integre ao Brahman, retorne a ele, de onde um dia saiu. Ou seja, que volte a ser energia. Lembro-me aqui de uma frase de Shankara: a alma não sendo senão Brahman, se funde nele.
SÍMBOLO DO KARMA - TEMPLO JAINISTA DE RANAKPUR |
O hinduísmo, é bom lembrar, nunca ofereceu aos que realmente o professam mais conscientemente, ao contrário do que muitas tradições religiosas o fazem, a ideia de um paraíso (etimologicamente, pomar) como um lugar idílico em que as almas, depois da morte, como recompensa por uma vida terrestre digna e justa de seus donos, vão viver em estado de felicidade eterna. O que o hinduísmo oferece para os que conseguem liquidar os seus débitos kármicos, quaisquer que sejam as seitas e as escolas que sigam, é o de que sua alma (atman) se integre ao Brahman, retorne a ele, de onde um dia saiu. Ou seja, que volte a ser energia. Lembro-me aqui de uma frase de Shankara: a alma não sendo senão Brahman, se funde nele.
Por atman, o hinduísmo entende o verdadeiro eu de uma pessoa como uma entidade espiritual eterna que se encarna indefinidamente enquanto não se libertar do ciclo dos renascimentos (samsara). Presente em todo ser, afetada pelas vicissitudes
inerentes à sua presença num corpo mortal, ela toma o nome de jivatman. Ela é comparada a um pássaro migrador (hamsa) cativo, prisioneiro. Não há como deixar de comparar esta ideia com aquela que os órficos da antiga Grécia defendiam: a de que o corpo era uma prisão da alma, sendo a morte considerada como um bem, pois a libertava do cativeiro. Os órficos resumiam esta condição da alma pela expressão soma, sema (corpo, prisão). Este desapego com relação à vida era considerado nas seitas órficas como uma nostalgia de uma vida futura pós-morte. Numa expressão de Sócrates, talvez a vida presente seja a morte e a nossa morte seja realmente o começo de nossa vida.
HAMSA |
A proposta hinduísta de que a libertação do ciclo de renascimentos leva a uma dissolução do atman no Brahman nunca foi muito tentadora para os ocidentais, convenhamos, pois ela sempre se constituiu numa exceção sob o ponto de vista soteriológico. O hinduísmo pede aos seus crentes, além da dissolução do ego, um esforço ascético duríssimo, uma ética rígida, a conquista de um desapego cada vez maior com relação à vida material e nenhuma recompensa oferecia quando pensamos numa vida pós-morte. A maior parte das tradições religiosas sempre ofereceu aos seus crentes, nas suas soteriologias, além da eternidade, muita felicidade, bem-aventurança, harmonia, paz, simplicidade e pureza, tudo a ser “vivido” num lugar no qual todas as necessidades e carências se veriam satisfeitas e resolvidas sem esforço algum. A concepção de paraíso da religião judaico-cristã, por exemplo, foi estabelecida por povos semíticos, que sempre viveram em lugares desérticos, secos, pedregosos, de quase nenhuma vegetação. Por isso, sua concepção não podia ser outra: o paraíso “tinha” que ser um jardim sempre verde, com água abundante, lagos, rios, um lugar de primavera eterna, um lugar muito diferente daquele onde viviam. Algo divino, sem dúvida, satisfação permanente sem carência nenhuma.
É de se lembrar ainda que o cristianismo só se firmou realmente como religião vencedora no império romano, quando os primeiros padres da Igreja católica, Santo Agostinho talvez mais que todos, implantaram, com base na concepção do Érebo, da mitologia grega, na sua teologia, um lugar intermediário entre o céu e o inferno onde as almas dos que cometiam pecados mais leves iriam purgar, por certo tempo, suas faltas antes de ir para o paraíso. A dicotomia céu-inferno sempre aterrorizou muita gente, afastando-a dessa visão religiosa excessivamente fundamentalista. Com a ideia do purgatório, o cristianismo tornou-se sem dúvida bem mais atraente e menos assustador.
SANTO AGOSTINHO |
Para o hinduísmo, a busca de um retorno ao Brahman sempre foi considerada como a mais profunda verdade a que um ser humano podia aspirar. O estado daquele que alcançou moksha, estado também chamado de kaivalya (independência), transcende a dualidade sofrimento-felicidade, em que as religiões que acenam com a conquista de um paraíso encerraram a vida religiosa. Para o hinduísmo, a alma, com moksha, não fica mais submetida a contínuas transmigrações (samsara) nem estará mais condicionada pelo tempo, pelo espaço e pela causalidade.
No ocidente, lembre-se, a palavra desejo esta intimamente ligada à astrologia na medida em que procuramos fixar a sua etimologia. Desejar tem relação com o verbo latino desiderare, que significava afastamento dos astros, ou melhor, deixar de ver uma estrela, lamentar a sua ausência ou incorrer num erro por causa disso. Não saber ler o céu, em suma. Já olhar atentamente o céu, observar as estrelas e entender as suas mensagens era considerare, verbo que tomou o sentido de olhar o céu atentamente. Sideralis, em latim, queria dizer relativo aos astros (sidus, sideris). Temos, em português, siderar, ficar sem ação, paralisado, estarrecido, pela ação funesta de um astro.
A lei do karma é também fundamental para o Budismo e para o
Jainismo, dissidências do Vedismo. No que se refere ao ocidente, podemos dizer que o conceito de karma pode ser encontrado, de certo modo, entre os antigos gregos, na sua mitologia, nos desdobramentos daquilo que nela aparece sob o nome de Ananke. Esta palavra lembra coação, violência e ao mesmo tempo relação de parentesco, isto é, relação de causa e efeito. Em torno desse conceito se reuniam na mitologia grega várias divindades femininas que de modo providencial tinham, por sua ação, a finalidade de
repor limites rompidos por parte daqueles que haviam se excedido. Implícito sempre o conceito de hybris, orgulho, descaso, insolência, vaidade, desdém etc., neste rompimento. Nêmesis, Erínias Dike, Keres, Ate eram, dentre outras divindades, as encarregadas de exercer a coação sobre o transgressor. Havia sempre algo de mecânico na ação dessas deusas, de inexorável. Era o próprio agir humano que determinava qual delas exerceria a coação para obrigar o criminoso, o pecador, a voltar a limites que nunca deveria ter ultrapassado. Tais divindades atuavam em nome da Necessidade. Ou seja, era preciso que elas agissem desse modo, necessariamente, para que o universo recuperasse constantemente o seu equilíbrio rompido. Necessário, neste sentido, é o que não pode deixar de acontecer.
BUDA |
A lei do karma é também fundamental para o Budismo e para o
TIRTHANKARA - JAINISMO |
ANANKE |
Incorporado pela filosofia (Empédocles, Platão), o conceito de Ananke, desde os pré-socráticos, passou a designar o necessário,
aquilo que não poderia deixar de existir. Na vida social, Ananke é uma necessidade moral, um dever. Sob a ótica hinduísta, Ananke abrange, ao mesmo tempo, os conceitos hindus de karma e dharma. Mais perto de nós, entre os séculos XVII e XVIII, a lei do karma foi formulada por Isaac Newton, um praticante da astrologia, num dos princípios da sua Física (a toda ação corresponde uma reação igual e contrária). Outras religiões, sob outros nomes, também fazem referências à lei do karma, mas nunca com o alcance, a profundidade e a importância que ela tem no hinduísmo e na mitologia grega.
ISAAC NEWTON |
A lei do karma é inexorável. Ela nos revela que as coisas não acontecem no universo por acaso, acidentalmente, de modo desordenado. Quando não conseguimos perceber a relação entre causa e efeito falamos de acaso. O fato é que no universo as coisas se sucedem, umas depois das outras, numa ordem regular, nada de caos ou de acaso. Há sempre uma certa e definida conexão entre o que somos hoje e o que fizemos anteriormente assim como há uma relação entre o que estamos fazendo hoje, agora, e o que acontecerá no futuro para nós. Nada caótico, pois. Nada acontece por acaso.
Toda ação produz um efeito. Esta ação nos dá uma recompensa, um fruto, que vai afetar o nosso caráter. Deixa uma impressão na nossa mente. Esta marca, esta impressão, sobretudo se agradável, nos incitará a repetir o ato. Esta impressão assumirá a forma de um pensamento-onda na mente em função de um estímulo interno ou externo. A lei do karma deixa claro que colheremos o que semearmos. É a doutrina da ação (karma) e do fruto (phala).
A lei do karma na astrologia hindu está intimamente relacionada com as chamadas Gunas. De acordo com a filosofia Samkhya, dá-se o nome de Prakriti (pra, antes e kri, feito), à expressão material da energia universal, nem masculina nem feminina. É um dos nomes do Brahman, a Totalidade, o que foi, é e será, inclusive os deuses, expressão de tudo o que entra material ou imaterialmente de modo ininterrupto sob uma forma ou não na existência, depois desaparece e retorna de outra maneira. O Brahman é eterno, incomensurável, inapreensível e tudo o que se falar dele estará sempre aquém do que ele poderá significar. É, através da sua manifestação, a base objetiva de tudo o que existe, sendo independente e não causado. Do Brahman tudo provém e sua atividade depende da ação das energias que que lhe são intrínsecas, as Gunas. Prakriti é dotada de certa potencialidade, que depende desses três princípios que a constituem.
Quando estes três poderes da Prakriti estão em equilíbrio tudo é repouso, não há movimento, ação, criação. Rompido este equilíbrio, as três Gunas entram num estado de desigualdade, lutam entre si, reagem. Começa então o processo incessante de criação, de conservação e de dissolução, o desdobramento contínuo dos fenômenos do cosmos.
As três Gunas ou forças que compõem Prakriti são Rajas, Tamas e Sattva, respectivamente ação, violência, paixão e atividade a primeira; inércia, obscuridade, ignorância e inatividade a segunda; e pureza, luz, inteligência e harmonia a terceira. Em cada vida humana as proporções específicas das Gunas determinam, através dos navagraha, os nove planetas (Sol, Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno e mais os dois nós lunares, o norte e o sul, estes últimos considerados como planetas na tradição astrológica hinduísta, ou seja, na mesma ordem: Ravi, Chandra, Budha, Shukra, Kuja, Guru, Shani, Rahu e Khetu) a aptidão para esta ou aquela ação que o ser poderá realizar. Na astrologia ocidental, as Gunas corresponde aos signos cardinais, fixos e mutáveis, as três dinâmicas cósmicas, impulso, estabilidade e queda.
Nos seres considerados individualmente a lei do karma atua primeiramente no nível do Ahamkara (Ascendente). O que os seres humanos semearam e vão colher depende do balanceamento das três Gunas. Quando Sattva predomina, podemos encontrar pessoas que agem de modo mais altruísta, que podem, por exemplo, se voltar para o Karma Yoga, desligadas do resultado das suas ações; esta é a dinâmica dos signos mutáveis, mais interessados em estabelecer relações do que buscar metas ou definir limites e valores; são os signos de natureza sattívica que, karmicamente, terão a missão de dar mais do que receber. Predominando Rajas, podemos ter ações tocadas pelas paixões, por desejos superiores ou cegos; já os signos rajásicos são os que levam a experiências novas (individualidade-complementaridade em Aries-Libra e raízes-altura, Câncer-Capricórnio). No caso de Tamas temos acumulação, desejos fixos, trocas difíceis com o mundo, senão impossíveis; sempre presente a ideia de dar corpo a alguma coisa e de lhe atribuir um valor.
GUNAS |
As três Gunas ou forças que compõem Prakriti são Rajas, Tamas e Sattva, respectivamente ação, violência, paixão e atividade a primeira; inércia, obscuridade, ignorância e inatividade a segunda; e pureza, luz, inteligência e harmonia a terceira. Em cada vida humana as proporções específicas das Gunas determinam, através dos navagraha, os nove planetas (Sol, Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno e mais os dois nós lunares, o norte e o sul, estes últimos considerados como planetas na tradição astrológica hinduísta, ou seja, na mesma ordem: Ravi, Chandra, Budha, Shukra, Kuja, Guru, Shani, Rahu e Khetu) a aptidão para esta ou aquela ação que o ser poderá realizar. Na astrologia ocidental, as Gunas corresponde aos signos cardinais, fixos e mutáveis, as três dinâmicas cósmicas, impulso, estabilidade e queda.
NAVAGRAHA |
Nos seres considerados individualmente a lei do karma atua primeiramente no nível do Ahamkara (Ascendente). O que os seres humanos semearam e vão colher depende do balanceamento das três Gunas. Quando Sattva predomina, podemos encontrar pessoas que agem de modo mais altruísta, que podem, por exemplo, se voltar para o Karma Yoga, desligadas do resultado das suas ações; esta é a dinâmica dos signos mutáveis, mais interessados em estabelecer relações do que buscar metas ou definir limites e valores; são os signos de natureza sattívica que, karmicamente, terão a missão de dar mais do que receber. Predominando Rajas, podemos ter ações tocadas pelas paixões, por desejos superiores ou cegos; já os signos rajásicos são os que levam a experiências novas (individualidade-complementaridade em Aries-Libra e raízes-altura, Câncer-Capricórnio). No caso de Tamas temos acumulação, desejos fixos, trocas difíceis com o mundo, senão impossíveis; sempre presente a ideia de dar corpo a alguma coisa e de lhe atribuir um valor.
Para Jyotish, há quatro tipos de karma: Sanchita, Prarabdha, Kriyamana e Agama. O primeiro tipo, Sanchita, é o que vem do passado, o acumulado. É a soma total de todas as ações passadas, conhecidas ou desconhecidas. Parte dele é percebida no nosso caráter, nas nossas tendências, aptidões, habilidades, inclinações, desejos etc. O princípio da reencarnação, astrologicamente ativo na Índia, entende que as ações praticadas em vidas passadas têm seus efeitos experimentados numa presente encarnação. Este princípio, embora não enunciado claramente nos Vedas, é aceito integralmente por todas as escolas filosóficas da Índia. No famoso poema Bhagavad Gita, a mais preciosa joia da literatura hinduísta, que faz parte da epopeia Mahabharata, por exemplo, já o encontramos perfeitamente definido.
BHAGAVAD GITA - KRISHNA E ARJUNA |
O segundo tipo de karma, Prarabdha é a parte de Sanchita, o karma passado, atuante; é responsável em grande parte pelo que somos hoje, pelo estado do nosso corpo atual, pela situação em que nos encontramos na existência presente. É aquilo que aparece sob o nome de Destino, Fado, em muitas tradições. Nós não experimentamos Sanchita totalmente, mas somente aquela parte que “aflora” num ou noutro dos papéis, dentre os vários, que podemos representar (Meio do Céu). Prarabdha é o que está maduro para ser colhido, é o que temos que colher, que assumir. Não pode ser alterado, mudado.
O terceiro tipo de karma, Kriyamana, consiste na totalidade das possibilidades de efeitos que nossas ações do presente estão criando, é o que está sendo preparado para o futuro. Já o quarto, Agama, é a nossa capacidade de antever o resultado de futuras ações, realizemo-las ou não. Estes dois últimos tipos acabam muitas vezes se interpenetrando, se confundindo.
MAHABHARATA - ARQUEIROS |
Na literatura da escola Vedanta há uma história que ilustra o que acabamos de dizer. Um arqueiro acaba de disparar uma flecha; não pode trazê-la de volta, ela já iniciou a sua trajetória. Ele está prestes a disparar a flecha seguinte. O cesto de flechas às suas costas é Sanchita. Muitas flechas já saíram dele, já foram disparadas. Estas flechas disparadas constituem Parabdha; as flechas que estão para ser disparadas são Kriyamana-Agama. Sobre estas o arqueiro pode ter perfeito controle, assim como sobre as do cesto.
Em vários textos hinduístas encontramos esta frase: Nós não temos a liberdade de determinar o resultado das nossas ações; o que temos, sim, é a liberdade de determinar o curso delas (Narma Svantatrya). Krishna, na Canção do Senhor, diz: O problema está sempre na ação, não nos frutos. Compare o que aqui está com a muito citada afirmação de Sartre de que só podemos nos escolher com relação à nossa maneira de ser e não com relação ao nosso ser.
KRISHNA |
Segundo a lei do karma, o que somos hoje é o resultado do que pensamos e fizemos no passado. O que viermos a ser no futuro será o resultado do que pensamos e fazemos hoje. Ações egoístas, isto é, karma egoísta, levam a renascimentos que, por sua vez, gerarão novos karmas. Tudo o que recai sobre nós de bom ou de mau é consequência de ações que praticamos. As consequências das ações que praticamos numa existência podem nela não ser experimentadas. Podemos até ter que esperar muito tempo, dizem certos mestres hindus, para experimentá-las. O certo, porém, é que sempre as experimentaremos, mais cedo ou mais tarde. A lógica da lei do karma é inflexível. Sempre seremos punidos ou recompensados, mesmo que não nos lembremos das ações praticadas. Por isso, os realmente hindus não se espantam quando vêem alguém sofrer sem uma causa aparente ou presenciam o crime não punido.
TYCHE |
O hinduísmo também fala de karmas coletivos. São aqueles que transcendem o karma pessoal, são karmas indiretos. Como consequência, tudo isto nos leva ao segundo conceito de que tratamos, o de Dharma, a obrigação que temos de assumir os efeitos das ações praticadas por nós e/ou pelos membros do grupo a que pertencemos. Uma pessoa pode assim experimentar o seu karma individualmente e também o coletivo, num estágio de vida diferente.
CERIMÔNIA HINDUÍSTA |
As análises que a astrologia hindu procura fazer levam em consideração os diversos tipos de karma. Sanchita, o karma acumulado, dizem os astrólogos hindus, nunca poderá ser apreendido na sua totalidade, cabendo a Jyotish, por isso, tratar mais dos três outros tipos(Prarabdha, Kriyamana e Agami) do que de Sanchita. A ideia que ilumina este entendimento é a de que o que somos provém de uma interação dinâmica entre destino e livre-arbítrio. O destino é basicamente uma manifestação de Sanchita e de Prarabdha enquanto o livre- arbítrio resulta de Kriyamana e de Agama. Estes dois últimos, com o passar do tempo, transformam-se nos dois primeiros mencionados, pois o que fazemos hoje em nome do livre-arbítrio será experimentado como destino mais adiante. Por isso, diz o hinduísmo e, com ele, Jyotish, ninguém é governado inteiramente pelo destino.
Diante disto, mudanças de vida só poderão ocorrer quando Kriyamana e Agama neutralizarem Sanchita e Prarabdha, este a materialização do outro. A quantidade e a qualidade dos esforços requeridos para tanto, isto é, para alterar karmas anteriores, vai depender, em grande parte, da intensidade de Prarabdha.
A intensidade de Prarabdha, isto é, seu “peso”, seja ele doloroso ou agradável, pode ser sentido num aspecto de nossa vida ou em vários. Com base no hinduísmo, Jyotish considera Prarabdha como: 1) Fixo (dridha); 2) Fixo-Não Fixo (dridha-adridha); 3) Não Fixo (adridha). O karma classificado como fixo é muito difícil de ser mudado, praticamente impossível. As ações que a ele deram causa foram muito significativas, graves, proporcionais ao que agora é experimentado com a mesma importância e intensidade. Terá este karma que ser vivido. A sensação que temos é a de que ele simplesmente “acontece”, apesar de todos os nossos esforços contrários. Dizem os astrólogos hindus que o karma fixo aparece no mapa numa confluência, isto é, quando muitos fatores astrológicos convergem para uma indicação que permita considerá-lo como tal, como uma espécie de nó cego.
O segundo tipo, fixo-não fixo aparece também através de vários pontos, convergindo todos também para uma determinada área. Este tipo de karma poderá, contudo, ser mudado através de consideráveis esforços, por ações conduzidas através uma vontade firme, austeridade (tapas), de médio para longo prazo. Já o terceiro tipo, não fixo, gera efeitos que podem ser alterados ou superados com relativa facilidade, Nestes casos, os resultados obtidos são proporcionais aos esforços empreendidos.
Além das divisões que acabamos de mencionar, o hinduísmo propõe outras, ao nos lembrar que todas a ações humanas podem ser subdivididas em três classes: 1) Kayaka, as que dizem respeito ao corpo físico, que tanto se referem às nossas ações como aos nossos sentidos; há, assim, um karma relativo à visão, outro ao paladar, ao tato, à audição e ao olfato; 2) Vachaka, as que dizem respeito às palavras; 3) Manasika, as que decorrem de influências mentais, pensamentos. Assim, dentro de cada um dos karmas (Sanchita, Prarabdha e Kriyamana) poderemos ter mais as características acima apontadas.