sexta-feira, 26 de junho de 2020

O ORÁCULO DE DELFOS

   
MONTE  PARNASO
O lugar que passou a ser designado na antiga Grécia pelo nome de Delfos, uma região contígua ao monte Parnaso, era, desde tempos pré-históricos, bem antes da chegada dos aqueus por volta de 2.000 aC, conhecido como um centro sagrado. Um grande número de peregrinos era para lá atraído por causa das suas grutas e cavernas e das emanações que delas subiam. Os poetas que nos descreveram o local registraram que tais emanações pareciam transtornar mentalmente muitas pessoas, que ficavam mais loquazes, dotando-as inclusive de poderes premonitórios que lhes permitam se antecipar a acontecimentos. Os primeiros a notar que ali acontecia algo de anormal foram os pastores que há muito, por causa da boa vegetação e de algumas fontes, para lá conduziam as suas cabras e ovelhas. Ali chegados, os animais ficavam muito inquietos, com a sua marcha normal prejudicada.    
As histórias desse local, no decorrer dos séculos, acabaram tomando a forma de mitos, contando-nos os poetas gregos que tudo ali começara quando Zeus, o deus dos deuses, resolveu indicar um ponto central na Terra, então concebida pelos humanos como um imenso disco achatado, circundado por um volumoso rio-oceano. Zeus mandou instalar nesse ponto, por ele considerado como o centro do universo em que reinava, um grande santuário através do qual seu culto pudesse se propagar. 

Para determinar o exato lugar do santuário, Zeus enviou duas águias, seus símbolos, que  partindo de direções contrárias se encontraram no espaço celeste. Demarcado esse cruzamento,
OMPHALOS
projetou-se a partir dele, em direção da superfície terrestre uma linha reta que desceu à região subterrânea do maciço montanhoso de Delfos. Nesse ponto ctônico, numa gruta, colocaram os crentes, devidamente inspirados, então, uma grande pedra, à qual se deu o nome de omphalos (umbigo, em grego), sendo ele considerado daí em diante tanto como o umbigo da Terra como do universo como um todo.

Esse omphalos, também símbolo da fecundidade, ligava não só os três mundos (céu, terra e  inferno) como passou a representar os três níveis de manifestação de tudo o que entrasse na existência. É de se notar que esse omphalos dos antigos gregos encontrava a sua
VISHNU
réplica em outras civilizações, na da Índia, por exemplo, com relação ao umbigo de Vishnu (2ª pessoa da trindade hinduísta), estendido o deus sobre o oceano primordial). Desse ponto do seu corpo físico, segundo a tradição hinduísta, brotou um lótus como primeira manifestação da vida universal. No céu, o ponto que correspondia ao omphalos terrestre era a estrela polar, guia dos viajantes, definindo-se a partir desse astro as direções para todos os seres que se aventurassem  nos caminhos da terra e dos mares. 
THEMIS

Bem antes do segundo milênio aC, antes da chegada dos aqueus à Grécia, como se disse,  já se encontrava em atividade na região délfica um santuário de culto à Mãe Terra e a uma de  suas filhas, chamadas respectivamente pelos peregrinos de Geia, a primeira, e de Themis, a outra, a deusa das leis divinas imprescritíveis. 


Conforme revelaram os peregrinos e depois registraram os poetas, as deusas se manifestavam no local por estrondos que partiam do interior das cavernas e grutas e, sobretudo, pelas águas que escapavam das fendas dos rochedos, formadoras de inúmeras fontes, delas cuidando as náiades, ninfas das fontes, e as oréadas, ninfas das montanhas, grutas e cavernas. As deusas que velavam sobre o local eram protegidas por um filho de Geia, um dragão-serpente fêmea chamado Delfine, palavra que vinha do grego delphys, órgão sexual feminino, cavidade, útero, vagina.  


PITON   E   APOLO

Conforme histórias preservadas pela tradição oral, foi o deus Apolo que tomou a iniciativa de dar cumprimento à vontade de seu pai, apossando-se, em nome do mundo olímpico, patriarcal,  de Delfos, afastando dali as divindades subterrâneas, femininas, matando inclusive a flechadas o dragão Delfine, o seu guardião, também chamado de Piton. Apolo era filho de Zeus e da titânida Leto, irmão gêmeo de Ártemis, representados ambos nos céus, respectivamente, pelo Sol e pela Lua. Assim, o mundo patriarcal, masculino, assumiu o controle de Delfos, dele afastando a tutela feminina.

Ao afastar as deusas do Oráculo, Apolo instaurou um culto por ele tutelado e no lugar da chamada mântica (adivinhação) por
JOGOS   PÍTICOS
incubação, de características femininas, impôs a mântica profética, dinâmica, de características masculinas. A vitória de Apolo era celebrada em Delfos a cada quatro anos através de determinadas cerimônias (festas, danças, corais) e competições esportivas, agones em grego, os chamados Jogos Píticos.   



LOUREIRO
Segundo o mito, esfolado o dragão Piton pelo deus, sua pele foi arrancada e usada por seus sacerdotes para serem feitos com ela os assentos dos bancos em que se sentaram as sacerdotisas do deus, apelidadas por essa razão de pitonisas. Cabia a elas receber em transe, em meio às emanações que subiam das profundezas das grutas e pelas fendas das rochas, as respostas das consultas feitas ao deus, respostas por elas verbalizadas, devidamente interpretadas pelos sacerdotes sempre presentes. Esta interpretação se tornou necessária porque as respostas do deus eram não só muito ambíguas como porque, ao verbalizá-las, as pitonisas falavam com certa dificuldade, em transe, em meio às emanações, mascando sempre folhas de louro, árvore do deus. A esse modo de pronunciar as palavras entre os dentes, os gregos deram o nome de sibilar. Cabia aos sacerdotes do oráculo tornar mais claras as respostas do deus, as sentenças sibilinas, transmitidas pelas pitonisas. Por isso, também, o nome de sibilas a elas aplicado. 


PITONISA   DÉLFICA

As pitonisas ou sibilas eram escolhidas entre as virgens locais, devendo a mais  importante  delas,  a  principal  receptora  do  deus, a Pitonisa Délfica, ter mais de cinquenta anos. Esta sacerdotisa era a encarregada de receber as mensagens do deus oracularmente ao lhe serem feitas as perguntas por reis, figuras gradas e altos dignitários quando em visita a Delfos.  A Pitonisa Délfica ocupava nos subterrâneos do templo do deus uma cripta perfumada onde se encontrava também o sagrado omphalos.  O local, secreto, no seu todo chamado de ádito, era perfumado pela permanente combustão de folhas de louro (árvore do deus) com farinha de cevada e pelas emanações que se espalhavam entre as fendas das rochas e o borbulhar das fontes.

É de se ressaltar que a importante presença das pitonisas no santuário de Delfos foi tema sempre tratado pelos que o estudaram com muita reserva, estranhamento mesmo, pois não entendiam eles como numa sociedade tão machista como a grega se prestigiasse tanto o mundo feminino, fazendo-o assumir o papel de intermediário com relação à divindade. Os gregos, sim, eram machistas, mas não eram ignorantes nessas questões da esfera da mediunidade. Nessa esfera, como constatamos desde a pré-história, quem sempre “recebeu” foi o feminino e não o masculino. A lei é universal: o masculino dá, fecunda, o feminino recebe, gera. 

A propósito, os hindus, como os  antigos  gregos,  também  tinham (têm?) uma perfeita noção desse fato, como o demonstram, por exemplo, nas posturas das suas práticas de yoga. Ademais, é também pelo que aqui se expõe, como se constata facilmente, em vários cultos afro-brasileiros e no espiritismo, que a mediunidade “masculina” é, em muitos casos, exercida por homossexuais. Na Umbanda, essa questão parece cair para um segundo plano para se destacar o fato de que ali o médium costuma ser chamado de cavalo, apossando-se o espírito do seu corpo e da sua mente, enquanto no kardecismo o espírito mais contido ou tolerante se apossa só do mental.   
  
PITONISA 

As pitonisas eram recrutadas entre as jovens que moravam em Delfos e arredores, dando-se preferência àquelas que mais suscetíveis se mostrassem aos efeitos das emanações, dos gases, do pneuma.  Para essa escolha não eram levadas em consideração, como acontecia com os futuros sacerdotes e altos funcionários do corpo administrativo do santuário, relações familiares aristocráticas e outros vínculos de natureza política. O que importava mais, obviamente, era que os “aparelhos receptores” fossem competentes médiuns, inclusive sob o ponto de vista mental, já que deviam receber um treinamento bastante complexo, para entender as questões que lhes eram propostas, pois nem tudo que acontecia no ádito ficava só na alçada exclusiva dos sacerdotes. 

As informações que expomos acima e muitas outras, para os mais interessados, podem ser encontradas, desde a antiguidade em diversas fontes, merecendo destaque os textos que muitos cronistas e historiadores nos deixaram sobre Delfos, sobretudo, quanto ao que aqui nos interessa, as referências feitas às emanações provenientes das grutas e ao treinamento que as pitonisas recebiam. Escritores, filósofos e poetas, gregos e romanos, ao longo de séculos (Platão, Ésquilo, Plínio, Estrabão, Plutarco, Cícero e outros nos deixaram muitos depoimento sobre o pneuma que provocava uma espécie de transe profético nas sibilas. 

PLUTARCO
Dentre os depoimentos mais interessantes que temos sobre Delfos, referência especial deve ser feita aos registros de Plutarco (46-120 dC), escritor, ensaísta, historiador e biógrafo, que fez parte do corpo sacerdotal do santuário, lá vivendo por mais de vinte anos. Para Plutarco, Apolo, em Delfos, funcionava como uma espécie de músico, sendo a pitonisa o seu instrumento, o gás, a emanação, o seu plectro, pequena peça delgada em ouro e marfim, usada para fazer soar as cordas da lira, isto é, fazer a pitonisa verbalizar as respostas às questões que lhe eram propostas. Submetidas a um exaustivo treinamento, com jejuns e abstinência sexual (a sua “purificação”, como se dizia), as pitonisas tornavam-se extremamente sensíveis à inalação do gás, apossando-se delas, ao final de cada sessão, uma creografia que as tornava tão cansadas como se tivessem participado de uma maratona.  

Sabe-se que já na época de Plutarco, por problemas geológicos no local (deslocamento de rochas, terremotos, inundações etc.), as emanações do pneuma foram se tornando cada vez mais irregulares e enfraquecidas, o que afetou bastante a “encenação” montada no ádito. Muitos estudiosos se envolveram seriamente com o assunto, tendo se firmado e aceito a opinião de que o mundo délfico e seu prestígio não passavam talvez de um bem montado negócio político- religioso do imperialismo grego. Mais: no início do século XX, pesquisadores e outros especialistas em cultura grega, formando um grupo interdisciplinar, foram mais fundo, afirmando que as histórias referentes às emanações, à possessão das pitonisas e às sentenças oraculares do deus também nunca haviam existindo realmente. Delfos não passava de um “mito” que teria vindo da antiga história grega e que teria sido propagado principalmente por escritores gregos e latinos, “invenções” sobre as quais intelectuais e o mundo universitário gosta de discutir e apresentar teses. 


MAR  EGEU  E  ÁSIA  MENOR

A influência do oráculo de Delfos estendia-se por todo o mundo mediterrâneo, pelo norte da África, chegando, a oeste, à península ibérica e, a leste, aos países da Ásia Menor. Giges, rei da Lídia, por exemplo, procurou se aproximar dos administradores do Oráculo, oferecendo-lhes muitos presentes em ouro e prata para obter prioridade com relação às consultas que resolvesse fazer. Há registros de que ele teria sido o primeiro bárbaro (estrangeiro, não-grego) a visitar Delfos, no que foi seguido por muitos outros, principalmente no caso de reis, potentados e estrangeiros ricos. Cite-se como exemplo as visitas de Creso, sucessor de Giges, de Midas, de Kypselos (tirano de Corinto), de Alexandre Magno e de muitas outras importantes figuras que se interessaram pelo oráculo.



ALEXANDRE   MAGNO

 O Oráculo de Delfos era procurado frequentemente para a obtenção de previsões sobre qualquer assunto, desde questões individuais (futuro, saúde, uniões, sociedades etc.) como as relacionadas com coletividades, que dissessem respeito à situação de uma polis. As principais consultas, quanto a estas últimas, eram evidentemente aquelas relacionadas com disputas político-religiosas internas, com declarações de guerra, lutas entre classes, expedições colonizadoras e outras mais... 


TEMPLO  DE  APOLO ,  DELFOS

A administração do território sagrado de Delfos era atribuída a uma Sociedade formada pelas principais cidades helênicas, as poleis, doze ao todo. Era a Amphictyonie, da qual faziam parte 24 representantes, dois para cada uma das doze cidades. O santuário de Apolo e o Oráculo do deus eram administrados por doze grandes sacerdotes, um intendente, um tesoureiro, cinco sacerdotes “menores”, acólitos e assistentes das pitonisas. Fisicamente, o conjunto délfico se compunha de uma Via Sagrada, de uma grande agora (praça), de um grande templo de Apolo, de uma casa-forte, de um teatro e de um anfiteatro, das termas, do estádio, de inúmeros alojamentos, de prédios onde estavam instaladas em muitas salas de órgãos administrativos, museus com ex-votos, tesouros etc.

DELFOS
Sabe-se hoje também, por várias pesquisas, que a aristocracia grega, a elite de suas principais cidades, guardava o seu dinheiro no santuário de Apolo, onde funcionava para esse fim algo semelhante aos nossos bancos de hoje, um lugar extremamente protegido. Os gregos não viam nenhum problema quanto a essa mistura de interesses materiais e religião.  Mais significativo, porém, quanto a este aspecto, foi, sem dúvida, o papel que o Santuário de Delfos assumiu com relação à política externa das cidades gregas.  

Historicamente, sabe-se, contudo, que o prestígio incondicional de que Apolo e seu santuário gozaram no mundo mediterrâneo, a leste e a oeste (entre a península ibérica, a Ásia Menor e o norte da África), desde o séc IX aC, foi diminuindo. Sua autoridade foi muito afetada também por causa de ataques como o dos fócidos, que invadiram as terras sagradas de Apolo. As pitonisas foram perdendo inclusive o seu grande prestígio, tornando-se mesmo impopulares por causa das jogadas políticas dos dirigentes do santuário. As profecias das pitonisas, inexplicavelmente para o todo da população grega, numa ação que parecia beirar a traição da
FELIPE  DA  MACEDÔNIA
aristocracia, pareciam muitas vezes favorecer estrangeiros, inimigos, como os persas, os lacedemônios e até a Felipe da Macedônia. Os gauleses atacaram Delfos em 279 aC, depois os etólios, que chegaram a se apoderar do santuário. Os romanos, contudo, mais tarde, quando começaram a mandar na política do mundo mediterrâneo, como sempre muito práticos, ao invadir Delfos, respeitaram o santuário, muito embora o imperador Constantino tenha levado todos os seus tesouros para embelezar a sua capital.

No final do século XX, nas suas últimas décadas, e início do ano 2.000, o santuário de Delfos foi sucessivamente explorado por vários pesquisadores, geólogos, arqueólogos e químicos (toxicólogos), inclusive sob o patrocínio da ONU, do governo grego e de algumas universidades norte-americanas. Os novos pesquisadores, retomando inclusive pistas muito antigas, chegaram à conclusão de que os gases (emanações) a que se referiram Plutarco, Estrabão e outros, deviam conter dióxido de carbono, como, aliás, acontecia em outros santuários de Apolo, situados na Ásia Menor, estabelecendo-se assim uma conexão entre profecias das pitonisas, a “química” que  atuava no ádito dos santuários e os cultos proféticos apolíneos.

Os químicos que fizeram parte das pesquisas realizadas em Delfos verificaram que nas amostras lá colhidas, perto do local onde se sentava a pitonisa, havia traços de metano, etano e de etileno, este de propriedades anestésicas e de aroma bastante agradável, como o de um refinado perfume, segundo, aliás, assim a ele se referira Plutarco nos seus registros. Químicos integrados à pesquisa, que trabalhavam com drogas e tóxicos, chegaram à conclusão de que os transes experimentados pelas pitonisas e sua coreografia se aproximavam bastante daquilo que usuários de drogas sentem hoje ao inalar substâncias como a chamada cola de sapateiro, thiner (solvente para tintas) ou o produto de lança-perfumes, quer a “viagem” fosse negativa ou positiva, podendo ser mortal no primeiro caso. 


SANTUÁRIOS   GREGOS

Está hoje comprovado que o movimento colonizador das poleis foi em grande parte, talvez na sua totalidade, orientado pelos dirigentes do Santuário de Delfos. Vários documentos no-lo confirmam isso. As principais justificativas para esse expansionismo foram, dentre outras, na Grécia continental, superpopulação, pobreza do solo, dificuldades internas de comunicação (solo pedregoso, elevações etc.), agricultura deficiente, comércio marítimo mediterrâneo dominado principalmente por duas grandes potências marítimas, Creta e Troia, poderosas talassocracias, impérios marítimos..

Estas justificativas vêm sendo discutidas, rebatidas, aceitas e/ou recusadas parcial ou totalmente pelos estudiosos desde a antiguidade grega. Há, porém, segundo entendemos, uma fonte que explica o imperialismo grego de modo irrefutável. Referimo-nos aos vários mitos que “encobrem” ou “disfarçam” esta disposição colonialista desde a chegada dos aqueus e de outras tribos à Grécia e da fundação das suas primeiras cidades, Argos, Micenas, Tebas e outras. De Micenas, como se sabe, partiram as expedições gregas que destruíram Creta, em grande parte, e totalmente Troia. 

A colonização Grega foi um movimento de expansão territorial que parece ter encontrado as suas razões em muitas causas. A necessidade de terras, como se disse, talvez tenha sido o fator decisivo do movimento. A superpopulação (explosão demográfica) e a falta de recursos agrícolas na região continental são também
GEIA
duas causas muito invocadas. Não nos esqueçamos que dentre as versões míticas levantadas sobre a origem da guerra de Troia há uma, muito interessante. É a que nos aponta a insistência da Mãe-Terra, Geia, nas suas queixas a Zeus, com relação aos excessos populacionais na região do Egeu e da Ásia Menor, excessos que muito a incomodavam e maltratavam, geradores de guerras, disputas, questões religiosas etc. 

O território grego continental é bem conhecido pela pobreza de seu solo. Grande fluxo do povoamento grego aconteceu principalmente para o sul da atual Itália, que possuía um solo muito propício para a prática agrícola. É importante ressaltar também, como não poderia deixar de acontecer, que a colonização contribuiu bastante para a formação de várias cidades-estado (poleis). Este movimento expansionista incentivou o fracionamento da população, à medida que a sociedade foi se organizando em um sistema religioso-cultural em comum, nos novos territórios conquistados.


MAGNA   GRÉCIA

Dentre as motivações mais importantes para a fundação de colônias pelas poleis gregas destacavam-se também três, de modo especial: a criação de novos mercados consumidores,  de fontes de suprimentos de matérias-primas para a metrópole e de pontos intermediários seguros no caso de viagens comerciais de longa distância.

Está perfeitamente assentado, já há muito, que os coríntios e os eubeus tenham sido os mais ativos fundadores de colônias ultramarinas. Os primeiros manifestaram o seu maior interesse para a região do Mar Jônico e da Ilíria. Foram por isso, os seus primeiros colonizadores, além de estabelecerem as principais rotas marítimas para o sul da Itália, estendendo firmemente o poder grego nessa direção, fundando os seus principais empórios no ocidente do Mediterrâneo.

Os primeiros colonizadores gregos do sul da Itália (Magna Grécia) foram os eubeus, fundando eles muitas cidades na região, Pitecusas (ilha de Ísquia), Cumas, Zancle (Sicília), Régio Naxos, Leontinos. Na Sicília, a principal cidade “grega” era Siracusa, que assumiu o papel de uma metrópole com relação a outras cidades que se fundaram a partir dela. Foi por causa da acelerada helenização do
OVÍDIO
sul da Itália que escritores latinos (Ovídio) deram à região o nome de Magna Grécia (Grande Grécia). Sabe-se que até hoje um bom número de italianos do sul, no seu cotidiano, ainda usam muitas palavras provenientes de dialetos gregos. Comum também que na região, nos ritos religiosos, sejam encontradas muitas palavras gregas.  Não foi por acaso que o nome grego da Sicília era Trinácria, três
TRINÁCRIA
pontas (acros, em grego), um nome que descrevia o formato triangular da ilha. Muito importante também era a benção (uma cerimônia 
muito prestigiada) que os administradores do Santuário davam, em nome do deus Apolo, quando da partida de expedições para a fundação de novas colônias gregas.

A importância do Oráculo de Delfos, entretanto, não se limitou apenas à distribuição de presságios ou à orientação da política colonialista das poleis gregas. O Oráculo influenciou bastante os destinos do helenismo como um todo, tomando parte muito ativa nas iniciativas de guerra e de paz, em conflitos políticos e institucionais e na orientação da política religiosa nas terras conquistadas. A importância de Delfos pode ser avaliada mais objetivamente ainda se levarmos em conta que no séc. VII aC. a sede da principal amphictyonie grega, que funcionava num santuário de Deméter, na região das Thermopyles (Termópilas), foi transferida para o santuário de Apolo, em Delfos.

É de se notar que amphityonies  semelhantes a de Delfos funcionavam em algumas regiões da Grécia. A de Delfos, porém, apresentava características que as demais não possuíam. Ela era constituída não só por poleis (cidades-estado) importantes como, sobretudo, por ethné (etnias)  dos primeiros habitantes helenos, representantes das tribos ancestrais, o que não acontecia com nenhuma das outras sociedades. O Santuário de Delfos tornou-se, por isso, incontestavelmente, a sede religiosa e política do helenismo, título a que nenhum outro santuário podia pretender. O corpo do antigo helenismo era formado, dentre outros, por representantes das tribos dos aqueus,  dos dóricos, dos  tessálios, dos  jônicos e outros.


APOLO  FEBO
Foi principalmente entre os séculos VIII e VII aC que tivemos a maior expansão grega quanto à fundação de colônias em terras longínquas, todas de inspiração délfica, inclusive quanto à designação do oecista (chefe e fundador da colônia). Nomes para colônias, como apoikia e clerúquia, entraram no vocabulário dos gregos e tornaram-se conhecidos em todo o Mediterrâneo. Enquadram-se neste tópico os casos de Siracusa, de Crotona, de Cyrene, de Thasos e de muitas outras colônias, todas fundadas por “inspiração” do Apolo délfico, também chamado de Apolo Febo (do grego Phoibos, brilhante, puro). Ao nome das colônias fundadas desta maneira era comum se agregar o adjetivo Apolonia ou o substantivo Arcogeta.

O mais destacado papel representado pelo Santuário de Delfos foi certamente aquele assumido quando da reforma de Clístenes (segunda metade do séc. VI aC). Durante seu governo, Clístenes promoveu uma redistribuição social com propósitos de fortalecimento político e militar. Sua proposta principal: a divisão da sociedade em dez tribos para que, assim, se garantisse a desestruturação das antigas tradições. A proposta clisteniana era, no fundo, a de desfazer a insistente e auto-proclamada ligação dos aristocratas a uma ascendência divina. Reformar, pois, a desigual composição social vigente e, inclusive, impedir possíveis levantes. A importância do Oráculo, em tais reformas, foi a de assumir, através das pitonisas, a escolha de novos heróis epônimos de cada tribo. 

No chamado período helenístico da história grega, com o domínio dos macedônicos (Felipe e seu filho Alexandre Magno), embora em funcionamento, o santuário de Delfos começou a entrar em decadência, que se acentuou bem mais no seguinte e último período da história grega, o do domínio dos romanos. Lembremos, a propósito, para maiores informações, que Plutarco nos deixou um importante depoimento (Sobre a Decadência dos Oráculos) no qual discorre indiretamente sobre o fim do imperialismo grego.
EUSÉBIO

Ao tempo de Juliano, sobrinho de Constantino, já bem disseminada a crença cristã, ocorreu, ao que parece, uma última tentativa para se tentar revitalizar o santuário de Delfos É muito conhecida a afirmação de Eusébio, escritor cristão da época, sobre o fim do oráculo. Eusébio declarou que não mais era possível, àquela altura, restaurar a enfraquecida voz da pitonisa, mas que fosse mantido o costume de se fazerem sacrifícios a Apolo Febo. Mais: nas palavras de Eusébio, a cidade adornada pela arte estava destruída, Apolo Febo não possuía nela mais um teto, as águas sussurrantes de sua fonte estavam emudecidas, nem vestígios de sua árvore sagrada, o loureiro, eram mais encontrados.