Para Homero, herói é um homem forte,
corajoso; às vezes, pode ser alguém venerado por sua sabedoria ou um príncipe
de família ilustre; ou, ainda, o filho de um deus que participe do humano.
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HESÍODO |
Já
para Hesíodo heróis serão os personagens da chamada idade heroica, relacionados
sobretudo com a guerra de Troia. As mais antigas civilizações, a mesopotâmica,
a egípcia, a védica, a persa, a grega, a romana, a celta, as norte e
sul-americanas, as africanas, a escandinava, desde as primeiras etapas de sua
formação, glorificaram determinados seres. Reis, príncipes, fundadores de
religiões, de impérios, de cidades, guerreiros, personalidades que de algum
modo se destacaram e deixaram um exemplo. De um modo geral, a esses personagens
se dá o título de herói. A palavra, latinizada depois, veio para nós do grego, heros, heroos, semideus, nobre, mortal divinizado.
Algumas exceções,
obviamente, podem ser notadas com relação ao que acabamos de enunciar. As
civilizações norte e sul-americanas, por exemplo, mais distanciadas das
europeias e asiáticas, não apresentam, digamos, o modelo "clássico"
do herói como o encontramos nestas últimas. Mesmo a antiga civilização dos
egípcios, que mais do que qualquer outra investiu na eternidade, pouco ou nada
enfatizou o modelo heroico.
No antigo Egito tudo parecia estar determinado
para sempre, inclusive a vida do outro lado da morte. Nada de grandes
esperanças e anseios. O ser humano não precisava buscar o desconhecido, se
arriscar pelo novo.
Herói, a rigor, entre os egípcios, talvez só o faraó, a própria divindade encarnada.
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ADRIANO |
Pouquíssimos personagens na história do Egito mereceram honras como as que
em outras culturas são prestadas aos heróis.
Mesmo
reverenciados permaneceram humanos, nunca divinizados. Uma exceção poderia ser
levantada, talvez, o caso de Antinoo, o jovem grego de grande beleza, favorito
do imperador Adriano (76-138 dC), que morreu afogado no rio Nilo. Adriano o
colocou entre os deuses; um templo e uma cidade, que receberam o seu nome,
foram construídos em sua memória.
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MARGUERITE YOURCENAR |
Lembro que a
romancista e ensaísta belga de língua francesa, Marguerite de Crayencour, que
adotou o sobrenome de Yourcenar (um anagrama de seu patronímico), que viveu
entre 1903 e 1987, publicou em 1951 as Memórias de Adriano, sobre o assunto
acima. Como ela disse, escreveu o livro “com um pé na erudição e o outro
naquela magia simpática que consiste em se transportar em pensamento ao
interior de alguém”. Ela faz, pelas memórias imaginárias do imperador, que
aceita serenamente a morte, uma lúcida reflexão sobre o fim das civilizações.
Nas suas raízes
etimológicas (gregas) mais profundas a palavra herói designava na mitologia o
filho de um deus ou de uma deusa com um ser humano. Aos poucos, passou a
palavra a ser utilizada para denominar um mortal divinizado após a sua morte
(evemerização) e também aquele que se notabilizara por seus feitos guerreiros,
sua coragem, sua abnegação. O sentido da palavra foi se ampliando, admitindo-se
depois seu uso para apontar pessoas que suportaram um destino incomum ou que se
dedicaram, até com o sacrifício da própria vida, a trabalhar pela humanidade.
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LORD BYRON |
Do século XVIII para o XIX, o Romantismo incorporou
outro sentido à palavra
ao pôr em circulação, na Arte, mais na Literatura,
determinados personagens,chamando-os de heróis, figuras que problematizavam
sua relação com a sociedade. Hoje, a palavra é aplicada a pessoas que se
destacam por suas realizações, dignas ou indignas, mas que se tornam de algum
modo o centro das atenções, cujo melhor exemplo está nas celebrities postas
em moda pela cultura norte-americana.
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HÉRCULES |
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GILGAMESH |
Nas antigas culturas,
a história do nascimento, da infância e da juventude dos personagens heroicos
costuma se revestir de traços fantásticos, maravilhosos, extraordinários, que
vão além da esfera do humano. Embora separadas no tempo e no espaço e não
tenham tido aparentemente qualquer contacto, essas culturas apresentam as suas figuras heroicas (Hércules e Gilgamesh) com uma
semelhança espantosa, até exata muitas vezes. Tais semelhanças e exatidão
sempre impressionaram os estudiosos dos mitos; inúmeras teorias e escolas de
interpretação tentaram explicá-las desde a antiguidade.
O herói, como a
Mitologia grega no-lo apresenta, tem uma função primordial, a de propor sempre
um caminho evolutivo. É um ser que procurara deliberadamente esse caminho, que
assumiu um avanço consciente na vida, uma forma de submissão auto-conquistada.
Tornar-se herói, nessa perspectiva, é abandonar um mundo fechado e ir em
direção do grande Todo, como nos apontam vários estudos sobre o tema.
No mito, os seres que
vigiam as passagens de um mundo ao outro são perigosos, é preciso competência,
coragem para enfrentá-los. Representam, de modo geral, os opostos que todos
carregamos dentro de nós (ser ou não ser, certo ou errado), vivem em lugares estreitos,
angustiantes, desfiladeiros. Há inúmeras histórias e figuras que na Mitologia
grega representam estes aspectos aqui apontados: Ártemis, Pã, Hécate e as
encruzilhadas, as rochas Simplégades, Cila e Caribdes na Odisseia, Édipo e a
Esfinge etc.
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ÉDIPO E A ESFINGE
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De um modo geral, nas
civilizações da antiguidade o culto prestado aos heróis, se assemelha bastante
àquele prestado a antepassados mortos. Aquilo que a figura do herói tem mais
característico, na perspectiva da Mitologia grega, talvez esteja no fato de ele
representar sempre um traço de união entre as forças terrestres e celestes. São
assim seres exemplares, adorados (adorar quer dizer imitar intensamente).
Muitos heróis, ainda
segundo a Mitologia grega, depois da morte, podem conservar suas
características e interceder pelos mortais, sendo, por isso, muito mais
venerados. Enquanto os mortais viram sombras, simulacros, sonhos impalpáveis,
desprovidos de materialidade, os heróis, depois da morte, não perdem seu corpo
físico (soma), indo com ele, invariavelmente, para um mundo maravilhoso,
paradisíaco (Ilha dos Bem-aventurados, em alguns casos). Nem sempre, porém,
isto acontece. Há casos em que os heróis e outros personagens importantes do
mito, como todos os mortais comuns, vão para o Hades e lá permanecem.
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HADES |
No mito, o nascimento
do futuro herói costuma ser marcado por acontecimentos excepcionais, um caráter
milagroso (dois pais, um divino e outro humano; mãe virgem; seres divinos
interferindo), às vezes numinoso. Desde cedo, criança, já demonstra grande
dificuldade de integração ao meio em que aparece. Costuma ser exposto ás forças
naturais para receber uma espécie de batismo cósmico, para renascer de outra
maneira (duplo nascimento). Os sinais distintivos são comuns na infância,
prodígios, força, façanhas incomuns para a idade.
Na juventude, já aparece
uma de busca de proporção, sempre dificílima, que a docimasia (dokimasia)
ilustra, isto é, a relação entre a transbordante personalidade do herói e o
mundo em que atua é exigida. Entrando na senda, surgem as provas, inclusive as
possibilidades das punições divinas pelos excessos que ele comete. Solitário,
sacrificado, perambula o herói pelo mundo. Uma espécie de Fatum parece
persegui-lo, ainda que muitas vezes seja ele auxiliado providencialmente por
entidades protetoras. Suas conquistas são sempre ameaçadas de dissolução, tanto
interna como internamente; orgulho, vaidade, perversões, hybris, por um lado e, por outro,
os monstros e os seres perversos que encontra no caminho. Internamente, sempre
presentes também as ameaças das origens, dos conteúdos inconscientes.
Externamente, ainda, os possíveis confrontos com outros egos, símbolos do mal, que
podem inclusive tentar destruí-lo.
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GIGANTE GERIÃO, GRANDE INIMIGO DE HÉRCULES (12º TRABALHO) |
O herói, tanto na
Mitologia grega como em outras, costuma ser apresentado segundo dois modelos: o
tipo extrovertido (o mais comum), que assume o papel de libertador, de líder,
de condutor, tendo como um dos principais objetivos a transformação do mundo, e
o tipo introvertido, que atua mais no plano das ideias, dando exemplo, como
redentor, o que trabalha mais com a fé e a vontade do que com o esforço físico.
Qualquer que seja o enfoque, os heróis gregos são sempre catalisadores de comportamentos
e, como tal, seres exemplares.
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ULISSES |
Um dos maiores
problemas que os heróis encontram é o do retorno, o chamado choque de retorno.
Muitos, depois da longa viagem, não querem mais voltar ou podem encontrar
obstáculos que dificultem ou mesmo impossibilitem o retorno, como no caso de
Ulisses, por exemplo. Às vezes, surgem outras convocações, outros chamados. É
que o herói é sempre um iniciado, ele entrou na posse de conhecimentos que, por
certo, poderão ser transmitidos aos que ficaram ou aos que ouviram o chamado e
não o atenderam. Esta impossibilidade se caracteriza, sobretudo, muitas vezes,
pelo fato de o herói, depois de feita a jornada, passar a atuar num campo de
forças diferente daquele em que atuam homens comuns. Muitas vezes, difícil,
impossível o diálogo. Por isso, muitos heróis, nessa fase, optam pelo silêncio.
O modelo heroico,
hoje, parte da ideia básica de que a jornada heroica é de poucos e que a
maioria deve ficar no papel que lhe cabe, isto é, serem os figurantes,
sustentando o cenário para que ele pratique as suas façanhas, para que ele
apareça. Na chamada cultura de massa, o herói está só comprometido consigo
mesmo, com a sua capacidade de afirmação, com a sua habilidade, podendo se
tornar um representante privilegiado do mundo que o gerou.
Esse modelo tem um
caráter impositivo, invadindo outras áreas que não específicas da violência,
mas que usem a sua química, como é o caso dos modelos que nos fornecem o
esporte, a arte popular (muitos já são encontrados na arte erudita), os cultos
religiosos populares ou tradicionais, o
cinema, a música, os jogos eletrônicos, a Internet etc., modelos atrelados e
dependentes todos economicamente dos grandes centros detentores da tecnologia
que lhes dá vida. O fascínio que esse modelo exerce está centrado sobretudo nos
seus dotes físicos, sendo de longe o mais atraente.
Expressando-se o herói como guerreiro, pela
violência (países vêm assumindo cada vez mais este papel, como os USA), ele
deixa sempre claro que ao agir nenhuma culpa poderá lhe ser debitada por mortes
ou destruição que cause. Aqueles a quem combate fazem sempre parte do que é
ilegal, pernicioso, ilegítimo, vetado. O Bem que ele defende deve prevalecer
sempre. Seria desalentador, desesperador mesmo, que não triunfasse. Se tal
ocorresse, isto abalaria a fé das pessoas no sistema, nas suas instituições,
criando bolsões de cinismo, de indiferença e de derrotismo.
OS CICLOS HEROICOS
GREGOS
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ARGONAUTAS
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São os seguintes os principais ciclos
heroicos gregos: 1) Argonautas ou o do Velocino de Ouro; 2) Tebano; 3) Átridas;
4) Hércules; 5) Teseu; e 6) Ulisses. Esses ciclos cobrem geograficamente todo o
mundo helênico. Com o desenvolvimento das pesquisas arqueológicas e dos estudos
sobre a cultura grega tem se comprovado que os mitos não eram simplesmente
fantasias, "coisas" de poetas. As bases históricas dos mitos têm sido
confirmadas de um modo surpreendente. Estudos comparativos vêm contribuindo
também para lançar mais luz sobre a questão.
No mundo grego, o
ciclo de Héracles ou Hércules é o que mais se destaca com relação aos demais,
quando falamos de ciclos heroicos. Seu ciclo é completo e nele se descreve, no
capítulo dos doze trabalhos, o drama humano e as suas oscilações entre a vida
instintiva, a vida racional e a vida espiritual, isto é, os três níveis do fogo
(infernal, terrestre e celeste). É um dos ciclos mais antigos, levando-nos a
estabelecer um grande número de relações, de analogias, em função de sua enorme dimensão simbólica.
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HÉRCULES E OS DOZE TRABALHOS |