Na história dos povos indo-europeus, encontramos um certo número de instituições que formaram rituais para que jovens passassem de um nível social a outro. Uma série de provas e cerimônias marcava mais ou menos solenemente essas passagens. Do oceano Atlântico ao Ganges está hoje comprovado que tal aconteceu realmente. Uma grande quantidade de mitos e histórias expressa como isso se dava.
A pederastia (amor a jovens rapazes, etimologicamente) era uma das mais significativas dessas instituições. Era o amor de adulto por um jovem mal entrado na puberdade. Esse amor devia permanecer puro, embora a relação se revestisse de algo mais forte que a amizade (philia). Fossem dóricos ou jônicos os Estados, a pederastia estava institucionalizada como, por exemplo, entre os espartanos.
É de se ressaltar que entre os dóricos de Creta e Esparta o indivíduo pertencia ao Estado e sua educação era orientada na direção de um fim comunitário, enquanto em Atenas, no período clássico e no período helenístico (dominação macedônica), os pais tinham a liberdade de decidir quanto à educação de seus filhos, sempre com o objetivo de os tornar homens completos. Em Atenas se faziam restrições ao instituto da pederastia, inclusive legalmente, mas a legislação “não pegou”. Pode-se dizer, de um modo geral, que a pederastia era uma instituição generalizada em toda a Grécia, com aspectos peculiares em cada região, cultura e período histórico.
CRONOLOGIA DA HISTÓRIA DA GRÉCIA |
Em Atenas, por exemplo, por volta do séc. V aC, no período clássico da história grega estavam em vigor leis que tratavam da prostituição masculina, da prostituição de crianças e da proibição de que pudesse participar, falar em assembleias e frequentar ginásios o condenado por prostituição. Neste particular, a história nos deixou registros de casos rumorosos, como o de Ésquines que moveu um processo contra Timarco, acusando-o de prostituição.
ÉSQUINES |
É certo que a pretendida pureza nem sempre existiu na instituição da pederastia. Foi por essa razão, por exemplo, que nos ginásios de Atenas, adultos, reconhecidamente depravados, de maus costumes, estavam proibidos de entrar. Entenda-se: nos ginásios gregos os atletas se entregavam nus às práticas esportivas. A palavra ginásio, etimologicamente, vem da palavra grega gymnasion, que, por sua vez, provém de gymnos, nu.
No período helenístico da história grega (dominação macedônica), por volta de 275 aC, abriram-se mais três ginásios em Atenas devido à grande quantidades de jovens que para lá se dirigiram, vindos do exterior (países vizinhos e colônias), com o objetivo de se aperfeiçoar física e mentalmente. Esses locais passaram obviamente a atrair muitos candidatos a assumir o papel eromenos. Mesmo nos Estados (Esparta) onde a prática da pederastia estava plenamente institucionalizada sempre se procurava exercer, através dos éforos, um certo controle no ingresso dessas pessoas nos ginásios.
ESPORTE - CERÂMICA GREGA |
No período helenístico da história grega (dominação macedônica), por volta de 275 aC, abriram-se mais três ginásios em Atenas devido à grande quantidades de jovens que para lá se dirigiram, vindos do exterior (países vizinhos e colônias), com o objetivo de se aperfeiçoar física e mentalmente. Esses locais passaram obviamente a atrair muitos candidatos a assumir o papel eromenos. Mesmo nos Estados (Esparta) onde a prática da pederastia estava plenamente institucionalizada sempre se procurava exercer, através dos éforos, um certo controle no ingresso dessas pessoas nos ginásios.
LUTA (BAIXO - RELEVO) |
O fato é que foi possível se estabelecer uma certa contenção da prática pederástica no início do período clássico (quinto e quarto séculos, o período das cidades-estados independentes, o das mais altas realizações do gênio grego), mas, nos séculos seguintes, fortemente marcado pela decadência política e social dos grandes centros urbanos), a instituição da pederastia descambou para os níveis mais baixos da homossexualidade.
EROMENOS E ERASTA |
São muitos os povos em que a atração e o comportamento sexuais não se dividem entre o homo e o hétero. A atração por um sexo não excluía, para o grego, de um modo geral, a atração por outro sexo. Historicamente, não pode ser defensável essa ideia da cultura ocidental de se identificar virilidade com exclusividade heterossexual, essa ideia que leva muitas pessoas, inclusive letradas, de instrução superior, a ver no homossexual masculino ou feminino só efeminação ou masculinização. Em muitas culturas do passado, atribuía-se grande importância a pessoas colocadas nessa perspectiva homossexual em função de sua atividade profissional (militares, religiosos, xamãs, atores, professores).
ANACREONTE |
Nenhum escândalo quando, por exemplo, Anacreonte (poeta lírico) dedica algumas de suas maravilhosas odes a jovens companheiros. Ou que os mais belos poemas de Teócrito (poeta grego do período helenístico, de Alexandria, que trabalhou com a literatura bucólica) tenham um fundo homossexual.
Inúmeros mitos, por outro lado, nos apontam que essa relação entre a pedagogia pederástica e a homossexualidade é antiquíssima,
fazendo parte desse mundo indo-europeu, anteriormente à constituição da Índia e da Grécia como países e da Escandinávia como região geográfica. Um dos grandes amores de Apolo, cujas relações com o mundo feminino, nunca deram muito certo, foi o belíssimo Jacinto. O poderoso Hércules, modelo dos heróis machões das histórias em quadrinhos e do cinema, fascinado pela beleza de Hilas, raptou-o. Um das mais famosas histórias, neste particular, foi a do rapto de Ganimedes por Zeus. A mitologia grega, entendamos, é um reflexo da totalidade do mundo e não só de uma parte. Incorpora todos as possibilidades, pois Deus é o Todo e nada da criação pode ficar de fora.
O caso de Zeus é exemplar para que se compreenda melhor a instituição da pederastia no mundo grego. Os gregos não hesitaram em levar para o céu os seus costumes, a sua moral. Xenófanes, filósofo grego da escola eleata, deixou-nos: se os bois e os cavalos tivessem mãos e pudessem pintar, fariam deuses-cavalos e deuses-bois.
JACINTO E APOLO |
XENÓFANES |
O caso de Zeus é exemplar para que se compreenda melhor a instituição da pederastia no mundo grego. Os gregos não hesitaram em levar para o céu os seus costumes, a sua moral. Xenófanes, filósofo grego da escola eleata, deixou-nos: se os bois e os cavalos tivessem mãos e pudessem pintar, fariam deuses-cavalos e deuses-bois.
ZEUS E GANIMEDES (RUBENS) |
Ganimedes é dos filhos de Trós, um dos ancestrais das dinastias troianas. O nome vem de ganos, líquido brilhante, e medesthai, ocupar-se, aquele que se ocupa do vinho, em grego. Jovem de extraordinária beleza, inflamou o coração do Senhor do Olimpo, que, para raptá-lo, tomou a forma de uma águia. Deu ao jovem, como compensação, alguns presentes: um aro (anel), um galo, ave-falo que espanta as trevas e os monstros da noite com o seu canto, anunciando a aurora, a luz. Deu também ao jovem um par de asas, imortalizando-o como um ser alado, símbolo da elevação. Zeus, quando do rapto, foi auxiliado por Tântalo, que acabou como um dos grandes criminosos no mito, e por Eros, deus da paixão amorosa. Ao pai do jovem, deu cavalos divinos, nascidos do deus Zéfiro, o vento que sopra na direção oeste-leste.
Ganimedes foi para o Olimpo com a missão de servir vinho aos deuses nas reuniões olímpicas, assumindo a função de escanção divino. Está ele hoje eternizado no Zodíaco como a constelação de Aquário, junto da qual está a da Águia (Zeus). Ganimedes tem por função, como amado dos deuses, distribuir o néctar entre os que participam do banquete transformado num rito de comunhão. A todos envolve a beatitude celeste por essa participação conjunta, estado a que o ser humano pode chegar ao beber o vinho como a bebida da imortalidade.
Mesmo as figuras da história política e cultural da Grécia antiga, que nos parecem muito graves e circunspectas, não ignoraram os prazeres deste tipo de ligação. Sófocles, Fídias, Aristóteles, Sócrates, Platão, Felipe e Alexandre da Macedônia, Alceu, Píndaro, Anacreonte e outros, outros mais.
O modelos das instituições pederásticas gregas veio de Creta; era costume lá que os adultos escolhessem jovens para que estes se tornassem seus amantes; esta escolha estava condicionada a um aviso à família do jovem; era simulado então um rapto do jovem, devendo a sua família oferecer uma certa resistência, com mais ou menos veemência, mas, ao final, o rapto sempre se concretização. No fundo, uma espécie de espetáculo teatral, do qual todos participavam como atores.
SÓCRATES E ALCEBÍADES ( SIMPÓSIO ) |
O modelos das instituições pederásticas gregas veio de Creta; era costume lá que os adultos escolhessem jovens para que estes se tornassem seus amantes; esta escolha estava condicionada a um aviso à família do jovem; era simulado então um rapto do jovem, devendo a sua família oferecer uma certa resistência, com mais ou menos veemência, mas, ao final, o rapto sempre se concretização. No fundo, uma espécie de espetáculo teatral, do qual todos participavam como atores.
Dois meses depois, quase que totalmente dedicados pelo raptor e pelo raptado aos prazeres da caça, o jovem era devolvido à sua família, com presentes e um anel, consagrado a Zeus. Seguia-se um banquete, faziam-se sacrifícios e se perguntava ao jovem, o amado (erastes), se ele tinha alguma queixa a fazer contra o amante, adulto eromenos); se houvesse, as relações eram desfeitas.
Ao que parece, eram mais as qualidades morais que as físicas que determinavam a escolha do jovem pelo adulto. Os jovens assim escolhidos era muito honrados, a eles concedidos os melhores lugares nos ginásios e nos banquetes públicos. Os jovens nessas condições usavam roupas oferecidas pelo amante, roupas que tinham a finalidade de distingui-los de todos os demais que não estivessem nessa condição. Tais jovens, quando chegavam à vida adulta e não mais ligados a um amante, continuavam a ser honrados, sendo chamados de kleinos, ilustres.
É preciso salientar, sem que se entre aqui na questão de valor, nos aspectos éticos, que esta instituição, no seu todo, jamais conduziu a uma efeminação dos costumes ou a expressões mais extravagantes (travestismo). Só nos períodos de grande decadência é que se chegou a tal, sendo os seus participantes muito mal vistos. A eles se dava o nome de maltakos, palavra que quer dizer, pejorativamente, doce demais, suave em demasia, um comportamento meloso, afetado, cheio de trejeitos e ademanes.
Nos Estados dóricos (Élida, Lacônia, Beócia) havia uma forma especial de pederastia, a de caráter militar. Para o povo desta região, este modelo era um excelente meio de preparar jovens para a carreira militar, pois criava uma estreita camaradem bélica.
Na Lacedemônia (Esparta) encontramos um exemplo clássico desse “amor militar”. Licurgo, o grande legislador de Esparta, fixou o conceito de eugenia legalmente, da qual fazia parte, para a purificação racial, o casamento obrigatório. O celibatário, sob determinadas condições, podia solicitar a mulher de um cidadão, um homoios, um igual, se ela tivesse as qualidades físicas e morais que ele desejasse para ter um filho. Um homem podia também pedir um “favor” de natureza sexual a um outro, mais jovem, vigoroso e valente, que, unindo-se à sua mulher, lhe desse filhos fortes e bonitos. As mulheres em Esparta, recebiam uma educação viril e esportiva, desfilavam nuas, sendo muito promovidas socialmente pelo casamento.
A vida espartana era comunitária, em grandes acampamentos, tudo sob o controle estatal. Festividades coletivas, jogos esportivos, danças e espetáculos teatrais e musicais eram promovidos como forma de aliviar um pouco a vida duríssima que levavam os espartanos. Para permitir que as cidades funcionassem a contento e a população espartana ativa se dedicasse inteiramente à vida militar, o Estado mantinha, em regime de escravidão (hilotas), as populações das regiões que conquistava, o que vez ou outra lhe causava sérios problemas.
Quanto à vida familiar, grande incentivo era dado ao casamento, sobretudo tendo-se em vista a produção de uma prole numerosa, de onde sairiam os futuros soldados da pátria. Na noite de núpcias, a mulher mantinha com o marido um contacto rápido, eis que no dia seguinte, às primeiras horas da madrugada, ela e ele já deveriam estar acampados. Os encontros amorosos se realizavam de tempos em tempos, a intimidade era pouca, pois, assim, segundo os chefes espartanos, o desejo permanecia vivo, o amor não esmorecia.
A criança, aos sete anos, saía do âmbito familiar e era colocada sob a tutela do Estado, passando a viver desde então em acampamentos, vivendo em regime comunitário, neles permanecendo até a vida adulta, a velhice e a morte. Os mais inteligentes e aptos fisicamente começavam cedo a comandar, fazendo o seu aprendizado de chefes. Os velhos supervisionavam os jogos e agiam muitas vezes para suscitar rivalidades a fim de melhor preparar os jovens. No mais, poucas letras, nada de cultura, apenas o essencial; o mais importante era transformar a criança num jovem treinado e disciplinado, endurecido, preparado para o combate. Lacônicos, cabeça raspada, pés descalços, nus a maior parte do tempo, preparados para enfrentar as variações climáticas.
Aos doze anos, a túnica era suprimida; uma espécie de manta, que deveria durar um ano, lhes era fornecida . Os leitos eram duros, os banhos sempre frios, mesmo no inverno. Era nesta idade que apareciam os erastas, de alta qualidade moral e física, que se ligavam a um escolhido, tornando-se responsáveis por ele. Se o erastes, o amado, não se saísse bem, o amante (erasta) era chamado às falas pelo conselho de magistrados.
Muitos erastoi podiam amar um mesmo jovem, sem rivalidade. O Objetivo era torná-lo o melhor possível. Estas mesmas relações existiam também entre as mulheres e as jovens. Platão, ateniense, refinado e culto, não acreditava na “pureza” espartana.
A pederastia ateniense era bem diferente. O seu melhor ambiente era encontrado nos meios intelectuais, não intervindo o Estado na vida privada. Os atenienses eram artistas, filósofos, estetas, escritores, poetas, músicos, gente que gostava de conversar, discutir, apreciavam a dialética, a arte do debate, eram inteligentes. Platão escreveu muito sobre a pederastia, sobre suas tentações e recompensas. Por sua causa, a ela se deu também o nome de “amor platônico”.
ATENAS - SIMPÓSIO |
A pederastia ateniense era bem diferente. O seu melhor ambiente era encontrado nos meios intelectuais, não intervindo o Estado na vida privada. Os atenienses eram artistas, filósofos, estetas, escritores, poetas, músicos, gente que gostava de conversar, discutir, apreciavam a dialética, a arte do debate, eram inteligentes. Platão escreveu muito sobre a pederastia, sobre suas tentações e recompensas. Por sua causa, a ela se deu também o nome de “amor platônico”.
Na mitologia heroica, conforme Homero narra em seu poema A Ilíada, produzida em função de um período histórico muito distante, do das glórias de Atenas e Esparta, vamos encontrar exemplos clássicos de uma forma de amor peculiar, a do amor entre guerreiros. Um dos melhores é o da relação entre Aquiles e Pátroclo. O primeiro é um herói da Idade do Bronze, o seu maior guerreiro. Etimologicamente, seu nome sugere ideias de sofrimento, dor. É a figura central da Ilíada, onde é citado quase trezentas vezes. Suas histórias, a partir de Homero, se ampliaram, o que nos permite falar de um ciclo de Aquiles sob o ponto de vista literário.
Aquiles cultuou várias amizades masculinas, mas nenhuma como a de Pátroclo, que tinha com ele um certo parentesco, a quem se ligou desde a infância. Eram companheiros de tenda. Quando
Pátroclo morreu (guerra de Troia), atacado por Heitor, Aquiles foi tomado por tamanha dor que Tétis, sua mãe, chegou a temer por sua vida. Aquiles passava os dias derramando lágrimas, cantando, tocando a lira, saudoso de seu falecido amor. Pouco tempo depois, como se sabe, Aquiles também morreria, por intervenção do deus Apolo, que dirigiu a flecha de Páris para o único ponto vulnerável de seu corpo, o calcanhar. Uma versão do mito nos relata que depois da morte de Aquiles as suas cinzas foram juntadas às de Pátroclo para que assim permanecessem por toda a eternidade.
AQUILES E PÁTROCLO |
O que fica para nós hoje, dos aspectos aqui abordados, é que a
antiga sociedade grega envolveu o seu conceito de masculinidade numa atmosfera fortemente erotizada, mas nada comparado aos “paraísos gays” que o mercado hoje oferece. Lembro aqui que a palavra gay, conforme nos explica Maurice Sartre, da Universidade François-Rabelais, de Tours, tão usada pelos meios de comunicação é um termo de origem francesa, em circulação desde o séc. XVI, para designar os homossexuais, ou melhor, o lugar onde eles se reuniam. Da França passou à Inglaterra e aos USA no séc. XIX.
MAURICE SARTRE |
ACADEMIA DE PLATÃO ( ANSELM FEURBACH ) |
As práticas homossexuais entre os gregos faziam parte de comportamentos sociais admitidos, alguns até habituais e, apesar de alguns aspectos de degeneração, eram inteligentes, tinham uma certa classe. A literatura que tratou desse tema, por exemplo, nunca foi clandestina. A própria arte, a dos esplêndidos vasos gregos, conservou para nós muitas imagens desse mundo. O melhor que ficou dele veio certamente dos meios aristocráticos e intelectuais de Atenas, das obras de Platão (O Simpósio e Phedro, principalmente), onde encontramos uma posição clara do lugar que nesse mundo do amor masculino e feminino ocupavam a carne e o espírito, algo incompreensível para mundo de hoje.