Mostrando postagens com marcador GANIMEDES. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador GANIMEDES. Mostrar todas as postagens

domingo, 21 de fevereiro de 2021

ALIMENTAÇÃO NECESSIDADE FISIOLÓGICA E/OU PRAZER

 



SÓCRATES

Necessidade fisiológica e/ou prazer?  Poucos, muito poucos, os filósofos, teólogos ou especialistas que, quanto à alimentação, ao longo da sua vida, procuraram aproveitá-la tranquilamente com o que a humanidade sempre considerou como alimentos agradáveis, prazerosos, principalmente aqueles considerados pela chamada gastronomia, pela arte culinária. Sempre presentes nas suas cogitações, nesse envolvimento, ideias perturbadoras, as de que, via de regra, os alimentos, principalmente os da chamada alta culinária, podiam ser prejudiciais à saúde, além de muitos trazerem para a discussão, com destaque, noções de culpa, arrependimento ou pecado. Para muito poucos filósofos, por exemplo, os prazeres da boca seriam um bem em si mesmo, uma conquista positiva. Sob o aspecto quantitativo dos alimentos,  muito citada nesse sentido, por exemplo, a frase de Sócrates, a de que devemos comer para viver e não viver para comer.

ARCHESTRATO
Uma incipiente gastronomia (prática, conhecimentos e consumo de alimentos relacionados com a arte culinária), lembre-se, já estava mais ou menos levantada no século IV aC. Archestrato, poeta didático grego desse século, nascido em Gela, na Sicília, escreveu um poema gastronômico, talvez o primeiro, que se tornou célebre e que Ateneu citava bastante. Ateneu, lembre-se também, retor e gramático grego (sécs. II-III aC) escreveu, dentre outras obras, o famoso Banquete dos Sofistas. Esse poema ficou conhecido través de vários nomes, tendo Domenico Scina, em 1823, em Palermo, recolhido muitos de seus fragmentos sob o título I Fragmenti della Gastronomia di Archestrato recolti e volgarizati.    

Dentre os filósofos que abordaram o assunto positivamente, Epicuro foi sem dúvida o mais conhecido; falou por todos quando perguntou: Teria o homem nascido somente para saborear os frutos mais amargos? Para quem cresceriam essas flores que os deuses fazem florescer aos pés de um simples mortal? Grego, do séc. IV para o III aC, defensor de uma moral hedonista (do grego, hedon, prazer) e de uma teoria do conhecimento sensualista, suas doutrinas se espalharam por todo o Mediterrâneo até o início da era cristã. Apesar de nascido de pais pobres, que foram obrigados a abandonar a sua cidade natal pela colônia ateniense de Samos, Epicuro foi educado nos meios mais cultos da ilha, adquirindo seus conhecimentos principalmente ao entrar em contacto com a obra de dois filósofos, Anaxágoras e Demócrito. Tornou-se depois professor, ensinando sucessivamente em Colophon, Mytilene, Lampsaco e Atenas, onde se fixou, com a idade de 36 anos. Amável e solícito, atraiu um grande número discípulos, tanto pelo seu temperamento como pela doutrina que pregava, composta de três partes: a Canônica, a Física e a Moral. 

A Canônica (do grego, kanon, regra) foi palavra que para Epicuro tomou o sentido de um conjunto de preceitos a serem seguidos praticamente. Toda a doutrina epicurista, aliás, tinha fins práticos, sendo seu objetivo maior o de libertar os homens dos deuses e das preocupações com a morte. Inadmissível, absurdo, para Epicuro, que seres tão perfeitos como os deuses se preocupassem com as coisas do nosso mundo, tão cheio de males e imperfeições. Evidentemente, para o nosso filósofo, o objetivo maior do ser humano devia ser o da conquista da tranquilidade da alma, realizando-se com isso um ideal de sabedoria. Para esse fim, o objetivo do conhecimento filosófico devia se centrar na chamada Canônica ou Lógica.


EPICURO

Imortais, bem-aventurados, perfeitos, os deuses, para Epicuro, viviam nos espaços vazios entre os mundos, nos intermundi, como os chamaram os latinos, longe das misérias humanas. Epicuro entendia assim que a serenidade dos deuses era o ideal de vida que os humanos deviam buscar, mas sempre tendo em vista uma finalidade prática. 

Para o nosso filósofo, como critério da verdade, a fim de se distinguir o verdadeiro do falso, todo o conhecimento devia ter por base as sensações.  Seria sábio aquele que soubesse nesse processo buscar o prazer que o levaria a se sentir sempre bem, sabendo, sobretudo, controlar as suas necessidades. Foi este entendimento que levou Epicuro a formular uma das máximas de sua doutrina: a felicidade, no geral, não consiste no simples gozo de uma sucessão de prazeres, mas, sim, em saber o ser humano administrar as suas necessidades de modo a evitar dores e sofrimentos, no geral desnecessários. Procurar o ser humano a chamada ausência de sofrimentos, de dores, através do que designava pelo nome de ataraxia, de modo a que fosse conseguido permanentemente um agradável estado de ânimo. O sentido de ataraxia sempre permaneceu ligado pelos epicuristas a ideias de tranquilidade da alma, de ausência de perturbações, enquanto relacionada com comedimento, controle e harmonia da vida que o filósofo deve levar. Nada de luta de paixões, pois.

Tanto entre as elites gregas e romanas depois, mais quanto a estas, que adotaram comportamentos epicuristas, mereceu grande destaque a promoção de jantares nos quais se servia  uma enorme e  criativa quantidade de pratos pela noite adentro. Um ingrediente que a elite romana costumava acrescentar aos seus jantares era aquilo que os alemães batizaram depois de schadenfreude (schaden = dano, prejuízo, estrago + freude = alegria maliciosa). Traduzindo: experimentar prazer com o sofrimento dos outros ou, no caso, mesmo com o próprio. 


SÃO  JERÔNIMO  ( CARAVAGGIO , 1571 - 1610 )

Nos jantares e festas das elites romanas, principalmente, era comum a presença de anões, de deficientes físicos, de pessoas deformadas que se exibiam sexualmente como acontece em algumas casas de espetáculo atualmente. Uma das explicações para o cristianismo ter sido aceito pelas classes inferiores da sociedade romana, pelos escravos, principalmente, foi a sua pregação no sentido contrário daquilo que as elites valorizavam. O cristianismo valorizava a negação do pessoal, o comedimento, a herança da terra pelos pobres, a vida depois da morte, o castigo final dos amantes da luxúria, etc. Enfim, condenavam-se os prazeres dos sentidos. Prazer passou a ser sinônimo de culpa, inferno... O nosso famoso São Jerônimo pedia que “suas companheiras fossem mulheres pálidas, magras, sem apetites”. Daí chegamos logo a extremos puritanos como a condenação de  todas as especiarias como excitantes sexuais muito perigosos. 


OVÍDIO
Qualquer que seja o nosso ponto de vista sobre o assunto, não podemos deixar de concordar com o maravilhoso Ovídio, séc.I, quando observava quanto a esses jantares: “se me fosse oferecido um paraíso assexuado, eu diria não, obrigado, as mulheres representam um inferno muito doce”.

A tudo o que vai acima não há como deixar de juntar a observação fundamental que Epicuro fixou no capítulo da sua Ética: a de que todos os seres vivos procuram se afastar do mal e da dor, a evitá-los, tendendo naturalmente a buscar o prazer, considerando-o, assim o fazendo, como o seu supremo e único bem. 

  A REFEIÇÃO COMO TRÉGUA - Para os gregos antigos, a alimentação não era simplesmente um meio de se encher a barriga, não havia essa ideia de empanzinamento, o cru atendimento de uma necessidade imposta pela natureza. É claro que havia para eles a fome visceral, obrigatória, fisiológica, mas...


ULISSES  CONVERSA COM EUMEU
( JOHN  FLAXMAN , 1755 - 1826 )

Comer, em muitas passagens da história dos antigos gregos, como os poemas homéricos o atestam, por exemplo, era criar um interregno agradável para que se pudesse experimentar um lado mais aprazível da vida, uma pausa de doçura em meio às penas da existência. Mesmo as figuras mais simples em Homero sabem disso. Na Odisseia há um personagem, Eumeu (eu = bem, bom + maíesthai = empenhar-se, fazer algo com esforço, o fiel servidor, no caso). Eumeu é o dedicado, o que sabe colocar apropriadamente essa ideia. Ele vinha de uma família real, mas, na infância, fora raptado e vendido como escravo a Laerte, pai de Ulisses; trabalhou sempre para a família dos reis de Ítaca como porcariço. Fiel servo, defendeu o rebanho de porcos do herói ausente do seu reino por cerca de 20 anos. Quando Ulisses voltou, é na cabana de Eumeu que ele se refugia antes como mendigo andrajoso para depois invadir o seu palácio, onde estavam os pretendentes de Penélope. Quando Ulisses os enfrenta, o fiel Eumeu está ao seu lado, lutando também. Numa das passagens do poema, Eumeu confessa que, apesar de levar uma vida difícil, os deuses foram benevolentes quando concedem a um mortal como ele a felicidade de uma boa mesa e o prazer de dela participar com amigos.  

Tanto a filosofia como a literatura celebram, de um modo geral, a prática inteligente de refeições e de bebidas (vinho) compartilhadas. Mesmo nas refeições diárias, como no deipnon, a principal refeição do dia ao entardecer, havia esse caráter. Essa refeição era composta de pães, queijos, figos, azeitonas, mel, às vezes um pedaço de carne cozida, um nabo, fatias de pão untadas com azeite, temperos etc. 

Muito importante era aquilo que os gregos chamavam de simpósio (syn = reunião + posis = bebida), reunião para se discutir algo, para trocar ideias, conversar, tudo conduzido por um simposiarca, uma espécie de coordenador da reunião. Sempre uma ideia de hospitalidade, de solidariedade, de atuação cultural, de boas maneiras; alternância, troca de papéis, o diálogo, um cenário completo que dizia respeito tanto aos cinco sentidos como à inteligência. Buscava-se o prazer, a convivência amigável. Acima de tudo, a precedência, a honra cabendo aos deuses. Era deles a primícia ou a primeira taça de vinho. Depois, então, os convivas. 

Imprópria sob todos os aspectos, como foi feita entre nós, a tradução do Simpósio de Platão por Banquete, já que ali não temos refeições. Xenofonte, no seu Banquete, revela que o tom dessas reuniões era sempre o do gracejo inteligente, elegante, sem nenhum pedantismo, embora neles se colocassem questões dialéticas, morais e metafísicas. 


XENOFONTE
Em algumas reuniões (Xenofonte), o patrocinador contratava artistas que representavam algumas cenas ligeiras (variedades), sempre de altíssimo nível. Num deles, Callias contratou dois jovens, ambos muito belos, um rapaz e uma moça, que executaram algumas danças e fizeram algumas acrobacias com tanta destreza que a todos entusiasmaram. O final foi, então, glorioso: ofereceram um balé-pantomima dos amores de Dioniso e de Ariadne com tal realismo que, diz Xenofonte, os convivas perderam completamente a cabeça. 


Onde, hoje, o Simpósio?

Sugestão para leitura e/ou pesquisa: O Banquete, Xenofonte (430-355aC); O Banquete / O Simpósio, Platão (428-348 AC); O Banquete dos Sete Sábios e Questões Conviviais, Plutarco (46-125 dC); O Festim de Palavras (O Banquete dos Sofistas ou Deipnosophistes), Ateneu, como se disse, retor e gramático que viveu no Egito entre os sécs. II e III dC.

A COZINHA SANTIFICADA -   Foi no séc. XIII que a Ordem Franciscana estabeleceu que os cozinheiros teriam como padroeira Santa Marta. Aos cozinheiros logo se juntaram os hoteleiros, os taverneiros, as donas de casa e os empregados domésticos em geral. Nas imagens da santa aparecem sempre utensílios de cozinha, com destaque para a concha, e também, obviamente, o fogão, vassouras e as chaves da casa. 

Esclareça-se quanto à Ordem franciscana: São Francisco de Assis (1182-1226), ardente propagador da fé cristã, cuja pregação popular foi o seu grande meio de ação, deixou-nos, além dos estatutos da sua ordem, outras obras, poesias em língua italiana, homilias, parábolas etc. Sua Opera Omnia foi editada em Paris em meados do séc. XVII (1641).

Como ordem religiosa, a Franciscana é classificada como mendicante, ordem que teve origem nos movimentos mendicantes de pobreza medievais, que se mantinham por esmolas , vivendo seus adeptos em absoluta pobreza. A este tipo de ordem pertenciam os franciscanos menores, os franciscanos conventuais, os capuchinos, os dominicanos, os agostinianos e os carmelitanos.  

AS  TRÊS  MARIAS

Esta Marta a que nos referimos acima é irmã de Lázaro, que Jesus ressuscitou, e das famosas Três Marias, cuja festa é celebradíssima na França, na foz do rio Ródano, na Camargue. Maria, mulher de Cleofas; Maria, mãe de Tiago: e Maria Madalena, que nada tem a ver com aquela que Jesus livrou dos demônios e que foi a primeira pessoa a quem o mesmo Jesus apareceu depois de ter ressuscitado. Há uma história que nos conta que todos os irmãos foram da Palestina para Marselha e dali começaram a evangelizar toda a Provença. 


OSSO DA TÍBIA DE MARIA
MADALENA (SUPOSTA RELÍQUIA
)
O que se sabe é que Marta vivia com a família em Betânia, aldeia perto de Jerususalém, no sopé do Monte das Oliveiras. Marta se dedicava aos trabalhos domésticos e era excelente cozinheira. Quando pregava na região, Cristo se hospedava em sua casa. São Lucas, no seu Evangelho, fala de Marta como uma pessoa cumpridora dos seus deveres, competente, atenciosa; uma das suas irmãs, Maria Madalena (em Vézelay, na Borgonha, há supostas relíquias dela), representa a tendência oposta, sendo, por isso, a primeira, Marta, considerada como símbolo da vida cristã ativa e Maria Madalena símbolo da vida cristã contemplativa. Quando Lázaro retornou à vida, Marta organizou uma reunião, uma ceia, para celebrar o acontecimento.


CRISTO EM CASA DE MARTA E MARIA
( DIEGO  VELÁZQUEZ , 1599 - 1660 )

Há uma famosa tela de Diego Velázquez (1599-1660), que tem Santa Marta como tema: ela prepara uma peixada; sobre a mesa, os temperos que serão usados, alho, pimenta, ovos. Evidentemente, os peixes não são os do tempo de Marta, são, conforme se identificou, pargos, besugos, muito comuns na cozinha sevilhana do século XVII. A festa de Marta é celebrada a 29 de julho. Conforme nos informam Lucas e João, Marta deve ser vista como modelo e guia das pessoas ativamente engajadas não só nos trabalhos domésticos em geral, especialmente nos da cozinha, como na prestação de serviços práticos às pessoas necessitadas. A base da espiritualização franciscana está na vida de Francisco de Assis, nas suas experiências. Espiritualidade nos atos sem pretensão de uma organização refletida. Resolver também as contradições entre uma vida eremítica e uma  vida urbana, características da vida de Francisco.  

O VINHO COMO REFEIÇÃO - A primeira refeição que os antigos gregos faziam, logo cedo, pela manhã, tinha como elementos básicos pão picado e vinho puro. A essa primeira refeição se dava o nome de acratismos, palavra que quer dizer puro, não misturado.

A importância da uva na preparação de de alimentos e de bebidas alcoólicas sempre foi o destaque maior. O vinho já existia na Babilônia, a Bíblia o menciona bastante; os egípcios, embora gostassem muito de cerveja, também o bebiam. Mas a uva se impôs a todas as frutas. Sempre se fez vinho de peras, de maçã, framboesa, amora, morango, tâmara, figo, romã etc., mas, acima de todas as frutas, com a uva, a videira. Todo suco de fruta fermentado podia ser vinho, mas o de uva se mostrou imbatível.


BACO / DIONISO  ( CARAVAGGIO , 1571 - 1610 )

Essa superioridade se devia, fixaram para nós os gregos, a três condições: 1) o gosto, isto é, a extrema variedade conforme as cepas em função do terreno e do clima; 2) o envelhecimento, ou seja, sua possibilidade de ir se modificando e, com isto, ela, a uva como vinho, ser passível de um “trabalho”, de uma “criação” por parte dos viticultores, de experiências possíveis para a sua conservação e da multiplicidade de suas versões; 3) a possibilidade que o vinho tem de viajar sem se alterar, desde que observadas determinadas condições. Por tudo isso, a viticultura e a degustação  de vinhos podem, como num jogo caleidoscópico de versões, adquirir um grande número, algo inumerável, em termos de combinações. Foi por isso que os gregos deram a Dioniso, também chamado Baco, o nome de ganos, palavra que admite inúmeros significados: jorro, esplendor, algo límpido, brilhante, tudo que pode tomar um curso risonho e alegre. 

GANIMEDES
É por essa razão também que Zeus rapta um jovem lindíssimo, cujas coxas lhe inflamaram o espírito, para ser o copeiro dos deuses no Olimpo, o encarregado de servir o vinho nos festins dos imortais. Nome do jovem: Ganimedes (de ganos, em grego, o jorro do vinho ). Temos em português o verbo espocar para caracterizar este estado: soar como um estalo, estourar, despontar com ímpeto e exuberância.



AS   BACANTES

É por isso que Eurípedes na sua tragédia As Bacantes fala de Dioniso, o deus da videira, como “aquele que dissipa as tristezas, quando o cacho de uva, o brilho dourado e alegre (ganos) aparece... “O deus filho de Zeus dá igualmente ao rico e ao miserável o gozo apaziguante do vinho...”

Desde a mais remota Antiguidade o vinho sempre esteve muito mais associado ao religioso ou ao social do que ao seu caráter deletério, isto é, prejudicial à saúde. Mesmo a intemperança no consumo do vinho é colocada sob a tutela religiosa, como se pode lembrar quanto aos cultos do deus Dioniso, o deus da embriaguez sagrada, na mitologia grega. Ao favorecer a ultrapassagem do limite, provocando o êxtase, o homem possuído pelo vinho, isto é, pelo deus, entrava em contato com planos superiores da existência. Mais ainda: o vinho poderá também quebrar qualquer encantamento, permitindo-nos chegar a uma verdade mais profunda, destruindo a máscara da mentira (in vino veritas). Como tal, deveria estar na Psicologia...

A mais antiga documentação que temos sobre o cultivo da videira vem do Egito, 3000 a.C.; textos falam de uvas negras, que eram chamadas de "os olhos de Horos" (os gregos o identificavam como Apolo). Desde essa época o vinho faz parte das mais variadas cerimônias religiosas. Lembremos que o primeiro milagre de Cristo, no evangelho de S.João, foi o de transformar a água em vinho nas bodas de Canaã.


BODAS  DE  CANAÃ ( MURILLO , 1617 - 1682 )

No Cristianismo, a única observação negativa sobre o vinho nós a encontramos quando da bebedeira de Noé. Mas não podemos deixar de celebrá-lo, dentro da tradição judaico-cristã, porque foi Noé quem plantou uma videira depois do dilúvio universal. Terá que ser lembrado, sem dúvida, como o criador da vinicultura.


A EMBRIAGUEZ DE NOÉ ( MICHELANGELO , 1475 - 1564 )


A história prossegue: deslumbrado e alegre com o nascimento de um descendente, Noé, que havia esquecido alguns cachos de uva dentro de uma ânfora de barro, bebeu o líquido que havia lá dentro, desconhecido completamente por ele. Gostou tanto que foi bebendo cada vez mais, embriagando-se. Pôs-se a cantar e a dançar, tirou a roupa. Acabou encontrado pelos filhos, caído no chão. No teto da Capela Sistina, no Vaticano, Michelangelo retrata a embriaguez de Noé. Na Catedral De S.Marcos há também um mosaico sobre a embriaguez de Noé.

Numa coleção de textos medievais, Gesta Romanorum, há mais dados sobre a performance de Noé. Ali se narra que a uva usada por ele chamava-se labrusca, de labra, margem dos campos, de áreas de terra que a cercavam. Labrusco, lembre-se, é aquele que é inculto, agressivo. Em latim, labrusco, um,  é videira brava, selvagem.


NIETZSCHE E A GASTRONOMIA – A ideia que a maior parte das pessoas, o homem comum, digamos, faz de um filósofo é a de alguém geralmente desligado das coisas materiais, do corpo físico, das chamados aspectos práticos da vida. Da alimentação, então, nem se fale! Como um filósofo, alguém invariavelmente voltado para os grandes problemas da existência, perdidos em genéricas abstrações, em problemas transcendentais, iria se preocupar com alimentos, gastronomia ou culinária? Chegando mais perto da obra de alguns, porém, constatamos que nem sempre foi assim. Alguns dissertaram sobre tais assuntos, fizeram inclusive experiências dietéticas (técnicas dietéticas, dietas, regimes alimentares etc.), dando até um lugar importante a essas questões na sua obra, questões nunca consideradas devidamente pelos historiadores da filosofia e outros.

As expressões, máximas e provérbios que temos, provenientes desse mundo, desde a antiguidade, são conhecidos: o homem é o que come; conhece o tamanho do teu estômago; comer muito não é comer bem; não pode saciar a fome quem lambe pão pintado; sob o doce mel escondem-se venenos terríveis;, a terrível gula leva mais gente à morte do que a espada; de ventre gordo não nasce sensibilidade sutil; o estômago que raramente está vazio despreza alimentos vulgares; a fome é o tempero do alimento; a fome é má conselheira; pão com sal aplaca os roncos do estômago; o que permanece no coração do sóbrio está na língua do bêbado; a primeira digestão se faz na boca...

Ao entrar nesse mundo, não podemos esquecer que a lei fundamental da vida, aliás, não é outra senão a de “comer ou ser comido”, lei que os antigos hindus expressaram através da máxima matsya nyaya, a lei do peixe, ou seja, “peixe grande come peixe pequeno”. Viver seria assim uma panfagia universal, nela se destacando dois instintos dos mais básicos, nutrição e reprodução, dois apetites que dão a dinâmica de qualquer existência. 

Se quisermos colocar isto de modo mais elegante, podemos falar em fome e amor. Não é por acaso que o verbo comer, em todas as línguas, tem forte conotação sexual e porque a boca entra tanto no sexo. Isto, apesar de Freud, ter pretendido subordinar o instinto da nutrição ao sexual (comer para ele seria, de certo modo, fazer sexo). Cama ou restaurante, muitos se perguntam. Qual o mais importante?

É de se notar que modernamente foram os franceses os que melhor estudaram a gastronomia, as regras da boa alimentação. A palavra é grega: gaster, em grego, é ventre, estômago; nomia são normas, regras. Aos poucos, surge a distinção: gourmand (quantidade), gourmet (qualidade). Quanto a este último, nunca se devem perder de vista ideias como as de “boa mesa” e, o que vem dela, de modo mais refinado, estética, equilíbrio, cor etc. Por isso é que a gastronomia adquiriu o direito de ser chama pelos franceses de arte. Hoje, a importância biológica, econômica e social dos estudos da alimentação são universalmente reconhecidas.


NIETZSCHE ( EDVARD MUNCH , 1863 - 1944 )


Nietzsche foi um dos filósofos que muito se preocupou com a alimentação. Pode-se ousar mesmo dizer que a obra de Nietzsche, como um todo, tem muito a ver com hábitos alimentares. Ressalte-se: não propriamente com o que ele  propôs através de suas ideias gastronômicas, mas, sobretudo, pelo seu modo de se alimentar. 

Digamos, entretanto, que, com Nietzsche, temos certamente uma dietética mais sonhada do que praticada. Foi claramente com o seu pensamento voltado para os seu hábitos alimentares que escreveu em Ecce Homo (Eis o Homem), seu último texto (publicado post-mortem): sou uma coisa, o que escrevo é outra. A essa altura, já estava à beira do seu desmoronamento físico total.

Espírito inquieto, fantástico escritor, paradoxal, assistemático, sublime, profundo e vulgar ao mesmo tempo, Nietzsche, observe-se, nunca se interessou em dar à sua obra um caráter sistemático. Sua gastronomia vai refletir esse seu modo de ser, sendo sua dietética mais sonho que realidade. O sonho alimentar de Nietzsche ligou-se naturalmente desse modo a uma das mais caras figuras de sua filosofia, o super-homem. 

Essa figura temática parte da ideia do seu chamado poder de vontade. É este poder que gera para ele o que denominou como super-homem, um ser superior em quem há de se manifestar todas as forças da vida, inclusive as daninhas. O homem comum, como sabemos, na sua fórmula, seria uma ponte entre a besta e o super-homem. Esse homem superior estaria, para ele, assim, além do humano, sendo ele o criador dos seus próprios valores e da sua própria transcendência, uma transcendência que, todavia, não o punha fora de sua própria existência, como está na sua frase magistral: os deuses morrem, o homem se torna.

O super-homem representa, segundo Nietzsche, um modo de existência que se caracteriza por uma abertura para todas as possibilidades criativas existenciais. Uma forma de vida que encontra sua plenitude neste mundo, que não constrói suas razões fora da realidade da vida (imanentismo). O homem, assim, se fazendo constantemente a si mesmo. Uma autoconstrução como arte e poesia  (poiesis, em grego, inventar, criar).

Nietzsche, dentre os elementos que hão de formar esse super-homem, fala da alimentação. Lazeres, lugares e clima também concorreriam para esse fim: Sejamos os poetas de nossa vida e comecemos pelo menor detalhe, pelo mais banal (A Gaia Ciência). O homem se fazendo a si mesmo, uma autoconstrução que pede uma dietética. É no seu livro Ecce Homo que Nietzsche fala, nesse sentido, dessa proposta, alimentação como uma das Belas-Artes: Existe uma questão que me interessa em especial e da qual depende a “salvação” da humanidade, a alimentação. Para maior comodidade ou facilidade, podemos formular assim: como realmente devemos nos alimentar para chegar ao máximo da nossa força, da virtú no sentido do Renascimento, da virtude isenta de todo elemento moral. 

FEURBACH
Ao propor essas ideias, parece que Nietzsche (1844-1900) está seguindo um filósofo anterior, Ludwig Feurbach (1804-1872). Assim completa ele: cada coisa há de ser considerada em sua existência individual. O homem como individualidade não é um ser abstrato pensante, mas impulso, instinto, sensibilidade, quer dizer, corpo (meu corpo, teu corpo). O indivíduo real é um fim em si mesmo e seu fim é a felicidade. Para realizá-la precisa de outro.

Nos seus Manifestos Filosóficos, Feurbach fala da obediências aos sentidos: onde começam os sentidos, cessam a religião e a filosofia! Estamos, pois, diante de um sensualista positivo que vive num mundo onde certamente entra a alimentação. A boca liga-se por demais à estética e à ética, à filosofia, à conduta humana. Hábitos alimentares modelam, nesse sentido, como formas de pensar. Para Nietzsche havia que habituar o corpo a alimentos que trouxessem leveza, como que predispondo-o à dança. O alimento deveria favorecer o aparecimento do super-homem, o homem fazendo de sua vida uma obra de arte.

Será que Nietzsche conseguiu chegar ao ideal dietético do qual falou? Ele foi, sem dúvida, o filósofo que mais discorreu sobre a finalidade do corpo humano e o papel da alimentação na construção de um ser realmente pensante superior. Ele, várias vezes, se opôs à cozinha alemã, pesada e sem sutileza. As donas-de-casa alemãs produziram uma Alemanha gorda, atochada, pesada, dizia. 

Se nos detivermos em tudo o que Nietzsche escreveu sobre a alimentação será certamente possível compreender a contradição em que viveu. Mais sonho que realidade. Não que ele não tivesse tentado. Suas experiências chegaram a admitir até a contradição. Nunca deixou de tentar, porém, apesar de ter enfrentado sérios problemas de saúde (a mórbida herança familiar, a sífilis, pela via materna, ao nascer, como sua carta astral o confirma.), a sua fragilidade física, a influência deletéria paterna, a vida nômade, a vida em pensões baratas, pobreza até...

Como um dos mais radicais filósofos aparecidos até hoje, Nietzsche encarnou, mais a do que qualquer outro talvez, o que costumamos chamar de liberdade de espírito ao fazer a mais contundente crítica às ideias de seu tempo. Nunca deixou de explorar o solo e o subsolo da Lógica, desconfiando inclusive de suas próprias razões. Por isso, impôs a si mesmo outras tarefas que a de realizar um novo sistema filosófico.


DILACERAÇÃO DE DIONISO
Seu radicalismo semântico levou-o a desenvolver uma postura filológica destinada a captar o sentido e as contradições das palavras da tradição filosófica. Para ele, não havia um sentido original. As palavras nos foram sempre impostas ou inventadas pelas classes superiores. Não indicam significados, mas determinam interpretações. Não foi ele só um leitor perspicaz (como poucos). Colocou sua experiência a serviço da vida. Um pensamento em crise permanente. Um filósofo realmente trágico. É de Nietzsche a afirmação de que devemos entender sempre o que é o devir, o múltiplo, lembrando as suas afirmações, ao afirmar isto, a dilaceração de Dioniso com os seus membros dispersos. 

Nietzsche, aliás, nunca foi, a rigor, tradicionalmente, um filósofo. Um poeta, talvez. Todos os seus textos são apaixonados, extremamente pessoais e, quase sempre, deixados inacabados. É, sem dúvida, o maior mestre dos aforismos, um condensador de sabedoria em poucas palavras. Quanto aos mais, como a vida, nele há sempre a descontinuidade, a expressão variada, insatisfeita. Foi alguém que se preocupou sempre com a situação existencial do homem. Dentro desta perspectiva, sua obra é exemplar. Para ele, a Filosofia nunca foi, apenas, algo mental, intelectual. O ser precedendo o conhecer. Antes um homem que um escritor, costumava dizer.  Por isso, tudo o que tradição dava por assentado parecia-lhe suspeito, principalmente aquelas regras para que nos tornássemos justos ou santos. Não é por outra razão que sempre recusou ser enquadrado em qualquer regra ou sistema. 


sexta-feira, 30 de agosto de 2019

PERMANÊNCIA DA MITOLOGIA GREGA.


UNIVERSIDADE  DE  ATENAS ( FRONTÃO )

A Grécia nos deixou uma vasta herança que se confunde com toda a cultura ocidental: sua arquitetura, sua escultura, seus elementos linguísticos, sua busca de perfeição e equilíbrio na arte, a loucura de seus heróis, a amoralidade e a crueldade dos seus deuses, suas escolas de filosofia, suas receitas políticas e científicas, um imenso legado, enfim, que está presente em todos os campos do conhecimento humano e também na vida do homem comum em sua vida diária.

Quantas palavras, oriundas da mitologia grega, estão nos nossos dicionários? De um levantamento começado e abandonado, retive algumas, umas muito conhecidas e usadas, outras nem tanto e umas poucas jamais as vi empregadas por alguém. Dentre as conhecidas, destaco, por exemplo, eólico, afrodisíaco, ambrosia, selênio, anfitrião, museu, uranografia, titânio, ninfa, hélio, erótico, apolíneo, atlas, carisma, atropina, bacanal, momo, narcisista, olímpico, nióbio, nano, sibilino, satírico, psique, hermético, odisseia, iridiscente, crônico, pitonisa, hipnose, hermafrodito, ciclópico, quimera. Os nossos dicionaristas, por exemplo, com base em Tântalo, um dos grandes criminosos da mitologia grega, registram o verbo tantalizar (torturar, prometer e não cumprir etc.).

 RIO  ESTIGE , TÁRTARO , 1861  ( G. DORÉ )

É de se lembrar que os grandes criminosos da mitologia grega que estão no Tártaro (a camada mais profunda do Hades, o Inferno grego) lá permanecerão até o final dos tempos submetidos a penas terríveis. Tais penas apresentam uma característica cruel: o criminoso ficará preso a situações absurdas que o obrigarão a repetir eternamente um gesto, um suplício que não termina nunca. Nenhuma possibilidade de mudança, de transformação, de mudança. As Danaides, por exemplo, lá estão no Tártaro a encher de água para todo o sempre toneis sem fundo ou, segundo outros, a carregar água numa peneira de um lado para outro. Não foi por outra razão que Platão interpretou este suplício como uma entrega insaciável do ser humano a paixões eternamente insatisfeitas. 

SÍSIFO , 1920 ( FRANZ VON STUCK )
Algo semelhante ocorre com Sísifo, o mais astuto e inescrupuloso dos mortais, que tentou enganar os deuses. Está condenado, até o final dos tempos, a rolar uma imensa pedra montanha acima na esperança de um dia, quem sabe, fazê-la atingir a outra vertente, livrando-se da pena. Mas tal não acontece, as forças lhe faltam sempre que ele está quase conseguindo realizar o seu intento. Terá o nosso herói que recomeçar a sua obrigação diariamente, que há de durar até o final dos tempos. Sísifo: uma imagem da condição humana? Essa, sem dúvida a razão pela qual Albert Camus o utilizou (Le Mythe de Sysiphe) para ilustrar as suas teses sobre a filosofia do absurdo. O absurdo de uma existência desprovida de sentido e de transcendência, num mundo ininteligível, que requer sempre nosso esforço.

É pelos mitos das várias tradições que o ser humano pode iluminar e compreender melhor o seu presente. Ou seja, diacronicamente ir a eles, no passado distante, trazê-los para o presente e, com eles, sincronicamente, explicar melhor o que acontece, sobretudo com relação à sua conduta e às daqueles com os quais convive. Todo mito oferece, em última instância, sob uma forma alegórica, explicações do inexplicável. Este entendimento se fez presente quando, por exemplo, os nossos cientistas, bem assessorados, não há dúvida, recorreram ao nome do desditoso e orgulhoso Tântalo para designar um metal recentemente descoberto.

Com efeito, por sua grande inércia, o tântalo logo se tornou um metal que está no centro da mais sangrenta guerra civil de que se tem notícia nos tempos modernos, na República do Congo. O tântalo, chamado também de ouro azul, é imune à corrosão e entra na confecção de dispositivos eletrônicos portáteis. Por essa razão, é considerado como um dos metais mais importantes até hoje descobertos sob o ponto de vista científico, industrial, comercial e estratégico. Por trás da guerra civil no Congo, onde já morreram cerca de cinco milhões de pessoas, sob o silêncio da grande imprensa mundial, estão as grandes potências estrangeiras de sempre, poderosas multinacionais e grupos regionais. Fica, então, a pergunta: por qual razão se deu o nome de tântalo a esse metal?
O TORMENTO DE TÂNTALO , 1731
( BERNARD PICART )
Tântalo, como está acima, foi condenado a viver até o final dos tempos no Tártaro, submerso até o pescoço, submetido ao suplício da fome e da sede. Os alimentos e a água estão ao alcance de suas mãos. Quando ele estende a mão para pegá-los ou para saciar a sua sede, tudo lhe escapa, inexplicavelmente. Mas Tântalo, embora sofrendo eternamente, não morre. Por sua grande capacidade de sobreviver deste modo é que a ciência moderna lhe prestou a tão significativa homenagem, dando seu nome a esse metal absolutamente imune à corrosão.   
   
MEDUSA  (G.L. BERNINI, 1598-1680)
Os nossos dicionaristas bem poderiam, numa próxima revisão que fizerem, indo à mitologia de várias tradições incluir no nosso léxico, por exemplo, honrando a monstruosa  Medusa, o verbo medusar. Os franceses já o registram desde o século XIX, méduser, com o sentido de estuporar, assombrar, paralisar. Poderíamos criar, para gente mais interessada em cultura, obviamente, o adjetivo sisífico para designar tarefas que, embora não o sejam, possam parecer sem sentido ou inúteis, um trabalho sísifico. Registrar um adjetivo com base no nome das Danaides, danáidico, talvez, que significasse um trabalho que, executado, só nos causa frustração, pois nenhum resultado é obtido. 

Para dar um certo ar cultural a um personagem que tem papel importante no mundo da homossexualidade, tão infestado hoje de termos anglo-americanos, poderíamos, com a inestimável colaboração da mitologia grega, incluir no nosso léxico a palavra catamita. A língua inglesa já a registra. Lá está no Webster: catamite: a boy kept for pederasty. Explico-me: os latinos, conforme está no Dicionário Ilustrado Latim-Francês, de Félix Gaffiot, deram o nome de Catamitus a Ganimedes atribuindo-lhe o significado, como está em Plínio e Cícero, de homme debauché, mignon. 


GANIMEDES
 (P.P.RUBENS, 1577-1640)
Ganimedes foi um príncipe troiano, raptado por Zeus na forma de uma águia e levado ao Olimpo para ser não só seu escravo sexual como para servir na nobre função de escanção (o que serve o vinho) dos deuses nas festas do Olimpo. Inflamado pela beleza do jovem, sobretudo pelas suas esplêndidas coxas, como disse o poeta, Zeus o presenteou com um galo, um anel e um par de asas. O primeiro, ave fálica, afasta as trevas, anunciando a aurora; o segundo é um emblema de totalidade; as asas, símbolos de liberdade e de ascensão espiritual.


O mito de Ganimedes, nome que lembra o jorro do vinho, era muito popular na Grécia antiga e em Roma. A história foi muito usada para justificar a prática de homens adultos tomarem como amantes jovens machos de grande beleza. Foi durante a Idade Média que o nome Ganimedes tornou-se equivalente a homossexual. O banquete, entre os antigos gregos, era realizado em muitas ocasiões, como festa de casamento, como cerimônia fúnebre e como evento social e cultural. Neste último, o banque, de modo especial, se integrou à filosofia através de Platão: uma reunião durante a qual os convidados bebiam vinho e sobretudo conversavam sobre variados temas artísticos e filosóficos. Este banquete era chamado de symposiom (posis, em grego, é ação de beber, gole de bebida), sendo presidido por um symposiarkhes (simposiarca), encarregado de manter as conversas animadas, dosando, para isso, o teor alcoólico do vinho distribuído entre os convivas. 

DIONISO , MÁRMORE ANTIGO
O vinho, enquanto “sangue” da vinha nos remete a uma ideia de princípio vital considerado sob o ponto de vista espiritual, isto é, da totalidade. Assim como o sangue, através da circulação arterial, energiza os órgãos do corpo, fazendo-os funcionar corretamente em benefício do todo, assim o vinho, bebida da imortalidade, leva à transcendência do individual em direção do coletivo, da humanidade. Astrologicamente, não podemos esquecer que Urano, planeta regente do signo de Aquário, se exalta em Escorpião, signo no qual “vive” Dioniso, o deus  inventor do vinho. Aliás, o vinho, em todas as tradições, sempre teve um valor cultural, muito superior ao da cerveja, favorecendo aqueles que sabem consumi-lo numa forma de convívio inteligente e culto. 



É nesta perspectiva que se coloca a obra (diálogos) de Platão, de modo especial o seu Symposiom, O Banquete, em português, que tem por cenário uma reunião patrocinada pelo poeta Agatho, da qual participam os seus amigos. Nessa reunião são abordados temas referentes ao amor à ciência e ao belo. Cada um dos convivas faz um elogio a ambos os temas, tomando Sócrates depois a palavra para fazer uma reflexão aos belos corpos, às belas almas e à beleza de um modo geral, encerrando-a com uma louvação à vida espiritual superior.  

O meu destaque vai neste trabalho para os temas míticos. Obrigo-me, porém, antes a fixar melhor o que entendo por mitologia. Como o próprio nome sugere, mitologia é um conjunto de mitos. Mitos são relatos fantásticos de tradição oral, depois registrados por escrito, geralmente protagonizados por seres que encarnam, sob forma simbólica, as forças da natureza e os aspectos gerais da condição humana. São também lendas, fábulas, narrativas dos tempos heroicos encontrados em todas as culturas, que sempre guardam um fundo de verdade. O mito, porém, ressalte-se, não é grego nem pertence a uma cultura específica. Ele existe desde sempre, nasceu com o homem, aparecendo em todas as culturas e sendo apresentado sob variadíssimas formas.

Até hoje, sentimos a presença dos deuses e heróis gregos como parte de nossos pensamentos e anseios. Estudiosos, desde a antiguidade, e modernamente os terapeutas da mente, apoderaram-se dos mitos, esmiuçaram seu simbolismo e, principalmente, suas implicações psicológicas. Criaram, por exemplo, o conceito de arquétipo e abriram a possibilidade da percepção das relações entre a vida consciente e inconsciente do homem. Para as correntes junguianas, por exemplo, arquétipo é o conteúdo imagístico e simbólico do inconsciente coletivo, compartilhado por toda a humanidade, evidenciável nos mitos e lendas de um povo ou no imaginário individual, especialmente em sonhos, delírios, manifestações artísticas etc. 

Nesta linha de pensamento, o inconsciente coletivo é parte do inconsciente pessoal e contém ideias inatas ou a tendência a organizar a experiência vivida em padrões predeterminados, comuns a todos os homens. Não deve sua existência à experiência pessoal, não sendo, portanto, uma aquisição pessoal. O conteúdo do inconsciente coletivo é constituído essencialmente de arquétipos, que estão presentes em todo tempo e em todo lugar.

Esse sistema psíquico, de caráter coletivo, não pessoal, coexiste com o chamado inconsciente pessoal. Ele não se desenvolveu individualmente, mas é herdado. Ele consiste de formas preexistentes, arquetípicas, que só secundariamente podem tornar-se conscientes, conferindo uma forma definida aos conteúdos da consciência.  O mito é, pois, uma narrativa que explica as causas primeiras (cosmogonias e teogonias) e relata como uma realidade chega à existência.  

É como diz Fernando Pessoa, em Ulisses:

O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo-
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
FERNANDO  PESSOA

Este eu aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos creou.

Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Embaixo, a vida, metade
De nada, morre.


PROMETEU (NICOLAS-SÉBASTIEN ADAM, 1705-1778)

Das várias mitologias que penetraram, teceram e permearam a cultura ocidental, a grega é, sem dúvida alguma, a mais notável. E isto apesar da apropriação indevida que muitos, já na antiguidade, dela fizeram. Platão é um conhecido desfigurador de mitos, como se sabe. Utilizou ao todo dezessete deles, modificando-os para que coubessem nos seus argumentos. Um dos exemplos mais notáveis do que aqui afirmo foi o que ele fez com o mito de Prometeu.

Ao longo dos séculos, desde a antiguidade, sobretudo para fins econômicos e políticos, certos filósofos, escritores, poetas, músicos e, mais recentemente, muitos roteiristas que escrevem argumentos para o cinema, descaracterizaram-nos, distorcendo-os e rebaixando-os à vontade, seja por ignorância ou por má-fé, com a finalidade de manipular a mente de leitores e de espectadores, no geral, totalmente desatentos e desinformados.

GUERRA  NAS  ESTRELAS
Um dos exemplos mais interessantes do que está acima foi o que ocorreu com um dos maiores blockbusters do cinema americano de todos os tempos, Guerra nas Estrelas (Stars War), dirigido por George Lucas. Sabemos que este diretor se inspirou bastante nas ideias de Joseph Campbell para realizar principalmente os filmes IV, V e VI da série que teve início na década de 1970 para se transformar num negócio de 30 bilhões de dólares. Ao que consta, Campbell, durante meses, hospedou-se no
SKYWALKER  RANCH
rancho de Lucas, o Skaywalker Ranch, “alimentado-o” (ele e a sua equipe) de suas ideias sobre a mitologia. Um dos mais perversos objetivos deste filme foi, para os mais atentos, é claro, o de dar um substrato mítico ao Projeto Guerra nas Estrelas, para transformá-lo em mass communication, projeto criado originalmente no governo Reagan (1983) com a finalidade de manter um estado de beligerância permanente, a chamada Guerra Fria, contra a antiga União Soviética. O objetivo desse projeto era o de criar um sofisticado arsenal, que ficaria na órbita da Terra, a fim de destruir, com o uso de canhões lase
l, qualquer míssil balístico que viesse a ser lançado contra os Estados Unidos e seus aliados. Dentro e fora dos USA, apesar de todo o seu sucesso editorial, como se sabe, as ideias e pesquisas de Campbell, na área da mitologia, sempre foram  muito contestadas.   
  
AS  GEÓRGICAS
Um dos casos que exemplifica notavelmente o que acabo de afirmar foi que aconteceu com o mito referente a Orfeu. A história trágica do cantor trácio com a jovem Eurídice, depois dos textos de Virgílio (As Geórgicas) e de Ovídio (Metamorfoses), deu origem a uma grande tradição literária, artística e musical que se valeu do tema. A maior parte dos artistas que se serviu do mito o deturpou, tratando-o ingênua ou negligentemente
METAMORFOSES
sem saber do que ele significava realmente, embora muitos tivessem obtido grande sucesso de crítica e de público. A maior parte dos artistas esvaziou o mito do que ele tinha de mais importante, o seu caráter político-social, uma força reacionária, originária de um mundo aristocrático, apolíneo, que procurou se opor de modo inglório ao dionisíaco. 

OFFENBACH
Dentre as obras mais importantes e aclamadas sobre Orfeu, que nem por isso deixaram de ser falsas sob o viés de que falamos, muitas amplamente mais conhecidas, podemos citar as óperas de Monteverdi, Gluck, Haydn, Offenbach, dramas coreográficos e balés diversos, como os de Angelo Pliciano, de Lope de Vega etc. Nas artes plásticas, podemos apontar Brueguel, Tintoreto, Poussin, Delacroix etc. No cinema, os filmes de Jean Cocteau e de Marcel Camus. 

Para se fixar melhor o que está acima, é preciso lembrar que o libreto da ópera de Monteverdi foi escrito por Alessandro Striggio, à época, início do séc. XVII, um jovem advogado, que ingressara na carreira diplomática, a serviço do duque Vincenzo Gonzaga, de Mantova. Para escrever o libreto, Striggio se valeu principalmente, além de outras fontes, das Metamorfoses de Ovídio, livros 10 e 11, e do livro quarto das Geórgicas, de Virgílio. 
    
RETRATO DE MONTEVERDI
( B. STROZZI , 1640 )
O teatro musical que se fazia no final do Renascimento guardava ainda uma certa influência declamatória do antigo teatro grego (tragédia). Com as modificações introduzidas por Claudio Monteverdi, ornamentação musical mais elaborada, polifonia mais sofisticada, diversificação de técnicas e de performances instrumentais, introdução do bel canto, ficou aberto o caminho para a fixação do Barroco, como um novo gênero musical. O Orfeo de Monteverdi é, por isso, considerado como uma das últimas peças do Renascimento e a primeira de um gênero, então chamado de dramma per musica ou favola in musica, que receberia depois o nome de ópera, opera seria, no alto Barroco.

Quanto ao libreto de Striggio, a coisa vai mais ou menos bem até o quarto ato, seguindo o mito grego. No último ato, porém, tudo desanda. No mito, Orfeu, depois de ter tocado o coração de Perséfone (Proserpina para os latinos), a rainha do Inferno, com a sua história, recebeu permissão de Plutão (Hades) para levar Eurídice de volta à vida, ele caminhando à frente dela. Ele só poderia olhá-la quando ambos estivessem fora dos territórios infernais. Entretanto, tomado por invencível pothos (saudade), Orfeu voltou-se para vê-la, perdendo-a então definitivamente. Ao sair do Inferno, só e acabrunhado, depois de ter perdido Eurídice, renegou o mundo feminino. O final já é conhecido: nosso poeta-cantor foi estraçalhado pelas mênades, as sacerdotisas de Dioniso. 


ORFEU , MARC  CHAGALL , 1887 - 1985 )

Alessandro Striggio, evidentemente, adaptou o mito ao gosto da época, isto é, aos círculos elitistas de Mantova, pois não “ficaria bem” que um dramatic entertainment como era Orfeu terminasse dessa maneira tão chocante. O que Striggio nos descreve é que Orfeu, consumido pela dor, foi levado para os céus por seu pai Apolo (no mito, o poeta é filho de Calíope, a mais importante das Musas, e o do deus-rio Eagro; foi o machismo da religião grega, quando o Orfismo se tornou uma importante seita religiosa, que lhe deu Apolo como pai). Muita gente até hoje, principalmente músicos, ignorando toda a complexidade da crônica órfica, principalmente sob o ponto de vista histórico e político, aceita passivamente o “embelezamento” ou o “enobrecimento”, de tendência espiritualizante, do nosso herói mítico.   

ILUSTRAÇÃO
ARTHUR  RACKHAM, 1867 - 1985 )
Durante a Idade Média, na Europa, os mitos utilizados por artistas vão dizer respeito mais diretamente à mitologia celta (Tristão e Isolda, que tão bem explora a fatalidade da paixão), riquíssima, que possui muitos elementos trazidos do Oriente através de povos árabes, elementos esses quase sempre originários da Índia ou do Irã. Devemos considerar também a mitologia nórdica, em especial O anel dos Nibelungos, tema aproveitado por Richard Wagner. Poderíamos citar também vários outros exemplos, como os contos que mais tarde foram transformados, nos chamados Contos de Fadas, tão ricos, em arquétipos e que grandes linguistas, pedagogos e principalmente psicólogos estudam e usam em seus trabalhos.

Há arquétipos facilmente reconhecíveis nas Canções de Gesta e nas Canções de Amor medievais, ligadas ao "maravilhoso", ao "fantástico". Arquétipos que mudam, é claro, adaptando-se-os a hábitos e costumes de diferentes épocas e lugares. Assim temos, por exemplo, fazendo parte de muitas histórias onde exercem papéis e funções diferentes, o rouxinol, a madressilva, a cotovia, os dragões, as fadas, a fada-madrinha, a madrasta, as sereias, os ventos, os mares, os amuletos, os talismãs, os oráculos, o uso simbólico dos números, o conflito entre o amor e o gosto da aventura e muito, muito mais.


CANÇÃO  DE  GESTA , ILUMINURA

Quem olha dentro da água, o mar, pode ver a sua própria imagem ou seres vivos, peixes, possivelmente inofensivos, habitantes das suas profundezas. Mas como a mente humana é tão perturbada, tão “mal-assombrada”, não temos porque nos espantar se pessoas  nele “sentem” a presença de seres ameaçadores, terríveis. Trata-se de seres aquáticos de um tipo especial. Às vezes, o pescador apanha uma ninfa em sua rede, um peixe feminino, semi-humano. Ninfas são criaturas fascinantes:

A meias ela o atraía
A meias ele se dava
E nunca mais o encontraram.  (Goethe, Balada)

A sereia é um estágio ainda mais instintivo de um ser mágico feminino, que designamos pelo nome de anima. Também podem ser ondinas, melusinas, ninfas dos bosques etc...

Sabemos que, embora fosse proibido, eruditos leigos ou religiosos estudavam textos gregos durante a Idade Média. Mas é a partir da Renascença que a influência grega se faz sentir mais diretamente e com força cada vez maior. Os humanistas franceses do século XVI se inspiraram na Antiguidade (língua, doçura de viver, sabedoria, a
COLÉGIO  DE  FRANÇA , PARIS
cultura chamada humanitas, preocupação global com o corpo, harmonia, lógica, tendências confusas em direção da ordem...), enfim, toda uma filosofia de vida. O grande Francisco I° vai incentivar estes elãs e facilitar sua realização, inclusive criando o Colégio de Leitores Reais, atual Colégio de França (cujos professores eram encarregados de ensinar o latim, o grego e o hebreu), e abrindo sua biblioteca aos humanistas e a enriquecendo com manuscritos gregos. Assim, os textos antigos encontraram meios preciosos de difusão.

Artes plásticas, pintura e escultura, sem esquecermos arquitetura (os castelos em suas concepções gerais e seus elementos decorativos), inspiraram-se também em modelos gregos. Há um intercâmbio intenso com a Itália, que já há séculos admirava e
PHILOMÈLE  OU  ROUXINOL
copiava a perfeição grega. Esta presença grega pode ser percebida em citações diretas, referências a deuses, ninfas, musas, heróis, filósofos, aspectos os mais variados da mitologia, uso de nomes que encerram significados que enriquecem o texto. Ouso mesmo dizer que, desconhecendo estes significados, alguns textos permanecem incompreendidos. Por exemplo: Philomèle é o rouxinol, pássaro da noite, que em seus cantos chora a morte do filho; Aurora é a deusa que abre as portas do céu ao carro do Sol. 

Do século XVI citarei com destaque Marot, Rabelais, Du Bellay¹, Ronsard² e Montaigne, poetas e/ou filósofos. Mas é de se deixar bem claro que não só as pessoas mais letradas e cultas faziam sérios estudos helenísticos. Pessoas pertencentes às camadas mais privilegiadas econômica e socialmente também se dedicavam a esses estudos, ainda que não "profissionais" como aqueles.  

 1 - Feliz quem como Ulisses...
DU  BELLAY

Feliz quem, como Ulisses, fez uma bela viagem,
Ou como um certo alguém que conquistou o tosão, 
E depois voltou cheio de experiência e razão,
Viver entre os seus pelo resto de sua vida.(......)


2 - Combate entre Deuses e Gigantes, A floresta de Gasine (floresta da Arcádia onde Hércules matou um porco do mato), O amor picado por uma abelha (além das citações diretas, o poeta faz um estudo de ritmo, sons e ambientação baseado em Anacreonte).

O século XVII, lembremos, foi o da grandeza, da ordem racional e estável, da autoridade, da razão lúcida, enfim do classicismo, representa o auge da influência helênica. Algumas citações: o racionalismo de Descartes, La Bruyère (Philémon, Iphis), Fénélon; Telêmaco é o que combate de longe, i.é, com armas de arremesso; Anfitrite (deusa do mar, filha de Oceano, esposa de Poseidon), La Fontaine (3) e, principalmente, Molière (Alcmenes, Anfitrião, Cleanto ou Cleantes, Harpagon), Corneille (Medeia, Édipo, Psiquê, Polyeucte (a muito desejada), Nicomedes (o que planeja a vitória), Racine (Ifigênia, Fedra, Oenone, Teseu, Hipólito, Aricia e tantos mais). Na tragédia temos violência x fraqueza, lucidez x cegueira, orgulho x humilhação, a fatalidade da paixão, a dignidade, a verdade humana eterna, o inconsciente coletivo e seus arquétipos.

LA  FONTAINE

3 - Amores de Psiquê  (epicurista)

Amo a diversão, o amor, os livros, a música,
A cidade e o campo, enfim tudo; não há nada
Que não me seja um soberano bem,
Nem mesmo o sombrio prazer de um coração melancólico.(......)

O século XVIII é uma continuação dos séculos anteriores ao exacerbar a paixão pelas ideias, pela filosofia, pelas ciências, pela confiança na razão humana, pelo exame crítico de textos sagrados diversos, pelo estudo dos astros, dos fenômenos naturais, pela política, pela economia etc. Seus escritores, como não poderia deixar de ser, vão também fazer referências diretas ou indiretas à cultura grega, como Marivaux quando fala de Eufrosina (uma das

três Graças, a que dá forma às alegrias da alma), ou Montesquieu, em seu importante Espírito das leis, quando estuda a democracia, a monarquia, a aristocracia, o despotismo etc. e quando fala dos Trogloditas (habitantes das cavernas). Voltaire, por sua vez, nomeia um de seus personagens Micromégas (micrós, pequeno, megas, grande). Rousseau, em seu discurso sobre as ciências e as cortes analisa gregos e romanos, discorre sobre a justiça social e as instituições políticas.

Durante o Romantismo (que surge no final do século XVIII e atravessa grande período do século XIX, seguido pelo Realismo e, mais tarde, pelo Simbolismo) há uma volta à Idade Média, uma busca de religiões ou mitologias. Chateaubriand é fascinado pela Grécia, presente, sob todos os aspectos, em vários trechos de suas
MIRTA
obras. O mesmo se dá com Lamartine, Vigny, Hugo, Musset, Nerval, Balzac, Stendhal, G. Sand, só para citar alguns. Baudelaire, num de seus poemas, se dirige a Andrômaca, fala de Heitor, de Citera (ilha consagrada a Afrodite), da mirta (planta de Afrodite) e assim por diante. Não esqueçamos que em todos os últimos séculos citados pintores, escultores e músicos também realizaram obras inspiradas em temas e personagens da mitologia grega.

ORFEU
No século XX não poderia ser diferente; o teatro e o cinema já estão muito invadidos pelo universo grego. É o caso, por exemplo, de Jean Cocteau (Orfeu), de Cacá Diegues (Orfeu do Carnaval), de Marcel Camus (Orfeu Negro) e de muitos outros cineastas que utilizaram fontes gregas, como o fizeram também muitos escritores. Sartre (Les mouches), Anouilh (Antígona), Giraudoux (Electra, Anfitrião), Albert Camus (O mito de Sísifo). Ulisses, por exemplo, ganhou vida através de Kirk Douglas. Brad Pitt, num filme baseado em Homero, foi parar em Tróia. Hércules é o personagem principal de The Rock, filme de 2014, de Brett Ratner etc., etc., etc....  






 .