quinta-feira, 4 de junho de 2015

MITOLOGIA DO CÉU - JÚPITER (4)



ZEUS   E   A   ÁGUIA  (VICENZO  PACETTI)
                                  
Os áugures greco-romanos traduziam o voo e o canto das aves em profecias. Segundo Píndaro, a águia emite sessenta e quatro sons, “tendo cada um deles um sentido”. De todas as observações relacionadas com os pássaros, a da águia era a mais reputada. Se ela entrasse no espaço aéreo observado pela direita, voando com as asas abertas, tínhamos um sinal de prosperidade, soberania; se entrasse pela esquerda, maus presságios. 

RAPTO   DE   GANIMEDES


A águia entre os gregos e romanos era a insígnia guerreira de Zeus ou de Júpiter. Vários depoimentos nos chegaram da antiguidade sobre sucessos militares confirmados pelo aparecimento de águias, como no caso de algumas vitórias de Alexandre, o Grande. A sua vitória sobre os persas (Dario), por exemplo, que lhe permitiu ostentar o título de rei da Ásia, foi anunciada pela presença de uma águia no campo de batalha.


A   ÁGUIA   E   GANIMEDES

Lembre-se que Zeus tomou a forma de uma águia para raptar o jovem Ganimedes (etimologicamente, o que se ocupa do vinho, escanção). Inflamado pela beleza do filho de Tros, grande ancestral da raça troiana, Zeus o levou para o Olimpo para que lá o jovem, além de seu escravo sexual, assumisse as funções de distribuidor do vinho nos banquetes divinos. 

Ganos, em grego, é o jorro do vinho que escapa dos tonéis quando abertos, sugerindo também a palavra a ideia de líquido brilhante. Como presentes, Zeus ofereceu ao pai do jovem cavalos divinos, nascidos do sêmen do vento Zéfiro e de uma Harpia. Ao jovem, como presente de núpcias deu um anel (aliança), um galo e um par de asas, símbolos, respectivamente, de união, da ave que espanta as trevas com  o seu canto e de elevação.

O anel é ao mesmo tempo limitação, fixação de limites, barreira, exprimindo também uma servidão livremente aceita, um emblema de submissão. O galo é uma ave fálica, símbolo da vigilância (alektor, galo, em grego, quer dizer aquele que não dorme), da vida vitoriosa que vence a morte. Já as asas simbolizam elevação, liberação, ascensão. Em todas as tradições representam a espiritualidade que deve ser conquistada através de uma educação iniciática, muitas vezes difícil e perigosa. 


CONSTELAÇÃO   DE   AQUÁRIO

Para celebrar o seu grande amor por Ganimedes (o amado dos deuses, Amadeus) Zeus colocou Ganimedes nos céus como a constelação de Aquário, décima primeiro do Zodíaco, relacionado-a com o elemento ar, em oposição à de Leão, de número cinco, ligada ao elemento fogo. Lembrando emancipação, libertação, sublimação, desmaterialização, Aquário é muita vezes representada pelo anjo, que, na escala dos valores humanos, é símbolo da mais alta espiritualidade como um ser andrógino, liberto da vida instintiva e das pressões materiais. Numa versão posterior, a história da constelação de Aquário foi associada ao sacrifício que o lindíssimo Antinous teria feito (suicidando-se, ao se atirar no rio Nilo) para que, segundo acreditava, a vida do imperador Adriano fosse prolongada. Uma águia levou então o jovem para os céus, onde foi transformado na referida constelação.  



CONSTELAÇÃO   DA   ÁGUIA

Para tornar ainda mais forte a sua ligação com Ganimedes, signo de Aquário, Zeus colocou também nos céus, como constelação boreal, a  Águia, que se estende entre os 12º de Capricórnio e os 15º de Aquário, representada no Tarô pelo sexto arcano, Os Amantes. A
OS   AMANTES  -  TARÔ
estrela alfa da Águia é Altair, de 1ª magnitude. Registre-se que a figura masculina do referido arcano está descalça, com os pés firmemente apoiados na terra, sendo apresentada numa situação conflitual entre duas imagens femininas, uma tocando-lhe o coração e outra o ombro. Acima, o deus Eros tenta disparar uma flecha com um arco que não tem corda. Um conflito entre o físico e o espiritual? Será que em Aquário o deus Eros não atua mais? De concreto, no arcano, os pés descalços, bem plantados na terra. Uma sugestão, talvez, de que a transcendência aquariana, sempre muito ligada ao elemento ar, por maior que seja a atração das alturas, será sempre incompleta se “esquecer” dos pés no chão (elemento terra). Quanto a Altair, chamada “O Coração de Ganimedes”, hoje a 1º04´de Aquário, temos, segundo Ptolomeu, influências marcianas e jupiterianas, com idéias de coragem e de determinação através de riscos, muitas vezes desnecessários. 


REPRODUÇÃO DA ESTÁTUA DE FÍDIAS
A estátua que parece melhor ter definido Zeus era a que se encontrava no monte Olimpo, de autoria de Fídias. Levantada sobre um pedestal ricamente ornado, com cerca de 10 metros de altura e 7 de largura, a estátua tinha 13 metros. Sentado sobre um trono, onde se misturavam ouro, bronze, marfim e ébano, o deus segurava numa das mãos uma vitória coroada (Nike); na outra, tinha um cetro no qual estava pousada uma águia. Vestia o deus um manto de ouro esmaltado com flores. Sua fronte estava cingida por uma coroa de ramos de oliveira e seu rosto, enquadrado por uma longa barba, tinha uma expressão de serena majestade. Esta escultura, esculpida por Fídias, serviu de modelo de Zeus para quase todos os artistas que vieram depois dele. 


Fídias nos oferece Zeus na figura de um homem de corpo robusto, em plena maturidade, naquele ponto médio ideal entre o físico o espiritual. A cabeleira abundante enquadra o rosto, barba encaracolada. Usa um manto que deixa descobertos o peito e o braço direito. Seus atributos são o cetro na mão esquerda, o raio na mão direita, a águia a seus pés. Na sua fronte, uma coroa de ramos do carvalho.

Antes mesmo de desposar sua irmã Hera e de assumir a sua inconteste soberania, Zeus já deu início à sua carreira de macho fecundador, uma de suas mais marcantes características. Contraiu, por isso, inúmeras uniões. Como atividade celeste, em Zeus se concentram ideias de altura (regiões das nuvens, dos astros, morada dos deuses) e de hospitalidade, convivência de alguns eleitos, que a esse mundo têm acesso a convite do Senhor do Olimpo. 

O conceito de céu também implica uma ideia de ordem (o movimento circular dos astros, sua periodicidade e regularidade, salvo algumas poucas exceções), de poder (ideia de altura inatingível), de potência, de aspirações elevadas, de lugar a partir do qual o cosmos se organiza. Com um furor fecundante inesgotável, semelhante ao do céu, Zeus é reconhecidamente um digno sucessor de seu avô Urano. 


METIS   E  JÚPITER

Sua primeira esposa foi Metis (O Juízo Avisado, a Sabedoria), uma oceânida, deusa que, segundo Hesíodo, sabia mais que todos os deuses e humanos reunidos. Foi ela quem forneceu a Zeus a beberagem que obrigou Cronos a vomitar, devolvendo à vida todos os filhos que havia engolido. Tendo Metis engravidado, Urano e Geia advertiram Zeus, segundo uma velha profecia, que se a deusa tivesse um filho ele destronaria o próprio pai. Zeus a engoliu então, alojando-se na sua cabeça (meninges) o feto que se desenvolvia no seu ventre. Assim, Zeus, ao mesmo tempo em que afastava o risco de uma sucessão ameaçadora, incorporava a Sabedoria. Um proveito duplo.


NASCIMENTO   DE   PALAS   ATHENA

Tempos depois, sentindo fortes dores de cabeça, mandou Zeus chamar Hefesto para que o deus da metalurgia, a machadadas, abrisse a sua cabeça para de lá ser retirada a criança, que, espantosamente, nasceu adulta, armada, com a lança e com a égide, e dançando uma dança guerreira, soltando gritos belicosos. A ela se deu o nome de Athena, um nome cretense que significava grande mãe, proteção.

THEMIS
Zeus uniu-se em seguida a Themis (limite), uma titânida, divindade que regia tanto as leis do mundo físico como as do mundo moral. Como tal, cabia a ela o controle de todos os negócios humanos, que hão de se pautar pelo mais alto e elevado sentido do que é direito, justo. Como decorrência destes atributos, era considerada também como deusa da hospitalidade. Personificava o direito divino que devia inspirar as leis humanas, localizando-se em Delfos o seu santuário oracular, cuja tutela ela dividia com a Grande-Mãe Geia. Apolo, depois, se apossará desse santuário, matando o dragão Piton, que o guardava. Tal conquista consolidou a vitória do mundo patriarcal sobre o matriarcal, instaurando-se definitivamente o poder olímpico, operado por Apolo, em todo mundo helênico. 

Themis aconselhou Zeus a lutar sempre e em qualquer circunstância contra os Gigantes, a cobrir o seu escudo com a pele da cabra Amalteia, tornando-o invulnerável, e a levar a humanidade a uma guerra (Troia), com a finalidade de melhor equilibrar a densidade demográfica da Terra. Apesar de titânida, Themis sempre foi muito reverenciada pelos senhores da nova ordem, sentada sempre à direita de Zeus nas reuniões olímpicas.


AS   HORAS
Da sua união com Zeus nasceram as Horas, deusas do tempo, das estações do ano, Eunomia (As Boas Leis), Dike (A Justiça) e Irene (A Paz). Eram encarregadas de distribuir a umidade adequadamente para que a vegetação se desenvolvesse. Passaram depois, por analogia, a governar também a educação das crianças, com os nomes de Talo (a que faz brotar), Auxo (a que provoca o crescimento) e Carpo (a que prodigaliza os frutos). Acompanhavam com frequência Afrodite, tendo muito destaque no seu séquito. 

O culto de Themis se espalhou por toda a Grécia, sendo sendo ela representada pela arte como uma mulher madura, soberba fisicamente, de olhos bem abertos. Numa das mãos carregava sempre uma espada, na outra uma balança, traduzindo a sua imagem uma ideia de severidade e de acurácia na administração da Justiça. Astrologicamente, a deusa Themis “vive” no signo de Libra. É Themis quem “dá” a Libra o senso de justiça e a ideia de harmonia, conceitos que na prática se traduzem em desenvolvida capacidade de observação tão necessária à correção de desequilíbrios. 

Themis é a deusa tutelar da ciência da balança, como símbolo da
MUSEU DE OUDEWATER
justiça, da medida, da prudência e do equilíbrio, que tem como objetivo último a pesagem dos atos. Em todas as tradições, a balança se apresenta com essas características. Lembre-se que na Idade Média foi instituída pelos demonólogos cristãos, a pedido do braço secular do poder religioso, a bibliomancia, a prova da balança, com a finalidade acabar com as atividades da feitiçaria. Funcionava em Oudewater, na Holanda, o mais importante tribunal consagrado a essa prática. 



MNEMÓSINA
Unindo-se a uma outra titânida, Mnemósina (lembrar-se de), deusa da memória, para celebrar a vitória dos olímpicos na Titanomaquia, Zeus gerou as nove Musas (guardar bem). Elas presidiam a poesia épica, Calíope; a História, Clio; a lírica coral, Érato; a música, Euterpe; a tragédia, Melpômene; a retórica, Polímnia; a comédia, Talia; a dança, Terpsícore; e a astronomia, Urânia.


AS   MUSAS

As Musas são as cantoras divinas e inspiradoras de artistas e poetas para que, com as suas produções e seus cantos, os deuses se tornassem mais celebrados e os humanos menos inquietos e sofridos. Para Hesíodo são as musas que devem ditar também as boas palavras reais e presidir ao pensamento manifesto sob todas formas.

DEMETER
Unindo-se a Deméter, deusa dos cereais, da terra trabalhada, Zeus tornou-se pai de Kore, a Jovem, a Semente, que mais tarde ocuparia uma posição importante no mundo infernal, como esposa de seu tio Hades ou Plutão, com o nome de Perséfone. Mencione-se ainda a união de Zeus com Eurínome (a que dirige um grande domínio), oceânida, que, antes, unida a Ófion, seu esposo, administrava as alturas nevoentas do monte Olimpo. Expulsa por Cronos, quando da vitória sobre Urano, foi depois amada por Zeus, tornando-se mãe das três Cárites (Graças), Aglaia (Brilhante), Eufrósina (Alegria da Alma) e Tália (Festa). A estas três deusas atribuem-se todas as influências positivas sobre a atividade intelectual e a produção de obras de arte. Acompanham Apolo e Afrodite, sempre solícitas e alegres. 


ZEUS   E   HERA

Foi ao que parece depois de todas as uniões mencionadas que Zeus se dispôs o oficializar a sua relação com Hera,  até então resistente às suas investidas. Consta que Zeus, segundo uma versão mais aceita, se aproximou de Hera, então sob os cuidados de uma ama, Macris, em Creta, no monte Tornax, sob a forma de um pássaro, um cuco, transido de frio. Zeus armara uma grande tempestade para esse acontecimento. A deusa sem o perceber, tocada pela piedade, agasalhou a ave junto dos seus seios. Aproveitando-se disso, Zeus tomou a sua forma divina e tentou violentá-la, como estava acostumado a agir. Ela, porém, resistiu bravamente e Zeus, que a desejava muito, obsessivamente, não teve outra alternativa senão prometer solenemente, em nome das águas do rio Estige, segundo o privilégio do horkos,  que a desposaria. 

O cuco, como se sabe, é uma ave que simboliza a primavera, o despertar da natureza. Em muitas outras tradições, por se utilizar do ninho de outras aves para depositar os seus ovos, a ave também simboliza a preguiça e o parasitismo. Os gregos sempre associaram a ave à primeira hipótese, numa clara alusão ao fato de Hera, que tinha uma personalidade algo “gélida”, embora esplêndida e bela fisicamente, necessitar de “alguém” que a despertasse sexualmente, algo assim como a primavera despertando a natureza. Foi por essa razão, aliás, que o cuco foi parar no cetro que Hera usava como Senhora do Olimpo.

O porte altivo de Hera, sua grande beleza,  sempre haviam atraído enormemente seu irmão Zeus. O casamento de ambos tem duas versões. Segundo Homero, Hera gozou nos braços de Zeus os prazeres do amor antes da sagrada hierogamia. Segundo outros, por mais que ele tentasse seduzi-la, Hera permaneceu sempre inabalável, jamais permitindo que, sem uma união oficial, Zeus lograsse o seu intento. 

Realizadas as bodas com a participação de todo o universo, somente uma jovem chamada Quelonea, além de ridicularizar a festa, se recusou a comparecer. Hermes a transformou numa tartaruga (kheloné), lançando-a num rio, condenando-a a carregar a
AS   HESPÉRIDES
sua própria casa, tornando-a um símbolo do silêncio. Como presente de núpcias, Geia enviou aos seus netos, três maravilhosas maçãs de ouro, enviadas pelos noivos para ficar sob a guarda das ninfas do poente, Egle (A Brilhante), Eritia (A Vermelha) e Hesperaretusa (A do Poente), devidamente auxiliadas por um dragão, filho de Fórcis e de Ceto, no chamado Jardim das Hespérides. Próximo do local, como se sabe, ficava o titã Atlas, a sustentar nos seus ombros, a abóbada celeste, impedindo assim que o céu desabasse sobre Geia.


A paz matrimonial do divino casal esteve sempre perturbada pelas infidelidades de Zeus, por um lado, e, por outro, pelos orgulhosos ciúmes de Hera, que não suportava nenhuma rival e muitos menos os filhos espúrios que Zeus semeava pelo universo em razão seus amores itinerantes. 

Mesmo unido oficialmente, Zeus continuou a perseguir imortais e mortais. Seguindo conselho de Prometeu, seu primo, renunciou
THETIS  -  MUSEU  DA  TURQUIA
espontaneamente a Thetis, a nereida, com receio de que se ambos tivessem um filho ele o destronasse. Não conseguiu Zeus também levar adiante os seus intentos conquistadores com relação a Astéria, filha Ceos e Febe, que para escapar dele se metamorfoseou em codorniz. Lançando-se no mar, transformou-se Astéria numa ilha, Ortígia, a ilha das codornizes, chamada depois Delos (Brilhante), onde nasceram os gêmeos Ártemis e Apolo. Lembre-se que a deusa infernal Hécate, a deusa trívia, é filha de Astéria e de Perses, titã, filho de Crio e Euríbia. A codorniz no mundo mediterrâneo é um símbolo de ardor amoroso, sendo muito recomendado o seu consumo para preservar “aquecida” a união conjugal, em que pese o fato dos costumes migradores dessa ave. 



LETO

Menos resistente, Leto, Latona para os romanos, irmã de Astéria, se rendeu aos encantos de Zeus, o que a tornou vítima da cólera de Hera. Leto pôs no mundo mítico os gêmeos Ártemis e Apolo, respectivamente, as grandes divindades da Lua e do Sol. Mais adiante, Zeus conseguiu, escapando da vigilância de Hera, se unir no monte Cilene a Maia, uma das Plêiades, filhas de Atlas e de Pleione, nascendo dessa união o deus Hermes. 

Dentre as ninfas amadas por Zeus cabe citar as filhas do rio Asopo, Égina e Antíope. A primeira foi raptada pelo Senhor do Olimpo sob a forma de uma águia, para uns, ou de um língua de fogo, para
FONTE   PIRENE
outros. O pai percorreu a Grécia inteira à procura da filha e acabou encontrando-a devido a uma informação que recebeu de Sísifo. Como recompensa, o deus-rio fez brotar na Acrocorinto uma fonte para garantir o abastecimento de água da cidade, a famosa fonte Pirene. Zeus levou a amante para a ilha de Enone, tornando-a mãe de Éaco e mudou o nome da ilha para Égina. Mais tarde, Égina, indo para a Tessália, uniu-se a Actor e gerou Menécio, pai de Pátroclo, futuro companheiro de Aquiles. 



ANTÍOPE

Quanto a Antíope, Zeus se aproximou dela sob a forma de um sátiro, surpreendendo-a enquanto dormia. Fugindo da casa paterna, deu ela à luz dois filhos, Anfion e Zeto, em Sicione, onde se refugiara. O tio da jovem foi buscá-la e mandou expor as crianças numa montanha. Recolhidas por um pastor, acabaram, depois, salvando a mãe que estava aprisionada. 

Dentre as mortais amadas por Zeus, a primeira foi Níobe, que gerou
IO   E   ZEUS
Argos, o fundador da cidade de mesmo nome. Outro amor de Zeus foi Io, filha de Ínaco, muito famosa por sua beleza, sacerdotisa de um templo de Hera. Para livrar a amante da fúria de sua esposa, transformou-a numa vaca. Desconfiada, Hera exigiu que o animal lhe fosse entregue para ser vigiado pelo dragão Argos, o de Cem Olhos. Zeus contudo, sob a forma de um fogoso touro, continuou a se unir a Io. Zeus mandou que Hermes livrasse Io do dragão, o que foi feito. Fugindo, Io-vaca foi perseguida por uns insetos que com os seus ferrões quase a enlouqueceram. Continuando a fugir, Io se aproximou do mar na esperança de se livrar deles. Chegou a uma região costeira, um golfo, que passou a ser chamada pelo povo do lugar de golfo de Io. Atravessando o estreito que separa a Europa da Ásia, chegou Io finalmente ao Egito. O estreito atravessado por Io recebeu o nome de Bósforo (literalmente, a passagem da vaca). 



BÓSFORO  ( ASSINALADO  EM  AMARELO )

No Egito, tocada por Zeus, Io deu à luz Épafo, raptado pelos Curetes a mando de Hera. Conseguindo encontrar o filho, assumiu, como belíssima mulher, a todos deslumbrando, o reino do país, tomando o nome de Ísis. Seu filho Épafo, por seu lado, casou-se com Mênfis, filha do deus-rio Nilo. Dessa união nasceram três filhas: Líbia, Lisianassa e Teba.

DANAE  ( KLIMT )
Unindo-se à princesa Danae, filha de Acrísio, rei de Argos, Zeus, na forma de uma chuva de ouro, tornou-se pai do grande herói Perseu, o matador da Medusa. Unindo-se a Sêmele, filha de Cadmo, ancestral dos tebanos, Zeus deu ao mito Dioniso, deus das metamorfoses. Ao raptar a princesa fenícia Europa, trazendo-a para Creta, Zeus, tornando-a sua mulher, deu origem à dinastia cretense, com Minos, Radamanto e Sarpedon, seus três filhos, adotados pelo rei de Creta, Asterion.



LEDA  ( AUGUSTE  CLÉSINGER )
Doutra feita, Zeus percebeu que Leda, princesa da Etólia, lindíssima esposa de Tíndaro,  herói lacedemônio, se banhava num lago, acercou-se dela na forma de um maravilhoso cisne e a possuiu. Na mesma noite, Leda se uniu sexualmente ao marido. Da relação com Zeus-Cisne nasceram Polideuces e Helena e da relação com Tíndaro nasceram Castor e Clitemnestra. 

NASCIMENTO DE HÉRCULES
Para se aproximar da princesa Alcmena, Zeus tomou a forma do marido, Anfitrion, que lutava no campo de batalha. O resultado foi o nascimento do grande herói Hércules, programado filho de Zeus para representar o impulso evolutivo que une a terra ao céu, perseguido incansavelmente por Hera durante toda a sua existência. 

APOLO , TÍTIO  E  LETO
A descendência de Zeus é numerosíssima. Mencione-se ainda o infeliz Tântalo, filho que teve com Pluto, oceânida. Com as Danaides Olene e Hesíone teve, respectivamente, os filhos Oleno e Orcomeno, fundadores de cidades. Com Elara, sua neta, filha deste último, escondida sob a superfície da Terra, teve Títio, um gigante, de cujos préstimos Hera se valeu para atacar Leto.

Poderíamos prolongar esta enumeração da descendência de Zeus, muito enriquecida pelo orgulho das províncias e cidades da Grécia, que sempre desejaram atribuir uma origem divina à sua fundação. Toda cidade grega procurava ter um descendente de Zeus ligado às suas origens. Inúmeros filhos de Zeus tornaram-se, assim, ancestrais de povos ou de fundadores de cidades. Evidentemente, estas uniões de Zeus podem se tornar suscetíveis de outras interpretações. Assim, a união de Zeus como deus do Éter luminoso com Leto tem que ser entendida no contexto de mitos solares.
EUROPA   E   ZEUS
Outras uniões de Zeus são alegóricas transposições de fatos históricos, como, por exemplo, o estabelecimento da dinastia minoana, oriunda da Fenícia, em Creta. A ida da princesa fenícia Europa para Creta, raptada por um deus-touro, é uma colorida representação da chegada de povos da Ásia Menor a Creta, na era astrológica de Touro. Outras uniões de Zeus podem ser vistas como uma expressão metaforizada de fenômenos atmosféricos, como no mito de Danae, uma ilustração de como a chuva e o Sol (Zeus como chuva de ouro) alcançam a vida subterrânea (Danae encerrada no inviolável compartimento no qual o pai a encerrou).


Além de todos estes episódios, há que se destacar três que são únicos, algo ao que me conste jamais experimentado por qualquer outra divindade da mitologia grega. Referimo-nos à excisão dos nervos das mãos e dos pés de Zeus pelo monstro Tifon e à sua maternidade, em duas ocasiões: quando acabou de gerar Palas Athena em sua cabeça e a sua gravidez femural de Dioniso.

O primeiro acontecimento nos é  transmitido por duas fontes: a primeira é Apolodoro (séc. II aC), na sua Biblioteca Mitológica, a mais digna de fé, e a segunda é Nonnos (séc. V dC), nas suas As Dionisíacas, menos confiável, com seu barroquismo e gosto pelo insólito. Apolodoro nos conta que Zeus havia atingido Tifon com
ZEUS   E   TIFON
os seus raios e depois o lançou por terra com um golpe de sua harpé (foice) adamantina, talvez a mesma que Cronos havia usado para castrar Urano. Refugiando-se na Síria, o monstro, mesmo ferido, conseguiu envolver Zeus com o seu corpo serpentino e arrancando a foice de suas mãos cortou os nervos (neura) dos seus pés e das suas mãos. Em seguida, Tifon levou-o para a gruta de Korykie e lá o depositou, imobilizado. Os nervos de Zeus que haviam sido arrancados foram envolvidos com a pele de um urso e colocados sob a guarda de um dragão fêmea, Delphyne. A história prossegue nos contando que Hermes e Pan, seu filho, conseguiram se apoderar dos nervos, readaptando-os ao corpo de Zeus, que, recuperando as suas forças, venceu o monstro na famosa batalha da Sicília, fulminando-o e aprisionando-o sob o vulcão do monte Etna, através do qual Tifon, vez ou outra, ainda vomita as suas chamas. 



ETNA