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sexta-feira, 13 de agosto de 2021

QUESTÕES ALQUÍMICAS : A SUBLIMATIO

        

ALQUIMISTAS

Apesar dos grandes trabalhos (Hegel, Freud, Jung, Castoriadis, Klein, enciclopédias etc.) que a abordam direta ou indiretamente, mais ou menos profundamente, a Sublimatio, do elemento ar, muito relacionada com as as Artes e a Psicologia, tem as suas raízes fincadas na antiga Alquimia, como uma das suas principais operações, ao lado da Calcinação (Calcinatio-Fogo), da Coagulação (Coagulatio-Terra) e da  Dissolução (Solutio-Água)), encontrando-se na Astrologia os melhores desdobramentos práticos de todas estas operações. 


A palavra sublimar quer dizer elevar, engrandecer, exaltar, passar pelo alto, sub = parte alta, limen = porta. Passar por cima do limite, isto é, ultrapassar, essa é a ideia. A sublimação também é entendida, principalmente na psicologia (psicanálise) como uma purificação de sentimentos e instintos inferiores. Só que a sublimação alquímica é diferente da sublimação da psicanálise.  Sublimar, na Astronomia e na Química, por exemplo, é a passagem do sólido ao gasoso, sem que haja a passagem pelo elemento líquido, como acontece com os cometas, na sua caminhada em torno do Sol (periélio) e no seu máximo distanciamento dele (afélio).  Quanto ao ser humano, duas hipóteses aparecem: a) sublimação via intelectual (do instinto à razão); b) sublimação pela via afetiva (do sentimento à compaixão). A primeira se dá pela mente: a segunda, pela empatia (fusão).

Um dos grandes símbolos alquímico da sublimação é a escada (veja o texto Mutus Liber) e, por extensão, tudo o que eleva, que leva ao alto, desde anjos, asas e torres a foguetes, balões, aviões, ascensores, elevadores etc. A escada, porque  nos aponta para uma ascensão gradual, é, sem dúvida, aqui, um dos símbolos mais perfeitos. A Alquimia recomenda sempre que toda ascensão seja feita progressivamente. Os símbolos da sublimatio, lembremos, como a escada, têm analogia com o vertical, de natureza qualitativa; seu oposto é o horizontal, de natureza quantitativa. 


No plano humano, a dominante terra tende invariavelmente a se expressar horizontalmente. Seus símbolos traduzem essa tendência, sempre ideias de ocupação do espaço, de peso, de densidade, de construtividade, de segurança, de algo firme, fundamental, básico. Já a dominante ar trabalhará naturalmente com ideias de elevação, de ascensão, de transcendência. A sublimatio representa o estado gasoso, fluido, impalpável, leve, volátil, que tende sempre para a difusão, para a expansão ilimitada em espaços cada vez maiores. 

MUTUS LIBER

Fisiologicamente, o ar corresponde ao temperamento sanguíneo, marcado pela predominância do aparelho respiratório (trocas com o meio exterior). Psicologicamente, o tipo humano em que predomina o elemento ar é um expansivo, que vive da mobilidade, das trocas, dos contatos, ao qual costuma se adaptar e assimilar espontaneamente.

Participam do ar, como qualidades primitivas, o úmido e o quente, como se viu. O quente tem relação com energia, atividade, vivacidade, iniciativa, imediatismo, expansão. Pela contribuição do úmido, os sentimentos tendem a se impor ao intelecto, provocando instabilidade, impressionabilidade, caprichos, espontaneidade, versatilidade, difusão, elevação, mudança. O elemento ar, como se constata, é formado por duas qualidades primitivas que se opõem, apresentando, por isso, conceitualmente, por princípio, uma contradição assim expressa: ao mesmo tempo que receptivo, o ar  busca sempre uma expansão. É por causa dessa contradição que os tipos humanos, principalmente naqueles em que o quente predomina sobre o úmido, encontram muita dificuldade para dar forma ao que experimentam e sentem.

Nas combinações em que o quente predomina notavelmente sobre o úmido estamos sempre em presença de uma poderosa tendência expansiva das impressões recebidas. Com a predominância do quente, as percepções (úmido), por mínimas que sejam, procuram sempre uma forma expansiva, principalmente através de relacionamentos, de conexões. 

 

GÊMEOS            LIBRA               AQUÁRIO    

Na Astrologia, os signos de ar (Gêmeos, Libra e Aquário) representam as três grandes etapas dos inter-relacionamentos humanos. O primeiro é o signo dos relacionamentos informais, acidentais, causais; o segundo tem a ver com os relacionamentos íntimos, com as associações formais, legais; o terceiro se relaciona com amizades, com ideais comunitários, com companheirismo, ligações que se estabelecem por livre e espontânea vontade. Como grandes faltas ou deficiências atribuídas a esses signos temos: indecisão, adaptabilidade, dualidade, volubilidade, dispersão,  excessivo alheamento, teorização exagerada etc. Negativamente ainda, a dominante ar aponta para grandes dificuldades com os elementos terra (vida material) e água (sentimentos e emoções). 

SCHUMANN
Um exemplo interessante da dificuldade de uma dominante ar trabalhar com o elemento terra (dar ao tipo terra um pouco de chão) nós o encontramos no geminiano Robert Schumann, grande compositor alemão do séc. XIX. A vida de Schumann, como sabemos, foi dominada pela divisão, pela dualidade, desde cedo (dupla vocação: literatura-poesia e música), por pseudônimos, sósias e duplos de si mesmo que ele foi criando. Esta dualidade foi representada, sobretudo, por ele, por dois heterônimos, que, tragicamente, na vida artística, o puxaram em direções contrárias. A um, de natureza terrestre, ele deu o nome de Florestan; ao outro, de natureza celeste, ele deu o nome de Euzebios. 

AQUÁRIO
Dos três signos de ar, o mais quente é o de Aquário, o que oferece maior diversificação aos tipos humanos nos quais aparece pelo Sol, pelo Ascendente, por certas combinações do planeta regente do signo, Urano, ou por planetas na décima primeira casa. A diversificação aquariana, positivamente, tanto pode se apresentar na maneira de pensar, nos relacionamentos (associações) ou na sua capacidade mental de organizar, aperfeiçoar ou inventar. Raros e brilhantes são os aquarianos em que a sua originalidade, reforçada por relacionamentos adequados, costuma se voltar para o futuro. Quanto isto acontece, temos os inventores, os que redimensionam repertórios, os que criam linguagens novas, o make it  new. Aquário está sintetizada no provérbio latino Ad augusta per angusta, a resultados sublimes por caminhos estreitos.

As melhores expressões aquarianas aparecem quando o esforço individual se integra ao social, isto é, quando o aquariano se dedica a uma causa como um servidor da humanidade, através de reformas, inovações ou revoluções. Não nos esqueçamos que o lema da revolução francesa de 1789 é de clara inspiração aquariana: liberdade, igualdade, fraternidade.

Quando o úmido prevalece sobre o quente, a disposição de se dar alguma coesão às impressões recebidas sempre aumenta. Isto se deve ao fato de o volume de impressões recebidas se sempre muito significativo, incessante, muitas vezes; fica difícil lhes dar uma unidade, coesão, um sentido. Daí, nessa combinação, nas suas expressões mais malogradas, sempre presente a ameaça de um constante jogo de harmonizações, de um interminável balanceamento das impressões recebidas. É por essa razão que o signo de Libra, apesar de masculino, tem fortes traços femininos. 

É notória, nos exemplos que estamos expondo, a tendência que o tipo médio libriano apresenta no sentido de se inclinar alternadamente para a espontaneidade, para o receio, para o abandono, pelo recuo diante da vida, para um dar-se e um recolher-se, comportamentos que acabam por caracterizá-lo como um indeciso, um ser muitas vezes incapaz de tomar decisões.

A sentimentalidade desse libriano médio costuma tomar dois caminhos. Quando extrovertida (venusiana), temos ideias de disposição simpática, vontade de estabelecer uma rede de laços e afeições com o mundo, de dar livre curso à generosidade dos seus impulsos. Quando introvertida (saturnizada), a disposição sentimental costuma se concentrar numa única pessoa. Isto torna evidentemente o libriano muito mais frágil, inquieto, temeroso e inquieto, pelo medo de perdas afetivas, que, ocorrendo, podem precipitar verdadeiras tragédias. Neste caso, o libriano costuma se mostrar muito reservado, aparentemente tranquilo. Visto mais de perto, conhecendo-o um pouco mais profundamente, não será difícil perceber essa aparência em termos de uma sensibilidade dolorosa que encobre geralmente paixões agudas.

LAMARTINE
O que mais distingue Libra de Gêmeos é que este representa relacionamentos acidentais, de uma natureza informal, os chamados relacionamentos “ombro a ombro”, enquanto os do outro têm uma natureza mais formal, contratual. Em Libra, a união só se tornará possível se as partes compreenderem as bases da associação e concordarem voluntariamente com elas. Como isto raramente é conseguido, pois é da dinâmica da vida, o jogo equilíbrio-desequilíbrio, os librianos vivem no geral mergulhados em sofridas hesitações e indecisões. Na poesia, o mais representativo exemplo de Libra é, sem dúvida, Alphonse de Lamartine, um sentimental amoroso que sempre escreveu o que o seu coração ditava.

COCTEAU, 1916 ,MODIGLIANI

Em Gêmeos, como se sabe, há o predomínio do quente sobre o úmido, com contribuição do seco. As impressões (úmido) ganham não só dinâmica (quente) como alguma expressão concreta (seco). É isto que traz um desejo constante de variação ao tipo básico do signo. Para ilustrar o que aqui se coloca, podemos nos voltar, na literatura, dentre outras, para duas personalidades muito significativas: Jean-Paul Sartre e Jean Cocteau. 


SARTRE
Quem, por exemplo, representa o signo na mitologia são os Aswins (Índia) ou os Dioscuros (Grécia). Entre os gregos eram eles Castor e Polideuces (Pólux), o primeiro, astrologicamente, descreve um tipo mais primário, sanguíneo/emotivo, terrestre, e o segundo mais secundário, sanguíneo-não-emotivo, celeste. O tipo Castor, Jean Cocteau, é mais horizontal; já o tipo Polideuces, Sartre, é mais vertical. 

Dentre as histórias mais emblemáticas da sublimatio alquímica, a de Jacob, o ultimo patriarca judeu, filho de Isaac, neto de Abraão, é uma das mais representativas. Jacob é o adepto a ser despertado do seu sono, da sua inércia (lembre-se da prancha de abertura do Mutus Liber). Ele sonhou com uma escada que ligava a terra ao céu, uma escada de setenta e dois degraus (lembre-se também das especulações astrológicas que fizemos sobre este número), por onde transitavam continuamente os anjos, unindo os dois planos, o terrestre e o celeste.  

ABADIA DE SAINT NICOLAS-LES-CÎTEAUX
À CÔTE D'OR, DIJON, BOURGOGNE

A escada, como sabemos, é símbolo de ascensão progressiva e de valorização, representando a passagem de um nível de existência a outro, um itinerário espiritual comportando diversos estados de consciência figurados pelos degraus, lembrando ascensão de um mundo material (da base, terra) à espiritualidade (ao topo, céu). A escada sempre simbolizou, em todas as tradições, um ideal de elevação. Como exemplo, cito os mosteiros cistercienses (fundados no séc. XII) que, na Europa medieval, eram chamados de “escadas de Deus” (Scalae Dei).

Ao lado da escada, a asa é outro importante símbolo da sublimação, pois a ela sempre aparecem associadas ideias de elevação, de liberação, de ascensão, de espiritualização, em todas as tradições. Um exemplo é o tema das asas na literatura: o condoreirismo, movimento literário surgido no fim do Romantismo na Europa e no Brasil. O símbolo do movimento era o condor, ave das Américas, dos Andes. Como grandes patronos do movimento, tivemos, na França, Victor Hugo e, no Brasil, Castro Alves e Tobias Barreto. Esse movimento, entre nós, nasceu na Faculdade de Direito do Recife, por volta dos anos 1860. Caracteriza-se ele por produções poéticas “elevadas”, que adotam uma linguagem grandiloquente, pomposa até, e temas que falam de fraternidade, de liberdade, de campanhas cívicas, patrióticas. Verbalizado, o condoreirismo  é sempre declamatório.  Irradiou-se o movimento de Recife para a Bahia e, dali, chegou a São Paulo (Faculdade de Direito). 

Empresas aéreas, publicitários e empresas de viagem também usam bastante o tema da sublimação. A proposta é a de transformar o homem comum, preso a um quotidiano desinteressante, massacrante, alienante, nas grandes cidades, pelo breve período de suas férias, numa ilha, de preferência, num ser “olímpico”. 

PERSPECTIVISMO
A sublimação tem o poder de nos elevar acima das questões e problemas cotidianos que temos de enfrentar na nossa vida diária, libertando-nos das nossas pressões mais concretas e pessoais. A proposta é a de que, elevando-nos, conseguiremos ter uma visão suficientemente ampla da complexidade desse viver, uma visão que, de algum modo, possa nos ajudar a agir melhor sobre o que percebemos, permitindo-nos dar, inclusive, um outro sentido a eles, bem diferente daquele que dávamos quando neles mergulhados. A filosofia idealista despreza obviamente este modo de ver as coisas, ao qual damos o nome de Perspectivismo, uma teoria ou doutrina, se quisermos, que afirma ser o conhecimento inevitavelmente parcial (mas nem por isso necessariamente falso), limitado e determinado pela perspectiva particular segundo a qual o sujeito vê o mundo (parcialidade e limitação).  

A sublimação, de um modo geral, permite que o confuso, o denso e o pesado se tornem mais leves, presente sempre a ideia de que tudo, com ela, se torna mais claro, mais flexível, mais compreensível. A liberdade da sublimação participa daquilo que chamamos de sutil. Sutil quer dizer “o que passa pela tela”, subtela, ou seja, o que atravessa a tela. Figuradamente, sutil é o que tem grande capacidade de percepção, que é agudo, apurado, fino. Os antônimos são: espesso, pesado, tolo, grosso.

É destas ideias que sai a chamada Hermenêutica (etimologicamente, do deus Hermes e do verbo grego hermeneuein, interpretar), a arte de interpretar signos, sinais. A hermenêutica é uma reflexão filosófica sobre os signos, os discursos humanos em geral e por extensão dos mitos, das religiões e das mais variadas formas de expressão. A hermenêutica é uma noção central da filosofia moderna, de modo especial da fenomenologia existencial. Uma das técnicas hermenêuticas mais conhecidas é a Hiponoia (etimologicamente, sentido subjacente, significado oculto), muito usada para a interpretação dos mitos.

SAN JUAN

Na psicanálise, a sublimação designa a transformação de tendências ou instintos inferiores em sentimentos superiores e elevados. Por exemplo, as tendências sexuais podem ser sublimadas em tendências estéticas ou religiosas (veja a obra de San Juan de La Cruz e de Santa Teresa de Ávila). A sublimação lida com sentimentos brutos, com pulsões extremamente primitivas e negativas, com ideias de que se esses sentimentos prevaleçam, pode nos rebaixar como seres humanos.


San Juan de La Cruz e Santa Teresa de Ávila, ambos carmelitas (Ordem de N.S. do Monte Carmelo, fundada no séc. XII), sob o ponto de vista alquímico, orientaram toda a sua obra poética pelo fogo (calcinatio) e pelo ar (sublimatio). San Juan, por, exemplo, chamou a sua ascensão mística de  “a subida do monte Carmelo”. O Carmelo é um promontório rochoso que fica em Israel, na Samaria, perto de Haifa

A grande meta da sublimação é o céu, que é elevado, infinito, inacessível, transcendente, como lugar de manifestações inesgotáveis. Em todas as tradições, o céu sempre foi colocado acima da Lua. É no mundo sublunar que vivem os seres humanos e tudo o que está sujeito à transformação, ao devenir e à morte. Acima da Lua fica o céu dos deuses, a região etérica, dos seres que se alimentam de luz, eternos. Lembremos que morrer, nas religiões patriarcais, é “ir para o céu.”

PARACELSO
Como operações auxiliares da sublimação podemos citar a mortificação (já mencionada na coagulatio), a ela se associando operações como a moagem, a malhação, a separação, a extração e outras. A mortificação, como se viu, é a mais negativa operação alquímica, representada pelo negro, pela morte, pelo apodrecimento. Sobre esta última fase, por exemplo, Paracelso, médico e alquimista suíço (sécs. XV-XVI), deixou-nos a observação de que se o homem deseja se transformar ele deve procurar, antes, voltar a um estado de indiferenciação (massa pastosa) para daí  conquistar um nova forma (construção de um novo eu). Através da putrefação, o negro se torna branco, é uma das mais conhecidas máximas alquímicas. 

Para se entrar num processo de mortificação, na perspectiva alquímica, temos que ter um conhecimento razoável da nossa sombra, temos que saber o que destruir, algo que complica bastante esta operação. Destruir a velha forma, a velha natureza, não é fácil. A sombra é a nossa segunda natureza, sem duvida, a alquimia deixa isso claro. A sombra, a rigor, é tudo o que recusamos a conhecer, ou admitir, mas que se impõe contra a nossa vontade. A sombra é, muitas vezes, o que eu “sou” e que não entendo, é o que não sei de mim (veja o conto de Hans Cristhian Andersen, A Sombra).

É no capítulo das mortificações e na sua variante, a crucificação ( que estudamos também, por exemplo, expressões comportamentais dolorosas tipificadas pelo complexo de Héstia ou por temas como os de autopiedade, de autocomiseração, de autoflagelação, de sadomasoquismo e de sacrifícios de toda a espécie, além de muitos casos que na Astrologia costumam aparecer por quincúncios (aspectos de 150º). 

O final da mortificatio, em alguns casos, é a putrefactio, à qual se ligam, na sua expressão mais degradante, imagens de vermes, fezes, excrementos, imagens que apontam para ideias de podridão, decomposição, etapas preparatórias da dissolução final. Três seres do mundo animal, dentre outros, associam-se especificamente com a putrefactio: o escorpião, a hiena e o corvo. O primeiro serve de símbolo, no zodíaco, para representar o oitavo mês (o oito é o número da morte), no qual temos um dia dedicado aos mortos, mês que marca o início do retorno ao caos da matéria bruta e se prepara o húmus que permitirá, mais adiante, na primavera, o renascimento da vida. Já a hiena, que espalha sempre por onde anda um odor sepulcrorum, é o mais conhecido dos carnívoros necrófagos, um animal dos cemitérios, animal charognard (cadáver de animal em decomposição) no dizer dos franceses. Quanto ao corvo, necrófago também, os alquimistas sempre o associaram à fase da putrefação e à matéria negra.    

Há um número, o 40, cujo simbolismo se liga à putrefactio. O número significa tanto o fim de um ciclo como a passagem a um outro modo de ação, de vida. Na maioria das tradições religiosas, só quando decorridos quarenta dias da sua morte uma pessoa pode ser considerada realmente morta. É a chamada quarentena, que, uma vez terminada, determina o momento da realização dos ritos mortuários (desaparecimento da carne e limpeza dos ossos para colocá-los num lugar definitivo) e de purificação dos parentes do defunto.

O número 40 caracteriza também, nas tradições religiosas, as intervenções sucessivas de Deus que determinam a mudança de ciclos. O dilúvio, que precede a aliança com Noé, durou quarenta dias. Moisés passou quarenta dias conversando com Deus no Sinai. Jesus passou quarenta dias no deserto, submetido às tentações diabólicas. Ele se mostrou aos seus discípulos por quarenta dias, tempo que antecedeu a sua ascensão.

ECKHART
Uma variante da sublimação é a operação chamada separatio, separação, ou seja, toda elevação, toda transcendência implica normalmente uma separação. São de mestre Eckhart estas palavras sobre a separatio: Eu não vim à terra para trazer a paz, mas a espada para cortar todas as coisas. Para te separar do teu irmão, do teu filho, da tua mãe e do teu amigo, que na verdade são teus inimigos. Pois, na verdade, aquele que te adoça a vida é teu inimigo. Se o teu olho vê todas as coisas, teu ouvido ouve todas as coisas e teu coração se lembra de todas as coisas, na verdade, em todas essas coisas, a tua alma é destruída!  

A conquista de uma vida consciente é produto de uma separatio constante. A construção de um eu consciente não é algo que se realize de uma vez para sempre. Nossa consciência está permanentemente  ameaçada de dissolução, por ataques internos e externos: conteúdos inconscientes que vão se coagulando e que impedem que nossa consciência se realize em toda a sua plenitude. 

Símbolos da separatio: espadas, lâminas, facas, tudo que corta é tema da separação alquímica.  O maior símbolo (instrumento) da separatio é, todavia, a língua, que tem a forma de uma lamina que corta pelos dois lados.  Filosófica e psicologicamente, falar é separar (relação entre Logos e Separatio). Ou seja, nomear é separar, dar nomes é sair da indeterminação. A Alquimia nos permite entender claramente que os que não sabem nomear vivem mergulhados numa solutio permanente. Os sufixos lys e lit nos remetem a ideias de separação, de afastamento: análise (separação pela palavra), ansiolítico (separação da ansiedade). Falar, discriminar, é saber separar, classificar, categorizar, diferenciar. Se não nos separamos, não temos opinião própria. Desde a criação do chamado cyber espaço, tudo foi posto em comum, tudo passou a ser transmitido em tempo real. Por esse processo de globalização, entramos numa solutio cósmica. Difícil, hoje, trabalhar no sentido contrário, inclusive no campo da arte. Na Astrologia, lembremos, o signo da separatio é Virgo. 

A malhação e a moagem se ligam evidentemente a conceitos de purificação e de sublimação, como operações que procuram alterar a organização da matéria na forma em que se encontra. Malhar era, basicamente, na metalurgia, bater o metal aquecido para torná-lo mais flexível e, assim, ir se lhe impondo uma forma desejada. Já na atividade agrícola malhar é processo pelo qual se separam os cereais da espiga, debulhar. Figuradamente, malhar, como se sabe, é surrar, espancar. 

HEFESTO

O malho (martelo) é um atributo do deus Hefesto e da iniciação cabírica (metalurgia), sendo um emblema da atividade demiúrgica. Simbolicamente, em muitas tradições esotéricas, era com ele que o mestre modelava o noviço. Demiurgo quer dizer construtor, artífice. Todo o trabalho psicoterapêutico (relação médico-paciente), com as suas várias técnicas, está incluído figuradamente na noção de malhação e de moagem do nosso psiquismo. 

A malhação adelgaça, torna mais leve, mais delgado, mais leve e mais flexível o que era denso e pesado. A malhação e a moagem estão ligadas ao abrandamento do material, à transformação do grosso em fino. Sem a sovação (malhação), por exemplo, o pão não fica bom. Já moer (britar, triturar, esmigalhar) é transformar em pequenos fragmentos, técnica que sob o nome de análise foi parar nos consultórios de psicologia analítica. Analisar, neste sentido, é moer, fragmentar, reduzir a pedacinhos para enfraquecer o todo. Tudo dependerá, é claro, de como usamos o “martelo”. O que sobra da malhação é o fino, o residual, o pó, que equivale na alquimia às cinzas, aquilo que vem depois do que foi queimado, malhado, triturado. As cinzas significam sempre o ponto de partida para uma reorganização futura. As cinzas simbolizam a renúncia a uma vida anterior. É por essa razão que os penitentes, os romeiros, esfregam cinzas no seu corpo, um símbolo de renúncia às vaidades, abandono do material. O pó tem um valor residual, lembra semente, o pólen, e, como tal, é ponto de partida para a conquista de novas formas. Misturando-se o pó à água, está criada a possibilidade da obtenção de uma nova forma. Como variante da malhação, temos, por exemplo, a esfoliação, outro processo alquímico de purificação. Esfoliar é transformar em folhas, laminar, técnica que simbolicamente significa retirar os excessos, comprimir, no fundo, um processo de limpeza.

Uma das operações menos estudadas da Alquimia é a circulatio, a alternância entre repetidas descidas e subidas ou entre polaridades, pois, viver, afinal de contas, é mudar constantemente de posição, já que procurar o céu (fixar-se apenas numa polaridade) como meta final da sublimação pode ser desastroso. Uma das máximas alquímicas nos lembra que devemos sempre sublimar o corpo e coagular o espírito, processo que, na existência humana, devemos repetir várias vezes. As melhores explicações sobre a circulatio ou alternatio nós as encontramos nos sete princípios da doutrina hermética (Caibalion): mentalismo, correspondência, vibração, polaridade, ritmo, causa e efeito e gênero. É pela circulatio que podemos entender que o homem será sempre responsável pelo que faz de si mesmo, deve ser um constante fazer-se. Esta a única maneira de ele poder se considerar vivo, livre. Está implícita para tal maneira de pensar (doutrinas fenomenológicas) a necessidade permanente de fazer escolhas. Esta necessidade é para tais doutrinas a postura autêntica diante da vida, apesar de toda a angústia que isto possa causar. É por estas escolhas, traduzidas obrigatoriamente em ações (ou omissões), que o homem será julgado. Agindo ou deixando de agir, fazendo as suas escolhas, o homem criará os seus valores, que não poderão ser criados em função de um bem ou de um mal absolutos, já que o homem é um ser histórico que vive em situação, no tempo e no espaço. 







quarta-feira, 2 de julho de 2014

HÉRCULES - DÉCIMO PRIMEIRO TRABALHO



A LIMPEZA DOS ESTÁBULOS DE AUGIAS - Augias, rei da Élida, no Peloponeso, era filho do deus Hélio, o Sol, e participara da expedição dos argonautas. Herdara um imenso rebanho do pai, milhares e milhares de bovinos, que viviam em enormes estábulos. Tais estábulos não eram limpos desde que Augias recebera a herança, cerca de trinta anos atrás. A incumbência de Hércules era justamente a de limpá-los, conforme determinação de Euristeu. O lugar era famoso por ser pestilento,  malcheiroso e insalubre ao extremo. Como nenhuma vegetação crescia à sua volta, a alimentação dos animais tinha que vir de longe. Tomando conhecimento da chegada de Hércules, Augias o chamou à sua presença. Nosso herói lhe revelou o objetivo de sua visita. Augias não acreditou que ele pudesse remover aquelas montanhas de estrume e de sujeira num único dia, conforme exigência de Euristeu. 

Augias  e  Hércules  entraram  num  acordo,   depois  de  debater   a
ANIMAIS DE AUGIAS
questão. Hércules não só se comprometeu a fazer o serviço da maneira exigida, como também a espalhar todo o esterco pelas terras vizinhas de modo a prepará-las para novas semeaduras a fim de que outros, futuramente, auferissem benefícios, já que os terrenos se tornariam muito férteis. Como pagamento por esse serviço extra, Hércules pediu um "por fora", a décima parte de todo o rebanho. Na expectativa de grandes lucros, Augias concordou. Este episódio se tornou muito comentado porque foi introduzida pelo mito, arquetipicamente, a instituição da propina, a gratificação extra por serviço normal prestado a alguém, misturando-se doravante, por isso, ideais e dinheiro. Para testemunhar o acordo que fez com Augias, Hércules chamou o jovem príncipe Fileu. É de se lembrar que o pagamento de propinas era muito comum no mundo greco-romano. A etimologia de propina indica que a palavra vem do substantivo taverna, lugar onde se servem bebidas alcoólicas. Assim a propina era uma importância extra que se dava a alguém por um certo serviço para que bebesse (é o que os franceses chamam até hoje de pourboire). Com o tempo, a propina transformou-se numa quantia oferecida ou dada a alguém para levá-lo a praticar atos ilícitos, suborno.


LIMPEZA DOS ESTÁBULOS
A segurança com que Hércules assumiu a realização do trabalho e, além disso, propôs algo que ia além do que lhe fora determinado, devia-se ao fato de ter o nosso herói  percebido que nas vizinhanças dos estábulos havia dois rios de natureza torrencial que poderiam ser usados, embora separados por uma montanha (Erimanto). Um dos rios chamava-se Alfeu e o outro Pneu. Pondo-
HÉRCULES   DESVIANDO   OS   RIOS
se em ação, ao raiar do dia acertado, Hércules abriu fendas nos muros que cercavam os estábulos e, com inaudita sofreguidão, escavou furiosamente novos leitos para os rios, desviando-os dos seus cursos, de modo a fazer com que as águas, atingissem os estábulos, limpando-os. Lá pelo meio da tarde do mesmo dia, a segunda parte da tarefa começou a ser executada. As montanhas de estrume foram espalhadas devidamente, tudo feito com espantoso vigor. Quando, no dia seguinte, o Sol raiou, tudo estava terminado.





Augias, contudo, negou-se a cumprir o acordo. Hércules abandonou a Élida, muito contrariado, prometendo um acerto de contas futuramente. Tempos depois, com efeito, reuniu nosso herói um exército de voluntários e marchou em direção do reino de Augias. Duas investidas foram feitas. Na segunda, Hércules derrotou e matou Augias, entregando o poder a Fileu, que inclusive
PÍNDARO
testemunhara contra o pai quando discutida a questão nos meios judiciais competentes. Foi após essa campanha vitoriosa contra a Élida que Hércules instituiu os Jogos Olímpicos, conforme narra o poeta Píndaro. Estes Jogos (jogo é agon, luta, no plural, jogos, agones, adquirindo depois a palavra o sentido de reunião, assembleia) são, como Hércules os instituiu, modalidades de culto do impulso heroico (veja neste blog matéria sobre Hércules e os Jogos Olímpicos).

Alfeu (branco) e Pneu (sopro) eram rios do Peloponeso. Desde o
DAFNE  E  APOLO
tempo em que Hércules andou por lá, executou a limpeza dos estábulos e preparou a terra, a região banhada pelos rios se transformou numa área produtora de cereais e de vinho. Pneu é famoso por suas margens sombrias e frescas, onde havia muitos loureiros. Nos tempos míticos, era o rio procurado por deuses, ninfas e sátiros. Foi aí que Dafne se transformou num loureiro, consagrado ao deus Apolo, como símbolo de seu amor frustrado pela ninfa. Desde então a região vem sendo muito visitada por artistas, especialmente poetas, que gostam de pôr em versos a história da desditosa jovem.


Com o décimo primeiro trabalho, chegamos à constelação zodiacal de Aquário, cujo símbolo lembra os dois rios acima descritos. O signo é muitas vezes representado por um velho sábio que leva nas
mãos uma ou duas ânforas que, inclinada(s), vertem um fluxo líquido. A peculiaridade deste fluxo é que ele é aéreo, etéreo, de caráter expansivo. Imagens como estas trazem ideias de ondas. Aquário é um signo de ar, fixo, com grandes ressonâncias aquáticas, um oceano aéreo onde nos banhamos. O ar como substância nutritiva destinada mais à alma que ao corpo. Em Gêmeos, temos a comunicação mental; em Libra, temos o diálogo, a percepção do outro; em Aquário, temos as afinidades por ideais.

O “líquido” que hoje circula nos meios aquarianos nada tem a ver com aquele a que o mito se refere. O “verdadeiro” líquido aquariano significava então aproximação, contacto, união, presença, que não anulava as individualidades, mas que levava a uma participação comunitária. A energia aquariana, no seu mais alto grau de eficiência, circula hoje, como sabemos, na Internet, uma rede mundial de computadores interconectados (WWW-World Web Wilde), que parece unir os que a usam, todos “linkados”, mas que, no fundo, os separa cada vez mais (outra contradição aquariana), vivendo todos numa “realidade” fragmentada de informações, sem nenhuma possibilidade de controle do todo.  

 
ANJO  ( GUSTAVE  DORÉ )


Saturno, lembremos, apesar de Urano ter assumido a posição de primeiro regente do signo, continua "mandando" nele, ao nos lembrar que a elevação aquariana passa antes pela libertação da vida instintiva e pela "desmaterialização". Do contrário, não há a transcendência uraniana, simbolizada pelo Anjo, outra imagem do signo, não teremos as suas qualidades, a expansão, a leveza, a volatilidade, o seu caráter angelical, mozartiano, que traduzimos concretamente como altruísmo, devotamento social, trabalho desinteressado, o melhor lado de Aquário. Nem haverá, se nos voltarmos para o lado técnico do signo, a sempre perigosa e genial atitude prometeica, traduzida por propostas de vanguarda, emancipação, inovação, de paixão indiscriminada pelo novo. 


CONSTELAÇÃO   DE   LEÃO

Desde Leão, como se pode notar, observa-se uma proposta evolutiva de conscientização, ainda que não muito claramente entendida pelo nosso herói.  Em Aquário, signo oposto ao de Leão, a proposta é a de que o rei (o ego) deve servir, tornando-se um prestador de serviços. Hércules começa aqui a compreender melhor, ainda que de modo muito nebuloso, aquilo que havia apenas mal vislumbrado no trabalho anterior (a ação impessoal); ao ver as almas sofredoras no Hades, sentiu pena delas. Agora, a percepção dos outros tomava um sentido mais abrangente; nosso herói começava a entender que o centro da sua personalidade não deveria se fixar no ego, mas na alma, na faísca da energia universal que está contida não só em todos os seres humanos como em tudo o que toma forma no universo. 


CONSTELAÇÃO   DE   AQUÁRIO

Entendida a "desmaterialização" em Capricórnio, havia que se buscar agora uma percepção mais clara do impulso anímico através do qual se torna possível entrar em contacto com planos maiores, transcendentes ao pessoal, até a dissolução no grande Todo, segundo as leis do eterno retorno. Antes, porém, necessário o aprendizado do que seja o serviço desinteressado, do que seja a convivência com o grupo e do que seja o sacrifício do eu pessoal pelo eu grupal. Em Aquário não podemos mais estar fixados no ego (Leão) nem na matéria.  A luz leonina conquistada deve ser canalizada para o Todo, isto é, para a humanidade, para os outros, não mais vistos agora como parceiros ou sócios (Libra), mas como irmãos. Ideais de fraternidade, de igualdade, de camaradagem, de comunidade são de Aquário.


PREPARANDO  O  TERRENO  PARA  O  FUTURO

Hércules, do alto da montanha, desceu agora neste trabalho à sujeira, ao deletério, a aspectos muito impuros da materialidade, uma lição de humildade a ser aprendida, uma clara indicação de que ideias de orgulho, de vitória, de conquistas materiais, representadas pelos picos das montanhas devem dar lugar a outras, de interesse coletivo, humanitário. O vencedor de Cérbero, grande monstro infernal, envolvia-se agora com a sujeira e a imundície. A lição tinha dois aspectos:  trabalhar não só no interesse próprio, mas trabalhar também em função dos outros, das gerações futuras, pessoas que nunca seriam encontradas, “preparar a terra para elas”. Deixar-lhes um mundo melhor. 

A grande alegoria da sujeira dos estábulos não exige grande esforço interpretativo: limpá-los é jogar fora toda a porcaria material e mental que acumulamos, por anos e anos, e que nos impede de ver o outro como nosso irmão, de que nos aproximemos dele amistosamente e não o considerando como um inimigo em potencial. Todos os ingredientes deste décimo primeiro trabalho são do signo de Aquário, inclusive o percentual que nosso herói pede. Seu idealismo, preparar o terreno para as gerações futuras é, sem dúvida, muito sublime, digamos. Mas, como seu lado “animal”, humano, vá lá, era muito poderoso, nenhum mal, no seu entender, em pedir os dez por cento para Augias. Quanto a este particular, lembre-se que na chamada astrologia mundial Aquário é o signo da política, tendo a ver com o poder legislativo (congressos, assembleias, câmaras e seus personagens.


A   LIBERDADE   GUIANDO   O   POVO,  1830   ( DELACROIX ) 

Trabalhar em grupo e para grupos é muito difícil. Falamos em ideais comuns, criamos formas associativas, levantamos a bandeira do altruísmo, da ação desinteressada, do devotamento social e o que vemos? A rondar sempre as fraternidades e as comunidades o ciúme, o orgulho, a vaidade, o desejo de brilhar, a ostentação, o exibicionismo, o apego ao poder, ou seja, o "velho" ego leonino, que julgávamos dominado, vivo e muito vivo, ganancioso, voraz como sempre.  Difícil esquecer o eu em benefício dos outros. De repente, lutas por posições, carreirismo, a vontade do poder escondida no discurso "democrático".

Em Aquário, ultrapassamos a materialidade para ter que colaborar com a "limpeza" do mundo. Muralhas rompidas, não mais
CORAÇÃO  -  CIRCULAÇÃO
centralizar a vida no sucesso material, com a ajuda da espantosa tecnologia aquariana, mas, sim, centralizá-la no espiritual, no Todo. Ao invés de matéria e mente, vida e amor.  Viver o desapego, perdermo-nos em algo fora de nós, para que o individual se torne universal. É em Aquário que o homem separado se torna humanidade, sem perder a sua identidade. Não será mais, então, o ser autocentrado e isolado na busca desesperada por posições mundanas. Em Leão temos o tempo e os esforços a serviço do próprio ser e dos interesses pessoais. Em Aquário, temos a descentralização, a distribuição da energia pelo todo. É a dialética coração-circulação da qual nos falam as características do signo sob o ponto de vista físico, biológico.

Por anos e anos acumulamos muito "esterco" dentro de nós e levantamos barreiras protetoras à nossa volta, construindo uma personalidade totalmente inautêntica para receber a consideração dos outros. Uma máscara que nos justifique.  Em Aquário, temos que deixar de nos considerar exclusivos, pois, do contrário, não
haverá vida digna, a vida em comum. A proposta é a do rompimento das fronteiras, das barreiras. Uma internacionalização diferente da que temos hoje, de caráter consumista, fascista. Nada de patriotadas cegas, alimentadas pelo dinheiro e pela religião, sempre fontes de ódio. Ao contrário, cooperação, compreensão, inteligência, universalismo (ver, a propósito do que aqui se expõe, o filme A Grande Ilusão, de Jean Renoir).  


Tudo o que libera o homem, elevando-o do solo ou levando-o a
ÍCARO
percorrer  horizontalmente toda a superfície terrestre, rompendo fronteiras e limites,  se liga de algum modo a Aquário. Nestes casos, porém, há sempre o perigo do aquariano inflar demasiadamente o seu ego (leonino), sonhando alto demais, ou de não dominar adequadamente os meios técnicos que emprega para a sua ascensão (complexo de Ícaro). São estas configurações que costumam dar origem a duas grandes distorções em tipos do signo, gerando o aprendiz de feiticeiro e o delirante

O primeiro, como se sabe, costuma precipitar tragédias, como no
caso da criação do Golem, pela busca de metas “impossíveis” ou pela inabilidade ou desconhecimento quanto ao uso das técnicas disponíveis tendo em vista o fim colimado. Já o segundo tipifica o aquariano que sofre do chamado delírio sistematizado, sistema logicamente organizado de ideias delirantes, que se instala sem sinal claro de demência, no qual grande número de funções perceptivas e cognitivas pode permanecer intacto, mas ativado em níveis que parecem querer (ou querem mesmo?) ultrapassar os limites do humano. Por isso, Aquário é o signo das utopias. 

As manifestações deste segundo tipo podem ser detectadas em várias expressões aquarianas, mais ou menos logradas, expressões
que elegem símbolos de caráter ascensional, a águia, por exemplo. A união da águia com a proposta visionária aquariana, com o objetivo de antecipar de algum modo o futuro, traço aquariano notável, nós a encontramos na atividade dos áugures do mundo greco-latino que traduziam o voo e o canto da águia em profecias. O delírio poético que tem no chamado condoreirismo (uma distorção do Romantismo, movimento artístico tipicamente aquariano) uma de suas mais pomposas e banais elaborações é também um bom exemplo. 

Como traço de personalidade, o delírio aquariano tem um dos seus exemplos mais interessantes na tendência que muitos do signo apresentam no sentido de compensar a sua “fraqueza” solar (o Sol se exila em Aquário), uma fraqueza que os faz sentirem-se inferiorizados por alguma razão (sentimentos sempre geradores de
medo e ressentimentos reprimidos), por uma supercompensação, na linguagem psicanalítica. É isto que leva muitos aquarianos enquadrados neste exemplo para o outro polo. Vão de um disfarçado complexo de inferioridade (o de não serem “bons” em alguma coisa, uma limitação física, um problema de relacionamento, um mental não à altura de suas pretensões) para um complexo de superioridade. Procuram ser os melhores em alguma atividade (baterem recordes, se tornarem “únicos”, paradigmas, excêntricos etc.), superarem alguma marca, limite, no fundo sempre uma defesa contra o complexo oposto. É isto que aproxima tão perigosamente o sábio solitário (aquariano superior) do louco, igualmente solitário, perdido nos seus delírios paranoicos. 

Aquário é signo humano, de ideais e de simpatias, de interação. Transcender Leão (culminação do ego), supressão de privilégios, mostrar competência e não títulos e insígnias, esquecer o ego. Se pensamos numa tendência, Aquário é independência por ideais corporativos; em funções, Aquário é pesquisa, inovação, técnica, reforma, ensino, experimentalismo; em objetivos, Aquário é sociedade, grupos, comunidades, política; em deveres, Aquário é ajuda, colaboração, orientação, aperfeiçoamento. No fundo, o tipo superior aquariano é sempre um inquieto pelo ser e não pelo ter. Como tal, é um cidadão do mundo para quem a hereditariedade e os privilégios de sangue (Lua e Júpiter, Câncer), os apegos materiais e emocionais (Vênus e Lua, Touro) e as fixações ciumentas e possessivas (Plutão e Marte, Escorpião) devem contar muito pouco. No mais, um ideal de servir lúcido, livremente assumido, sem a ideia de martírio (Peixes).

Em Capricórnio chegamos ao topo da montanha. Saturno, o planeta de Capricórnio, é o tempo. O planeta de Aquário é Urano, o espaço. Depois de haver dominado a si mesmo, longe de se salvar só, ou de encerrar-se na ideia de eternidade ou de paraíso, Aquário volta-se para o todo, para a humanidade, por mais inferior que seja a criatura.  Estes estados superiores de Aquário são simbolizados pelo anjo, seres espirituais, dotados de corpo etéreo, mensageiro, guardião, condutor, protetor (ver os filmes de Win Wenders).


O   CINEMA   DE   WIN   WENDERS

Mitologicamente, a constelação de Aquário é Ganimedes, o amado de Zeus, dos deuses, escanção divino, que nos céus tem ao lado a constelação da Águia (Zeus). Scandere, de onde sai escanção, é elevar, subir; escançar é partilhar, participação que faz subir. Ou seja, graça superior que permite a elevação que leva à participação de um conhecimento superior. Esta participação era feita em
reuniões comunitárias de amigos que compartilhavam os mesmos ideais e segredos através do vinho (exaltação de Urano em Escorpião). O Banquete, do aquariano Soren Kierkgaard (In Vino Veritas), traduz esta ideia. O grande lema aquariano é Ad augusta per angusta" (a resultados sublimes por caminhos estreitos). No Tarô, Aquário é a lâmina XIV, a Temperança, dissolução das formas, rompimento do que nos prende. Nela, o personagem andrógino alado derrama o fluido de um cântaro a outro. Ideia de equilíbrio dinâmico. 

Inúmeros perigos se apresentam a Aquário. O tema do desligamento da terra, o rompimento da gravidade (Urano é o primeiro planeta transaturnino) pode ser vivido como mania de verticalidade (torres,
arranha-céus, foguetes, satélites, voos espaciais, esportes radicais nas alturas). O melhor de Urano (o planeta do despertar) aparece quando há algo espiritual. O pior é o lado técnico, hoje nas mãos dos economistas de todos os matizes. Utopias políticas substituídas por utopias materiais. Muitos aquarianos tentaram construir paraísos na terra. No fundo, devido à grande ênfase no material (terra), tais paraísos acabaram se corrompendo, transformando-se em verdadeiros infernos. A história está repleta de exemplos.


ROCK

 A saída pela ciência e pela técnica passou a ser a outra grande tentação do aquariano malogrado. Daí, os ambientes eletrizantes (Urano governa a eletricidade), os grandes abusos do sistema nervoso, nada de freios, excitação diante da possibilidade de ocupar todo o espaço e consequentemente a falta de tempo constante, crônica. Com a predominância desse enfoque tecnicista, chegamos logo aos fenômenos de massa, ao turismo corrompido em escapismo e evasão, à promiscuidade, à vulgaridade, ao coast  to coast, à planetarização fascista criada pelos meios de comunicação, aos "bandejões" de cinco a nenhuma estrela, aos espetáculos que institucionalizam a baixaria, à excentricidade, à lei do frenesi, à troca da individualidade pelo individualismo agressivo e boçal, cujo melhor exemplo está nas nossas TVs, à rebeldia sem causa, aos contrastes fabricados pelo consumismo, às ambições prometeicas idiotas (mania de recordes), à desordem, ao desrespeito, à anarquia.

Enquanto Leão é coração, Aquário é circulação. No corpo físico, problemas, pois, de insuficiência circulatória (Sol em exílio), sobrecarga de resíduos, oxigenação insuficiente, hiperacidez. Escleroses, flebites, varizes, úlceras, parestesias; enfermidades bruscas e violentas, oscilações. Movimentos físicos involuntários, desde fibrilações e câimbras a disritmias e epilepsias; espasmos, tremores (grande parte da coreografia do rock moderno se inscreve aqui). Os transtornos circulatórios e cardiovasculares, menos frequentes antes nas mulheres, hoje vão se tornando muito comuns, na medida em que a vida feminina se aproxima da masculina. Como causas, preocupações financeiras, fumo, álcool, drogas, anticoncepcionais, sexualidade sem amor. Ateromasias (athera, papa, massa, e oma, tumor), depósito lipídico no interior das paredes das artérias, diminuindo o diâmetro do vaso; ulcerando-se, a placa favorece a formação de coágulos. Artéria coronária (Sol-Urano), artéria cerebral (Marte-Urano), artérias das pernas (Urano-
Júpiter), artéria abdominal (Urano-Lua). Problemas nas pernas do joelho para baixo, até os tornozelos, estes muito vulneráveis. Lembrar que Áries e Aquário são os signos mais propensos a acidentes. Problemas na coluna por Leão (ação reflexa). A hipófise ou a pituitária é do signo; é a glândula mestra que controla todas as mensagens hormonais do corpo. A glândula pituitária equivale ao cérebro entre as glândulas, governando simbolicamente o nosso ajuste ou não a planos superiores de existência. 

Urano é o astro responsável pelo sistema cibernético do corpo, dividindo-o com Mercúrio. A radicalização no sentir, a grande agitação (fixar-se num querer e mudar, incompreensivelmente), a falta de realismo são inimigos no signo. Aceitação difícil de tratamentos, constantes mudanças de terapias, sedução pelas inovações e modismos terapêuticos até que o tédio baixe ou uma novidade apareça. Difícil a observância de rotinas. Aquário governa a neuromentalidade (as neuroses, as ansiedades paroxísticas ou depressivas, a psicose maníaco-depressiva são de Urano e de Saturno, basicamente) devendo o sistema nervoso, como um todo, merecer grande atenção.


MOZART

A galeria dos aquarianos pelo Sol ou pelo Ascendente: Robespierre, Karl Marx, Virginia Woolf, James Dean, Mozart, James Joyce, a Beat Generation como um todo, George Gordon Byron, Stendhal, Bela Bartok, Tom Jobim, Manet, H.G.Wells, J.J.Rousseau, Rossini, Simone Weil, W.B. Yeats, Schubert, C.G.Jung, André Maurois, Federico Fellini, Roosevelt, Thomas Edison, Beaumarchais, Lewis Carroll, Auguste Comte, Montesquieu, Mendelssonn, Charles Lindberg, Almeida Garrett, Chopin, Darwin, Voltaire, Bertold Brecht, Lincoln, Júlio Verne, Copérnico...