quinta-feira, 18 de maio de 2017

LEÃO (1)

  
  
                     
SEKHMET
A mais antiga referência que temos sobre a constelação do Leão nós a encontramos no Egito, quando da construção da Esfinge de Gizé, monumento astrológico e religioso que marcou a passagem da era de Virgem para a de Leão, entre 10.000 e 8.000 aC. Na mitologia, Sekhmet (Sakhmis, em grego) era o nome, entre os egípcios, de uma deusa da guerra e dos combates, representada comumente como uma leoa ou uma mulher gigantesca com cabeça de leoa. O nome significava A Poderosa, um epíteto da deusa Hathor, grande divindade que os gregos identificaram como a sua Afrodite. 


HATHOR
Deusa do céu, filha de Ra, uma espécie de grande vaca celeste, Hathor tomou a forma de uma leoa e se lançou contra os homens que se revoltaram contra seu pai ou não o reverenciavam, Ra, o deus Sol. Temendo o extermínio da humanidade, por causa da ferocidade de Sekhmet, o pai pediu-lhe que se contivesse um pouco. Não sendo atendido, adotou um estratagema: espalhou sobre a terra milhares de cântaros com uma bebida mágica, feita de cerveja e de suco de romã. Completamente alterada, Sekhmet tomou a bebida por sangue humano e a sorveu em grandes goles, avidamente, embriagando-se. Com isto, a raça humana foi salva, mas, para apaziguar a deusa, Ra decretou que lhe seriam oferecidos no início de cada ano tantos cântaros da bebida quantas fossem as sacerdotisas do Sol.

RA  ,  DEUS   DO   SOL
Esta deusa era chamada também de A Grande Amiga do deus  Ptah (identificado pelos gregos como seu deus Hefesto), passando por sua esposa nos cultos de Mênfis. Sekhmet era a deusa do calor e das epidemias, temível, sempre honrada e apaziguada. Ela costumava se manifestar através do olho direito de Ra quando em fúria. Ra tinha o seu culto na cidade egípcia que os gregos chamavam de Heliópolis.


CIBELE  -  PLAZA  DE  CIBELES , MADRI

Cibele, a grande deusa da Anatólia, cujo culto penetrou no mundo greco-romano por volta do terceiro século aC, parece ter incorporado muitos dos traços de Sekhmet. Cibele era, na origem, uma deusa das cavernas. Personificava a terra em seu estado bruto, selvagem, primitivo. Era adorada também no alto das montanhas. Seu culto se espalhou a partir da Ásia Menor, alcançando todo o Mediterrâneo, como mãe dos deuses. Exercia um grande poder sobre todos os animais, que faziam parte de seu cortejo. Seu carro era puxado por leões, o que simbolizava o seu poder sobre toda a energia vital. Era representada com uma coroa estrelada de sete pontas ou, noutras vezes, vinha com um crescente lunar, o que deixava claro seu poder sobre os ciclos da vida. 

Seu culto tinha um caráter orgiástico, com muita música e dança. O instrumento musical que a simbolizava era o tamborim. Também chamado de tamboril, o tamborim é um instrumento de percussão
TAMBORIM
semelhante a um tambor pequeno, coberto com pele de animal, percutido às vezes com uma baqueta; sendo seu som menos “grave” que o tambor, um som mais agudo, a sugerir sempre agitação, movimento. Seu tambor era muito usado também na Grécia, nos cultos dionisíacos, com a finalidade escandir o ritmo.    

As representações gregas de Cibele conservaram sempre um caráter profundamente asiático. Seu culto se reunia em torno de uma confraria que, com danças convulsivas, ao som de flautas, címbalos e tamborins, reverenciava a deusa, muitas vezes seus adeptos se ferindo voluntariamente e chegando mesmo à emasculação. Essa
CORIBANTES
confraria na Grécia era a dos Coribantes, nascidos de um personagem chamado Corybas, um filho de Cibele. Chamavam-se também os cultores da deusa Galos e Curetes. Estes últimos, como sabemos, aparecem em Creta, como seres demoníacos,  reunidos numa espécie de tribo, que cuidou de Zeus logo após o seu nascimento, quando Reia lá o escondeu para não ser devorado pelo pai. 


ATTIS (OSTIA ANTICA)
Associa-se também ao culto da grande deusa a figura de Attis, uma divindade menor, do mundo vegetal, que nascia e morria periodicamente. Era muito semelhante ao deuses Tamuz e Adônis, como estes apareciam nos cultos da deusa babilônica Ishtar, o primeiro, e da deusa grega Afrodite o segundo. Quando o culto de Cibele se difundiu pelo mundo grego, a figura de Attis se modificou. Ele assumiu a figura de um belo pastor a quem a deusa impusera o voto de castidade. Rompendo-o, Attis se uniu a uma filha do rio Sangarios. Cibele enviou-lhe, então, um delírio frenético, o que fez com ele mesmo se mutilasse, castrando-se. Dentre histórias que cercam a  deusa Cibele, há uma em que se narra a sua união com o rei frígio Górdias, da qual resultou um filho, Midas,  que instituiu cultos de Zeus e da deusa.


ESFINGE   DE   GIZÉ

O grande modelo das esfinges egípcias é a de Gizé, voltada para o Sol nascente, que velava as necrópoles, guardiã de um mundo que se fôra e de outro que viria. As esfinges podiam ter cabeça humana (androsphinx), de carneiro (criosphinx) e de falcão (hieracosphinx). Na tradição oriental, a babilônica, por exemplo, a esfinge era tradicionalmente o monstro a ser enfrentado pelos heróis solares, sendo ela, portanto, um símbolo feminino, como é o caso de Marduk que, na mitologia mesopotâmica, luta contra Tiamat, o feminino caótico.   


FIX
Na Grécia, as características femininas da esfinge foram acentuadas, tornando-se ela Fix (do verbo, sphingein, estrangular, sufocar), um monstro feminino raptor, ao representar a libido insaciável. Era filha de Tifon e de Équidna, irmãos, casal de monstros, o primeiro vencido por Zeus, numa sangrenta batalha pela posse do universo. A segunda é a mãe, lembrando seu nome a palavra grega víbora, serpente. Extremamente férteis, geraram, além de Fix, monstros como o cão tricéfalo Cérbero, o gigante Ortro, a Hidra de Lerna, a Quimera, o Leão de Nemeia, o Abutre que devorava as entranhas de Prometeu, os dragões da Cólquida e do Jardim das Hespérides, guardando o primeiro o Velocino de Ouro e o outro os Pomos de Ouro, 

A esfinge grega tem a sua imagem fixada no mito de Édipo, sendo por isso também conhecida como a Esfinge de Tebas. Este modelo tebano impôs-se a todos os demais: era uma leoa de asas, com cabeça de mulher, seios tumefactos, vaidosos, prometedores, um monstro feminino considerado devorador, raptor, como o eram também as Sereias, as “cruéis cantoras” como ela, e as Harpias. Fix propunha enigmas aos que se aventuravam pelos caminhos e estradas. Se os viajantes não os decifrassem eram devorados. Édipo, graças à sua habilidade e ao poder de sua palavra, conseguiu vencê-la, uma vitória exterior, contudo, que lhe deu muitas recompensas, satisfazendo seus anseios de dominação, uma vitória que, no fundo, acabaria se transformando na causa da sua derrota interior.

Oriundo da família dos labdácidas, filho de Laio (o protetor), rei de Tebas, e de Jocasta (a de brilho sombrio), Édipo (etimologicamente, o que tem defeito nos pés) foi afastado do convívio familiar quando um oráculo previu que ele mataria o pai e desposaria a mãe. Exposto no monte Citeron, foi recolhido e educado pelo rei de Corinto, Polybos. Fugindo de sua pátria para escapar da previsão,
ÉDIPO  E  A  ESFINGE
( GUSTAVE  MOREAU )
entrou em luta, no desfiladeiro de uma estrada, com um viajante e o matou. Este viajante era Laio, seu pai, que usava um disfarce. Indo em direção de Tebas, para fugir do oráculo (Édipo não sabia que Polybos era seu pai adotivo), ele enfrentou um monstro que só trazia desolação e morte para a região. O monstro, Fix, propunha um enigma. Como os que ousavam enfrentá-lo não sabiam decifrá-lo ele os devorava. Édipo, contudo, soube dar a resposta certa, vencendo-o. Agradecidos, os habitantes de Tebas, premiando-o, o proclamaram rei, tornando-se então sua esposa a rainha, viúva de Laio, sua mãe. Cumpria-se assim a sentença oracular. 

Segundo Sófocles, a cidade de Tebas, logo depois destes acontecimentos, se viu atacada por uma peste que a tudo destruía. Consultado um oráculo, soube-se que a cidade só voltaria à normalidade, sanada a pestilência que a tudo degradava, se o assassino de Laio fosse encontrado. Assim é feito, chegando-se a conclusão de que o assassino não era outro senão Édipo, o atual rei, que matara o próprio pai e casara com a própria mãe. Revelando-se tudo, a tragédia se precipitou. Jocasta se enforca. Édipo perfura os
ÉDIPO  E  ANTÍGONA
( S. BRODOWSKI )
seus próprios olhos com o broche do manto (himatio) de sua mãe e esposa. Expulso por seus filhos, ele parte pelas estradas da Ática, totalmente acabrunhado e abatido, guiado por aquela que se tornou a luz de seus olhos, sua filha Antígona. Acabou Édipo chegando a Colona, perto de Atenas, sendo recebido por Teseu. Nessa região, num pequeno bosque, trôpego, em meio a relâmpagos, sob um céu tempestuoso, conseguiu o infeliz herói vencedor da Esfinge ir sozinho em direção de uma caverna que, por piedade dos deuses, se abrira para recebê-lo, descendo ele então ao interior da terra, e desaparecendo.    

A história de Édipo nos foi contada por Sófocles, restando do tema edipiano apenas duas tragédias Édipo-Rei e Édipo em Colona. Posteriormente, Eurípedes e Sêneca abordaram o mesmo tema, mas nunca alcançando o esplendor das tragédias de Sófocles. A literatura dramática francesa, desde o séc. XVI, se voltou para a
OEDIPE  REX , 1936
( J. COCTEAU  E  I. STRAVINSKI )
história de Édipo. Destaques para as obras de Robert Garnier (Antigone, 1.580), Corneille (Oedipe, 1.659), Voltaire (Oedipe, 1.718), André Gide (Oedipe, 1.931), Jean Cocteau (La Machine Infernale, 1.934), Jean Anouilh (Antigone, 1.944). Na música, temos a ópera-oratório de Stravinski e de Jean Cocteau (Oedipe Rex, 1.927) e a ópera de George Enesco  (Oedipe, 1.936).

O mito de Édipo, como se sabe, foi interpretado de várias maneiras ao longo dos séculos. A mais conhecida interpretação é a de Freud, que serve de ilustração para a sua doutrina psicanalítica. Em que pesem as conclusões freudianas e de seus acólitos, que fixam o mito na esfera da sexualidade, o que me parece mais adequado, inclusive segundo uma perspectiva astrológica, é também, e talvez sobretudo, considerá-lo segundo um enfoque social.

A história de Édipo descreve um rito de passagem. O interrogatório da Esfinge é, no fundo, uma prova iniciática, a que os jovens deviam se submeter. Esta prova ocorria na adolescência. Num primeiro momento, ela punha o adolescente diante de duas tarefas muito pesadas, mais de natureza inconsciente que consciente. A rejeição das fantasias incestuosas (fixação no mundo materno) e a libertação da autoridade paterna, para que lhe fosse possível o acesso a uma vida social adulta. Tudo acontecia quando o efebo,
ESFINGE
chegado a idade de dezoito anos, se submetia à docimasia (dokime, em grego, é prova, verificação da experiência; a palavra foi para medicina, aparecendo em expressões como docimasia hepática, a docimasia pulmonar), antes de se inscrever como cidadão nos registros de seu demo. A Esfinge, um monstro erotizado, devorava os que não sabiam assumir a sua nova condição. Era, ao mesmo tempo, sedutora e terrível. Propunha também aos jovens enigmas sobre a sua virilidade e sobre o amor. Era irmã das Sereias, uma “cruel cantora” como elas. 

É neste sentido que a figura de Édipo se confunde com a do ser humano de todos os tempos. Ele é simplesmente um indivíduo que resolveu trilhar o caminho do autoconhecimento, caminho que, na sequência zodiacal,  leva de Câncer a Leão, ou da casa IV à casa V. Conquistada a autonomia na quinta casa astrológica, que fazer?  Por isso, Édipo aparece como um rei no mito, uma figura típica do signo de Leão, o princípio patriarcal que rege o mundo dos deuses na sociedade humana. O rei é concebido como uma projeção do eu superior, lembrando sempre autonomia, autodeterminação e conhecimento integral da própria personalidade. Faltou a Édipo o mais importante, a noção clara desta última qualidade. 

O enigma que a Esfinge propunha era o enigma da própria vida humana. Enigma quer dizer fala obscura, mistério. Édipo soube dar a resposta, mas não compreendeu a profundidade do problema.
ÉDIPO  MATA  O  PAI  ( BAIXO  RELEVO , III  AC
Empolgou-se com a sua personalidade leonina, com a sua habilidade intelectual. A física ele já a havia demonstrado, ao matar o “inimigo” pelo direito de passagem no desfiladeiro). Ele não percebeu que a Esfinge mudara de rosto, aparecendo-lhe a seguir sob a figura de Jocasta. Édipo resolveu o enigma de forma puramente intelectual. 

Édipo, embriagado pelo sucesso, aclamado como rei de Tebas, esqueceu-se de que o caminho da vida deve ser percorrido com as pernas e com os pés; não pela imaginação, pela especulação ou pelo aplauso exterior, mas, sim, pela vitória interior, que ele nunca soube procurar. Tebas foi para ele o mundo ilusório do ego. Ele alcançou o auge (Leão), mas, na realidade, não tinha consciência do que isto significava, que era ali, naquele momento, que devia começar a sua descida. Ao se retirar de Tebas (reino exterior, reino do ego), no final de sua vida, Édipo, cego e alquebrado, a abandonou-o por si mesmo, para buscar a sua verdade interior. São as palavras de Tirésias: Ele, que agora vê, ficará cego; ele, que agora é rico, ficará pobre; e, tateando o chão com um bastão, caminhará por terras estrangeiras.  



A constelação do Leão se acha submetida à influência do astro central do nosso sistema, o Sol. Embora o quinto signo seja considerado como fixo, as forças solares nunca, a rigor, representam uma cristalização, uma concentração, como, por exemplo, ocorre com Capricórnio, onde as forças saturninas dão muito mais concentração ao signo. No Zodíaco, assim, se Áries representa a caminhada em linha reta, para a frente, com desprezo pelos obstáculos, Touro atua mediante acumulação. Gêmeos age através da dispersão, da difusão, em todas as direções. Câncer é um signo que procura resolver sempre a contradição de avançar e retroceder ao mesmo tempo. Já Escorpião desce, muito mais interessado no mundo subterrâneo, no mundo subconsciente e nos seus poderes secretos. Sagitário elege as distâncias. Enquanto os signos de água compartilham essa fossa babélica que é o mundo das emoções e os tormentos do amor, os de fogo simbolizarão sempre a adesão a alguma coisa; seu veículo natural é a ação, a irradiação, a passagem de um estado a outro. 

Uma das grandes características de Leão é a passagem do desequilíbrio a um estado de equilíbrio, pois o elemento ígneo atua, é preciso não esquecer, através do quente, que é expansivo. Lembre-se também que o fogo para fulgurar, para se desenvolver, precisa de ar, de oxigênio. Ou, de outro modo, de trocas; os signos de fogo,
LEÃO
inclusive Leão, exigem comunicação, precisam da passagem rápida de um estado a outro, de uma ação que leve do desequilíbrio ao equilíbrio. Do universo leonino fazem sempre parte o proselitismo (catequese, apostolado) e/ou a pedagogia (ciência que trata da educação dos jovens, que estuda os problemas relacionados com o seu desenvolvimento como um todo). Sempre presente em Leão ideias de guiar, de orientar. 

A “realeza” leonina só se manifesta quando o signo, deixando de lado os restantes pontos cardeais, se encaminha instintivamente para o quinto ponto, o centro, o lugar privilegiado dos leoninos. O centro é o lugar de onde emanam as imposições que vão estabelecer uma ordem, dar uma organização, pois sem ele tudo é caos. O centro implica assim uma ideia de cosmos, de ordem, no qual cada parte encontra a sua função pela relação que com ele mantém.

Outra característica importante de Leão é a necessidade de anexar, sendo por isso o signo inspirador, ao longo da história do homem, de todas as aventuras colonialistas, que precisam de exércitos (Áries) e da religião (Sagitário). Sempre uma ideia de eixo central
NAPOLEÃO  BONAPARTE
( JACQUES LOUIS DAVID )
em torno do qual se alinharão os satélites.  Todo leonino busca um centro, tal como o Sol atua no sistema solar. O melhor exemplo de tudo o que estou aqui a apresentar é o de Napoleão Bonaparte (15 de agosto de 1.769), em torno do quem (França) se alinharam vários satélites. Quanto a este exemplo, é bom lembrar que o império napoleônico, que sucedeu ao consulado, durou exatamente 11 anos (1.804-1.815), um número muito presente na vida de leoninos. 

A digressão que está acima servirá, acredito, para deixar claro que a grande divindade da mitologia grega associada ao signo de Leão é Apolo. Ele era a divindade que inspirava o estabelecimento das colônias (apoikias), unidas à metrópole (Atenas) sobretudo por laços religiosos, embora pudessem eles, os colonizados, manter uma certa autonomia administrativa.  O oráculo apolíneo de Delfos era obrigatoriamente consultado antes que um grego decidisse emigrar. Fracassos de empreendimentos coloniais gregos foram atribuídos ao desprezo dessa prática religiosa. A sentença oracular apontava para as regiões que deviam ser invadidas. Lembremos que Apolo foi a divindade inspiradora do estabelecimento de colônias gregas na Ásia e na África e, por isso, a divindade tutelar do que chamamos de helenismo, o conjunto da civilização e da cultura gregas que se desenvolveram fora da Grécia. 

O  CARRO  DE  APOLO ( GUSTAVE  MOREAU )

De início, no mundo grego, Apolo se apresenta como uma divindade caracterizada por fortes traços de prepotência, de orgulho, de violência, produto de um forte sincretismo (como todos os deuses gregos, aliás, o são) que incorpora elementos asiáticos, hiperbóreos e mediterrâneos. Aos poucos, à medida em que a sociedade grega se tornava mais complexa, as atribuições apolíneas também foram mudando, se alterando. Os primitivos componentes de sua imagem (guerra, invasão, violência) foram se atenuando, se resolvendo, de modo que ele, já ao fim do período arcaico, passará a ser considerado como um ideal de sabedoria, de estilo de vida, que definia o “milagre” grego. 


Todas as colônias, principalmente através de suas elites, sempre adesistas, “reverenciavam” a matriz grega, como acontece, aliás, com as políticas imperialistas postas em prática hoje no mundo moderno. Platão, em A República, recomendou aos legisladores que pensassem sempre em Apolo quando tivessem que estabelecer as leis que deveriam governar a república. Estas leis, todas, de inspiração apolínea, deveriam contemplar questões como: fundação dos templos, ritos sacrificiais, cultos religiosos em geral, definição de vida espiritual,  do que era demoníaco e do que era heroico, do culto dos mortos etc. 

Num plano superior, Apolo será a vitória sobre as pulsões instintivas (Áries), vitória que deve ser objeto de uma conquista
ÉSQUILO
pessoal (quinta casa) e não produto de uma herança (quarta casa). Ésquilo usa uma expressão de forte inspiração astrológica para falar de Apolo: o deus significa ir da caverna aos píncaros, aos cumes celestes ou, traduzindo, ir de Câncer a Capricórnio, porque antes de Câncer não “somos” e depois de Capricórnio estaremos “deixando de ser”.

Apolo, através de sua biografia, ilumina todas estas questões de natureza mítico-astrológica. Não é por acaso que Leto, a mãe, se transformará em loba (símbolo da vida instintiva) e que Apolo será chamado de Licógenes, o gerado pela loba. Aos poucos, através de sua crônica, Apolo vai mudando a valorização do lobo. Se na origem o lobo era sinônimo de selvageria e de depravação (as lobas, principalmente; daí, os prostíbulos serem chamados de lupanar), aos poucos, com Apolo, agregam-se sentidos positivos à palavra, ideias de furor guerreiro, de visão noturna (o lobo sai para caçar antes do nascer do Sol), de heroísmo (luta contra animais maiores), sintetizados pelo adjetivo Lycio. 

Outra passagem importante do mito apolíneo que ilumina bem o mundo leonino é a da posse do oráculo de Delfos. Oráculo, no mundo grego, tanto significava uma profecia feita por um adivinho independente como por um profeta ligado a um santuário. Oráculo
ORÁCULO
também era o nome que se dava ao lugar onde se proferiam sentenças oraculares, certos tipos de profecia. A estes lugares estava associada a figura de um inspirador, de uma divindade, de um herói ou de um morto ilustre. Os grandes oráculos da Grécia eram de Zeus e de Apolo, ao lado dos quais havia santuários colocados sob a tutela de deuses menores.

SANTUÁRIO  DE  DELFOS
Desde a mais remota antiguidade, desde tempos anteriores ao período arcaico da história grega, os oráculos sempre foram um domínio do feminino. Delfos, como oráculo, era de Geia e de Têmis, guardado por um dragão chamado Píton. Para se apossar da tutela desse oráculo, Apolo teve que matar o monstro e substituir a mântica por incubação, feminina, pela mântica dinâmica, masculina, que se realizava através de grandes festas e cantos corais. 


ORÁCULO  ( GRAVURA ALEMÃ )
A mântica por incubação era um procedimento tipicamente feminino. A sacerdotisa, no mais recôndito do oráculo, região cavernosa, cheia de emanações que vinham das profundezas da terra, os chamados vapores divinatórios, era, em nome de Geia, o veículo oracular por excelência. Incubar era, no caso, um processo de interiorização que levava a um transe com a finalidade de se favorecer o desenvolvimento e a uma eclosão (revelação) das sentenças oraculares. Incubar é trazer em estado latente, preparar para dar à luz.