quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

MITOLOGIAS DO CÉU - O CÉU

Desde a aurora dos tempos, o homem sempre se sentiu atraído pelos fenômenos celestes e pelos seus reflexos na Terra, principalmente peIa alternância dos dias e das noites, pelas fases da Lua, pelo movimento dos astros, pela volta periódica das estações. O homem constatou no cosmos uma regularidade que não falha. Desde a pré-história, o estudo do céu provocou um movimento duplo: a busca de leis naturais, imutáveis, que em nenhum lugar como no céu aparecem de forma tão evidente, e a tendência de colocar nos céus seres sobrebaturais e todo poderosos. Entender o céu através de suas leis e de ver nele a morada de divindades e dos eleitos.



Foram constatados desde muito cedo na história do homem nexos, relações entre certos fenômenos celestes e terrestres, particularmente nas latitudes médias, entre o movimento das estações e o percurso do sol no círculo zodiacal e entre as fases da Lua e o movimento das marés. Ao lado dos fenômenos celestes que se repetiam periodicamente, ocorriam também acontecimentos excepcionais, espetaculares como eclipses do Sol e da Lua, movimento de cometas, estrelas cadentes, meteoritos. Além disso, havia também o giro circular dos planetas pela faixa zodiacal, sempre intrigante.


Os modelos terrestres de representação do espaço celeste sempre variaram muito de acordo com a visão de cada tradição; as imagens escolhidas para simbolizar o espaço celeste foram aparecendo: cúpula, cobertura, redoma, dossel, taça virada, tartaruga, uma espécie de oceano que uma forte pressão atmosférica impede de escorrer e sob a qual os astros deslizam como barcos num mar tranquilo. A tartaruga, por exemplo, é uma cosmografia viva devido à sua carapaça e à sua parte inferior, achatada, quadrada, uma imagem do ceu da terra. Por isso, em muitas culturas, principalmente no extremo-Oriente, a tartaruga é uma representação do cosmos.

A palavra céu vem do latim, “caelum”, onde tem o sentido de cobertura abobadada, arqueada. Na maior parte das línguas, é tanto região das nuvens e dos astros como morada dos deuses e repouso dos eleitos. Fisicamente, é o espaço onde se localizam as nuvens, uma espécie de envoltório limitado pelo horizonte, onde brilham os astros e luzem as estrelas, sempre um cenário de acontecimentos espantosos.

Conceitos de ordem meteorológica, teológica, astronômica, astrológica e mitológica sempre se misturaram a teorias diversas sobre a criação do mundo e o aparecimento do cosmos como ordenação. Em todas as tradições encontramos mitos sobre a unidade original entre o céu e a terra, seja na forma de confusão, caos, seja na forma de uma união entre uma entidade masculina, celeste, fecundante, e uma entidade feminina, terrestre, geradora, depois separados pela interposição do ar, tudo para lugar ao aparecimento do ser humano, os nascidos do "humus".

O espaço celeste sempre se revestiu de uma dimensão sagrada, sempre teve uma significação religiosa, lugar de hierofanias. Os antigos, quando contemplavam o céu, passavam sempre por uma experiência religiosa. A natureza, para esse homem, jamais foi considerada como simplesmente "natural". Ao contrário, sempre foi vista como um reflexo do céu. Os ritmos lunares, o ciclo das estações, o aparecimento e o desaparecimento do Sol a cada dia, por exemplo, adquiriam valores religiosos para a humanidade arcaica.

Já se disse que uma das principais diferenças que separam o homem das antigas culturas do homem moderno reside justamente na incapacidade que este último tem de viver a vida orgânica como um sacramento. Para o homem moderno, os atos de sua vida orgânica não passam de acontecimentos fisiológicos. Para os homens do mundo arcaico, ao contrário, esses atos eram sacramentos, ritos, cerimônias que lhes permitiam entrar em contacto com a força que representava a própria vida, epifanias de uma Realidade Última.

Ligado aos milagres do seu cotidiano, esse homem, ao contemplaro céu, tinha revelações, pois ele lhe falava, acima de tudo, de transcendência, de eternidade, de infinito, de elevação, de renovação, de inacessibilidade. O alto logo se torna, naturalmente, um atributo do divino. As regiões celestes, as zonas siderais, adquirem um valor de perenidade, pertencendo, por direito, às forças e aos sobrenaturais seres que nelas vivem. A dimensão religiosa do céu também explicava para o homem primitivo, de um modo muito claro, que tanto a vida como a luz, vinham sempre das alturas.


O homem primitivo sempre viu também o céu como uma cúpula fixa, o firmamento, embora cenário de inúmeras mudanças. Quando estas mudanças escapavam da normalidade, isto é, de determinados ritmos conhecidos, era costume universal que o temor se apoderasse desse homem. Até que o fenômeno dos eclipses fosse conhecido, a “morte” da Lua ou do Sol provocavam grandes manifestações, alaridos, o chamado charivari (do grego, karebaria, barulheira, que pode dar dor de cabeça). O alarido tinha a finalidade, nos eclipses, de afastar as influências nefastas, no caso o monstro cosmológico que tentava devorar um dos luminares. O eclipse na visão do homem primitivo era sempre uma sugestão de ruptura de uma ordem, falha num encadeamento regular, do dia e da noite, da luz e das trevas. Esta ruptura punha não só em perigo a ordem cósmica como a vida social e a individual, pois todas estavam interligadas. Os cometas, por seu lado, eram “perigosos” por causa da irregularidade do seu movimento, trazendo a desordem para o céu. Até recentemente (séc. XVIII) cometas eram representados em gravuras populares em forma de espadas e estrelas cadentes como vigas em chamas.


As órbitas dos astros eram traçadas pelos seus deuses tutelares para que fossem enviados aos humanos, segundo a sua conduta, a chuva benéfica, as tempestades destrutivas, a brisa amena e suave, a seca mortífera, a advertência dos trovões ou a punição dos raios. Na mitologia grega, a primeira representação do céu tem em Urano (céu, em grego) a sua expressão maior. Urano personifica o céu enquanto elemento fecundador de Géia, a grande mãe-terra. Era imaginado como uma abóbada, um hemisfério, que cobria Géia por inteiro, esta concebida sob uma forma esférica e achatada. Mutilado e destronado, uma nova dinastia, chefiada por seu filho caçula, Cronos assumirá o poder, instaurando o reino dos titãs, seres ligados à vida material. O parricídio cometido por Cronos será punido pela revolta dos seus próprios filhos. Ao fim de uma guerra de dez anos, vencidos, os titãs serão encerrados no Tártaro, nas profundezas sinistras e tetenebrosas infernais. Zeus, o filho caçula de Cronos, assumirá então o poder, cabendo-lhe a supremacia absoluta do cosmos.

O nome de Zeus jamais foi usado pelos gregos para designar o céu. Ao seu nome se juntarão, isto sim, qualificativos e atributos sempre ligados à atividade celeste, ao movimento das nuvens, aos trovões, aos relâmpagos e aos raios. A figura de Zeus era a conclusão de um longo processo que fazia, desde a pré-história, o homem identificar as divindades supremas como divindades celestes.

Platão fala no “Timeu” que Deus distribuiu os astros pela abóbada celeste para que ela fosse um cosmos, isto é, uma ordem. Numa das obras atribuidas a Platão, o “Epinomis” (na realidade escrita por um colaborador seu, Philippe Oponte), os planetas receberam, pela primeira vez, o nome dos deuses gregos. Aos poucos, uma grande concepção astrológica do mundo se estabeleceu a partir deste texto: “a contemplação do céu é uma iniciação real” e “há inteligência nos astros” são frases nele encontradas.


Desde tempos muito recuados, o ser humano sempre procurou, através de teorias baseadas em analogias e correspondências, estabelecer uma relação entre os acontecimentos macrocósmicos e o mundo humano. O ponto de partida para o entendimento destas teorias esteve sempre na explicação de que a vida terrestre dependia do céu. Assim como as plantas, os mares, os animais e o mundo mineral dependiam do céu, o homem também sofria as influências provenientes do movimento dos astros e do calendário deles decorrente. Deu-se o nome de Astrologia ao estudo dessas influências, que sempre suscitaram grande interesse, apesar das objeções que contra ele se levantam em determinados períodos da história da humanidade.

O desejo de desvendar o mistério das leis cósmicas e da harmonia da vida terrestre segundo as estruturas do céu (constelações, planetas e estrelas, principalmente, devido aos seus movimentos e ritmos) levou praticamente todas as culturas a elaborar representações celestes que lhes parecessem significativas para explicar o destino do homem e a vida na terra, de um modo geral. As imagens criadas ao longo dos séculos, para os mais informados, continuam a parecer pertinentes até hoje, o que explica, sem dúvida, que a sua carga simbólica sobreviva num mundo dominado pelo realismo cientifico e pela técnica.

Ao lado das evidências celestes “maiores” (o Sol, a Lua e os planetas), o homem, aos poucos, foi aprendendo a se abrir para o céu noturno. Assim, tanto as grandes civilizações como as menores, nas várias latitudes e longitudes, foram aprendendo a agrupar as estrelas, nascendo assim a observação e o estudo das constelações. Para os povos antigos, as estrelas no céu noturno eram fontes de luz nas trevas, morada de divindades ou de heróis metamorfoseados em astros.

Os romanos, por exemplo, atrbuiram uma influência maléfica à estrela Sirius, chamada de Canícula, a estrela da constelação do Cão Maior. A ninfa Calisto e seu filho Arcas estão nos céus como as constelação da Grande e da Pequena Ursa. Na tradição judaico-cristã, por exemplo, cada estrela é tutelada por um anjo, todas obedientes à vontade de Deus. Certos personagens históricos, como os imperadores Constantino, Carlos Magno e Frederico, o Grande, sempre afirmaram que quando do seu nascimento estava presente nos céus uma estrela que guiou os seus destinos. Esta afirmação tem muito a ver com a chamada estrela de Belém, sempre ligada a fenômenos miraculosos, algo talvez mais psicológico que físico. Ou, para outros, uma concessão da Igreja católica então nascente ao pensamento astrológico, ao tempo muito poderoso. No mundo judaico-cristão, há uma referência (Apocalipse) a um astro de fogo, chamado Absintho, que cairá dos céus para anunciar o fim do mundo e o julgamento final.

Em cada área geográfica da terra, umas constelações, suficientemente altas, acima do horizonte, aparecem noite após noite, sempre iguais. Sem jamais se porem ou nascerem, elas giram em torno de um ponto fixo no céu. Esse ponto fixo foi chamado de estrela Polar. Essa estrela, na simbólica universal, tem um papel de enorme destaque, é um ponto, um centro absoluto em torno do qual o universo gira eternamente. Todo o céu gira em torno deste ponto fixo, que lembra um motor imóvel de Aristóteles. A estrela Polar é o ponto em relação do qual se define a posição das demais estrelas e a de todos aqueles que se movimentam na terra, navegadores, viajantes, exploradores, nômades, aventureiros. Em muitas religiões primitivas é nela que tem o seu trono o Ser Divino a que são atribuídas a criação, a manutenção e a destruição universais.

A estrela Polar aponta sempre para o norte para onde caminha o nosso planeta, o sistema solar, a galáxia, o universo como um todo. Umbigo do mundo, a estrela Polar indica a morada do Ser Supremo uraniano em todas as tradições. É por essa razão que os povos da Ásia sempre levantaram os altares de seus templos em direçao do norte, como está, aliás, na própria Bíblia: "Eu me sentarei sobre a montanha onde têm assento os deuses, nas regiões longinquas do setentrião." Na índia, por exemplo, o antigo casamento védico era celebrado com referências à estrela polar.


O agrupamento das estrelas em constelações é arbitrário só aparentemente. Cada civilização, cada tradição, cada tribo faz o seu recorte, dando-lhe um nome, animando-o e dramatizando-o segundo os seus mitos. É neste particular que as semelhanças podem se revelar espantosas, indicando que por trás das aparentes dissemelhanças encontramos uma linguagem comum, através da qual a variedade das percepções pode ser expressa. A partir do ano de 1922, a União Astronômica Internacional procurou delimitar as configurações, chegando seu número a quase 90, designadas por nomes latinos.

Os nomes dos estudiosos do céu, que nos chegam da antiguidade são muitos. Até onde as investigações puderam nos levar, tudo indica que com Berose a antiga astrologia se tornou uma técnica oculta. Ele era caldeu (sinônimo de astrólogo), vinha da Mesopotâmia e era sacerdote de Marduk. Sua teoria sobre os ciclos atravessaram os séculos. A astrologia tornou-se popular no século II aC, em particular graças aos sábios egípcios. Os mais célebres astrólogos desse tempo foram Hephaistos de Tebas (380 aC), Paulo de Alexandria (378 aC). Os eruditos belgas F.Boll e F.Cumont (O Egito dos astrólogos) conseguiram reunir muitos textos gregos dessa época.

As constelações que estudaremos no transcorrer deste ciclo (Mitologias do Céu) são aquelas que na antiguidade se fixaram principalmente através das obras de Claudio Ptolomeu. Astronômo, matemático, geográfo e sobretudo astrólogo, Ptolomeu (90 -168 dC) foi um dos maiores estudiosos do céu em todos os tempos, sendo o autor de um sistema geocêntrico que prevaleceu (e que continua a prevalever para os astrólogos) até o século XVI. Suas observações foram feitas entre 127 e 141 dC em Alexandria. De todas as suas obras, a mais importante é o Almagesto, uma exposiçao completa de seu sistema astronômico.São reunidos neste trabalho todas as teorias existentes sobre o assunto até então, principalmente a de Hiparco, bem como conhecimentos trigonométricos da época. Ptolomeu descreveu os movimentos do Sol e da Lua, além dos planetários, visíveis até Saturno. Sua obra máxima para a Astrologia é o Tetrabiblos, trabalho canônico. Construiu instrumentos astronômicos, dentre eles o astrolábio, que leva o seu nome, e globos terrestres.