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quinta-feira, 15 de julho de 2021

A CASA XII

         

PERSONIFICAÇÃO DA ASTROLOGIA
(GIOVANNI BARBIERI, CONHECIDO COMO GUERCINO, 1591-1666) 

A boa prática astrológica nos informa que o setor (casa) em que se encontra o Sol num mapa nele encontraremos o centro da existência do dono desse mapa, o lugar de suas experiências mais significativas, talvez, quem saiba, de suas maiores realizações. Se estiver nessa casa bem colocado por signo e bem relacionado por aspectos, podemos sempre esperar ali algum   fator de elevação, de distinção, de êxito. Conforme os mestres hindus nos apontam, o Sol, se favorecido num mapa por posição e aspectos, encontrará, principalmente, nas casas I (Ascendente) e X (Meio do Céu) as suas melhores possibilidades expressivas tendo-se em vista o que acabamos de colocar. Todavia, dizem-nos também os mestres hindus que isto não exclui possibilidades de realização mesmo que o Sol se encontre em casas  “difíceis”, que alguns chamam de maléficas, como as mokshabhavas (IV, VIII e XII). 




Como entender isto, se consideramos que a casa XII, sempre tida como difícil, é a casa final de um mapa? Nela encontramos (ou não) informações de como depois dos feitos mundanos (casa X), alguém com preocupações altruístas (casa XI) poderá entrar, inspirado por um entendimento mais vasto da vida cósmica, em contacto com sentimentos de compaixão, de solidão contemplativa e de autossacrifício. A cultura astrológica ocidental vê a casa XII como suscetível de ocasionar grandes provações durante a vida, de modo especial para os que nascem com o Sol nela posicionado. Estas provações tanto podem significar uma série de obstáculos que poderão se erguer diante do êxito de várias maneiras, desde crises de consciência,  como provações de ordem moral, como problemas crônicos de saúde ou como inimizades ocultas e inexplicáveis etc.

Segundo alguns mestres hindus, a casa XII poderá ser um “vale de lágrimas” ou uma “câmara de horrores”, um lugar de deformações, de tristezas, de sujeição, da “mão pesada do destino” se ela não for entendida como o lugar num mapa através do qual poderemos prestar alguma ajuda a pessoas que não podem ou não conseguem se ajudar a si mesmas. É por esta razão que muitas vezes encontramos pessoas que têm o eixo das casas VI-XII dinamizado pela presença de um Sol, de modo especial se ele estiver na casa XII. Sempre presente também a  a ideia de que é através dessa casa que podemos ter que prestar algum tipo de serviço, seja, por exemplo, como funcionário num asilo, como enfermeiro num hospital de alienados, numa prisão, num lugar onde se internam pessoas, numa prisão como carcereiro etc. O signo dessa casa, o planeta Netuno ou planetas presentes em Peixes nos informarão que tipos de serviço, além dos que deveremos prestar normalmente, teremos executar. Sempre será bom lembrar, entretanto, que onde Netuno estiver num mapa nesse setor do mapa poderemos  ter que, em algum momento de nossa vida (ou sempre), nos haver com algum tipo de autossubmissão, de autodedicação, de sacrifício, de autoengano, de desilusão etc. 

Um Sol de casa XII, no geral, predispõe a pessoa a “aparecer” menos na vida, seja por timidez, medo, insegurança, dúvidas etc. Ou seja, uma pessoa desejosa, quase sempre, de permanecer inexplicavelmente, ao lado, à sombra, escondida. Um Sol de casa XII não “gosta” de ser alvo de atenções, de ser notado, de “enfrentar” pessoas. Difícil para um Sol nesta posição ser direto, espontâneo, mesmo que lhe expliquem não haver nada a temer. 

Aspectos Sol-Netuno poderão apresentar também muitas das características de um Sol de casa XII, a saber: sensibilidade a correntes coletivas, receptividade às vagas sociais, sentido fortemente comunitário, político, messianismo, realização por uma via coletiva, ideológica ou místico-religiosa etc. A rondar este Sol sempre os perigos de atitudes anárquicas, escapistas, evasivas, caóticas, sonhadoras, com sérias repercussões de ordem psicossomática.


Um Sol de XII costuma inclinar a atitudes compassivas, a uma certa afinidade com o misterioso, o nebuloso e o imaginário que podem dificultar a percepção da realidade. Comum, por exemplo, que um Sol de XII se veja às vezes “mantendo” contactos como amigos imaginários ou “sinta” que o que lhe acontece de negativo deve-se a alguma falta criada pela sua imaginação.    

Um Sol de XII costuma também às vezes imaginar que haja alguma coisa errada a fazer parte de sua vida, mesmo que ninguém lhe apareça para cobrar algo, para apontar alguma falta ou erro. Comum por isso que a pessoa com um Sol de XII se “sinta” mal, fabricando culpas, muito mais por pressões imaginárias do que por algo de mal realmente cometido.  A predisposição a ligações com o mundo sobrenatural é também muito possível com o Sol de XII, muito comuns histórias fantásticas, fantasmas, vida depois da morte etc. 

Muito concretamente, por sua analogia com o signo de Peixes e Netuno, a casa XII nos informa sobre inimigos ocultos, sofrimentos físicos de longa duração (internações, hospitalizações etc.), sofrimentos morais, enganos e segredos. Refere-se também a casa aos grandes animais, aos trabalhos penosos, às doenças incuráveis, a prisões e exílios, a traições e muito mais.

Posicionado e aspectado favoravelmente na casa XII, o Sol pode proporcionar vitória sobre os inimigos ocultos, êxito nas profissões ligadas à cura do corpo e da mente, inclinação ao estudo e prática das chamas ciências ocultas. Presentes às vezes, mesmo com a condição solar acima apontada, sofrimentos causados pelos assuntos regidos pelo signo presente na casa. Dependendo da dignidade solar, podemos ter escândalos decorrentes de vida sentimental, problemas com filhos, jogos etc. 

De um modo geral, um Sol de XII costuma depender muito das chamadas reservas inconscientes, o que inclina a expressões através de grandes instituições, clínicas, lugares de retiro, asilos, hospitais etc. Pode-se mesmo afirmar que a única forma de um Sol de XII obter algum reconhecimento ou satisfação será a de prestar serviços nos quais não entrem ideias de retribuição ou de reciprocidade. 

Um Sol de casa XII, mesmo dignificado e bem aspectado, pode também encerrar quem o tem numa forma de existência marcada pelo retorno periódico de acontecimentos infelizes como se estivesse submetido a fatalidades provenientes do exterior. Todavia, se observarmos mais de perto, muitas dessas fatalidades parecem ser produzidas pela própria pessoa. É o caso daqueles que são os artífices de sua própria “infelicidade”, que não podem suportar a conquista daquilo que mais intensamente parecem desejar.

Já uma Lua de casa XII pode nos revelar que o humor de uma pessoa ou que suas respostas emocionais estão fortemente marcadas por influências de natureza inconsciente ou por experiências vividas anteriormente, mas que subsistem, no geral desconhecidas por quem as experimenta. Normalmente, uma Lua na casa XII inclina à timidez, à sujeição de temores, a sonhos e devaneios, sempre com muita dificuldade de separar a realidade da fantasia. 

Praticamente, a Lua na casa XII pode indicar trabalho em hospitais, sanatórios, orfanatos, educandários, asilos de crianças, através de entidades que lidam com o passado de um modo geral. Pode indicar separação da família de origem, sofrimento através do lado materno, perda de heranças. Se Câncer, por exemplo, ocupar a casa VI ou se a Lua for a indicadora de saúde, poderemos ter o caso de moléstias incuráveis transmitidas pela via familiar, de separação familiar, de sofrimentos causados por mulheres (mãe, esposa), questões de herança etc.

A Lua na casa XII pode tornar a infância infeliz, doentia, ocasionar provações afetivas pela via materna, inimizades familiares etc. De um modo geral, a Lua na XII indica timidez, imaginação perigosa, sobretudo com relação a culpas, remorsos, inferências, memórias etc. Particularmente, na casa XII, a Lua costuma se revelar também por lembranças infantis, aparentemente insignificantes, mas muito marcantes porque tomam geralmente a forma de fantasias inconscientes. A Lua em XII pode, por isso, adquirir uma feição paradoxal, ou seja, lembranças importantes de acontecimentos e fatos infantis  são “esquecidos” enquanto outros, aparentemente insignificantes, são conservados na lembrança.

Quem tem a Lua na casa XII sempre encontra alguma ou muita dificuldade para falar de seus sentimentos e emoções. Esta atitude costuma se explicar pela ideia de que as pessoas, diante desta exposição sentimental ou emocional, não as entenderiam ou poderiam alimentar pensamentos “errados” quanto ao que lhes estava sendo exposto. Uma Lua de casa XII costuma também “entender” que as pessoas, se a elas ela se “abrisse”, dificilmente a perceberiam como ela é de fato, na realidade. O que se poderá “dizer” diante deste “entendimento” lunar? Que esta Lua é “normal”, que não há porque serem escondidos sentimentos e emoções? Numa abordagem mais ampla, talvez pudéssemos dizer a esta Lua que ela deveria deixar de impedir a sua própria expressão mais livre.  Que deixasse de ser o seu próprio obstáculo. Isto certamente ajudaria tal pessoa a eliminar pensamentos negativos como os de que não seria aceita se falasse mais de sua interioridade, do que sente. 

Uma Lua na XII sempre necessita de muita segurança emocional, mas costuma encontrar  sempre muita dificuldade para obtê-la. Um pensamento que sempre lhe ocorre é o do que quando mais precisar de suporte ou de compreensão não os conseguirá. As pessoas que poderiam lhe ajudar estão ausentes, foram viajar, estão presas a outros compromissos dos quais não podem se desobrigar ou morreram, seja tudo isto verdadeiro ou não. De qualquer maneira, sempre muito difícil para uma Lua de XII confiar em alguém sob o ponto de vista emocional. Comum neste caso, a Lua de XII fabricar culpas, como a de que está sendo tratada dessa maneira porque cometeu alguma falta, da qual não se lembra, com relação a pessoas que poderiam lhe ajudar. 

Nos piores casos, uma Lua de XII costuma também “trabalhar” muitas vezes com a hipótese de, faça o que fizer, estar sempre ferindo outras pessoas, se enchendo de dúvidas quanto à correção de sua maneira de agir. Por isso, cenas em que sabidamente haverá muitas descargas emocionais deverão ser evitadas por uma Lua de casa XII, principalmente as que envolvam questões de família. 

Uma Lua de casa XII predispõe, no geral, por isso, a uma infância infeliz, a doenças que durem muito (crônicas), a provações afetivas, familiares, dificuldades conforme seja o tema astral masculino (esposa “difícil”) ou feminino (marido “difícil”) etc. Inimizades públicas, perigo diante de multidões, viagens marítimas. Mal posicionada na XII, a Lua sugere uma receptividade exagerada, muita instabilidade emocional (signos de água, mutáveis), riscos com relação a tendências herdadas. É de se lembrar que num mapa a Lua representa a mulher, principalmente a mãe e, em menor extensão, a esposa. As forças inconscientes e sustentadoras da Lua têm relação com a alma, a vida instintiva, a memória, os hábitos, os atavismos e tudo aquilo que, de um modo geral, está ligado a ideias de abrigo e segurança. 

Uma Lua de casa XII pode inclinar à timidez, à empatia exagerada, a descontroles com relação à imaginação e à memória, podendo chegar a extremos pela incapacidade que gera quanto à separação da realidade da fantasia. A presença lunar na casa XII pode sugerir trabalhos em hospitais (infantis), sanatórios, orfanatos, educandários, leprosários. Mal posicionada e aspectada em XII, a Lua tende a restringir oportunidades diante da vida, sempre dificultando quem a tem a mostrar o seu valor, enchendo a pessoa de inibições, suposições, dúvidas etc. 

Mercúrio tende a se fechar quando na casa XII. Quem o tem nesta casa costuma apresentar uma tendência bem pronunciada quanto não só a manter seus pensamentos em segredo como, quando questionada, a se mostrar muito evasiva, reticente com relação ao que lhe perguntam. Comum um Mercúrio de XII fazer com que as pessoas sintam muita desconfiança de tal pessoa, mesmo que, aparentemente, não haja motivo para tanto. Há sempre uma ideia de que tal pessoa esteja escondendo algo. Em casos mais “sérios”, esta posição de Mercúrio pode fazer com que a pessoa se sinta muito insegura com relação às suas ideias. A envolver seus pensamentos e ideias, muitas vezes, o temor de que eles, por não serem adequados, convenientes, os possíveis interlocutores possam se mostrar pouco receptivos ou que seu julgamento será pouco ou nada simpático, benévolo. 

Esta posição de Mercúrio pode se tornar particularmente negativa para crianças e jovens quando na escola tiverem que ser submetidos a arguições orais. É por isso que, de um modo geral, as crianças e jovens com Mercúrio na XII preferem a “obscuridade”, Isto é, não se fazerem notados, se sentar no fundo da sala, procurando sempre chamar a mínima atenção, desejos de que os esqueçam. 

Mercúrio na XII costuma tornar as pessoas solitárias, incapazes muitas vezes de externar uma opinião sobre qualquer assunto. Possível que tornem a pessoa, para o bem ou para o mal, dependendo do astro, muito imaginativa, sonhadora, divagante mentalmente. Não esqueçamos que Netuno e Júpiter, os donos da casa XII, sempre ofereceram alguma ou muita dificuldade para se lidar com o “real presente”. Nesta perspectiva, Mercúrio na casa XII sempre oferecerá alguma dificuldade quanto à desejável objetividade quando tivermos que viver o nosso dia-a-dia. Não que Mercúrio nesta casa possa se tornar mentiroso, mas o fato é que neste setor ele sempre oferecerá dificuldades quanto a se trabalhar com um foco. É por isso que Mercúrio na XII pode nos fazer dizer coisas que não são propriamente falsidades ou mentiras, mas distorcê-las, “navegando” em assuntos que nada têm a ver com o que se está a discutir.

Mercúrio na XII (principalmente num mapa em que a dominante seja a água) pode tornar a pessoa, sem que saiba o porquê disso, muito sensível ao que está acontecendo na mente das pessoas com as quais dialoga. É por isso que Mercúrio nesta casa pode provocar alguns distúrbios (dúvidas, temores, fobias etc.) principalmente se a pessoa que o tem viver em ambientes muito excitantes, estressantes. É de se lembrar que Mercúrio na XII sempre pede que a pessoa viva em ambientes tranquilos, calmos. Mercúrio na casa XII costuma oferecer sempre alguma (ou muita) dificuldade para que lidemos com assuntos muito “exatos”, lógicos, como ciências ou matemática. 

Uma das maiores tarefas para Mercúrio em XII talvez seja a de procurar transmitir com clareza ideias a outras pessoas. Difícil para Mercúrio aqui falar ou escrever com objetividade. Para contornar este problema, se possível, quem tem Mercúrio em XII deve sempre procurar apresentar as suas ideias de modo ordenado, uma de cada vez, embora, como se sabe, tais ideais costumem aflorar em desordem, impregnadas de sentimentos, de impressões e através de imagens não muito claras. 

O que está acima, lembre-se, não significa que um Mercúrio de XII não possa ser inteligente. O que devemos lembrar é que ele nesta casa pode se mostrar muito intuitivo, inquieto, tímido, demasiadamente sensível. Nesta casa, o planeta costuma se impressionar fortemente diante de tudo que seja fortemente doloroso ou desagradável, com forte propensão para captar as chamadas vibrações de ambientes, pessoas ou coisas. Mercúrio na XII, em posição privilegiada por signos e aspectos, pode proporcionar grande habilidade para atividades ligadas à investigação e pesquisas de natureza psíquica, que exijam sigilo. 

Mais objetivamente, Mercúrio na XII, mal posicionado e aspectado, pode ocasionar dificuldades com relação a palavras e escritos (envolvimento com a Justiça, condenações, repúdio social etc.). Outras possibilidades: adolescência difícil, mente confusa (dificuldade para separar o falso do real), mania de perseguição, falta de memória), instabilidade física e mental, moléstia nervosa incurável, hostilidade de pessoas jovens, irmãos, vizinhos, nas vias públicas. Risco de cuidados e provações no campo intelectual. 

Prosseguindo: pensamentos influenciados por pressões do passado e por memórias inconscientes. Como assessor solar, seleção e escolha de informações comandadas mais por sentimentos do que avaliações racionais. Dificuldade para operar com objetividade e análise lógica dos fatos. Hábitos educacionais confusos, pouca capacidade de discriminação. Aprendizagem escolar deficiente.

Vênus na casa XII costuma tornar a pessoa reservada e tímida com relação à demonstração de seus sentimentos. Isto não quer dizer, em muitos casos, que pessoa, com esta posição de Vênus, não seja capaz de se mostrar afetuosa, receptiva. Contudo, sempre haverá com esta posição, se falamos de afetos, uma certa contenção, receios às vezes infundados, e desconfiança. Algo talvez ilógico, injustificável, mas, muitas vezes, sem dúvida, presente. 

Com Vênus na casa XII há, no geral, preferência para relações pessoais secretas, escondidas aos olhos dos demais. Nos contactos, tendência a interferir, a supor a presença de  pressões subconscientes, com muita profundidade emocional e, em muitos casos, com muita inspiração artística, falsa muitas vezes.. De modo geral, Vênus nesta casa costuma se mostrar bondoso e simpático para pessoas que porventura se encontrem em dificuldades, de modo especial com relação àqueles que demonstrem uma hipersensibilidade difícil de controlar. Em signos de água, Vênus sempre oferece algum perigo na medida que numa relação afetiva a pessoa pode se tornar muito empática. 

Vênus, nesta casa, pode também demonstrar alguma preferência por relações secretas, sendo comuns casos de adultério, de ligações ocultas etc. Se mal posicionado e aspectado, Vênus pode ocasionar aqui muitas dificuldades com relação às casas onde tivermos Touro e Libra. Problemas econômico-financeiros, com terras, com contratos em geral, litígios etc. Repúdio e condenação pública da sociedade por conduta imoral, escândalos amorosos, se Vênus estiver mal, podem ser esperados. Inimizade de mulheres.

Vênus pode indicar na casa XII êxito em ocupações de caráter beneficente e artístico, em trabalhos de assistência social. Difícil, porém, que nestas ocupações a pessoa possa colher mais abertamente o reconhecimento pela sua dedicação. Vênus, na XII, pede muito cuidado com tendências idealizantes com relação a pessoas ou atividades relacionadas com a casa. Comuns, por isso, as decepções, as desilusões. 

NAUSICAA
(1878, F. LEIGHTON)
Um problema que Vênus costuma provocar quando na XII é o de oferecer muita dificuldade para a aceitação da realidade como ela é, especialmente com relação à vida social. Além do mais, comum que Vênus aqui faça as pessoas alimentarem temores se, numa relação afetiva, elas ousarem dar o primeiro passo em direção do outro. Muito comuns os casos de pessoas que com Vênus nesta casa, ainda que amem alguém, jamais conseguem se atrever a declarar para o outro o seu amor. A Mitologia grega ofereceu à Psicologia o nome para um complexo que vitima pessoas nesta situação, o chamado Complexo de Nausicaa, nome da infeliz amante de Ulisses, filha do rei Alcínoo.. 

Uma recomendação que pode ser feita para pessoas com Vênus na XII e/ou em mal aspecto com Netuno é a de que elas, se possível, lutem, recorrendo inclusive a aconselhamento técnico, para se tornarem como dizem os ingleses, um pouco mais outgoing de modo a que suas relações possam se tornar  mais compensadoras. Quanto a males que possam atingir de modo mais persistente (crônico) o corpo físico, especialmente se Vênus tiver relação com setores do mapa relacionados com a saúde, fica o alerta para os rins, os órgãos genitais femininos, a próstata, o pescoço, a nuca, a garganta, os seios, a epiderme, o sistema venoso. 







terça-feira, 27 de setembro de 2011

ULYSSES





Dublin, 16 de junho de 1904. Bloomsday. Dizer que Leopold Bloom é o Ulysses do título; que Stephen Dedalus é Telêmaco; que Marion, a mulher de Bloom, é Penélope; que Gertie MacDowell é Nausicaa, e assim por diante, é simplificar demais. Se assim fosse, bastaria tomar a Odisseia e comparar os episódios. É certo que Joyce (e nisto podemos ver a sua virtuosidade) seguiu a epopeia de Homero para fazer o arcabouço da sua novela. Mas os episódios da Odisseia são apenas as coordenadas pelas quais Joyce pode construir a sua própria visão da vida: a ação cobrindo um determinado dia, numa determinada cidade. E temos a grande crítica da vida do século XX, uma representação que, fechando a porta do heroico, abre-nos a da idade do muflisme (Gustave Flaubert).

Ainda que a base seja homérica, Joyce com o Ulysses vai mais adiante, pois expressa o universal no particular; Bloom, Dedalus e Marion Bloom tornam-se as modernas versões de arquétipos-figuras que nós vemos por trás deles. Por outro lado, Ulysses nada esclarece ou acrescenta à epopeia de Homero, como tampouco esta, exceto naturalmente a parte estrutural, nenhuma luz joga sobre a novela de James Joyce. Temos então no paralelo, talvez, a melhor forma para o entendimento do Ulysses. E parece que é isso mesmo que Joyce pretendia. Dedalus, o jovem poeta, que é também o personagem central de uma novela autobiográfica, A Portrait of the Artist as Young Man, não é apenas Telêmaco, mas Hamlet ou um dos aspectos de Hamlet. Dedalus, tendo repudiado a mãe e renunciado ao pai anda à procura de alguém que o substitua, um pai espiritual; Bloom, cujo filho morrera na infância, precisa também de alguém que ocupe esse vazio, e, de um modo simbólico, ambos, Dedalus e Bloom, encontram o que desejam em cada um quando se conhecem.

JAMES JOYCE

Acima de tudo, porém, acima de qualquer interpretação, entendemos que Joyce pretendeu mostrar na sua novela toda a vida e toda a História, encerrando-as num certo dia de 1904, em Dublin. Seria absurdo ver a novela como um simples panorama do horror da vida moderna, "a suja Daily Mail era", como Ezra Pound queria. Joyce escreveu, isso sim, numa escala gigantesca, o Between the Acts, de Virginia Woolf, muito embora Ulysses preceda aquela novela de cerca de vinte anos. Estamos diante da vida, nos dois extremos: nascimento e morte. Quando, por exemplo, Bloom está com os estudantes de medicina na maternidade do hospital o episódio é relatado por meio de uma série de paródias da língua inglesa, desde as suas mais arcaicas formas até as mais modernas manifestações do jornalismo. Virtuosidade gratuita? Não. Os estudantes estão à espera do nascimento de uma criança e as paródias dos sucessivos estágios do desenvolvimento da linguagem são o meio de Joyce espelhar o desenvolvimento do embrião no útero. A intenção formal é clara. Joyce procura transmitir ao leitor a sensação de simultaneidade. Nosso cérebro opera em duas dimensões: tempo e espaço. A máquina fotográfica, que não "pensa" as imagens, atua só no espaço, fazendo um registro simultâneo, sem necessidade de recorrer ao tempo. A mente humana, pelo contrário, precisa do tempo para efetuar as mudanças. Agora a pergunta: será indispensável o tempo à mente humana? Sabemos que alguns cérebros conseguem com uma velocidade notável, dependendo, é claro, do grau de cultura e da agilidade mental, passar de uma ideia a outra ou de uma imagem a outra. O problema é de aceleração. Em certas páginas do Ulysses, Joyce emprega-a de tal maneira que um só acontecimento da novela encerra todos os demais da sua espécie e a história toda é recapitulada num só dia. É a ubiquidade.

"Local" como nenhum outro, o livro quase que poderia ser tomado inteiramente como um guide-book de Dublin. A ficção ainda não nos deu nada de igual. Ao recriar com tanto cuidado e nos mínimos detalhes a sua cidade, Joyce transmite-lhe uma intensidade de vida que jamais poderemos pensar nos personagens sem ver Dublin como que os integrando.

As três grandes figuras do livro, nós as conhecemos pela introspecção, variando o meio que Joyce utiliza para nos pôr a par da vida interior de cada uma delas. Nas novelas de Virgínia Woolf, os personagens tendem a pensar e experimentar o momento como a própria autora o faz; eles dividem a sua sensibilidade e o seu modo de apreensão. Por Ulysses, é impossível dizer o que é a sensibilidade de Joyce ou qual é o seu modo de apreensão. Stephen Dedalus, em A Portrait of the Artist as Young Man, refere-se ao fato, explicando que "O artista como o Deus da criação permanece dentro ou atrás ou além ou acima do seu trabalho manual, invisível, fora da existência, indiferente, cortando as suas unhas". É essa a situação de Joyce, que está fora, ou quase, da existência do Uliyses. Bloom, Marion e Stephen Dedalus pensam, sentem e falam de diferentes modos e num estilo tão diverso como o são realmente.

Sem dúvida uma das mais surpreendentes qualidades de Ulysses é a variedade com que Joyce apresenta os seus personagens e as cenas. Talvez resida aqui a dificuldade de se ver o livro como um todo. Todavia, foi justamente esta extrema diversidade que permitiu a Joyce dar à sua novela a qualidade sonhada por Flaubert, que era de transmitir à prosa o ritmo do verso e descrever a vida comum como são escritas as histórias e as epopeias. E Joyce o conseguiu, além de criar uma linguagem nova. Se no verso é poeta menor, na prosa Joyce chega à genialidade quando nos transmite o sentido e a contextura de certas cenas e atmosferas, como acontece, por exemplo, logo no início da novela. Na cena da evocação da manhã, as frases parecem que imitam a coisa descrita; dão-nos a impressão de estarmos dentro da mente de Joyce.

ULISSES E AS SEREIAS

Para o pensamento escolástico de Joyce, filosofia significa Aristóteles, enquanto vida imaginativa quer dizer Odisseia. Este contraste entre Homero e Aristóteles é que mantém a peculiar tensão entre prosa e poesia, teoria e mito, "unidades" e universalidade, tempo e eternidade, existentes no Ulysses. Não se trata de um livro cômico, mas de uma grande comédia, no sentido que tem a visão de Dante: um reflexo total da existência onde se entrelaçam todas as tensões humanas. Neste particular é bastante significativo o fato de Joyce ter anotado: Tragedy is the imperfect manner and comedy the perfect manner in art. Não que em Ulysses falte a tragédia. Ela lá está, como o homem moderno mais a sente: a solidão e a inelutável, irônica e exuberante comunhão da carne. Marion Bloom, deitada na cama, é o ponto silencioso ao redor do qual toda a máquina gira, o lugar onde as paralelas se encontram e os contrários coincidem. Ela é o Primum Mobile do cosmos joyceano. A vida é um emaranhado de aspirações masculinas e de interesses que se chocam, porém o monólogo de Marion Bloom continuará para sempre.

Por isso, nós nunca nos identificaremos com os personagens de Joyce. Eles são independentes, têm vida pró¬pria, sofrem pela sua condição humana e não pelos seus pecados; vivem no seu próprio mundo, mundo denso e sólido, macrocosmo no microcosmo, aquele de um dia de junho do ano de 1904, em Dublin, Bloomsday. É este mundo que dá a Ulysses a sua real e profunda unidade. Desenterrando as mais antigas tradições do seu país, Joyce é, no século XX, o escritor que a Irlanda não teve nos seus primeiros anos. Um moderno Chaucer, Dante, Camões. Os mitos existiam, a epopeia criou-a ele ao construir, fora do tempo, num dreaming back, esse singular e prodigioso mundo que é Ulysses. Se ainda hoje muitos vacilam entre a alternativa de ver a novela como um todo ou como uma magnífica ruína, é mais importante o fato de que quanto mais nos esforçamos para chegar a uma decisão, maior se torna o mundo criado por James Joyce.

Joyce usa o método do stream-of-consciousness. Cada imagem definitiva da mente está embebida e tem a cor da água livre que corre à sua volta. A significação, o valor da imagem está todo neste halo ou penumbra que a envolve e acompanha. A percepção não aparece cortada aos pedaços. Nada está ligado, tudo flui. Demos a isto ou não, não importa, o nome de fluxo do pensamento, de percepção ou de vida subjetiva. Marion entra na novela de forma mais independente na parte final: à noite, na cama, relaxada, sonolenta, isolada de qualquer contato com o mundo exterior, os seus pensamentos, as suas memórias de amor, as suas especulações sobre Dedalus e Bloom vão de um lugar para outro sem que haja a menor obstrução; dezenas de páginas sem pontuação. Do monólogo interior de Marion Bloom parece escapar o bater ritmado de um imenso coração que, entre a vigília e o sonho, verte um fluido vital para inundar as grandes ampliações da vida, para cobrir os interstícios, as cicatrizes dos dias e os soluços inevitáveis que flutuam nas águas da memória como irreparáveis recordações.

Com Bloom já é diferente. Ao andar pelas ruas de Dublin, ele é assaltado pelos pensamentos, pelas coisas que os seus olhos captam, pelos aromas. Algumas vezes, chegam-lhe à consciência, através das impressões sensíveis, por associação, as preocupações mais permanentes: o vazio da vida pela morte do filho, o suicídio do pai, a humilhação porque a mulher o trai, o sentimento de ser um outsider devido à sua situação de judeu. Assim, Bloom abre-se todo para nós, mais do que qualquer outro personagem da ficção moderna. Ele é l’homme moyen sensuel e também o little man, vulgar, curioso, às voltas com o seu pequeno e sujo segredo sexual, anti-heróico, essencialmente o anti-herói. Mas Bloom é bom, na sua ingenuidade há algo de inocente. Ao mesmo tempo cômico e figura de um grande pathos.

Stephen Hero, Stephen Dedalus é um caso especial. Projeção do próprio autor quando jovem, arrogante, torturado por uma grande ambição ainda não realizada, atacado pelo remorso, aquele que renegou a família, a religião e a pátria. Ao apresentar Dedalus, Joyce usa uma exposição que não pode ser confundida com a técnica do stream-of-consciousness. O modo de pensar de Stephen é absolutamente diferente do de Bloom ou Marion; quando estamos confiados a ele, temos diante de nós, os graus mais elevados de conhecimento, controle e propósito. Stephen pensa em termos intelectuais, é culto, vale-se da linguagem dos schoolmen. Mas "pensar" talvez não seja a palavra adequada: a linguagem que Joyce põe na mente de Stephen Dedalus é antes uma notação do modo pelo qual ele pensa do que uma tentativa de transcrição literária dos seus pensamentos.

Artigo publicado em A Tribuna, página "Literatura, Arte e Cultura", em 11/06/1961, a pedido de Geraldo Ferraz. Republico-o hoje em homenagem ao meu joyceano amigo Florivaldo Menezes.