sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

BOOTES, CORONA BOREALIS, CYGNUS

         
BOOTES   OU   DO   PASTOR

BOOTES em latim, em inglês Herdsman, em francês Bouvier e em português Pastor, é uma constelação cuja história tem muito a ver, na caminhada da humanidade, com a passagem do período paleolítico para o neolítico. Neste último período, como se sabe, acentuou-se o fenômeno da sedentarização e tivemos o desenvolvimento da agricultura, a domesticação dos animais foi
HESÍODO
intensificada e  cresceram a difusão e o emprego de instrumentos e utensílios na faina agrícola. Ao fim do neolítico, chegamos à idade do bronze (Oriente Médio). Bootes já aparece registrada pelos poetas épicos gregos Homero e Hesíodo. Este último. homem afeito às coisas da terra, usa o verbo bootein no sentido de arar, registrando ele para esta constelação o nome de O Arador (vide o seu poema Os Trabalhos e os Dias). Ptolomeu, cerca de mil anos depois, daria a Bootes o nome de O Guardião do Urso (Arctophylax, em grego). 

Na mitologia grega, a história que se liga à constelação de Bootes é a de Arcas, cujo nome vem de arktos, urso. Arcas era filho de Zeus e de Calisto,  ninfa oréada que, optando pela virgindade, passou a integrar o cortejo de Ártemis, a deusa lunar. Belíssima, Zeus a notou, unindo-se a ela. Calisto, já grávida, banhava-se com Ártemis numa fonte quando a deusa percebeu o seu estado, transformando-a imediatamente em ursa, tudo como já se descreveu antes (vide Ursa Major). É nesse momento em que a criança nasce, sendo o menino entregue por Zeus a Maia, mãe do deus Hermes. Arcas era neto de Licaon que reinou sobre uma região mais tarde denominada Arcádia. Certo dia, ao acolher Zeus, sob o disfarce de um camponês em seu palácio, resolveu, para se certificar da sua identidade divina,  testar a sua onisciência. Para tanto, sacrificou o próprio neto e o serviu, como iguaria,  no banquete que lhe ofereceu. Seu intento fracassou: Zeus o castigou, destruindo o palácio real e o transformou em lobo, ressuscitando depois Arcas.


LICAON  /  LOBO

Na adolescência, Arcas se tornou um grande caçador. Certo dia,

andando pela floresta, quase matou Calisto, sua mãe, que, como ursa, perambulava pelas florestas. Apavorada, Calisto escapou, refugiando-se num templo de Zeus. Para evitar que ela e o filho acabassem perecendo, um caçando e outra sendo caçada, Zeus levou Calisto e Arcas para os céus, transformando, a primeira, na constelação da Ursa Maior e o segundo na estrela Arcturus,
alfa da constelação de Bootes, ficando o filho, nos céus, encarregado de proteger a mãe. 


ARCAS   E   CALISTO / URSA



Bootes tem à sua frente, unida a ela por dois cordões estelares, a constelação Canes Venatici, formada nos céus por dois cães chamados Asterion, ao norte, e Chara, ao sul. Esta constelação, Canes Venatici ou Os Cães de Caça, acompanha Bootes na sua caçada de ursos pelo polo norte celeste. Os desenhos destas constelações aqui mencionadas só tomaram  forma definitiva no final do século XVII.

Uma outra versão grega põe em relação esta constelação de Bootes com a história de Icário, pai de Erígone, que passa por ter sido o introdutor do vinho na Hélade. Icário era um camponês da Ática. Recebeu do deus Dioniso, de presente, por ser muito hospitaleiro, uma cepa e a plantou. Teve colheita abundante, preparando logo o vinho. Convidou, para festejar, vários amigos que, embriagando-se, logo caíram no sono. Os amigos que se atrasaram, ao chegar,
SATIRÍASE
julgando que Icário os matara, envenenando-os, o espancaram até a morte. Dioniso, muito irritado, se apresentou aos agressores sedutoramente na forma de um belíssimo jovem, despertando neles um violento desejo de possuí-lo sexualmente.  Excitou-os tanto que eles, tomados por uma pulsão incontrolável, esgotaram-se num mortal esforço espermático. A este furor erótico, desde então, se deu o nome de satiríase, uma patologia sexual que causa uma ejaculação tão forte e constante que leva à morte.



NINFAS   E   SÁTIROS  ( RUBENS )

O corpo de Icário foi descoberto por Erígone, sua filha, que teve sua atenção despertada pelos latidos do cão do infeliz camponês, de

nome Mera. A jovem, desesperada ao ver o pai morto, suicidou-se, enforcando-se numa árvore próxima.  Erígone, quando da visita de Dioniso ao pai, a ele se unira, tendo nascido dessa união o futuro herói Estáfilo, nome que em grego quer dizer “cacho de uva”. Em consideração a Dioniso, Zeus colocou Icário nos céus como a constelação do Pastor, Erígone como a constelação da Virgem e Mera como a constelação do Cão Menor.

 Uma versão menos aceita sobre a origem da constelação do Pastor nos diz que a deusa Demeter teria tido um filho, cujo nome não foi
DEMETER   E   DIONISO
registrado, quando ela e o deus Dioniso andaram pelo mundo a ensinar aos mortais as artes da fabricação do pão e do vinho. O jovem teria permanecido na Terra como pastor para continuar a obra de sua mãe. Generoso, a todos atendia, encontrando sempre meios de lhes ajudar na fabricação de utensílios e ferramentas para melhorar a produção agrícola. Teria ele, segundo essa história, construído um arado, para que pudessem os mortais produzir mais alimentos,  de melhor qualidade e em menos tempo. Por esse feito, a pedido de Demeter, Zeus teria colocado o jovem filho da deusa nos céus, razão pela qual a constelação do Pastor também é denominada às vezes pelo nome de a do Arador.


Desde então, em todas as tradições, para os camponeses, o arado passou a simbolizar a fertilização, sendo a sua relha, a peça que perfura, e a terra penetrada análogos, respectivamente, ao membro viril masculino e ao órgão reprodutor feminino. Assim, passar o arado sobre a terra é unir o masculino ao feminino ou, se quisermos, o céu à terra. Na Índia, por exemplo, o arado ou charrua é atributo de Balarama, um avatar (sétimo) do deus Vishnu, irmão mais velho de Krishna. Balarama tornou-se companheiro do deus Kama, deus do Amor. Balarama é muitas vezes chamado pelo nome de Langali.
BALARAMA
Este nome tem a ver com as palavras langali, charrua, e linga, lingam, órgão sexual masculino. Balarama tem como atributos a clava, a vasilha onde se bate o leite para fazer a manteiga e o arado com a sua relha. É Balarama conhecido. acima de tudo, como o grande condutor do arado. Alguns de seus apelidos: Ananta (imortal), Samvartaka (O que instaura os ciclos do tempo) e, por causa do arado, Hali (trabalhador infatigável). Sua esposa tem o nome de Revati (Prosperidade), o mesmo de uma constelação lunar (nakshatra), a 27ª,  (16º40´ a 30º00´ de Peixes). 



PTOLOMEU
Segundo Ptolomeu, as influências da constelação do Pastor têm características saturninas e mercurianas, enquanto as da estrela Arcturus são de natureza marciana e jupiteriana. Pelo destaque que tem Arcturus, de 1ª magnitude, alfa, a 23º32´ de Libra atualmente, a constelação é analisada principalmente através dela. Arcturus sugere atividades ou funções que digam respeito a ensino, orientação, liderança e proteção. Há também propostas de novos caminhos, instauração de novos modos de ver ou considerar a realidade. Arcturus atua na Terra em regiões situadas entre o polo norte e as equatoriais. 


CORONA   BOREALIS



CORONA BOREALIS ou  Coroa Boreal, segundo a cultura que a observou, comporta sentidos até muito diferentes. Para os gregos, esta Coroa foi a que Afrodite deu a Ariadne quando ela se uniu ao deus Dioniso na ilha de Naxos. No mito, como se sabe, Teseu recebeu de Ariadne, princesa cretense, inestimável auxílio para matar o monstro Minotauro, no Labirinto, nos subterrâneos do palácio real de Cnossos, capital da ilha de Creta. Sem este auxílio, o herói ateniense jamais o teria vencido. Ariadne deu a Teseu um fio que lhe permitiu, depois de vencido o monstro, sair do intrincado labirinto, voltando assim de novo à luz.



AFRODITE  ,  ARIADNE  E  DIONISO  ( TINTORETTO  -  XVI )


Apesar do coup de foudre que a vitimou, quando pôs os olhos no grande herói ateniense, que lhe provocou uma paixão fulminante, a
ARIADNE   E   TESEU
( RICHARD   NESTALL  -  1810 )
princesa cretense teve ânimo para lhe impor uma condição pela ajuda que lhe prestava: que Teseu, depois de vencido o monstro, a levasse  como esposa para Atenas. Iniciada a viagem de retorno à Grécia, Teseu sugeriu uma parada na ilha de Naxos, no meio do caminho, para descanso. Na manhã seguinte, Sol alto, Ariadne não sentiu mais Teseu a seu lado. Correu à praia e viu no horizonte distante as velas negras do barco do futuro rei de Atenas se afastando. 

Ariadne e Teseu são evidentemente expressões simbólicas: a primeira do mundo matriarcal e o segundo do patriarcado, ambos fixados nas suas prerrogativas, inconciliáveis. O fio que a princesa forneceu ao herói pode ser visto como um possível elemento de união entre esses modos de existência. Com ele, Teseu “desceu” ao seu mundo subconsciente, simbolizado pelo Labirinto. Contudo, a imposição de Ariadne caracterizava, na realidade, para o herói, uma ameaça de paralisação, uma renúncia à autonomia do seu eu. Se Ariadne era, de fato, por um lado, abrigo, segurança e proteção, de
ARIADNE   EM   NAXOS
( EVELYN  DE  MORGAN - 1877 )
outro era risco de opressão, de estreitamento, de castração, Ambos, Ariadne e Teseu “pecaram” contra o amor. É por isso que, no mito, Afrodite os perseguirá. Ariadne não soube dialogar com o patriarcado; porque inadaptada, morrerá nas mãos de Dioniso. Já Teseu terá na sua biografia, a manchá-la, o triste episódio do abandono da princesa cretense, os problemas que teve com a sua mulher Fedra, também princesa cretense, irmã da outra, e com o seu filho Hipólito. 

Conta o mito que o deus Dioniso, ao voltar de sua triunfal viagem à Ásia, aonde fora propagar o seu culto e levar a cultura da vinha, encontrou Ariadne desesperada, abandonada na ilha. Consta que, a pedido de Afrodite, tornou-a sua mulher, dando-lhe um diadema de brilhantes maravilhoso, e com ela teve três ou quatro filhos. Depois, os deuses, de comum acordo, resolveram sacrificá-la, do que Dioniso se encarregou. Dioniso, lembremos, é o deus das metamorfoses e, sobretudo, da destruição das formas que não sabem se renovar. Para leituras, audição e informações complementares que serão muito úteis para astrólogos anotemos que essa história inspirou obras como as de Corneille (Ariane), de Claudio Monteverdi (Arianna), de Haydn (Arianna à Naxos), Albert Roussel (Bacchus et Ariane), Richard Straus & Hugo von Hoffmannsthal (Ariane à Naxos). 

DIADEMA
Morrendo Ariadne, o diadema que Dioniso lhe ofereceu como presente de núpcias foi para os céus, assim nos contam os gregos. Ariadne é a imagem de um mundo, o do matriarcado, que morria mas que, apesar de tudo, deveria ser honrado. O símbolo desta homenagem foi o diadema. A esta altura, em nome de uma interpretação que julgo mais correta, cabe aqui uma distinção: a Astrologia passou por cima, desde tempos muito remotos, das diferenças entre a coroa e o diadema. O diadema, ressalte-se, não tem um caráter imperial como a coroa. Ele lembra, pela sua forma, a grinalda, a guirlanda, tendo mais a ver com joias e adornos que rainhas podiam usar quando não no exercício pleno da função real. Como tal, o diadema é joia, ornato, sempre em forma de meia coroa com que as mulheres cingem o toucado e/ou adornam a fronte.

O simbolismo da coroa se liga ao do círculo, à cabeça, representando nesse sentido a realização, a perfeição. A coroa é imagem de um poder legítimo, fazendo de quem a usa o representante de um mundo superior. Coroas são para poucos, muitos poucos, diademas já são para um maior número. No alto da cabeça, a coroa domina o corpo, isto é, a matéria, e, como tal, participa do céu em direção do qual ela se eleva, estabelecendo uma ponte entre o mundo humano e o mundo celeste, superior. A forma circular da coroa reforça ainda mais esta ideia de união, de integração. 

Os persas viram talvez melhor esta constelação, cuja fieira de estrelas não se fecha num círculo completo. Para eles a constelação de que tratamos tem a forma de um diadema e não de uma coroa, tanto que lhe deram o nome de A Placa Partida ou Interrompida ou, ainda,  A Tigela Quebrada, pois como dissemos, o círculo não se completa. 

Uma das leituras mais interessantes desta constelação é a que pode ser feita segundo imagens cristãs ligadas ao tema da mortificação
COROA  DE  ESPINHOS
de Cristo. Estas imagens nos remetem à figura de Cristo como rei dos judeus (a inscrição INRI, sigla da locução latina Iesus Nazarenus Rex Iudeorum será colocada no alto da cruz em que Jesus foi crucificado) e à coroa de espinhos. Alquimicamente, como sabemos, o rei é personagem muito frequente no tema da mortificatio alquímica, visto como o princípio racional diretivo da personalidade. Às vezes, o rei é substituído pela águia ou pelo leão em textos e nessas gravuras. Naquelas em que temos a mortificação do rei, vemos geralmente um grupo de homens que o agridem e até o matam. No caso da águia ou do leão, temos a amputação das patas deste último ou o corte das asas da primeira. Estas três figuras, o rei, o leão e a águia têm sempre relação, simbolicamente, com o comando do ego consciente e com o instinto do poder.

A mortificatio é uma das operações mais radicais da alquimia. Como seu nome indica é uma operação ligada à morte, isto é, à
SÃO   PAULO  ( REMBRANDT )
extirpação das paixões, lembrando abstinência, rigores, austeridades aplicadas ao corpo. A finalidade da mortificatio, como se sabe, é a de provocar um renascimento, de levar a uma outra forma de vida. É por isso que no ideário medieval cristão esta constelação, pela sua forma, foi associada à coroa de espinhos, símbolo da mortificação, coroa que Cristo ostentou no final do processo que trouxe a morte para o seu aspecto humano, tudo para que o seu aspecto divino pudesse aparecer, dentro de um quadro de referências de uma compreensão possível, inclusive e sobretudo astrológico. Uma frase de São Paulo nas  suas Epístolas aos Romanos sintetiza, acredito, o que aqui se expõe: Porque se viverdes segundo a carne, morrereis; mas se, pelo Espírito, mortificardes as obras da carne, vivereis.

Se deixarmos de lado as diferenças apontadas entre diadema e coroa, passando por cima delas,  admitindo o nome de coroa para a constelação, podemos considerá-la como um símbolo de ascensão a graus superiores de desenvolvimento espiritual, ou seja, a elevação do espírito pela vitória sobre as realidades corporais.

A constelação da Corona Borealis se estende de 2º a 17º de Escorpião. Segundo Ptolomeu, suas principais características têm relação com Vênus e Mercúrio. Tradicionalmente, nos é passado que as influências de Corona Borealis dizem respeito mais de perto a certos itens do mundo feminino como delicadeza, amor às flores, alguma tendência artística, beleza, mas também se referem a desilusões amorosas, decepções através de parceiros. A tudo isto devemos acrescentar talvez o que me pareça de maior importância quando nos aproximamos desta constelação e de sua principal estrela, Alpheca. Refiro-me ao simbolismo das mulheres coroadas, figuras femininas que de um modo ou de outro se elevaram (não por méritos pessoais) a posições de relevo, principalmente pela via matrimonial. É o caso, por exemplo, de mulheres de nível social inferior que se casam com figuras da realeza, da nobreza  ou com magnatas da indústria, com figuras sociais de muito relevo, em suma. A estrela desta constelação, Alpheca (em árabe “A mais brilhante da Tigela”), está hoje a 11º35´de Escorpião. Quando em conjunção com o Sol pode proporcionar posição elevada mas há perigo de escândalo. Com a Lua, honras mas também riscos de escândalo, só que estes de natureza  pública. 



CYGNUS


CYGNUS é uma constelação registrada da antiga Grécia ao
DIOSCUROS
extremo-oriente,  da Ásia Menor à Sibéria.                Embora a presença do

cisne não fosse muito comum no mundo mediterrâneo, esse pássaro tem na mitologia grega posição de destaque. Pássaro de um branco imaculado, cujo poder, brancura e graça fazem dele um símbolo da manifestação divina da luz, Zeus escolheu a sua forma para se unir tanto a Leto, tornando-a mãe dos luminares, Ártemis e Apolo, como a Leda, da qual nascerão os Dióscuros, Helena e Clitemnestra.

A constelação do Cisne tem relação com esta última história. Segundo a tradição, Leda teve quatro filhos, os Dioscuros, gêmeos,
Helena e Clitmnestra. O pai mortal dos quatro foi Tíndaro, rei de Esparta, com quem Leda estava casada. Segundo a tradição, porém, dois deles, Polideuces ou Pólux e Helena tinham uma parte divina, sendo considerados como filhos de Zeus. Para se unir a Leda, Zeus tomou a forma de um cisne, enquanto ela, numa última tentativa de escapar da sanha erótica do Senhor do Olimpo, tomou a forma de uma gansa.   


LEDA   E   O   CISNE  ( RUBENS )


O mito de Leda retoma a interpretação solar, diurna, masculina e fecundante do cisne. Gaston Bachelard vê o cisne como um símbolo do desejo,
GASTON   BACHELARD
inclusive sexual, que “morre cantando”. Esta ideia de desejo sexual e de fecundação está ligada inclusive à origem indo-europeia da palavra (radical) sven, que em sânscrito significa murmúrio, comunicação oral, ou, de outro modo, a palavra que fecunda. É deste radical que sai o nome do cisne em muitas línguas. No alemão, por exemplo, schwan, swan, em inglês, e em latim palavras como sonare (soar) e sonus (som). Tudo isto nos remete a uma ideia de união céu-terra. Os amores de Zeus-cisne e de Leda-gansa traduzem essa ideia de união, levada para a constelação 

BRAHMA
Na Índia, como montaria do deus Brahma, o cisne (hamsa) é um símbolo de elevação do mundo informal ao céu do conhecimento. No mundo celta, encontramos muitas representações da barca solar acompanha por dois cisnes quando de sua travessia pelo oceano celeste. Eles simbolizam os estados superiores espirituais do ser, trazendo sempre uma ideia de libertação para o seu retorno à unidade primordial. 

O cisne também aparece muito na Alquimia como um emblema do mercúrio. Em virtude de sua cor e mobilidade é ele que vai
RELEVO   MEDIEVAL
proporcionar a união dos opostos. Na Astrologia, lembremos, é um símbolo do planeta Mercúrio que nos leva de Áries (vermelho) a Escorpião (negro). Ao final deste signo, Escorpião,  Mercúrio vai transferir para o eu superior que deverá nascer no signo seguinte, Sagitário, tudo aquilo que obteve na sua trajetória. Imprescindível a aquisição mercuriana, pois sem ela não há como se pensar em
CIMIEZ
nascimento deste eu superior. Os alquimistas representam a “morte” do Mercúrio-cisne no laboratório, quando da sua união com o enxofre, para que a “droga da imortalidade” seja produzida, por um silvo, um ruído, a que denominam o “canto do cisne”. Voltado para a morte e para a decomposição, Mercúrio entrega ao “homem novo” a sua alma. Há, numa parede de um mosteiro da França (Cimiez), uma inscrição (Divina sibi canit et orbi) através da qual todas estas relações se condensam. 

É importante anotar que o cisne da mitologia e da astrologia é o cisne cantor, de pescoço liso e longo. Além disso, pelo seu elegante porte nos ares, ele aparece com o dom da profecia, tornando-se também, muitas vezes, um competidor ou um inimigo
ÉSQUILO
da águia e da serpente, podendo mesmo superá-las. O canto do cisne já aparece mencionado na antiga Grécia em textos de Ésquilo, sécs. VI-V aC. O canto do cisne sempre teve grande destaque na arte e na vida afetiva, tornando-se uma metáfora musical e literária, bem como na vida sexual. É neste sentido que Richard Wagner, em uma de suas
LONHENGRIN
obras máximas (Tristão e Isolda) usa a expressão. A saga medieval alemã de Lonhengrin, o Cavaleiro do Cisne, também utilizada por Wagner, incorpora o tema do cisne. No mundo cristão, o cisne cantor tona-se um emblema do Salvador agonizante e gemente na cruz. Julgo desnecessário aprofundar a forte conotação astrológica desta cena, tendo em vista o que acima já foi exposto.   

Não podemos deixar de registrar ainda um aspecto simbólico que o cisne apresenta, muito notável astrologicamente, a sua agressividade. Como sabemos, além dos mitos, matéria básica para a Astrologia,  uma das mais interessantes fontes para a interpretação astrológica está no estudo do comportamento dos animais que nela aparecem como símbolos. Resumidamente, quanto aos cisnes, a “psicologia” desse pássaro não faz dele uma figura tão tranquila
CISNE
, como nos é passado por muitas histórias. Na realidade, porém, não é bem assim. O cisne, no geral, é uma ave muito agressiva, determinada, principalmente se seu espaço é invadido. Não é por outra razão que nas tradições populares de muitos povos asiáticos, inclusive o grego, o cisne não é só aquela epifania luminosa. Ligados ao mundo divino masculino, os cisnes representam o céu de natureza patriarcal com os seus deuses da luz. 

Em várias passagens da mitologia grega, os cisnes aparecem associados a guerreiros, a figuras descontroladas, introduzindo eles também o tema da união do masculino e do feminino por conotações ligadas ao hermafroditismo (a imagem do cisne é, ao mesmo tempo, fálica, conforme seu pescoço sugere, e feminina, pelo arredondado de seu corpo). O modelo do aspecto belicoso do cisne nós o retiramos de alguns personagens da mitologia grega que têm o nome de Cicno (Kyknos, cisne, em grego). O primeiro deles é o de um filho do deus Poseidon (sempre pai de personagens descontrolados, gigantescos, brutais). Cicno é um herói troiano, que enfrentou Aquiles. De origem divina, era invulnerável. Quando lutava com o filho de Tétis, Poseidon interferiu, transformando-o em cisne. 

O segundo personagem é também filho do Senhor dos mares e reinava numa cidade vizinha de Troia. Exposto pela mãe, foi recolhido por um cisne que dele cuidou. Sempre esteve envolvido em lutas familiares que nos falam de estupros e assassinatos. O mais famoso “cisne” da mitologia grega, porém, é Cicno, filho do deus Ares e Pelopia, acima referido. Violento e sanguinário, matava peregrinos que se dirigiam ao Oráculo de Delfos, o que irritava sobremodo o deus Apolo. Este, desejando acabar com esses assassinatos, envolveu o herói Hércules no seu projeto. Vencido Cicno, o deus Ares foi tomar satisfações do filho de Alcmena no sentido de vingar o filho. Entram em luta; Palas Athena interferiu, desviando um dardo mortal que acabou ferindo o deus Ares na coxa, o que o levou a se retirar da luta. 



FAETONTE

O quarto Cicno é um amigo de Faetonte, dado a bravatas como este, malogrado herói, que vivia na península itálica. Tomado por imensa hybris quando se apossou do carro do pai, o deus Hélio, Faetonte, como sabemos, pôs em risco a ordem cósmica, ao se afastar da eclíptica. Foi fulminado por Zeus, caindo nas águas do rio Erídano, hoje uma constelação. Só choraram Faetonte as suas irmãs, as Helíades (hoje no céu como um grupo de estrelas) e Cicno. Este o chorou tanto que Apolo, com pena, o transformou em cisne (cygnus musicus), dando-lhe uma voz melodiosa. 


HELÍADES   E   FAETONTE

O último, Cicno, é um filho de Apolo, que nos remete ao aspecto masculino-feminino do cisne.  Belíssimo, atraía muitos amigos que queriam conquistá-lo, como amante passivo. Volúvel e cruel para com os seus pretendentes ou namorados, submetia-os a provas duríssimas. Um deles, Fílio, muito persistente, acabou sendo apoiado por Hércules e superou todos os obstáculos que o desalmado Cicno lhe propôs. Fílio, contudo, cansou-se de Cicno e publicamente desprezou o belíssimo jovem. Envergonhado, magoado, Cicno, em companhia da mãe, se lançou num lago, morrendo ambos. Apolo, muito pesaroso, transformou-os em cisnes.

Ainda com relação ao aspecto agressivo e belicoso do cisne, de natureza  ariana, lembre-se que na Índia as penas do cisne são
KRISHNA
símbolos usados por divindades no seu aspecto belicoso, guerreiro. Krishna, na sua função de matador de dragões, usa algumas vezes o cisne como símbolo. Além do mais, na Índia, aqueles que, embora vivos, se sentem além da fronteira da vida, tendo ultrapassado as limitações do mundo físico, usam o cisne (hamsa) como símbolo, como o brâmane peregrino, os renunciantes de toda a espécie, que não têm morada fixa, que migram em direção do Himalaia, seguindo as nuvens da chuva em direção do norte. Paramahamsa é o nome dos ascetas que vagam pelo mundo em liberdade e  sem morada. Sentem-se em casa tanto nas alturas do céu como nas águas dos lagos e dos rios.  Dentro dos Upanishads do Yoga, um dos mais importantes tem o título de Hamsa Upanishad ou O Pássaro Migrador.







Esta constelação, segundo Ptolomeu, se estende de 28º de Capricórnio a 28º de Peixes, incorporando não só o aspecto espiritual do cisne, com incursões a áreas artísticas, podendo aparecer também tendências a uma vida próxima de ambientes onde haja água (rios, lagos, beira-mar). Ptolomeu atribuiu a esta constelação características semelhantes às de Vênus e Mercúrio. A principal estrela desta constelação é Deneb Adige que está hoje a 4º38´de Peixes. Seu nome em árabe faz referência à sua posição: a que está na cauda. Esta estrela tem a ver com mente engenhosa, aprendizado fácil. A ela também se incorpora o poder do cisne, seu lado hostil,  traços arianos, que podem ser colocados a serviço de algo superior, alguma forma de transcendência, inclusive sob o ponto de vista espiritual.